O que fazer quando o síndico for a construtora?

29/04/2015 às 14:16

Resumo:


  • Consumidores devem estar atentos à eleição do síndico e à escolha da administradora em contratos de compra e venda de imóveis, pois algumas construtoras assumem essas funções, alegando necessidade de adequação do empreendimento.

  • A atuação da construtora como síndico pode trazer problemas, especialmente se houver conflitos de interesse em casos de pendências nas obras ou divergências no projeto, pois o síndico deve defender os interesses comuns do condomínio.

  • Adquirentes questionam a "autoeleição" da construtora como síndico, recorrendo a proteções do Código de Defesa do Consumidor, e a jurisprudência ainda está se formando sobre a validade de tais cláusulas contratuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Legalidade da nomeação da construtora como síndica em empreendimentos novos.

Não bastassem os problemas decorrentes dos atrasos nas entregas das obras, o consumidor precisa ficar atento também no que diz respeito à eleição do síndico e administradora que fará a gestão do empreendimento adquirido.

Isso porque, está disseminando no mercado contratos de compra e venda de imóvel dispondo que o síndico será a própria construtora e a administradora será escolhida pela sindicância, ou seja, pela própria construtora, sob alegação de necessidade de adequação do empreendimento ao produto comercializado entre outras.

Assim, considerando que quando da Assembléia de Instalação do Condomínio os adquirentes não “se conhecem” eleger entre os presentes um membro para ocupar o cargo de síndico e/ou escolher a administradora, normalmente, é inviável operacionalmente, até pela falta de dados necessários para realização de tomadas de preços, requisição de orçamentos, contratação de prestadores de serviço etc.

Destarte, ante ao cenário operacional complicado que é a efetiva implantação do Condomínio, em um primeiro momento a atuação da construtora como síndica e a nomeação da administradora por si escolhida parece ser uma atitude que ofertará tranquilidade aos novos condôminos.

E seria uma situação válida, especialmente se estivéssemos falando de um período de transição de algo entre 180 dias, dependendo da complexidade e fins do empreendimento, e após o período de transição fosse transferido aos proprietários, por intermédio de assembléia, à faculdade de escolher quem será o síndico, podendo até mesmo ser votada pela permanência da construtora.

No entanto, como não há tal previsão, em algumas ocasiões, após um curto espaço de tempo, os condôminos percebem que ao invés de benéfica tal atitude pode ser prejudicial ao próprio Condomínio, uma vez que as vontades e anseios dos reais proprietários ficam sob o controle da construtora, na qualidade de síndica e qualquer alteração estará sujeita ao quórum disciplinado em lei.

A situação é agravada quando existem problemas de obras, divergência de projetos arquitetônicos, divergência da qualidade e de itens contidos no memorial descritivo e outras situações. Isso porque, nos moldes do II do art. 1.348 do CC/2002, compete ao síndico adotar todos os meios necessários à defesa dos interesses comuns do Condomínio e quando a questão for de responsabilidade da construtora será dever do síndico exigir da mesma a regularização das pendências, seja extra ou judicialmente.


Porém, quando isso ocorrer, o Condomínio ficará a mercê da atitude do síndico. Ou seja, o Condomínio, representado pelo síndico, que é a própria construtora, teria que em nome do Condomínio adotar uma postura contra si mesma (Construtora). Tal situação coloca em dúvida se há ou não existência de conflitos de interesse.

E mais, mesmo que em algumas ocasiões os problemas sejam solucionados sem necessidade de intervenção judicial, para efeitos legais, especialmente, no que diz respeito às garantias, é necessário que o Condomínio tenha guardado o histórico de todas as ocorrências e soluções sob pena de considerar superado o prazo de garantia e outras situações que terão reflexos no futuro.

Destarte, quando o síndico for a construtora, os condôminos e o Conselho Fiscal terão de desempenhar um papel de fiscalização intenso, uma vez que, sob o manto da facilidade de gestão, problemas podem ser acobertados ou minimizados.

Outrossim, em que pese haver previsão legal para destituição do síndico em decorrência da omissão e/ou inércia e ações indenizatórias contra o próprio síndico todos esses procedimentos não são imediatos.

É por isso que alguns adquirentes e futuros condôminos estão questionando tal “autoeleição” contida no contrato de compra e venda, socorrendo-se, especialmente, das proteções previstas no Código de Defesa do Consumidor, em especial nos artigos, in verbis:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

...

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;..”(gn)

Tais dispositivos ofertam um forte respaldo judicial, porém, como a inclusão contratual da “autoeleição” da construtora para ocupar o cargo de síndica e possibilitar a escolha da administradora é relativamente nova, o Judiciário ainda não tem formatado jurisprudência em definitivo sobre o tema, mas há decisões afastando a imposição do síndico por força de contrato de compra e venda e determinando que a escolha deva ser realizada pela Assembléia consoante preceitua o art. 1.347 do CC/2002.

Inclusive, ainda que conste na convenção condominial determinação de que a construtora exercerá o cargo de síndica por um determinado período, tal imposição é plenamente discutível, pois a convenção condominial deve respeitar as diretrizes previstas no Código Civil, dentre as quais, a que possibilita a convocação de assembléia para destituição do síndico, e sendo a assembléia soberana para decidir sobre a vida condominial qualquer cláusula que retire tal direito é nula, consequentemente, se for anseio da assembléia destituir o síndico antes do período impositivo imposto na convenção tal fato deverá ser acatado, ainda que para isso seja necessária à adoção de procedimentos judiciais.

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O fato concreto é que os contratos de compra e venda de imóveis na planta estão se tornando cada vez mais complexos e em várias ocasiões a análise documental deve ir além da parte financeira e física do que será construindo, devendo ser analisada toda parte operacional de como o empreendimento será instalado e administrado.

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Sobre o autor
Alexandre Berthe

sócio do Berthe e Montemurro Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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