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O dano moral no novo Código Civil

01/03/2003 às 00:00

Resumo:


  • O dano moral é discutido em nosso Código Civil atual, com definições variadas por diferentes doutrinadores.

  • A reparação por dano moral possui natureza compensatória e punitiva, sendo geralmente feita de forma pecuniária.

  • O Código Civil atual reconhece expressamente a possibilidade de indenização por dano moral, encerrando debates sobre sua reparabilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1.DEFINIÇÃO DE DANO MORAL; 2.NATUREZA JURÍDICA E FORMAS DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL; 3.HIPÓTESES DE REPARAÇÃO PRÉ-EXISTENTES AO NOVO CÓDIGO E O DANO MORAL EM NOSSO CÓDIGO CIVIL ATUAL; 4.DO ASPECTO PUNITIVO E DA LIMITAÇÃO DOS VALORES DA REPARAÇÃO POR DANO MORAL; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a discutir o tratamento dado ao dano moral e à sua reparação em nosso Código Civil atual, fazendo um paralelo com o diploma legal que precedeu este.

Começar-se-á, dessa maneira, com a busca de uma definição de dano moral a abarcá-lo em todo seu significado, trazendo-se, assim, os conceitos de diversos doutrinadores a fim de se encontrar uma adequação entre eles.

Feitas as considerações necessárias e encontrando-se tal definição, partir-se-á para a discussão da natureza jurídica da reparação por dano moral, discorrendo-se sobre a natureza compensatória e natureza punitiva deste, dando, nesse momento ênfase à primeira.

Serão, a seguir, tratadas aquelas hipóteses presentes no antigo Código Civil em que se admitia a possibilidade de indenização por danos não patrimoniais, para assim poder inserir o dano moral no contexto do atual Código Civil.

Finalmente, o caráter punitivo do dano moral será mais uma vez abordado, desta feita de forma mais profunda e com referência ao Projeto de Lei nº 6.960/2002, a versar sobre o tema.

De maneira conjunta ver-se-á o Projeto de Lei do Senado nº 150/1999 a impor limites aos valores das indenizações por danos imateriais, como tentativa de impedir possíveis abusos e incongruências nas delimitações das mencionadas reparações, fazendo-se então a devida crítica à referida limitação.


1.Definição de Dano Moral

A discussão acerca da possibilidade ou não de reparação de danos imateriais, de conteúdo moral, é algo que não se restringe ao tempo de nosso Código Civil atual, estando presente em nosso ordenamento de forma mais vívida desde a Constituição Federal de 1988 (vide Art. 5º, X).

Cabe, contudo, ao trazer a baila mais uma vez o tema, desta feita sob o prisma do diploma civil recém implantado, discorrer um pouco sobre a definição de dano moral, conceito este essencial para o desenrolar do presente trabalho.

É de se ressaltar, então, as diferentes definições dadas por ilustres doutrinadores ao dano a lesões de interesses não patrimoniais, como assim o coloca Zannoni [1].

De fato, acredita o supracitado autor ser o dano moral algo mais que a dor, angústia, desgosto, aflição espiritual, humilhação ou complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes constituiriam o conteúdo, a conseqüência do dano.

O dano moral, seria então constituído apenas pela dor advinda da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente.

Tal ponto de vista, entretanto, não faz maioria dentre aqueles que costumam discorrer sobre o tema. A esse respeito, válido se faz trazer o conceito de dano moral tido por outros doutrinadores.

Yussef Cahali, por exemplo, ao tratar do tema, afirma dever ser o dano moral caracterizado por elementos seus, "como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos. [2]"

Sílvio Venosa, por sua vez, aproximando-se um pouco de Cahali, vê o dano moral como o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima, "abrangendo também os direitos da personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade etc. [3]"

Aguiar Dias, ao deparar-se com a dificuldade em delimitar um conceito para o dano moral constatou que "com os danos não patrimoniais, todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais. [4]"

A partir do acima exposto, pode-se aferir ser o conceito de dano moral algo passível de diversas interpretações. Creio ter sido Maria Helena Diniz, contudo, a melhor integrar as diferentes definições apresentadas ao conceituar dano moral como a "lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos atributos da pessoa. [5]"


2.Natureza Jurídica e Formas de Reparação por Dano Moral

Uma vez esgotado o tema da definição de dano moral (ou da dificuldade em defini-lo), faz-se necessário dissertar, ainda que em breves linhas, a respeito da natureza jurídica da reparação por dano moral e, do mesmo modo, das formas de reparação por danos morais mais comumente utilizadas.

No que concerne a natureza jurídica de tal reparação, vale lembrar o ensinamento de Silvio Rodrigues, para quem "O dinheiro provocará na vítima uma sensação de prazer, de desafogo, que visa compensar a dor, provocada pelo ato ilícito. [6]"

Ora, uma vez que constatemos ser o dano imaterial incomensurável, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, poderemos chegar ao mesmo raciocínio de Sílvio Rodrigues, compartilhado também por Cavalieri Filho, quando diz este ser a condenação em dinheiro por conta de dano moral "mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação. [7]"

Inegável, assim, a natureza satisfatória ou compensatória da ora analisada reparação, constituindo-se assim esta, nas palavras de Zannoni em uma compensação ao dano e injustiça sofridos pela vítima suscetível de atenuar, em parte, seu sofrimento [8].

Importante destacar existir ainda na aludida reparação natureza penal, de caráter punitivo, que será, contudo, vista de forma mais detalhada em momento oportuno.

Quanto às formas existentes para se ressarcir o dano moral, tendo em vista a impossibilidade da restitutio in integrum, a reparação dar-se-ia em regra na forma pecuniária, visando, consoante Wilson Melo de Silva, a compensação da dor com a alegria, um lenitivo a facilitar a aquisição de tudo aquilo que possa concorrer para trazer ao lesado uma compensação por seus sofrimentos [9].


3.Hipóteses de Reparação Pré-Existentes ao Novo Código e o Dano Moral em Nosso Código Civil Atual

Faz-se fundamental para os propósitos do trabalho aqui apresentado, fazer um paralelo entre o texto do Código Civil Revogado e do que está hoje em vigor, naqueles artigos que dizem respeito à obrigatoriedade de reparação por dano não patrimonial, no caso, dano moral.

A esse respeito, vemos que, mesmo antes do atual Diploma Civil, o nosso antigo código já trazia hipóteses em que era admitida (e mesmo obrigatória) a reparação em casos de dano moral.

São exemplos dignos de nota os previstos nos artigos 1.538, sobre lesão corporal que acarreta aleijão ou deformidade ou quando atinge mulher solteira ou viúva capaz de casar; 1.547, concernente às hipóteses de calúnia, difamação ou injúria e; 1.550, acerca de ofensa à liberdade pessoal. Tais artigos, entretanto, possuem a indenização autorizada com base na multa criminal para cada hipótese.

O artigo do antigo Código Civil a tratar de forma geral do tema dano, artigo 159, apesar de não haver vedado a indenização por dano moral, omitiu-se de sobre ela legislar, sendo sua redação a seguinte, verbis: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

Ao omitir-se sobre o tema, o Código Civil revogado viu surgir calorosa discussão acerca da reparabilidade dos danos morais, havendo, contra a possibilidade de reparação por dano não patrimonial, argumentos que variavam desde a alegação de impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral, passando pela imoralidade da compensação da dor com dinheiro e chegando ao perigo de enriquecimento sem causa [10].

É desse modo, de suma importância o tratamento dispensado ao dano moral pelo Código Civil em vigor hoje, que traz em seu artigo 186 o reconhecimento expresso da existência de dano moral ao dispor, verbis: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" [grifo meu].

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O supracitado artigo, em conjunto com o artigo 927 do referido diploma legal encerra qualquer argüição existente sobre a não reparabilidade de dano reputado como moral, constituindo-se em verdadeira inovação em nosso ordenamento.

Assim e de acordo com Sílvio Venosa, as antigas objeções encontram-se hoje superadas, não podendo, a dificuldade de avaliação, em qualquer situação, ser obstáculo à indenização [11].


4.Do Aspecto Punitivo e da Limitação dos Valores da Reparação por Dano Moral

Suzane Carval, ao falar da responsabilidade civil, diz não haver dúvidas que, "para o homem da rua, a responsabilidade civil é bem outra coisa do que um simples instrumento de reparação de danos, constituindo-se também por ser uma contribuição ou garantia social. [12]"

Ao analisarmos o dano moral e a reparação deste podemos observar de fato a existência, além do cunho compensatório, de caráter lenitivo, de um importante aspecto punitivo.

O supracitado aspecto punitivo encontra-se demonstrado pela sanção imposta ao ofensor com o intuito de diminuir o patrimônio deste pela indenização paga ao ofendido.

Válido ressaltar que o caráter concomitantemente satisfatório para a vítima e punitivo para o lesante tende a receber maior atenção com a possível aprovação do Projeto de Lei nº 6.960/2002 a acrescentar, dentre outras coisas, parágrafo ao artigo 944 de nosso Código Civil, cujo texto será, verbis: "a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante."

Cumpre, então, cuidar para que a punição estabelecida ao lesante não se constitua em enriquecimento sem causa por parte do lesado. Para tanto, é digno de nota o Projeto de Lei do Senado nº 150/1999, a trazer faixas de valores a limitar a reparação por dano moral.

A partir do acima referido projeto, estariam classificados os danos morais naqueles resultantes de ofensas leves, cuja indenização seria de até vinte mil reais, de ofensas médias, fixando-se a indenização entre vinte e noventa mil reais e, finalmente, de ofensas graves, a ter como faixa de reparação entre noventa e cento e oitenta mil reais.

Creio não ser essa a melhor solução para que se contenham possíveis abusos, por motivos diversos, sendo os dois principais o fato de a moeda ser passível de desvalorização o que ocasionaria a inocuidade da norma.

Da mesma maneira, a imposição de faixas de indenização, com um limite máximo a ser considerado pelo juiz poderia colidir com as principais funções da reparação por dano moral, qual seja os seus aspectos satisfatório e punitivo, transformando a compensação da vítima em indenização meramente simbólica.

Aposto, sim, como forma de melhor balizar juízes quando de suas decisões os critérios adotados por Carlos Alberto Ghersi [13], quais sejam: a) os danos morais não devem necessariamente guardar proporção com outros danos indenizáveis, os quais inclusive podem inexistir; b) o dano moral não está sujeito a cânones escritos; c) não se deve recorrer a cálculos puramente matemáticos; d) devem ser levados em conta as condições pessoais de quem será indenizado, os padecimentos causados, as circunstâncias traumáticas da conduta do ofensor e as seqüelas que afetam a vítima e, finalmente; e) a idade da vítima.


CONCLUSÃO

A detida análise desenvolvida acerca do tratamento dispensado por nosso atual Código Civil ao tema do dano moral fazia-se necessária para um melhor entendimento dos fundamentos e das características que este rodeiam.

Após a feitura do presente trabalho, aferiu-se a evolução do pensamento doutrinário no que diz respeito à aceitação do dano moral como dano que, a despeito de poder não guardar qualquer relação com dano material, é passível de gerar reparação àquele que o sofreu.

A partir do acima exposto, percebeu-se que, de maneira diferente das indenizações oriundas de danos patrimoniais, as reparações referentes a danos morais possuem como objetivo primordial a compensação da dor causada, sendo a indenização pecuniária muito mais um lenitivo do que uma tentativa de mensuração do dano.

Confirmou-se também a importância de o atual Código Civil ter tratado de forma direta do tema, garantindo expressamente a possibilidade de indenização por dano moral e pondo fim às discussões acerca da reparabilidade ou não do mencionado dano, levantadas por diversos autores.

Podê-se, ainda, demonstrar o avanço da forma de pensar que vê no dano moral, algo mais que a simples reparação pelo dano sofrido, interpretando-o como sanção punitiva àquele que deu causa ao dano. Neste sentido, importante o papel do Projeto de Lei nº 6.960/2002 a tratar diretamente do tema ao propor a inclusão de parágrafo ao artigo 944 de nosso Código Civil.

Em última análise, observou-se o perigoso caminho trilhado pelo legislador ao procurar impor limitações às indenizações provenientes de dano não patrimonial, caso do Projeto de Lei do Senado nº 150/1999, a despeito de constituir-se este em tentativa de inibir possíveis abusos quando da definição do montante indenizatório por parte do juiz. Fundamentando-se a crítica a tal forma de pensar na possibilidade de prejuízo à vítima do dano por não se atingirem os papéis satisfatório e punitivo da reparação.


NOTAS

01. ZANNONI, Eduardo A. El daño en la responsabilidad civil, Buenos Aires : Astrea, 1982.

02. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª Edição, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998.

03. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 3ª Edição, São Paulo : Atlas, 2003.

04. AGUIAR DIAS, José. Da Responsabilidade Civil, V. II, Rio de Janeiro : Forense, 1979.

05. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7 : Responsabilidade Civil, 17ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2003.

06. RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil, 18ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2000.

07. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª Edição São Paulo : Malheiros, 2000.

08. ZANNONI, Op. Cit.

09. MELO DA SILVA, Wilson. Responsabilidade Civil Automobilística, São Paulo : Saraiva, 1980.

10. ANTUNES VARELA. Direito das Obrigações, Rio de Janeiro : Forense, 1977

11. VENOSA, Op. Cit.

12. CARVAL, Suzane. La Responsabilité Civile dans as Fonction de Peine Privée, Paris: LGDJ, 1995.

13. GHERSI, Carlos A. Valuación Económica del Danõ Moral y Psicológico, Buenos Aires : Hammurabi, 1995.


BIBLIOGRAFIA

AGUIAR DIAS, José. Da Responsabilidade Civil, V. II, Rio de Janeiro : Forense, 1979.

ANTUNES VARELA. Direito das Obrigações, Rio de Janeiro : Forense, 1977

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª Edição, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998.

CARVAL, Suzane. La Responsabilité Civile dans as Fonction de Peine Privée, Paris: LGDJ, 1995.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª Edição São Paulo : Malheiros, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7 : Responsabilidade Civil, 17ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2003.

GHERSI, Carlos A. Valuación Económica del Danõ Moral y Psicológico, Buenos Aires : Hammurabi, 1995.

MELO DA SILVA, Wilson. Responsabilidade Civil Automobilística, São Paulo : Saraiva, 1980.

RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil, 18ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 3ª Edição, São Paulo : Atlas, 2003.

ZANNONI, Eduardo A. El daño en la responsabilidad civil, Buenos Aires : Astrea, 1982.

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Sobre o autor
Rodrigo Macias de Oliveira

acadêmico de Direito na Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rodrigo Macias. O dano moral no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3863. Acesso em: 23 dez. 2024.

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