Sumário: Introdução. 1. Inconstitucionalidade e nulidade; 1.1 Supremacia e rigidez constitucional; 1.2 Natureza jurídica do ato inconstitucional; 1.2.1 A doutrina tradicional e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal; 1.2.2 Posicionamentos doutrinários discordantes. 2. Teoria restritiva no sistema normativo brasileiro; 2.1 Temperamentos à tese da nulidade das leis inconstitucionais no Direito Comparado; 2.2 Superação do dogma da nulidade dos atos inconstitucionais na jurisprudência do STF, antes do advento da 9.868/99; 2.3 Modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade na Lei 9.868/99; 2.3.1 Segurança jurídica e excepcional interesse social: parâmetros para graduação de efeitos; 2.3.2 Alcance da expressão restringir os efeitos no art. 27 da Lei 9.868/99. 3. A restrição dos efeitos no controle incidental de constitucionalidade; 3.1 O princípio da proporcionalidade na teoria restritiva; 3.2 A doutrina prospectiva no Direito norte-americano; 3.3 O controle incidental e suas inter-relações com o controle direto de constitucionalidade brasileiro; 3.3.1 Efeitos da resolução do Senado Federal: natureza simétrica do instituto; 3.3.2 Reflexos, no controle difuso, da decisão limitativa tomada no controle concentrado; 3.4 Restrição dos efeitos no controle incidental de constitucionalidade: um processo de mutação constitucional. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O dogma da nulidade radical dos atos inconstitucionais, fruto dos ensinamentos teóricos e jurisprudenciais norte-americanos, tem encontrado dificuldades práticas de sustentação no atual estágio de desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Já não mais se pode afirmar a inconstitucionalidade como sendo uma figura unitária, indissociável da nulidade, como nos ensinava Rui Barbosa.
É inegável que a aplicação irrestrita do postulado da nulidade poderá, muitas vezes, não ser a melhor solução para o objetivo que se pretende alcançar com a declaração de inconstitucionalidade. Exsurge, então, a necessidade de se fazer preservar determinadas situações, como aquelas fundadas na autoridade da coisa julgada ou acobertadas pelo manto da segurança jurídica. Para tanto, engendrou-se na complexa tessitura do controle de constitucionalidade brasileiro o reconhecimento de uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados, restritos.
Tal atribuição foi expressamente deferida ao Supremo Tribunal Federal por meio da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, que conferiu a esse a possibilidade excepcional de modelar os efeitos de sua decisão, tomada in abstracto, como forma de salvaguardar os valores constitucionais que porventura viessem a colidir com a nulidade ipso jure da declaração pura e simples de inconstitucionalidade.
Podemos agora definir o campo problemático do tema objeto do presente estudo: a admissibilidade da doutrina da limitação de efeitos no controle incidental de constitucionalidade brasileiro.
Talvez seja este um dos temas mais ricos da moderna teoria constitucional, uma vez que envolve a afirmação contemporânea da idéia clássica de que incumbe aos tribunais a responsabilidade política pela manutenção da ordem jurídica, não podendo estes fecharem os olhos para as conseqüências concretas de suas decisões.
Enfatize-se, ademais, que a necessidade de se impor limites aos efeitos da decisão de inconstitucionalidade tem sido objeto de profícuos debates acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais no direito pátrio e alienígena.
O estudo proposto, no entanto, apesar de partir da análise genérica da limitação de efeitos, possui objeto mais restrito e, portanto, menos debatido pelos que se aventuram a tratar dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade. Compreender o instituto da limitação dos efeitos e analisar sua compatibilidade com o controle incidental de constitucionalidade brasileiro apresenta-se como objetivo precípuo deste trabalho.
Para tanto, partiremos da dissociação dos institutos jurídicos da nulidade e inconstitucionalidade, mediante o exame da natureza jurídica do ato inconstitucional, discorrendo sobre os diversos posicionamentos que se mesclam sobre o tema, inclusive o entendimento do Supremo Tribunal Federal e as posições doutrinárias que dele divirjam.
Prosseguindo, analisaremos a receptividade da doutrina da limitação de efeitos no sistema constitucional pátrio, registrando a orientação traçada sobre o assunto no direito comparado e no magistério jurisprudencial do STF, tecendo, após, algumas considerações sobre o dispositivo legal autorizador da restrição no direito brasileiro: o artigo 27 da Lei 9.868/99.
Passaremos, por fim, ao exame da compatibilidade do instituto com o controle incidental de constitucionalidade brasileiro. Com esse escopo, analisaremos os seguintes pontos relacionados ao objeto desta monografia: I - a admissão da doutrina prospectiva no direito americano; II - a dimensão dos efeitos da resolução suspensiva do Senado Federal; III – os reflexos das decisões restritivas tomadas in abstracto sobre as decisões dos demais tribunais do sistema difuso.
1 INCONSTITUCIONALIDADE E NULIDADE
Vivendo o homem em um sistema normativo estatal, sua conduta encontra-se submetida a um conjunto de normas, as quais se acham escalonadas de tal forma que, em determinado ordenamento jurídico, não possuem todas elas o mesmo valor, havendo, pois, uma hierarquia no sistema.
Afirma Kelsen que “o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior”.1 A partir desta colocação, assenta o professor Zeno Veloso que a Constituição deve ser entendida como o fundamento de validade e de eficácia de toda ordem jurídica, explicitando que:
A Constituição está situada no topo da pirâmide normativa jurídica e é a fonte primária de todos os direitos, deveres e garantias, conferindo o fundamento de validade de todo o sistema normativo. As normas constitucionais, então, são dotadas de supremacia, de preeminência em relação às demais leis e atos normativos que formam o ordenamento jurídico. Todas as regras têm de se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais alto e elevado do direito positivo.2
Canotilho, por sua vez, ressalta que a posição hierárquico-normativa superior da Constituição se dá por possuir ela características especiais apresentadas sobre três expressões distintas, quais sejam: I. - recolhem o fundamento de validade em si própria; II. - as normas constitucionais são uma fonte de produção de outras normas; III. – todos os atos do Poder Público devem se conformar com a Constituição.3
Nesse contexto, assumindo a Constituição posição de eminência em relação às demais normas do ordenamento jurídico, nenhum ato do Poder Público poderá contrariar-lhe os princípios ou transgredir-lhe os preceitos, sob pena de incidir em absoluta desvalia jurídica.
Tais colocações enfatizam que a superioridade constitucional traduz princípio essencial que condiciona a validade de todas as normas do sistema à autoridade dos preceitos inscritos na Constituição. Contudo, essa autoridade normativa não surge do nada, pelo contrário, deriva direta e imediatamente do fato da Constituição ser fruto do poder constituinte originário, que, por ser o poder do qual emanam os demais poderes, faz com que a norma por ele elaborada assuma posição de eminência em relação às demais normas disciplinadas pelos poderes instituídos.4
Sendo emanada pelo poder primário, a Constituição não poderá ser modificada pela mesma forma em que se alteram as demais espécies legislativas. José Afonso da Silva, citando Burdeau, esclarece que, sem rigidez constitucional, não se pode falar em supremacia formal da Constituição, acrescentando que “a previsão de um modo especial de revisão constitucional dá nascimento à distinção de duas categorias de leis: as leis ordinárias e as leis constitucionais”.5
1.1 Supremacia e rigidez constitucional
A rigidez constitucional tem como corolário lógico o princípio da supremacia da constituição. Significa dizer, nas palavras de Kelsen, que “as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas da mesma forma que as leis simples, mas somente através de processo especial submetido a requisitos mais severos”.6
O princípio da supremacia constitucional pressupõe, portanto, a rigidez de suas normas. Pode-se dizer que uma Constituição é rígida “quando ela é dotada de uma certa imutabilidade, só podendo ser modificada por um processo especial, ou pelo poder constituinte instituído ou de revisão”.7
Clèmerson Clève estrutura um conceito de Constituição a partir da afirmativa de que a Constituição deve ser compreendida como norma, mais precisamente como norma fundamental.8 Partindo da noção de supremacia da Constituição, assevera que deve haver uma compatibilidade formal entre o direito infraconstitucional e as normas constitucionais e também com o que chama de “dimensão material”, a qual se expressa por meio de um conteúdo de normas e de valores.
Sobre a necessária correlação entre a supremacia das normas constitucionais e a rigidez que as adjetiva, anota Elival da Silva Ramos:
Do atributo formal da rigidez das normas constitucionais, ou seja, da inalterabilidade pelos procedimentos usuais de renovação da legislação comum, extrai a doutrina o princípio da supremacia da Constituição e de suas normas sobre os atos legislativos, costumes e respectivos conteúdos normativos. Não se trata aqui de uma simples supremacia material (maior importância das normas constitucionais) e sim de uma supremacia formal indicativa de relação de hierarquia entre a Constituição e as demais fontes normativas.9
Em outra passagem desse autorizado magistério, acrescenta o constitucionalista:
O que importa, entretanto, é deixar patenteado que a rigidez e a supremacia (formal) das normas constitucionais estão umbilicalmente ligadas, devendo-se entender a supremacia hierárquica, simultaneamente, como regra estrutural (do ordenamento) e como um princípio constitucional, inferido, enquanto tal, das normas agasalhadoras da rigidez e do controle de constitucionalidade.10
Sendo a Constituição referencial para todo o ordenamento jurídico, e uma vez estabelecida sua superioridade normativa, o controle de constitucionalidade afigura-se como um dos meios mais expressivos de defesa objetiva da Constituição e da ordem normativa nela plasmada.
Havendo, pois, qualquer desconformidade à Constituição, seja ela de ordem material ou seja ela de ordem formal, o próprio sistema normativo deverá impor uma sanção, isso porque “a ausência de sanção retiraria o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica”.11 Para tanto, criou-se o controle de constitucionalidade, sendo este “o principal mecanismo, o meio de fiscalização e de reação mais eficiente para garantir a unidade intra-sistemática, eliminando os fatores de desagregação e ruptura, representado pelas leis e atos normativos que se opõem ao texto fundamental, que tentam infirmá-lo, desprezá-lo, conflitando com os seus comandos e princípios”.12
O controle de constitucionalidade, portanto, constitui um instrumento de afirmação da supremacia constitucional. Isso porque, é por meio dele que se consagra a superioridade dos vetores normativos da Constituição, traduzindo-se, desta forma, em um instrumento de garantia e concretização da superioridade da ordem constitucional, além de emprestar aos efeitos de sua decisão o condão de retirar qualquer eficácia jurídica da norma que conflite com as disposições constitucionais.
1.2 Natureza jurídica do ato inconstitucional
Talvez um dos temas mais discutidos da teoria do direito seja aquele referente à natureza jurídica do ato inconstitucional. Sobre o assunto mesclam-se as mais diversas concepções doutrinárias e jurisprudenciais existentes na moderna teoria constitucional, decorrendo daí a possibilidade de reconhecimento da inexistência, da nulidade, da anulabilidade, ou, ainda, da ineficácia do comportamento estatal incompatível com a Constituição Federal.
Tal diversidade de opiniões nada mais reflete senão posições doutrinárias que identificam, tão somente, os “vários graus de desvalorização do acto inconstitucional”13. Tem-se, assim, que as várias concepções teóricas existentes sobre o assunto permitem a formulação de teses que têm por escopo, na verdade, definir a real natureza dos atos inconstitucionais.
Marcelo Rebelo de Sousa, tratando do valor jurídico do ato inconstitucional, entende que a natureza jurídica do ato inconstitucional pode ser determinada em três planos distintos, quais sejam: inexistência, invalidade e ineficácia.
I - A inexistência jurídica pode ser definida como “o primeiro e mais grave desvalor do ato inconstitucional”14, consistindo na ausência, deficiência ou insuficiência dos elementos que constituem os pressupostos materiais e formais essenciais à identificação mínima do ato. A inexistência, portanto, representa a reação constitucional de considerar que não há nenhum ato jurídico a ser apreciado, mas somente uma aparência de ato, ou melhor dizendo, um ato aparente, ocupando-se o Direito de repeli-lo adequadamente somente se necessário15.
II - No caso da invalidade, o ato existe, é dizer, possui elementos mínimos à sua identificação, contudo, esse ato é total ou parcialmente desprovido de suscetibilidade de produzir a totalidade dos efeitos jurídicos a ele inerentes. Situa-se, portanto, a invalidade do ato inconstitucional, em segundo plano, desdobrando-se, conforme a teoria clássica, em nulidade e anulabilidade, sempre considerando a intensidade da depreciação do ato contrário à norma constitucional16.
III - Já a ineficácia não representa necessariamente um desvalor do ato inconstitucional. A ineficácia diz respeito a uma inaptidão para produção, em maior ou menor grau, dos efeitos jurídicos típicos do ato, tendo como modalidades, portanto, a inexistência e a invalidade. Todavia, deve-se ressaltar que não existe uma necessária e inevitável correspondência entre invalidade e ineficácia, podendo haver atos inválidos, mas eficazes.
1.2.1 A doutrina tradicional e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
O dogma da nulidade radical dos atos inconstitucionais remonta à experiência norte-americana — presente em Hamilton, já em 178817 — melhor sintetizada no pensamento do então Chief Justice da Suprema Corte, John Marshall que, analisando o complicado artigo VI, cláusula 2ª, da Constituição dos Estados Unidos, acabou por fixar por um lado o princípio da supremacia da ordem constitucional e, por outro, o poder e o dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição.18
Famosa é, a respeito, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos proferida por Marshall no caso Marbury v. Madison (1803), na qual afirmou-se que “a particular linguagem da Constituição dos Estados Unidos confirma e reforça o princípio, que se supõe essencial a todas as constituições escritas, de que uma lei contrária à constituição é nula; e os tribunais, bem como os outros departamentos estão limitadas por tal instrumento”.19
A lógica do pensamento de Marshall é inegável, se a Constituição é a Lei Suprema, admitir aplicação de uma lei a ela desconforme representa negar vigência à própria Constituição, em contrapartida, dizer que uma lei é inconstitucional representa dizer que, na verdade, tal manifestação de vontade do Estado não é lei, devendo ser extirpada do ordenamento jurídico, pois é nula e írrita (null and void).
Afigura-se de importância ímpar a lição de Marshall que, conforme noticia Manuel Gonçalves Ferreira Filho20, fez escola nos Estados Unidos, filiando-se a esta orientação a grande maioria dos constitucionalistas norte-americanos, por nós conhecidos por meio das lições de Rui Barbosa, dos quais citamos, para exemplificar, Cooley, Kent, Black, Willoughby. Este último, chegando até a enfatizar a idéia de que a expressão lei inconstitucional configura uma “contraditio in terminis”, uma vez que “the inconstitucional statute is not law at all”.21
É de se ressaltar que, até mesmo entre os sistemas de direito positivo que acolheram a tese da nulidade da lei inconstitucional, pode-se observar a existência uma ou outra exceção, como é o caso de Portugal, Espanha, Alemanha e Itália.22
Em contraposição ao sistema norte-americano, também denominado de sistema de controle difuso, temos, conforme noticia Mauro Cappelletti,23 o sistema austríaco, designado, por sua vez, como sistema de controle concentrado, no qual o ato inconstitucional não é nulo, mas anulável. A solução adotada pelo ordenamento jurídico austríaco tem respaldo no posicionamento do mestre de Viena, Hans Kelsen, para o qual:
“A afirmação de que uma lei valida é ‘contrária à Constituição’ (anticonstitucional) é uma contradictio in adjecto; pois uma lei somente pode ser válida com fundamento na Constituição. Quando se tem fundamento para aceitar a validade de uma lei, o fundamento da sua validade tem de residir na Constituição. De uma lei inválida não se pode, porém, afirmar que ela é contrária à Constituição, pois uma lei inválida não é sequer uma lei, porque não é juridicamente existente e, portanto, não é possível qualquer afirmação jurídica sobre ela. Se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por outra lei, segundo o princípio de lex posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional”.24
Esse posicionamento foi expressamente adotado pela Constituição austríaca. Essa determina que a ineficácia da lei ocorre desde a data da publicação da sentença, a não ser que a Corte fixe outro prazo — que não poderá exceder a um ano — para que a lei inconstitucional deixe de produzir efeitos (Constituição austríaca, art. 140. n. 5). A Constituição austríaca atribui, no entanto, eficácia retroativa à repercussão da decisão de inconstitucionalidade sobre o caso concreto (Constituição austríaca, art. 140, n. 7, segunda parte). 25
Mostra-se inegável, contudo, que a doutrina brasileira acolheu, sem maior relutância, a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, limitando-se, conforme elucida Lúcio Bittencourt, “a repetir a doutrina dos escritores americanos e as afirmações dos tribunais, sem buscar-lhes o motivo, a causa ou o fundamento”.26 Está, desde os ensinamentos de Rui Barbosa, a conceituação da inconstitucionalidade como uma categoria unitária, indissociável da nulidade.27
Em atenção à orientação importada da doutrina dos Estados Unidos, que consagra o dogma da nulidade dos atos inconstitucionais, chegou a afirmar Alfredo Buzaid que:
Sempre entendeu entre nós, de conformidade com a lição dos constitucionalistas norte-americanos, que tôda lei adversa à Constituição é absolutamente nula; não simplesmente anulável. A eiva de inconstitucionalidade a atinge no berço, fere-a ab initio. Ela não chegou a viver. Nasceu morta. Não teve, pois, nenhum único momento de validade. [...] O que afirma, em suma, a doutrina americana e brasileira é que a lei inconstitucional não tem nenhuma eficácia, desde seu berço e não a adquire jamais com o decurso do tempo. Se tôda a doutrina da inconstitucionalidade se funda na antinomia entre a lei e a Constituição, e se a solução adotada se baseia no princípio da supremacia da Constituição sôbre a lei ordinária, atribuir a esta uma eficácia transitória, enquanto não fulminada pela sentença judicial, equivale a negar durante êsse tempo a autoridade da Constituição. [...] O fundamento da doutrina americana e brasileira está, pois, em que, no conflito entre a lei ordinária e a Constituição, esta sempre prepondera sôbre aquela. Se a lei inconstitucional pudesse adquirir validade, ainda que temporariamente, resultaria daí uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição. Ou em outras palavras, o respeito à lei ordinária significa desacato à autoridade da Constituição.
Uma Lei não pode, a um tempo, ser e deixar de ser válida. As leis inconstitucionais não recebem um tratamento diverso. Porém, até o julgamento pelo tribunal, elas são executórias, embora inválidas. [...]. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio. Embora executória até o pronunciamento definitivo do poder judiciário, a sentença retroage os seus efeitos até o berço da lei, valendo, pois, ex tunc. O poder judiciário não modifica o estado da lei, considerando nulo o que inicialmente era válido. Limita-se a declarar a invalidade da lei, isto é, declara-a natimorta.28
É certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apoiando-se na doutrina clássica29, ainda considera revestir-se de nulidade o ato do Poder Público em situação de confronto com a Constituição Federal. É o que se extrai do acórdão da ADI 652-MA, Relator Ministro Celso de Mello, assim ementado:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – NATUREZA DO ATO INCONSTITUCIONAL – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – EFICÁCIA RETROATIVA – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR NEGATIVO – REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO – PRERROGATIVA INSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE EFEITOS RESIDUAIS CONCRETOS – PREJUDICIALIDADE.
– O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.
– A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito.
– A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse poder excepcional – que extrai a sua autoridade da própria Carta Política – converte o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo [...].30
No entanto, o Ministro Celso de Mello, nas razões do seu voto na ADI 2.574, parece admitir temperamentos à tese da nulidade ex radice do ato inconstitucional, nos seguintes termos:
Impõe-se reconhecer, no entanto, que se registra na orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, em atenção à determinadas situações — como aquelas fundadas na autoridade da coisa julgada ou apoiadas na necessidade de fazer preservar a segurança jurídica, em atenção ao princípio da boa-fé — uma tendência claramente perceptível no sentido de abrandar a rigidez dogmática da tese que proclama a nulidade radical dos atos inconstitucionais.31
1.2.2 Posicionamentos doutrinários discordantes
No que pesem os argumentos lançados, que reconhecem no dogma da nulidade dos atos inconstitucionais postulado lógico-jurídico de caráter obrigatório, há quem em sentido diametralmente oposto divirja, considerando o ato estatal em situação de conflito com a Constituição como meramente anulável.
Tal posicionamento, conforme já nos referirmos, encontra respaldo no pensamento de Kelsen, para o qual a inconstitucionalidade de uma norma não significa uma contradição lógica, mas sim uma condição do processo especial de anulação previsto na Constituição. Para ele a norma inconstitucional não é nula, mas anulável, embora podendo ser anulável com efeito retroativo, pois “a nulidade é apenas o grau mais alto da anulabilidade”. 32
Gilmar Mendes, com base na doutrina tedesca, assenta que a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais possui frágil embasamento teórico, uma vez que limita-se a invocar a evidência lógica dos seus pressupostos. Para justificar tal assertiva, lança mão de formulação teórica adotada por Jörn Ipsen, composta de dois modelos essenciais: I – modelo de colisão, e II – modelo de validade jurídica.33
I - De acordo com o primeiro modelo, modelo de colisão, o postulado da unidade do ordenamento jurídico exclui qualquer possibilidade de incompatibilidade ou contradição interna.
II - Já o segundo modelo, modelo de validade jurídica, considera as normas constitucionais como condições jurídicas de validade que devem ser preenchidas para edição do ato normativo. Segundo esse modelo, não se pode sequer afirmar que o ato inconstitucional chegou a ser editado, uma vez que não satisfez as condições de validade — formais e materiais — estipuladas pela Constituição.
Conclui, então, que o primeiro modelo parece supor o surgimento da norma no mundo jurídico, munida essa de plena presunção de constitucionalidade, eis que preencheu todos os requisitos para sua emanação, produzindo, então, todos os efeitos a ela inerentes. Sendo assim, o modelo de colisão abre espaço para a discussão sobre a teoria da anulabilidade da norma inconstitucional.
Essa colocação coincide, fundamentalmente, com a observação de Pontes de Miranda, segundo a qual “o nec ullus do romano não existe; o nulo do jurista contemporâneo existe, mas anormalmente existe, nulamente é. Daí poder haver o nulo com todos ou algum efeito e não haver o inexistente com efeito; o que não existe não tem qualquer efeito; o nada nada produz”.34
Está-se a ver que, assim como Gilmar Mendes, Pontes de Miranda também aponta como frágil a fundamentação lógica da tese da nulidade dos atos inconstitucionais, porquanto esta simplesmente reconduz o ato ao plano da inexistência, mas, na verdade, deveria situá-lo no plano da invalidade. Isso porque, “o ato inconstitucional entrou no mundo do ser, existe, embora invalidamente. Há de ser desconstituído – é passível de invalidação –, poderá e até deverá sê-lo retroativamente (ex tunc), mas não poderá ser considerado como se não tivesse inexistido”.35
Essa reflexão autoriza Regina Maria Macedo Nery Ferrari realçar que “a norma inconstitucional é anulável e que os atos praticados sob o império dessa lei devem ser considerados válidos, até e enquanto não haja a decisão que fulmine com tal vício, operando eficaz e normalmente como qualquer outra disposição válida, já que o é até a decretação da inconstitucionalidade”.36
Mauro Cappelletti observa uma certa atenuação da tese da nulidade dos atos inconstitucionais nos principais modelos de controle de constitucionalidade, tendo em vista, principalmente, o fato de que a retroação dos efeitos da decisão, em determinados casos — como aqueles que, com base em uma norma posteriormente declarada inconstitucional, produziram efeitos por um longo período de tempo —, poderá causar, muitas vezes, um mal maior do que o bem que se quer atingir.37
Daí enfatizar Lúcio Bittencourt que a “doutrina da ineficácia ab initio da lei inconstitucional não pode ser entendida em termos absolutos, pois que os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário”.38
Tal diversidade de posições doutrinárias que se digladiam em torno do tema impõe-nos reconhecer, no entanto, que a tese da nulidade dos atos inconstitucionais não pode ser reconhecida como postulado jurídico de índole obrigatória. Ou seja, “a aceitação do princípio da nulidade do ato inconstitucional não impede que se reconheça, entre nós, a possibilidade de uma declaração de inconstitucionalidade alternativa”.39
Isto significa que, em muitos casos, o princípio da nulidade dos atos inconstitucionais não poderá ser aplicado de forma absoluta, posto que poderá apresentar-se como “absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão; exclusão de benefício incompatível com o princípio da nulidade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação possa trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional”.40 Há de se preferir, então, uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos, limitados, uma vez que, “a nulidade resulta da inconstitucionalidade, não se configurando, porém, uma conseqüência lógica desta”.41
2 TEORIA RESTRITIVA NO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO
A moderna teoria constitucional não afirma a nulidade como conseqüência inexorável da inconstitucionalidade. Sendo assim, admite-se, “ao lado da tradicional decisão de perfil cassatório com eficácia retroativa, também decisões de conteúdo outro, que não importem, necessariamente, na eliminação direta e imediata da lei do ordenamento jurídico”.42
O princípio da nulidade dos atos inconstitucionais está condicionado diretamente ao princípio da supremacia da Constituição.43 Há casos, porém, em que a aplicação irrestrita da nulidade poderá trazer uma situação de grande insegurança jurídica. Permite-se, assim, a mitigação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, como forma de assegurar melhor normatividade ao texto constitucional, do que a pura e simples declaração com efeitos retroativos.44
Essa colocação coincide fundamentalmente com a observação de Rui Medeiros, segundo a qual:
A limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade não briga, necessariamente, com a nulidade da lei inconstitucional. Não se esqueça que o velho brocardo, segundo o qual o acto nulo é plenamente destituído de eficácia jurídica – quod nullum est, nullum producit effectum – há muito deixou de traduzir a verdadeira realidade jurídica do acto em causa, pois, na sua realidade histórica, ele envolve algumas conseqüências que a ordem jurídica não pode esquecer. A ausência absoluta de aptidão para produzir efeitos não é, portanto, requisito logicamente indispensável do conceito de nulidade. O acto nulo em princípio não é apto para desencadear efeitos conformes com o seu conteúdo. Mas excepcionalmente pode produzi-los.45 [grifo do autor].
Para que se possa afastar o princípio da nulidade dos atos inconstitucionais mostram-se indispensáveis três requisitos: a um, a necessidade de um outro princípio que justifique a não-aplicação do princípio da nulidade; a dois, um severo juízo de proporcionalidade que dê fundamento teórico à opção por outro valor constitucionalmente protegido; a três, um ajuste da norma constitucional à realidade social em que está inserida, por meio da interpretação conferida pelos Tribunais (mutação constitucional).
Embora o artigo 27 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos restritos, não incluiu o referido dispositivo todos os requisitos acima citados, tampouco todas as possibilidades em que se poderia afastar o princípio da nulidade dos atos inconstitucionais.46 Pode-se, assim, afirmar que tal dispositivo possui caráter evidentemente interpretativo, dando ensejo à discussão sobre campos problemáticos pertinentes a tal instituto.
É licito, então, indagar sobre a possibilidade de limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade in futuro, bem como a sua admissibilidade no controle concreto de constitucionalidade; pontos bastante controvertidos na teoria constitucional pátria e alienígena.
2.1 Temperamentos à teoria da nulidade das leis inconstitucionais no Direito Comparado
Alguns ordenamentos jurídicos dispõem expressamente sobre a amplitude e o regime jurídico inerentes aos efeitos que resultam da decisão de inconstitucionalidade, consagrando, em suas constituições, fórmulas que reconhecem a nulidade dos atos inconstitucionais como postulado jurídico de caráter não obrigatório.
Torna-se relevante destacar, nesse ponto, o magistério de Carlos Roberto Siqueira Castro, que bem contextualizou a mudança de premissas no que se refere aos efeitos da decisão de inconstitucionalidade:
De fato, no que tange a questão dos efeitos da decisão proclamatória da inconstitucionalidade, verifica-se hodiernamente que o radicalismo crônico, que marcou a afirmação histórica dos contrapostos modelos norte-americano e austríaco, cedeu vez a abrandamentos ditados pelas demandas do realismo jurídico e da justiça pragmática. Assim se fez a ponto de possibilitar saudáveis atenuações, ora na conferência de efeito ex tunc no campo do controle dito concentrado, ora na atribuição de efeito ex nunc nas searas do controle designado difuso ou de revisão judicial, às decisões proferidas nas mais diversas situações em que despontam litígios de confrontação constitucional.47
Tal observação sustenta-se, principalmente, no fato de que, até mesmo nos Estados Unidos, de onde é proveniente a tese da nulidade dos atos inconstitucionais, já se admite que questões pragmáticas, ínsitas ao realismo jurídico, possam dar ensejo a temperamentos na declaração de inconstitucionalidade.48
Essa alteração teórica em torno do tema também encontra respaldo no ordenamento constitucional italiano, no qual, apesar de acolher o princípio da retroatividade inderrogável das sentenças do Tribunal Constitucional, possui disposição constitucional que parece não se harmonizar com tal orientação. É o que dispõe o artigo 136, primeira parte, da Constituição Italiana, que preceitua que, quando a Corte declara a ilegitimidade constitucional de uma norma legal ou de um ato com força de lei, a norma perde a sua eficácia a partir do dia sucessivo da sua publicação.49
Na Espanha, o artigo 164 da Constituição determina que as sentenças do Tribunal Constitucional têm valor de coisa julgada a partir do dia seguinte de sua publicação. No entanto, apesar de a Constituição espanhola não dizer expressamente se a norma inconstitucional é nula ou anulável, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional estabelece, em seu artigo 39, n. 1, que “cuando la sentencia declare la inconstitucionalidad, declarará igualmente la nulidad de los preceptos impugnados”.50 Portanto, também no Direito espanhol aplica-se o princípio da retroatividade ab initio do ato inconstitucional.
Por outro lado, a Corte Constitucional espanhola, na sentença 45, de 20 de fevereiro de 1989, “enunciou que a conexão entre inconstitucionalidade e nulidade, apesar do disposto no art. 39.1 de sua Lei Orgânica, não é sempre necessária, cabendo ao Tribunal a tarefa de precisar, em cada caso, quais os efeitos da nulidade, no que toca ao passado”.51 Enfatizou-se nessa sentença que a nulidade é um instrumento reparador que só pode ser utilizado quando a expulsão da norma da ordem jurídica resultar meio idôneo para a restauração da juridicidade.52
A prática jurisprudencial do Tribunal Constitucional germânico, atento à insegurança jurídica proporcionada pela chamada zona cinzenta entre nulidade e plena conformidade à Constituição, vem construindo instrumentos de decisão que comportem tanto as situações ainda conformes a Constituição (decisões apelativas), como as situações meramente inconstitucionais (decisões de incompatibilidade ou declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade), “pondo assim em causa a alegada conexão entre inconstitucionalidade e nulidade ipso iure”.53
Na decisão apelativa, o Bundesverfassungsgericht “recusa-se a formular um juízo atual de inconstitucionalidade e limita-se a referir a possibilidade de a lei vir a ser, no futuro, considerada inconstitucional”.54 Já na decisão de incompatibilidade, o Tribunal limita-se a reconhecer a inconstitucionalidade sem, contudo, pronunciar a nulidade da norma. A diferença entre os dois institutos está no fato de que as decisões de incompatibilidade “contêm um juízo de desvalor em relação à norma questionada”.55
A questão da limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade assume particular relevância no direito português. É que, à semelhança do modelo de fiscalização de constitucionalidade brasileiro, adota a Constituição portuguesa um sistema misto de controle de constitucionalidade. A opção portuguesa pela restrição da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade em caráter excepcional surgiu na revisão constitucional de 1982, que, em seu artigo 282, n. 4, admite temperamento aos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.
No que diz respeito à fórmula consagrada na Constituição portuguesa, merece destaque o abalizado comentário de Jorge Miranda, que sintetiza, de forma clara, o conteúdo de tal preceito:
Segundo o art. 282.°, n.° 4, quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto em geral — quer dizer, eventualmente reduzindo o âmbito de aplicação retroactiva da declaração (que, no limite, poderá vir a só produzir efeitos para o futuro) e, quanto à inconstitucionalidade originária, obstando à repristinação de norma anteriormente revogada. Nas razões justificativas da ponderação dos efeitos indicam-se razões estritamente jurídicas — a segurança e a equidade, a primeira de incidência mais objectiva, a segunda de incidência mais subjectiva — e uma razão estritamente política — interesse público de excepcional relevo; e por isso, este interesse tem de ser fundamentado.56
É ilustrativo registrar, ainda, que, no campo do direito comunitário, o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, também possuem uma jurisprudência aberta quanto à determinação dos efeitos a serem atribuídos aos julgados que importem em invalidação de regras de direito.57
2.2 Superação da nulidade dos atos inconstitucionais na jurisprudência do STF, antes do advento da Lei 9.868/99
Embora o artigo 27 da Lei 9.868/99 tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos restritos, há de se ressaltar que, antes mesmo da positivação do dispositivo, já vinha o Supremo Tribunal Federal emprestando temperamentos à rigidez da tese da nulidade dos atos inconstitucionais, tanto no âmbito do controle concentrado quanto no controle incidental.
Observa-se, assim, a sugestão do Ministro Leitão de Abreu de superação do dogma da nulidade dos atos inconstitucionais pela jurisprudência do STF, sintetizada nas seguintes argumentações:
Hans Kelsen, enfrentando o problema, na sua General Theory of Law and State, inclina-se pela opinião que dá pela anulabilidade, não pela nulidade da lei constitucional [...]. Com base nessa orientação jurisprudencial, escreve o famoso teórico do direito: “A decisão tomada pela autoridade competente de que algo que se aprenda como norma é nulo ab initio, porque preenche os requisitos de nulidade determinados pela ordem jurídica, é um ato constitutivo; possui um efeito legal definido; sem esse ato e antes dele o fenômeno em questão não pode ser considerado como “nulo”. Donde não se trata de decisão “declaratória”, não constituindo, como se afigura, declaração de nulidade: é uma verdadeira anulação, uma anulação com força retroativa, pois se faz mister haver algo legalmente existente a que a decisão se refira. Logo, o fenômeno em questão não pode ser algo nulo ab initio, isto é, o não ser legal. É preciso que esse algo seja considerado como uma norma anulada com força retroativa pela decisão que a declarou nula ab initio” (ob. cit. p. 161).
2. Acertado se me afigura, também, o entendimento de que se não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo munido de presunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, a obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno,a questão de saber se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional. Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo.58 [grifo do autor]
Essa posição, contudo, não conseguiu infirmar a concepção segundo a qual a nulidade da lei importaria na eventual nulidade de todos os atos que com base nela viessem a ser praticados.
Não se pode olvidar, no entanto, que a Excelsa Corte, em reiterados julgados, reconheceu força a algumas fórmulas de preclusão como limite à eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade,59 e consagrou orientação segundo a qual os efeitos produzidos com base em lei inconstitucional poderiam ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé. Ou seja, os atos praticados com base na lei inconstitucional que não mais se afigurem suscetíveis de revisão não são afetados pela decisão de inconstitucionalidade.
Consoante esse entendimento, O Supremo Tribunal tem considerado legítimos os atos praticados por oficiais de justiça, cuja investidura no serviço público fora feita com fundamento em ato normativo posteriormente declarado inconstitucional.60
Em decisão proferida em 1994, da relatoria do Ministro Francisco Rezek, o Pretório Excelso consagrou o entendimento segundo o qual “a retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei declarada inconstitucional – mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade”. 61
Esta nova percepção do tema, apoiada em concepções de ordem pragmática, reflete, como assevera Sérgio Rezende Barros, “o atendimento às circunstâncias fáticas significativas ou às concepções jurídicas dominantes em sua atuação [...], não mais se questiona no tocante à faculdade de graduar e modelar as decisões acerca da constitucionalidade das leis”.62 Daí porque sustenta Paulo Bonavides a necessidade de criar-se, no plano do controle de constitucionalidade brasileiro, “um espaço de tempo, intermediário, que assegure a sobrevivência provisória da lei declarada incompatível com a Constituição”.63
Isso porque, “quando o Supremo julga da constitucionalidade das leis, nessa função ele é tribunal constitucional e, como tal, profere decisões político-jurídicas, as quais – por serem assim – devem e podem ter seus efeitos graduados e modelados no tempo e no espaço, bem como em sua compreensão e extensão, conforme a necessidade político-social que as enforma”.64 [grifo do autor]
Carlos Roberto Siqueira Castro, a esse respeito, escreveu:
Tal significa dizer, em síntese, que a natureza dos efeitos da decisão judicial (ex tunc ou ex nunc) não emerge de princípio ou de preceito sediado na Constituição, configurando, isto sim, uma questão de política-judicial (judicial policy), desse modo sujeita a livre valoração jurisdicional, a ser feita em cada caso concreto, segundo as multivariáveis hipóteses em que são ministrados, na via da jurisdição, os valores da justiça constitucional.65 [grifo do autor].
Daí afirmar o autor que:
Não há, verdadeiramente, preceito ou princípio, explícito ou implícito, a impedir, entre nós, a adoção, pela via decisional pretoriana, seja, de um lado, em caráter geral, do efeito prospectivo para as decisões proclamatórias da inconstitucionalidade dos atos normativos, seja, de outro lado, a discricionariedade judicial que habilite o Supremo Tribunal Federal a definir, no controle em tese, ou concentrado pelo mecanismo da ação direta, a natureza dos efeitos (ex tunc, ex nunc ou alguma combinação temporal intermediária) do acórdão que proclama a inconsistência de uma lei em face da Constituição da República.
[...].
Com efeito, ausente, na Constituição da República de 1988, qualquer diretriz ou indicativo respeitante à natureza dos efeitos atribuíveis à decisão que declara, na via da ação direta, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, é perfeitamente factível que o Supremo Tribunal Federal, no exercício da competência determinante do sentido e alcance do sistema da legalidade, que lhe é ínsita, evolua e atualize sua jurisprudência nesse campo de questões, conforme, aliás, tantas vezes já ocorreu nas searas das mais diversas. Isto de maneira a temperar a drasticidade do efeito retroativo em sua tradicional e ortodoxa feição, seja para adotar a operância prospectiva plena ou, simplesmente, para assumir a discrição — que lhe é insubtraível em face do silêncio de texto constitucional —, de definir, em cada caso submetido ao seu culminante julgamento a direção temporal a ser incutida às decisões de tal teor e natureza.66
Referido entendimento, relativo à capacidade de o STF estabelecer os efeitos a serem observados quando da pronúncia de inconstitucionalidade, ficou manifestamente demonstrado no voto do Ministro Maurício Corrêa, quando do julgamento da ADI 1.102-DF, da qual é relator:
Creio não constituir-se afronta ao ordenamento constitucional exercer a Corte política judicial de conveniência, se viesse a adotar a sistemática, caso por caso, para a aplicação de quais os efeitos que deveriam ser impostos, quando, como nesta hipótese, defluisse situação tal a recomendar, na salvaguarda dos superiores interesses do Estado e em razão de calamidade dos cofres da Previdência Social, se buscasse o dies a quo, para a eficácia dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a data do deferimento cautelar. [...].
Ressalvada a minha posição pessoal quanto aos efeitos para a eficácia da decisão que, em nome da conveniência e da relevância da segurança social seriam a partir da concessão da cautelar deferida em 9 de setembro de 1994, e acolhendo a manifestação do Procurador-Geral da República, julgo procedente as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 1.102-12, 1.108-1 e 1.116-2, para, confirmando a liminar concedida pela maioria, declarar a inconstitucionalidade das expressões “empresários” e “autônomos” contidas no inciso I do art. 22 da Lei n° 8.212, de 25 de julho de 1991.
Merece transcrição as preocupações expendidas pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto, no que diz respeito à superação do dogma da nulidade dos atos inconstitucionais, quando do julgamento da referida ação direta:
O ilustre Procurador-Geral da República trouxe à discussão matéria que também me preocupa, atinente ao radicalismo da doutrina americana ortodoxa de nulidade ab origine da norma declarada inconstitucional, que temos seguido, no Brasil, desde a adoção do controle difuso e incidente, mas que, na via do sistema concentrado e direto de controle, pode efetivamente gerar conseqüências gravíssimas.
De logo – a observação é de Eduardo Garcia de Enterría – a conseqüente eficácia ex tunc da pronúncia de inconstitucionalidade gera, no cotidiano da Justiça Constitucional, um sério inconveniente, que é o de levar tribunais competentes, até inconscientemente, a evitar o mais possível a declaração de invalidade da norma, à vista dos efeitos radicais sobre o passado.
O caso presente, entretanto, não é adequado para suscitar a discussão.
O problema dramático da eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade surge, quando ela vem surpreender uma lei cuja validade, pelo menos, era “dada de barato”, e de repente, passados tempos, vem a Suprema Corte e declara-lhe a invalidez de origem. Não é este o caso: a incidência da contribuição social sobre a remuneração de administradores, autônomos e avulsos vem sendo questionada desde a vigência da Lei 7.787, e creio que, nas vias do controle difuso, poucas terão sido as decisões favoráveis à Previdência Social.
[...].
Sou, em tese, favorável a que, com todos os temperamentos e contrafortes possíveis e para situações absolutamente excepcionais, se permita a ruptura do dogma da nulidade ex radice da lei inconstitucional, facultando-se ao Tribunal protrair o início da eficácia erga omnes da declaração. Mas, como aqui já se advertiu, essa solução, se generalizada, traz também o grande perigo de estimular a inconstitucionalidade.67
Entendeu-se, portanto, que a restrição dos efeitos não se aplicaria à hipótese, porquanto a matéria discutida vinha sendo, de muito, impugnada nos diverso tribunais dos Estados-membros e, até mesmo, no próprio Supremo Tribunal Federal, que, por vezes, decidiu em desfavor da Previdência Social.
Situação ainda mais complexa está no reconhecimento pelo Supremo Tribunal de “estados imperfeitos, insuficientes para justificar a declaração de ilegitimidade da lei ou bastante para justificar sua aplicação provisória”.68 Gilmar Mendes aponta como exemplo de situação imperfeita os casos de omissão parcial, especialmente da chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade. Isso porque, nesses casos, a cassação da norma não seria idônea para a finalidade perseguida, eis que estaria suprimindo benefício concedido a determinados setores, sem, contudo, permitir a extensão da vantagem aos seguimentos discriminados.69
A respeito do reconhecimento pela Excelsa Corte dos assim chamados estados imperfeitos e a decorrente evolução das técnicas de controle de constitucionalidade, com implementação de soluções criativas e eficazes para dar solução às mais complexas situações que envolvam questões constitucionais, mostra-se irretorquível a ementa do acórdão do RE 147.776-SP, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:
Ementa: Ministério Público: legitimação para a promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135.328): processo de inconstitucionalização das leis.
1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fática que a viabilizem.
2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal – constituindo modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, os moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou em cada Estado considerado –, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen, será considerado anda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o Plenário no RE 1356.328.
Extrai-se das razões do voto do Relator as pertinentes considerações sobre a adoção, no ordenamento pátrio, do processo de inconstitucionalização, inspirado diretamente no modelo germânico de controle de constitucionalidade:
O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepção incondicional e a da perda de vigência desde a data da Constituição.
Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que gera – faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada – subordinam-se muitas vezes a alterações das realidades fácticas que a viabilizem.70
O reconhecimento de situações ainda constitucionais enfatiza reflexamente a necessidade de abrandamento do dogma da nulidade dos atos inconstitucionais. Isso porque, caso o Tribunal venha a declarar a inconstitucionalidade em outro momento, deverá fazê-lo com eficácia restrita ou limitada.71
Essas colocações autorizam Oswaldo Luiz Palu a reconhecer a inadequação da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais em face da realidade constitucional subjacente, asseverando que, em determinadas situações, poderá a Excelsa Corte “determinar o grau de retroatividade da decisão (mínima, máxima, média) ou mesmo atribuir efeitos ex nunc à decisão, mesmo adotada a teoria da nulidade absoluta da lei, como mera decorrência de sua função de interpretar a Constituição”.72
Como forma de tornar efetiva a correspondência entre norma e realidade constitucional, o Supremo Tribunal Federal, por meio da importante função de interpretação final das normas constitucionais, deve adequar a letra seca da lei às constantes mutações constitucionais, isso de forma a “conseguir preservar a sintonia entre o programa normativo e o âmbito normativo, vale dizer, entre a interpretação constitucional e a realidade constitucional”;73 fazendo um ajuste do resultado.
A partir da proposição sustentada, o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal vem operando uma evolução de técnicas de interpretação constitucional, que culminam por transformá-lo, em última análise, em uma espécie de mini-constituinte, dada a amplitude dos métodos e princípios de que se utilizam as chamadas regras hermenêuticas, cujos contornos lhe permite manipular o próprio objeto da interpretação.
Poderia até afirmar que nessa importante tarefa de interpretação constitucional, estaria a Suprema Corte imbuída de liberdade de reelaboração constitucional. Essa concepção coincide com a observação de Häberle, segundo a qual “não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada”.74
Foi com fundamento na orientação de que “a questão constitucional, até mesmo pelas conseqüências do seu desfecho, exige um acurado cotejo entre a norma e a situação normada, porque sem o exame dos fatos nada nos dizem as formalizações jurídicas”,75 que surgiu a inovação legislativa de conferir ao STF a prerrogativa excepcional de graduar os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, sempre que, a juízo deste, razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social venham a justificar a sobrevida temporária e atípica de atos ou normas incompatíveis com o texto da Constituição Federal.
2.3 Modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade na Lei 9.868/99
O Congresso Nacional, atento ao desenvolvimento da discussão sobre a eficácia das decisões de inconstitucionalidade no magistério jurisprudencial do STF, chamou a si a solução da tormentosa questão sobre a aplicação da retroatividade absoluta ou retroatividade mitigada da lei inconstitucional. Para tanto, editou a Lei n. 9.868, em 10 de novembro de 1999, que dispôs, em seu inovador artigo 27, a orientação consagrada pelos ordenamentos constitucionais mais avançados nessa ordem de questão. O referido artigo ficou assim disciplinado:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.76
Tal fórmula foi inspirada imediatamente em disposição consagrada na Constituição portuguesa (art. 282, n. 4), que possibilita a limitação dos efeitos da sentença de inconstitucionalidade quando razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo o exigirem, destacando que o interesse público sempre deverá ser substancialmente fundamentado.
Jorge Miranda, em seu autorizado magistério, esclarece que a possibilidade de fixação dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade, apesar de ser uma prerrogativa evidentemente política, não é desprovida de razoabilidade, porquanto:
destina-se a adequá-los às situações da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqüência demasiado gravosas da declaração, o Tribunal Constitucional viesse a não decidir pela ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de segurança da própria finalidade e da efectividade do sistema de fiscalização.77
No ordenamento jurídico pátrio, todavia, referida possibilidade não teve o tratamento constitucional desejado, nem mesmo após o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004 (reforma do Judiciário), podendo-se até mesmo afirmar que a opção do constituinte foi pela inadmissibilidade da operância mitigada das decisões de inconstitucionalidade.78
Acentua-se, desde logo, que a solução legislativa, a despeito das criticas doutrinárias que lhe tem sido feitas, mostrou-se apta a solucionar a controvérsia. Na verdade, o artigo 27 da Lei 9.868/99 somente positivou a tendência jurisprudencial do STF de mitigar a rigidez dogmática da tese da nulidade ipso jure dos atos inconstitucionais.
Octávio Campos Fischer entende a possibilidade de restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade como sendo uma regra de calibração do próprio sistema jurídico. Nesse sentido, a restrição dos efeitos atuaria como um mecanismo de estabilização do sistema, somente podendo ser utilizado quando esse não comportasse a aplicação da retroatividade total (caráter residual da limitação de efeitos).79
Teori Albino Zavascki, estudando a eficácia das decisões na jurisdição constitucional, afirma que a teoria da nulidade ex radice dos atos declarados inconstitucionais não ficou comprometida pela regra constante de tal dispositivo, uma vez que:
Tal dispositivo, na verdade, reafirma a tese, pois deixa implícito que os atos praticados com base em lei inconstitucional são atos nulos e que somente podem ser mantidos em virtude de fatores extravagantes, ou seja, por razões de “segurança pública ou de excepcional interesse social”. Ao mantê-los pelos fundamentos indicados, o Supremo não está declarando que foram atos válidos, nem está assumindo a função de “legislador positivo”, criando uma norma – que só poderia ser hierarquicamente constitucional – para validar atos inconstitucionais. O que o Supremo faz, ao preservar determinado status quo formado irregularmente, é típica função de juiz.80
No entanto, aqueles que ainda entendem comportar a decisão de inconstitucionalidade apenas efeito retroativo, fazem-no, ordinariamente, com fundamento no princípio da supremacia da Constituição. Segundo essa parte da doutrina, a exemplo de Ives Gandra da Silva Martins, “toda lei é constitucional ou não o é e, se não o for, sua existência no mundo jurídico fica definitivamente prejudicada desde seu surgimento”.81
Tal argumento não procede, como nos explica Octávio Campos Fischer e Oswaldo Luiz Palu, porquanto “a supremacia constitucional é mantida porque a modulação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade somente é admitida quando for utilizada para o próprio resguardo dos valores constitucionais; e, portanto, daquela”.82 Isso porque, “a inconstitucionalidade torna inválida a norma; a jurisprudência do STF, ao atender a segurança jurídica e reconhecer os efeitos dos atos praticados sob a égide da lei declarada inválida, vela pela observância da própria Constituição”.83 Assevera Rui Medeiros, a propósito, que “a reacção à norma inconstitucional é [...] aferida reflexivamente a partir da própria ordem constitucional”.84
Mostram-se, ainda, de grande preocupação por parte da doutrina, os possíveis excessos que poderiam surgir com a utilização da nova prerrogativa conferida à Excelsa Corte. Receia-se que por meio do artigo 27 da Lei 9.868/99 possa o STF dar prevalência à preservação dos interesses econômicos do Estado, o que poderia ocorrer, de ordinário, na fixação de efeitos ex nunc ou pro futuro nas decisões desfavoráveis ao Erário e benéficas ao contribuinte.
Referida preocupação assenta-se no fato de que o legislador, ao conferir ao STF a competência excepcional de graduar os efeitos das decisões de inconstitucionalidade, restringiu-a aos casos em que, a juízo da Corte, razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social — conceitos abertos e indeterminados — venham a justificar a permanência atípica e temporária de atos ou normas incompatíveis com a Constituição.
Entretanto, anota Daniel Sarmento que “o STF será o juiz da presença destes requisitos, o que não significa dizer que ele tenha absoluta discricionariedade para concretizá-los”.85 Nesse processo, afirma o referido autor, estará a Suprema Corte sujeita ao crivo da crítica pública da comunidade jurídica, dos meios de comunicação e de toda a sociedade civil, o que representa, em última instância, uma espécie de controle por parte da “sociedade aberta de intérpretes” (Härbele) sobre possível aplicação desarrazoada da nova atribuição deferida ao Tribunal. Além disso, estabeleceu o legislador a exigência de um quorum qualificado como forma de conferir maior segurança aos métodos adotados pelo STF na concretização dos requisitos materiais (segurança jurídica e excepcional interesse social) estabelecidos na lei.
Mesmo com a abrangência de significados que possam assumir os conceitos abertos de segurança jurídica e excepcional interesse social, cabe aqui, no entanto, estabelecer um mínimo conceitual como norte na indicação do que possa comportar tais requisitos. Ademais disso, dada a imprecisão técnica do legislador na formulação do dispositivo, cuja dicção genérica não permite sequer estabelecer quais os efeitos e quais as espécies de restrições que englobam o art. 27 da Lei 9.868/99, resta ainda fazer um aparato geral para a determinação da extensão do alcance dos novos poderes conferidos ao Supremo Tribunal Federal.
2.3.1 Segurança jurídica e excepcional interesse social: parâmetros para graduação de efeitos
O conceito de segurança jurídica encontra-se entre aqueles que não possui um significado único, preciso. É dizer, padece de imprecisão jurídica, podendo ter diversos sentidos, o que o caracteriza como conceito jurídico plurissignificativo e indeterminado. Regina Maria M. Nery Ferrari, citando a sentença 27/1981 do Tribunal Constitucional espanhol, conceitua a segurança jurídica como sendo “a soma de certeza e legalidade, hierarquia e publicidade normativa, irretroatividade da menos favorável, interdição da arbitrariedade”. Dessa forma, esclarece que segurança jurídica “é o direito que cria condições de certeza, fazendo com que o cidadão se sinta senhor de seus próprios atos e dos atos dos outros”.86
Sempre memorável o magistério de Canotilho, ao esclarecer que não é tarefa fácil sintetizar o conteúdo básico do princípio da segurança jurídica, ensinando que as idéias nucleares de tal conceito desenvolvem-se praticamente em torno de dois conceitos chaves:
(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável que a sua alteração se verifique quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes.
(2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.87
A partir dessas noções, podemos afirmar que a graduação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade somente poderá ocorrer quando estiver em jogo a garantia da certeza e estabilidade das relações jurídicas, certo que o direito não existe como forma de tornar amarga a vida de seus destinatários. Desta forma, o princípio da segurança jurídica encontra expressão no próprio princípio do Estado de Direito.88
O requisito material referente ao excepcional interesse social, por sua vez, consiste na densificação de diversas normas constitucionais. Isso porque, conforme nos ensina Rui Medeiros, referindo-se ao art. 282, n° 4, da Constituição portuguesa, a adoção de tal pressuposto não está restrita à prevalência de interesses políticos ou econômicos do Estado, mas sim na adoção de um “conceito indeterminado para abarcar todos os interesses constitucionalmente protegidos não subsumíveis nas noções de segurança jurídica e de equidade”.89 [grifo do autor] Posto isto, o Tribunal, na invocação de razões de excepcional interesse social como fundamento para graduação dos efeitos, deverá explicitar claramente o interesse constitucional que se pretende salvaguardar e os motivos concretos que impõe a restrição.
A segurança jurídica e o excepcional interesse social, portanto, apesar de corresponderem a conceitos indeterminados, não constituem fórmulas vazias e sem conteúdo, representam, sim, parâmetros constitucionais para delimitar substancialmente a margem de liberdade do Supremo Tribunal na fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Daí enfatizar Rui Medeiros que a limitação dos efeitos é menos fruto da discricionariedade do Judiciário do que a real percepção de quais efeitos se adequam, factualmente, ao pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado.90
2.3.2 Alcance da expressão “restringir os efeitos” no art. 27 da Lei 9.868/99
Parte da doutrina, dada a má técnica legislativa na formulação dos artigos 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99, entende que a amplitude da expressão “restringir os efeitos daquela declaração” envolve não apenas a possibilidade de restrição dos efeitos no tempo, mas também a possibilidade de modulação dos efeitos no espaço, na extensão e na própria intensidade e compreensão da operância da declaração de inconstitucionalidade.
Pode-se, assim, assentar que a modulação dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade pode ocorrer em quatro dimensões distintas: I – eficácia temporal (alcance da decisão no tempo); II – eficácia vinculante (alcance da decisão em relação a outros órgãos); III- eficácia material (alcance do conteúdo da decisão); e IV – eficácia subjetiva (alcance da decisão em relação ao universo de pessoas afetadas).91
No diz respeito ao alcance temporal da declaração de inconstitucionalidade, a moderna teoria constitucional enfatiza que não se apresentam como soluções invariáveis a determinação de efeitos ex nunc à medida cautelar e ex tunc ao julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Isso porque, a cautelar pode ser excepcionalmente deferida com eficácia retroativa (art. 11, § 1°, da Lei 9.868/99) e o julgamento definitivo — seja pela procedência do pedido em ação direta de inconstitucionalidade ou improcedência em ação declaratória — pode determinar, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, a operância ex tunc, ex nunc, pro futuro ou até mesmo a permanência anômala da lei ou ato normativo declarado inconstitucional.
Podemos, então, afirmar que a declaração de inconstitucionalidade opera efeitos em três momentos distintos: a) retroativamente (ex tunc) – operando efeitos em período fixado entre o início da vigência da norma e a sua eventual pronúncia de inconstitucionalidade; b) ex nunc – com eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão; e c) pro futuro – difere a produção de efeitos para o futuro, a qualquer momento após a prolação da decisão.
Gilmar Mendes, a respeito, entende que o STF, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, ao decidir pela inconstitucionalidade de uma norma, poderá adotar três hipóteses distintas, além da tradicional eficácia retroativa:
“Assim, tendo em vista razões de segurança jurídica, o Tribunal poderá afirmar a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc. Nessa hipótese, a decisão de inconstitucionalidade eliminará a lei do ordenamento jurídico a partir do trânsito em julgado da decisão (cessação da ultra-atividade da lei) (hipótese “a”).
Outra hipótese (hipótese “b”) expressamente prevista no art. 27 diz respeito à declaração de inconstitucionalidade com eficácia a partir de um dado momento no futuro (declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro). Nesse caso, a lei reconhecida como inconstitucional, tendo em vista fortes razões de segurança jurídica ou de interesse social, continuará a ser aplicada dentro do prazo fixado pelo Tribunal. A eliminação da lei declarada inconstitucional do ordenamento submete-se a um termo pré-fixo. Considerando que o legislador não fixou o limite temporal para a aplicação excepcional da lei inconstitucional, caberá ao próprio Tribunal essa definição.
Como se sabe, o modelo austríaco consagra fórmula que permite ao Tribunal assegurar a aplicação da lei por período que não exceda dezoito meses. Ressalte-se que o prazo a que se refere o art. 27 tem em vista assegurar ao legislador um período adequado para a superação do modelo jurídico-legislativo considerado inconstitucional. Assim, ao decidir pela fixação de prazo, deverá o Tribunal estar atento a essa peculiaridade.
Finalmente, poderão surgir casos que recomendem a adoção de uma pura declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade (suspensão de aplicação da lei e suspensão dos processos em curso) (hipótese “c”). Poderá ser o caso de determinadas lesões ao princípio da isonomia (exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade). Nessas situações, muitas vezes não pode o Tribunal eliminar a lei do ordenamento jurídico sob pena de suprimir uma vantagem ou avanço considerável. A preservação dessa situação sem qualquer ressalva poderá importar, outrossim, no agravamento do quadro de desigualdade verificado. Assim, um juízo rigoroso de proporcionalidade poderá recomendar que se declare a inconstitucionalidade sem nulidade, congelando a situação jurídica existente até o pronunciamento do legislador sobre a superação da situação inconstitucional.92
Merecedor de criticas, como asseverou Gilmar Mendes nos argumentos acima lançados, foi a amplitude com que se admitiu a eficácia pro futuro sem a estipulação de qualquer limite temporal.
Em primeira leitura, poderia até se afirmar que o art. 27 da Lei 9.868/99 autoriza o Supremo Tribunal a manter em vigor uma lei inconstitucional pelo período que melhor lhe aprouver. No entanto, somos da opinião de que esse poder encontra limites lógicos, porém não tão radicais como a solução proposta por Alexandre de Morais ao afirmar que “não poderá o STF estipular como termo inicial para produção dos efeitos da decisão, data posterior à publicação da decisão no Diário Oficial, uma vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos”.93 Isso porque, se assim se entendesse, tal fórmula restaria vazia e sem conteúdo, eis que não teria nenhuma utilidade.
Somos da opinião de que o STF, ao diferir para um momento futuro a produção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, deverá, também, fixar o prazo no qual a norma inconstitucional permanecerá no ordenamento jurídico. Isso porque, a limitação in futuro tem por finalidade assegurar ao legislador a possibilidade de colmatar, em tempo hábil, o vazio jurídico que porventura pudesse surgir do expurgo da norma inconstitucional. O caráter restrito da limitação in futuro decorre, nesse contexto, do próprio princípio da supremacia da constituição, porquanto “a manutenção em vigor da norma inconstitucional só pode constituir uma solução transitória”.94
Parte da doutrina, no entanto, entende que a possibilidade de fixação de efeitos pro futuro seria inconstitucional, uma vez que “postergar no tempo, para além das alternativas ex tunc e ex nunc [...], os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, isto é, a nulidade do ato, constitui fator de grande insegurança jurídica e institucional”.95 Tal fórmula, segundo esse entendimento, iria de encontro com a própria idéia de declaração de inconstitucionalidade, porquanto é inconcebível que a norma continue a produzir efeitos após a publicação oficial da decisão que declare sua inconstitucionalidade.
O contra-argumento de Rui Medeiros, ao qual perfilhamos, é o de que “são razões constitucionais que impõem, excepcionalmente, o diferimento da produção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade para uma data posterior à publicação do acórdão”. Isso porque, “há situações em que a limitação dos efeitos in futuro se apresenta como a resposta adequada e necessária à salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos e como único modo de não sacrificar tais interesses”.96 Nesse sentido, não estaria o STF conferindo uma sobrevida atípica à lei inconstitucional, mas apenas declarando o resguardo dos valores constitucionalmente garantidos, certo que a manutenção da eficácia e aplicabilidade do ato inconstitucional decorre do próprio sistema jurídico e não de uma determinação discricionária do Tribunal.
No que diz respeito ao efeito vinculante da decisão de inconstitucionalidade, o artigo 28 da Lei 9.868/99 determinou expressamente sua aplicação nas decisões definitivas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, nos seguintes termos:
Parágrafo Único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.97
Gilmar Mendes anota que, nos termos do artigo supracitado, pode-se entender que, se o STF declarar a inconstitucionalidade in abstracto com efeitos restritos, essa decisão afetará os demais processos com pedido idêntico pendentes de julgamento nas demais instâncias. Nesse contexto, os fundamentos adotados na decisão limitativa in abstracto impõem sua observância aos casos concretos pendentes de julgamento. Poderá o STF, no entanto, dada a insegurança jurídica ocasionada pelo distanciamento temporal das decisões nos processos de controle abstrato e concreto (antes, no controle difuso; após, no controle concentrado), ressalvar os casos já decididos ou, em determinadas situações, os sub judice, até o ajuizamento da ação direita de inconstitucionalidade.98
Está-se a ver, portanto, que poderá o STF afastar a incidência dos efeitos dessa decisão em relação ao seu alcance subjetivo ou, até mesmo, em relação ao conteúdo do seu julgado. Poderá, assim, determinar que a decisão afete apenas determinados sujeitos, desde que não se ofenda o princípio da isonomia;99 bem como poderá limitar-se a declarar a inconstitucionalidade de determinada interpretação do ato impugnado ou apenas parte deste. Hipóteses essas já consubstanciadas nas figuras da interpretação conforme a Constituição e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.
3 A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS NO CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE
O aperfeiçoamento do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade não se faz sem interferências no controle concreto e difuso. Tal ocorre porque reserva-se ao controle concreto as peculiaridades de cada caso, para além da mera avaliação normativa inerente ao controle abstrato, preparando, eventualmente, o terreno para uma decisão em tese mais acertada, após a apreciação concreta de diversos órgão judiciais.
As inter-relações inerentes ao sistema misto de controle de constitucionalidade impõem reconhecer que, havendo a possibilidade de restrição dos efeitos da decisão no controle abstrato (em tese), tal limitação também estende-se ao controle concreto (incidental), principalmente porque as peculiaridades entre os dois modelos não infirmam a simetria na adoção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Em sede de recurso extraordinário (art. 102, III, a, b, c e d, da C.F.) é ainda mais incontroverso a lógica suscitada. Em verdade, a restrição dos efeitos, nesse caso, decorre do papel político-institucional desempenhado pelo STF, que deve zelar pela observância estrita da ordem constitucional, por meio do recurso constitucional a ele incumbido. Outrossim, a limitação dos efeitos está axiologicamente vinculada à melhor normatividade da Constituição.100 Assim, ao analisar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, seja em tese, seja no caso concreto, poderá a Corte ponderar os valores constitucionais contrapostos à nulidade absoluta, por meio do postulado da proporcionalidade, de forma a restringir os efeitos da sua decisão.
Nesses termos, deve-se primeiramente determinar a significância do princípio da proporcionalidade, no que diz respeito à restrição dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.
3.1 O princípio da proporcionalidade na teoria restritiva
O fundamento constitucional da restrição dos efeitos assenta-se especificamente na necessidade de um outro princípio que justifique a não-aplicação do princípio da nulidade. Contudo, as razões constitucionais da restrição não são suficientes para infirmar a aplicação retroativa da pronúncia da inconstitucionalidade. Mostra-se necessária, também, a verificação da compatibilidade da limitação de efeitos com o princípio da proporcionalidade, entendido em sua três vertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
a) No que diz respeito às duas primeiras vertentes, a restrição dos efeitos deve ter caráter restrito, sacrificando o menos possível o princípio da constitucionalidade, devendo ser adotado somente quando seja a única solução idônea e necessária. A restrição dos efeitos, portanto, enquanto medida excepcional, depende da verificação de que a restrição dos efeitos seria a solução adequada e necessária para evitar o sacrifício desproporcionado de outros valores constitucionalmente protegidos;
b) o princípio da proporcionalidade em sentido estrito assume peculiar importância na restrição dos efeitos. Isso porque, nesta terceira vertente, há uma ponderação entre meios e fins, entre o sacrifício do princípio da supremacia constitucional e a salvaguarda da segurança jurídica ou outro valor constitucionalmente assegurado. Assim, o Tribunal, ao conferir eficácia limitada à declaração de inconstitucionalidade, deverá verificar se na hipótese poderá ocorrer uma desproporcionalidade das conseqüências gerais da decisão em relação aos demais valores constitucionalmente protegidos. Assim, “impõe-se, para o efeito, a ponderação dos diferentes interesses em jogo e, concretamente, o confronto entre os interesses afectados pela lei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroativa e repristinatória”.101
Suzana de Toledo Barros, em seu rico estudo sobre o princípio da proporcionalidade, aponta a preocupação de parte da doutrina, que visualiza no cânone da proporcionalidade a possibilidade de decisionismos subjetivos dos juízes, de forma a afrontar a própria idéia de segurança jurídica, uma vez que esta pressupõe uma certa margem de certeza na aplicação das regras de direito.
Entretanto, rebate a autora a objeção imposta ao argumento de que “o parâmetro da proporcionalidade é especialmente útil para flagrar uma indevida intervenção dos Estado em posições jurídicas protegidas e não pode ser manejado em sentido oposto, isto é, para justificar iniqüidades”.102 [grifo do autor] Nesse mesmo sentido, afirma Rui Medeiros que “a margem de escolha de que o Tribunal Constitucional goza na fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não legitima a adoção de decisões arbitrárias, estando ‘condicionada por um princípio de proporcionalidade’”.103
Nesta ordem de questão, assenta Octávio Campos Fischer que o campo do controle incidental de normas é o que melhor se ajusta à limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Isso porque, a inconstitucionalidade incidenter tantum ocorre justamente da análise de uma situação concreta, onde melhor se apresentam os valores constitucionais a serem ponderados em cada caso.104
3.2 A doutrina prospectiva no Direito norte-americano
A pratica jurisprudencial da Suprema Corte americana representa peculiar importância para o estudo da limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle concreto. É que o sistema norte-americano de judicial review caracteriza-se como o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo, tendo-o como matriz o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
A experiência norte-americana é, no ponto, extremamente significativa, ao passo que representa a ruptura com a teoria da nulidade do ato inconstitucional, até mesmo nos sistemas de comom law, demonstrando que o controle incidental não é incompatível com a idéia da limitação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade.105
Os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade no sistema norte americano variam de acordo com as circunstâncias de cada caso. Isso porque, introduzem uma alteração jurisprudencial de precedentes, um overruling, alterando, assim, a regra do stare decisis – stare decisis et non quieta movere –, que estabelece a solução legal a ser aplicada a certo estado de fato. Pode, então, a nova regra afirmada valer somente para o futuro (prospective overruling), ou ser aplicada apenas aos processos iniciados após a decisão, inclusive ao processo originário (limited prospectivity) ou, ainda, excluir totalmente a retroatividade do ato inconstitucional, não se aplicando sequer ao processo que lhe deu origem (pure prospectivity).106
O leading case das prospectivity no sistema americano foi o caso LINKLETTER v. WALKER (1965). Neste julgamento, a Suprema Corte, examinando o pedido de habeas corpus formulado por Linkletter, apoiado na declaração de inconstitucionalidade do sistema de provas sobre o qual havia sido condenado (caso MAPP v. OHIO 367 US 643 - 1961)107, decidiu contrariamente à aplicação retroativa da norma, àqueles casos que tiveram o julgamento final antes da decisão proferida em Mapp.108
Tribe, a respeito do julgamento do caso Linkletter, acrescenta as seguintes considerações:
“In Linkletter v. Walker the Court developed a doctrine under which it could deny retroactive effect to a newly announced rule of criminal law. The Court announced that ‘the Constitution neither prohibits nor requires retrospective effect’ and quoted Justice Cardozo for the proposition that ‘the federal constitution has no voice upon the subject.’ The Court essentially treated the question of retroactivity in criminal cases as purely a matter of policy, to decided anew in each case. Under Linkletter, a decision to confine a new rule to prospective application rested don the purpose of the new rule, the reliance placed upon the previous view of the law, and ‘the effect on the administration of justice of a retrospective application’ of a new rule. The Supreme Court summarized the Linkletter approach in Stovall v. Denno: ‘The criteria guiding resolution of the question implicate (a) the purpose to be served by new standards, (b) the extent of the reliance by law enforcement authorities on the old standards, and (c) the effect on the administration of justice of a retroactive application of the new standards”.109
O contra-argumento à aplicação da doutrina prospectiva no direito americano apóia-se na concepção de que a alteração da jurisprudência, com a introdução da técnica prospectiva, acabaria por criar uma discriminação entre aqueles que aplicaram a norma antiga e os que se beneficiaram da nova.
Tal argumento não procede, principalmente se colocado em exame o tema dos efeitos retroativos em processos criminais. É que, segundo a lógica consolidada desde o julgamento do caso MARBURY v. MADISON (1801), os atos inconstitucionais nunca inexistiram e, portanto, as eventuais condenações neles baseadas também nunca deveriam ter existido. Implica-se, assim, a possibilitando de revisão de todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional.
O que se entendeu no caso Linkletter, no entanto, foi que, uma vez aceita a premissa de que a Constituição não proíbe, nem requer o efeito retroativo das decisões que declarem a inconstitucionalidade de uma lei, a aplicação prospectiva dependeria do exame dos méritos e deméritos de cada caso, adotando-se como critérios justificadores o histórico anterior da norma em questão, seu objetivo e efeito e, por fim, se a operação retrospectiva iria adiantar ou retardar sua operação.110
Está-se a ver, portanto, que a adoção da doutrina prospectiva no sistema norte-americano de judicial review reflete a orientação traçada pelos ordenamentos constitucionais mais avançados nessa ordem de questão, referente à necessidade de se estabelecerem limites à eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade, mesmo no campo do controle concreto.
3.3 O controle incidental e suas inter-relações com o controle direto de constitucionalidade brasileiro
O controle incidental possui escopo bastante diverso do visado pelo controle concentrado. Aquele objetiva a defesa de direitos subjetivos; este, precipuamente, a defesa do ordenamento jurídico objetivo. No entanto, os dois mecanismos se entrelaçam, ao passo que o axioma da inconstitucionalidade por vezes alberga uma diversidade de interesses subjetivamente protegidos. Os dois modelos, explicita Sergio Rezende Barros, não se justapõem, misturam-se, “compenetrando um no outro, repercutindo a eficácia de um sobre a do outro, com mútuas e efetivas interações”.111
Há, entretanto, a necessidade de estabelecer os liames do controle concreto com o controle abstrato no que toca à eficácia geral da decisão de inconstitucionalidade (erga omnes), aspecto que influi diretamente na possibilidade de restrição dos efeitos no controle incidental de normas.112
O controle difuso é um controle concreto, exercido no curso de uma ação judicial, cuja alegação de inconstitucionalidade representa tão somente uma questão prejudicial. O juízo de inconstitucionalidade é suscitado incidentalmente com o objetivo de desaplicação da norma ao caso concreto. Havendo a declaração de inconstitucionalidade, esta fica restrita à relação jurídica sob exame, não operando de modo geral, erga omnes.
A questão da inconstitucionalidade, no entanto, pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário (art. 102, III, a, b, c, e d, da C.F./88). No entanto, a decisão definitiva do STF, que declara incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, não tem o condão de emprestar eficácia erga omnes ao seu julgado, de forma a elidir a presunção de constitucionalidade do ato estatal impugnado.
Ciente dos problemas decorrentes das divergências pretorianas referentes à constitucionalidade das leis, o constituinte, então, conferiu ao Senado Federal a competência privativa de suspender a execução do ato declarado inconstitucional pelo STF, como forma de emprestar eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade, decididas inter partes (art. 52, X, da C.F./88).
3.3.1 Efeitos da resolução do Senado Federal: natureza simétrica do instituto
A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em controle incidental de constitucionalidade, constitui ato político que retira a lei do ordenamento jurídico de forma definitiva. O que interessa ao estudo do tema, no entanto, é a dimensão do instituto, ou seja, os efeitos que hão de se reconhecer à resolução senatorial.
A pertinência da questão ao tema proposto pode ser sintetizada nas seguintes colocações de Sérgio Rezende Barros:
O Senado não atua como legislador negativo, revogando ou desconstituindo a lei. Apenas a desativa: suspende-lhe a eficácia. É o que consoa com a lógica do controle difuso, cuja prática deve atendê-la sempre, mesmo se tratando de um sistema misto. Sob pena de o difuso se tornar confuso. Por isso mesmo, a resolução do Senado somente pode ter efeito ex nunc. Não pode ter efeito ex tunc, nem pro futuro. Sua intervenção constitui uma intersecção do sistema difuso com o concentrado, que os aproxima entre si. Mas não os assimila, nem os identifica, nem muito menos os confunde, um com o outro. Pelo que, de um lado, essa intersecção não tem o efeito ex tunc próprio do sistema difuso, porque não está julgando um caso concreto, e, de outro lado, porque não está julgando a lei em si, não tem não tem possibilidade de modular no tempo – ex tunc, ex nunc ou pro futuro – a eficácia da decisão de inconstitucionalidade vinda do Supremo, ao qual o Senado não substitui. O Senado não é órgão de jurisdição constitucional.
Modular a eficácia no tempo é próprio do legislador negativo, função estranha ao Senado e ao sistema difuso. O Senado não é tribunal constitucional. Legislador negativo é a corte que atua como tribunal constitucional, segundo a lógica do sistema concentrado, decidindo ações diretas sobre a lei em si. Exatamente porque apreciam a lei assim, nessa condição objetiva (tomando-a em si mesma) e nessa condição subjetiva (agindo como legislador negativo), é que as cortes constitucionais – ao negarem a constitucionalidade de uma lei erga omnes súbditos do Estado – têm de modular essa negação no tempo e no espaço, dizendo quando e onde ela entra em vigor, tal como faz o legislador positivo, ao pôr a lei. A corte constitucional pratica um ato desconstitutivo, não igual, mas similar ao constitutivo. Assim como o legislador positivo pôde modular o efeito constitutivo da lei, logicamente o legislador negativo poderá modular o efeito desconstitutivo. Mas essa lógica somente assiste o sistema concentrado, tomado em sua pureza e inteireza. Não assiste o sistema difuso, nem a intersecção do difuso com o concentrado, feita mediante a intervenção do Senado”.113
Entende o autor, como se vê, que a resolução do Senado somente comporta a eficácia ex nunc, não podendo, assim, suspender a execução da norma com eficácia retroativa ou eficácia pro futuro. Outrossim, assevera que a modulação dos efeitos é própria do controle concentrado, sendo “função estranha ao Senado e ao sistema difuso”.
Essa orientação, apesar da autoridade dos argumentos, parece não se ajustar ao desenvolvimento da matéria no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.114
A dimensão da eficácia da resolução do Senado há de medir-se pelo alcance da decisão do Supremo. Esta é condição sine qua non daquela. Não pode a resolução senatorial nem restringir, nem ampliar os efeitos do decisum. O que determinará se a resolução produzirá efeitos retroativos ou apenas pro futuro será o próprio acórdão do Supremo Tribunal. Há, na espécie, uma relação de simetria. Se o acórdão produzir efeitos ex tunc, ex nunc ou pro futuro, produzi-los-á igualmente a resolução. O Senado não possui competência constitucional para restringir ou dilargar o alcance da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Esse é o entendimento firmado pela Excelsa Corte, como pode se inferir do acórdão no MS 16.512, Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, assim ementado:
Resolução do Senado Federal, suspensiva da execução de norma legal cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal. Inconstitucionalidade de segunda resolução daquele órgão legislativo, para interpretar a decisão judicial, modificando-lhe o sentido ou lhe restringindo os efeitos. Pedido de segurança conhecido como representação, que se julga procedente.115
O Ministro Celso de Mello anota, a respeito, que “o Senado exaure a sua competência constitucional no momento em que promulga e edita a resolução suspensiva. Não pode, ao depois, a pretexto de melhor interpretar a decisão proferida pelo STF, modificar-lhe o sentido ou restringir-lhe os efeitos”.116 Também o Ministro Gilmar Mendes, em abalizado magistério, acrescenta que
O Senado Federal não revoga o ato declarado inconstitucional, até porque lhe falece competência para tanto. Cuida-se de ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em caso concreto. Não se obriga o Senado a expedir o ato de suspensão, não configurando eventual omissão qualquer infringência a princípio de ordem constitucional. Não pode a alta Casa do Congresso, todavia, restringir ou amplia a extensão do julgado proferido pela Excelsa Corte.117
Esse entendimento foi reafirmado pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do MS 1.501-RJ, pelo Tribunal Superior Eleitoral, assentando que: “dá-se, com efeito, ao contrário da lei, ao menos no que toca ao seu conteúdo, a resolução do Senado não é um ato livre de vontade legislativa: sua validade deriva e, por isso, terá a mesma extensão material da decisão judicial declaratória da inconstitucionalidade da norma questionada, à qual se limita a dar eficácia geral”.118
Tais colocações estão a demonstrar que a extensão erga omnes da pronúncia incidental de inconstitucionalidade tem de, necessariamente, guardar simetria com o acórdão do Supremo Tribunal Federal. Seus efeitos, portanto, serão definidos pela extensão do julgado da Excelsa Corte.
Não vemos, assim, nenhum óbice à adoção de efeitos limitados também no controle concreto de constitucionalidade. Emprestar tratamento diferenciado aos efeitos das decisões proferidas nas diferentes formas de argüição significa, em última análise, confrontar as premissas basilares da declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos e, conseqüentemente, a própria ordem constitucional.
3.3.2 Reflexos, no controle difuso, da decisão limitativa tomada no controle concentrado
A Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, deu nova redação ao § 2° do inciso III do art. 102 da C.F., para incluir neste, também, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante às decisões do STF, definitivas de mérito, proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade, o que já estava assente na jurisprudência dessa Corte. Infere-se, portanto, que também a decisão definitiva de mérito, proferida in abstrato, que limite os efeitos da inconstitucionalidade, também produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante.
Em respeito à autoridade das decisões proferidas pela Excelsa Corte, os demais tribunais, em sua prática judicante, tomam como precedentes, também, as orientações jurisprudenciais traçadas pelo STF em controle incidental de constitucionalidade, mesmo que (ainda) não suspensa a executoriedade da norma pelo Senado. É o que nos dá noticia Sacha Calmon:
as decisões do STF, na práxis judiciária brasileira, vem assumindo as feições de verdadeiros stare decisis, i.e., consuetudinária e majoritariamente, os juízes tomam como precedentes vinculados não apenas as súmulas (jurisprudência cristalizada), mas as decisões pioneiras da Corte máxima. Aqui o STF assemelha-se à Suprema Corte norte-americana, cabendo-lhe resguardar os grandes princípios que alinhavam o tecido constitucional a partir dos sobre valores da democracia e do Estado de Direito, da legalidade e da igualdade.119
Tal afirmativa veio a ser consubstanciada em nosso ordenamento jurídico na figura da súmula vinculante, introduzida pela já referida EC 45/2004, que acrescentou o art. 103-A à nossa Carta Política. Essa súmula marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto.
Tais assertivas têm o condão de demonstrar que as decisões limitadoras do Supremo Tribunal Federal tomadas tanto no controle concentrado, realizado por meio da ação direta, como no controle incidental, exercido, principalmente, por meio recurso extraordinário, possuem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. É dizer, decidindo o STF pela limitação de efeitos, in abstrato, ou incidentalmente (após a aprovação da súmula vinculante – C.F., art. 103-A), sem qualquer ressalva, essa decisão afetará os demais processos com pedidos idênticos pendentes de julgamento nos demais tribunais do controle difuso.
Gilmar Mendes, a esse respeito, anota que há hipóteses em que o Supremo Tribunal, em respeito à segurança jurídica, poderá fazer a ressalva dos casos já decididos ou, até certa medida, dos casos pendentes de julgamento:
É verdade que, tendo em vista a autonomia dos processos de controle incidental ou concreto e de controle abstrato, entre nós, mostra-se possível um distanciamento temporal entre as decisões proferidas nos dois sistemas (decisões anteriores, no sistema incidental, com eficácia ex tunc, e decisão posterior, no sistema abstrato, com eficácia ex nunc). Esse fato poderá ensejar uma grande insegurança jurídica. Daí parecer razoável que o próprio Supremo Tribunal Federal declare, nesses casos, a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc, ressalvando, porém, os casos julgados ou, em determinadas situações, até mesmo os casos sub judice, até a data de ajuizamento da ADIn. Essa ressalva assenta-se também em razões de índole constitucional, especialmente no princípio da segurança jurídica.120
Contudo, decidindo o STF, em controle incidental, pela restrição dos efeitos da inconstitucionalidade, não há óbice para que os demais juízes ou tribunais do sistema difuso entendam em sentido contrário.
O que se deve entender, no entanto, é que o Supremo Tribunal, no controle concreto, deverá proferir a decisão no sentido da admissibilidade, em princípio, de uma limitação de efeitos, deixando para os demais órgãos aplicadores do direito a tarefa de decidir, em face das circunstâncias concretas de cada caso, a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.121 Tem-se, nesses termos, demonstrado que a admissibilidade da limitação de efeitos pelo STF não inviabiliza o direito fundamental de acesso aos tribunais, tampouco constitui negativa de prestação jurisdicional.
Merecem transcrição, no ponto, as colocações de Rui Medeiros, referentes à restrição de efeitos da inconstitucionalidade no controle abstrato e sua repercussão no controle concreto, sob a análise da objeção do direito fundamental de acesso à Justiça:
“De resto, se o direito de acesso aos tribunais fosse incompatível com uma decisão de limitação de efeitos na fiscalização concreta, o próprio poder de restrição do alcance da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deveria ser restringido. [...]. Ora, se o direito de acesso aos tribunais impedisse que fosse aplicada a normação declarada inconstitucional nos processos pendentes ou a iniciar no futuro relativo a factos anteriores à publicação da declaração no jornal oficial, o Tribunal Constitucional não poderia, nem mesmo em fiscalização abstracta sucessiva, atribuir pura e simples eficácia ex nunc à declaração de inconstitucionalidade. [...]. Não é esse, contudo, o nosso entendimento. Se, como fundamentamos atrás, a ponderação dos diferentes interesses constitucionalmente protegidos em jogo num determinado caso pode ir ao ponto de impor uma limitação de efeitos in futuro, não vemos como recusar a possibilidade de o Tribunal Constitucional obrigar os tribunais a aplicar as normas declaradas inconstitucionais no domínio ressalvado pela própria declaração [...]. A interligação entre limitação de efeitos na fiscalização abstracta e controlo concreto confirma, assim, que o direito de acesso aos tribunais [...] não obsta à aceitação de um poder de limitação de efeitos na fiscalização concreta”.122
Tais observações transpõem-se perfeitamente para o nosso sistema misto de controle de constitucionalidade. Principalmente porque, mesmo que o tribunal a quo entenda pela aplicação da limitação de efeitos no caso concreto, tal questão ainda poderá ser afetada ao Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, eis que compete a este o exame final da pertinência, ou não, da restrição dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.
Está-se a ver, portanto, que também o controle concreto de constitucionalidade não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos, certo que não existem razões suficientemente capazes de infirmar tal solução no sistema misto de controle de constitucionalidade brasileiro.
3.4 Restrição dos efeitos no controle incidental de constitucionalidade: um processo de mutação constitucional
A evolução da discussão sobre a eficácia das decisões proferidas nos processos de controle de constitucionalidade destaca um dos temas mais ricos da moderna teoria constitucional: o processo de mutação constitucional. É possível, sem qualquer exagero, falar-se que a nova compreensão em torno da tese da nulidade dos atos inconstitucionais constitui uma autêntica mutação constitucional.
Assinale-se, outrossim, que a nova interpretação que se deu aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pela doutrina e pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal contribuiu decisivamente para que a afirmação sobre a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais restasse sem concretização entre nós.
Não se pode dizer que o abrandamento da tese que proclama a nulidade radical dos inconstitucionais foi incorporado ao magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em um determinado momento ou julgado. O processo de revisão de jurisprudência, nesse ponto, se efetuou de modo contínuo e não de repente. Isso porque “a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição [...] subordina-se muitas vezes a alterações das realidades fácticas que a viabilizem”.123
Nesse sentido, vale registrar a douta observação do Ministro Gilmar Mendes:
Nesses casos, fica evidente que o Tribunal não poderá fingir que sempre pensara dessa forma. Daí a necessidade de, em tais casos, fazer-se o ajuste do resultado, adotando-se técnica de decisão que, tanto quanto possível, traduza a mudança de valoração. No plano constitucional, esses casos de mudança na concepção jurídica podem produzir uma mutação normativa ou a evolução na interpretação, permitindo que venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade de situações anteriormente consideradas legítimas. A orientação doutrinária tradicional, marcada por uma alternativa rigorosa entre atos legítimos ou ilegítimos (entweder als rechtmässig oder als rechtswidrig), encontra dificuldade para identificar a consolidação de um processo de inconstitucionalização (prozess des verfassungswidrigwerdens). Prefere-se admitir que embora não tivesse sido identificada, a ilegitimidade sempre existira.124
Enfatize-se que o reconhecimento de situações ainda constitucionais influi diretamente na mitigação da nulidade dos atos inconstitucionais. Isso porque, a decisão que afirma que uma norma poderá vir a ser, em outro momento, considerada inconstitucional traz, implicitamente, a idéia de que se isto vier a acontecer, tal decisão deverá ser acompanhada de efeitos restritos.
Tal constatação indica que a reinterpretação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao postulado da nulidade dos atos inconstitucionais consubstancia um nítido processo de mutação constitucional. O desenvolvimento da nova orientação, contudo, encontra óbice na visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada da inconstitucionalidade como figura unitária, indissociável da nulidade.
Os posicionamentos mais tradicionais apóiam-se na falsa premissa de que a natureza da declaração de inconstitucionalidade, umbilicalmente ligada ao modelo de judicial review norte-americano, ainda considera intransponível o nexo entre o controle incidental e a nulidade da lei inconstitucional. Sendo, portanto, o controle concreto totalmente incompatível com a teoria da limitação de efeitos.
Esse entendimento não condiz com a abalizada conclusão de Karl Larenz:
O que é para os tribunais civis, quando muito, uma exepção, adequa-se em muito maior medida a um Tribunal Constitucional. Decerto que se poderá, por exemplo, resolver muitas vezes sobre recursos constitucionais de modo rotineiro, com os meios normais da argumentação jurídica. Aqui tão-pouco faltam casos comparáveis. Mas nas resoluções de grande alcance político para o futuro da comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal incumbe uma responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento. Não pode proceder segundo a máxima: fiat justicia, pereat res publica. Nenhum juiz constitucional procederá assim na prática. Aqui a ponderação das conseqüências é, portanto, de todo irrenunciável, e neste ponto tem KRIELE razão. Certamente que as conseqüências (mais remotas) tão pouco são susceptíveis de ser entrevistas com segurança por um Tribunal Constitucional, se bem que este disponha de possibilidade muito mais ampla do que um simples juiz civil de conseguir uma imagem daquelas. Mas isto tem ser aceite. No que se refere à avaliação das conseqüências previsíveis, esta avaliação só pode estar orientada à idéia de “bem comum”, especialmente à manutenção ou aperfeiçoamento da capacidade funcional do Estado de Direito. É, nesse sentido, uma avaliação política, mas devendo exigir-se de cada juiz constitucional que se liberte, tanto quanto seja possível – e este é, seguramente, em larga escala o caso – da sua orientação política subjetiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de antipatia para com outros, e procure uma resolução despreconceituada, “racial”.125
A conclusão assentada acima parece consentânea com a exigência da pronúncia de inconstitucionalidade com efeitos restritos também em sede de controle concreto, principalmente nos casos em que a declaração de inconstitucionalidade tenha conotação na segurança jurídica e na boa-fé.
Em acórdão proferido no RE 197.917-SP, o Supremo Tribunal Federal consagrou, definitivamente, a possibilidade de limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle incidental.
Tratava-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto de acórdão que, reformando sentença de primeiro grau, entendeu ser improcedente ação civil pública ajuizada em face de dispositivo da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela que fixava em 11 (onze) o número de vereadores da Câmara Municipal, ao fundamento de que a Constituição Federal não estabeleceu de forma explícita nenhum critério aritmético rígido sobre a proporcionalidade a ser observada.
Ao apreciar o mérito da questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que este contraria o inciso IV do artigo 29 da C.F., fixando o número de vereadores da Câmara de forma desproporcional à população do município.
Contudo, no que toca aos efeitos da referida decisão, entendeu o Tribunal que deveria ser preservado o modelo legal existente na atual legislatura, invalidando-o, tão-somente, para as legislaturas seguintes, porquanto a adoção de efeitos retroativos importaria na ilegalidade de todos os atos legislativos praticados pela Câmara Municipal, consistindo, assim, em grave violação ao princípio da segurança jurídica. Assim o fragmento da ementa do acórdão pertinente ao disposto:
Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2.600 habitantes somente comporta 09 representantes.
Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grava ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração de inconstitucionalidade. 126
Outro não foi o entendimento do Ministro Gilmar Mendes no seu voto-vista no HC 82.959, no qual rediscutia-se a constitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes hediondos:
Considerando que, reiteradamente, o Tribunal reconheceu a constitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, bem como todas as possíveis repercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil, processual e penal, reconheço que, ante a nova orientação que se desenha, a decisão somente poderia ser tomada com eficácia ex nunc. É que, como observa Larenz, também a justiça constitucional não opera sob o paradigma do “fiat justicia, pereat res publica”. Assente que se cuida de uma revisão de jurisprudência, de um autêntico “overruling”, e entendo que o Tribunal deverá fazê-lo com eficácia restrita. E, certamente, elas não eram – nem deveriam ser consideradas – inconstitucionais quando proferidas.127
Entendeu o Ministro pela aplicação da orientação contida no artigo 27 da Lei 9.868 também em sede de controle incidental de constitucionalidade, fazendo a ressalva de que, caso entenda a Corte pela declaração de inconstitucionalidade do § 1° do art. 2° da Lei 8.072/90, o efeito ex nunc a ser atribuído deverá ser entendido como aplicável somente às condenações que envolvam situações ainda passíveis de serem submetidas ao regime de progressão.
Parte da doutrina e também a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apesar do posicionamento expresso do Ministro Gilmar Mendes, parecem não concordar com esse entendimento, assentando que a aplicação do artigo 27 da Lei 9.868/99 apenas se impõe no controle concentrado de constitucionalidade.128
No entanto, não pretendemos demonstrar que o artigo 27 da Lei 9.868/99 aplica-se aos processos de controle concreto da constitucionalidade; o que queremos enfatizar é que poderá o Tribunal, após um juízo rigoroso de proporcionalidade, entender que há razões suficientes para afastar a nulidade ortodoxa do ato inconstitucional, até mesmo em sede de controle incidental de constitucionalidade. O que é atribuição inerente à função de julgar.
Nesse sentido, ensina o Ministro Teori Albino Zavascki:
Com efeito, não é nenhuma novidade, na rotina dos juízes, a de terem diante de si situações de manifesta ilegitimidade cuja correção, todavia, acarreta dano, fático ou jurídico, maior do que a manutenção do status quo. Diante de fatos consumados, irreversíveis ou de revisão possível, mas comprometedora de outros valores constitucionais, só resta ao julgar - e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicos em conflito e optar pela providência menos gravosa ao sistema de direito, ainda quando ela possa ter como resultado o da manutenção de uma situação originariamente ilegítima.129
Daí afirmar Bachof que:
“Os Tribunais Constitucionais consideram-se não só autorizados mas inclusivamente obrigados a ponderar as suas decisões, a tomar em consideração as possíveis conseqüências destas. É assim que eles verificam se um possível resultado da decisão não seria manifestamente injusto, ou não acarretaria um dano para o bem público, ou não iria lesar interesses dignos de protecção de cidadãos singulares. Não pode entender-se, isto, naturalmente como se os tribunais tomassem como ponto de partida o presumível resultado da sua decisão e passassem por cima da Constituição e da lei em atenção a um resultado desejado. Mas a verdade é que um resultado injusto, ou por qualquer outra razão duvidoso, é também em regra – embora não sempre – um resultado juridicamente errado.130
Entendemos, portanto, que a doutrina da limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, conquanto fenômeno consubstanciador do ajuste do resultado emprestado pela mutação constitucional em torno do princípio da nulidade dos atos inconstitucionais, tem, axiologicamente, a mesma essência: a manutenção da ordem constitucional. Outrossim, “a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental”.131 Sendo assim, somos pela admissibilidade da teoria da limitação de efeitos também no controle concreto de constitucionalidade.
CONCLUSÃO
O dogma da nulidade dos atos inconstitucionais já não pode mais ser inferido como postulado jurídico de caráter obrigatório. O reconhecimento da natureza jurídica do ato inconstitucional no plano da invalidade enfraquece a fundamentação lógica da teoria da nulidade, uma vez que admite que o ato entrou no mundo jurídico e produziu efeitos, não podendo, portanto, ser considerado inexistente, natimorto. Outrossim, a possibilidade de permanência prolongada do ato inconstitucional no ordenamento jurídico, bem como o reconhecimento de situações que demandam a aplicação provisória da lei declarada inconstitucional, afirmam a necessidade de uma declaração com efeitos limitados no direito brasileiro.
Partindo desta concepção podemos especificar o campo de aplicação da teoria da limitação de efeitos aos casos em que: a) deva se resguardar outro valor constitucional que porventura ficasse prejudicado pela declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos; b) haja a subordinação da limitação de efeitos a um rigoroso juízo de proporcionalidade; c) encerre uma adoção de técnica de decisão que expresse adequadamente o caráter de ajuste do instituto, correlacionando a aplicação das regras de direito às situações da vida que lhe são constitutivas.
Impõe-se registrar que no sistema normativo brasileiro, com a edição da Lei 9.868/99 (art. 27), introduziu-se inovação claramente inspirada nos modelos constitucionais do direito português e alemão. Contudo, o referido dispositivo não incluiu todas as vertentes citadas no parágrafo anterior para legitimar a restrição dos efeitos, permitindo, assim, uma leitura interpretativa do preceito autorizador.
É de se anotar que até mesmo nos Estados Unidos, que possui o modelo difuso mais tradicional do mundo, já se admite que questões factuais possam dar ensejo à adoção de efeitos mitigados na declaração de inconstitucionalidade. Tem-se, assim, a superação do postulado da lei inconstitucional na raiz do nosso sistema difuso de controle de constitucionalidade.
Ressalte-se ainda que a natureza singular do nosso sistema misto de controle, bem como os pontos comuns entre os processos de índole objetiva e os processos de caráter estritamente subjetivo, parecem não mais legitimar distinções quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Tal afirmativa reitera-se no caráter simétrico da resolução suspensiva do Senado Federal, certo que a referida resolução somente poderá ampliar erga omnes os efeitos já definidos pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal.
Registre-se ademais, que o princípio da nulidade somente será afastado in concreto se a juízo do próprio Tribunal, se puder afirmar que a declaração de nulidade acabaria por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional. Tal constatação deverá ser precedida, necessariamente, de um rigoroso juízo de proporcionalidade. Isto nada mais é do que típica atividade de julgar. Trata-se de procedimento ordinário dos tribunais de averiguar se da declaração de inconstitucionalidade poderá surgir dano fático ou jurídico maior do que o bem que se pretende alcançar.
O princípio da nulidade dos atos inconstitucionais não pode ser entendido sem restrições. As mudanças emprestadas a tal instituto pela doutrina, legislação e jurisprudência têm evidenciado um nítido processo de mutação constitucional, certo que demanda a adaptação de sua interpretação à nova realidade constitucional. Assim é que, se o constituinte ou mesmo o legislador ordinário, não disciplinaram o problema da restrição dos efeitos na declaração incidental, tal tarefa fica a cargo dos Tribunais, principalmente do Supremo Tribunal Federal.
Tem-se, assim, que o controle incidental brasileiro mostra-se perfeitamente compatível com a doutrina da limitação de efeitos. Aliás, a restrição de efeitos in concreto representa exigência do próprio sistema constitucional, como vem sendo reconhecido pela jurisprudência do Pretório Excelso.
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() Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Prof. Orientador Léo Ferreira Leoncy, Brasília, Junho/2005.
() Advogado.
1 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução de: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 215.
2 VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. In: WALTER JÚNIOR, Luiz Guilherme (org.). Direito Público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 771.
3 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.021.
4 Anota o Ministro Carlos Velloso que “a idéia de poder constituinte originário, que elabora a Constituição, fundamenta, superiormente, o princípio da supremacia da constituição. Na verdade, a supremacia da Constituição decorre de sua origem, provindo ela de um poder que institui a todos os outros e não é instituído por qualquer outro, de um poder que constitui os demais e é por isso denominado Poder Constituinte”. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 148.
5 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 42.
6 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução de: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247-248.
7 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 148.
8 Há, entretanto, que se ressaltar que tal compreensão não está de modo algum vinculada à idéia de um positivismo puro, pelo contrário, demonstra o quão necessário é vincular a norma à realidade na qual está inserida. Cf.: CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 24.
9 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 54-55.
10 Ibidem, p. 60.
11 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p.
12 VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. In: WALTER JÚNIOR, Luiz Guilherme (org.). Direito Público: estudos em homenagem a Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 771.
13 SOUSA, Marcelo Rebelo de. O valor jurídico do acto inconstitucional. Lisboa: Gráfica Portuguesa, 1988, p. 152.
14 Ibidem, p. 155.
15 Entre aqueles que qualificam o ato inconstitucional pela nota da inexistência, citemos, v.g., Francisco Campos, para o qual “o ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou uma lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o direito como se nunca houvesse existido”. CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 430.
16 Cf.: SOUSA, Marcelo Rebelo de. O valor jurídico do acto inconstitucional. Lisboa: Gráfica Portuguesa, 1988, p. 272.
17 “Não há proposição que se apoie sobre princípios mais claros que a que afirma que todo ato de uma autoridade delegada, contrário aos termos do mandato segundo ao qual se exerce, é nulo. Portanto, nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isto equivaleria a afirmar que o mandatário é superior ao mandante, que o servidor é mais que seu amo, que os representantes do povo são superiores ao próprio povo e que os homens que trabalham em virtude de determinados poderes podem fazer não só o que estes não permitem, como, inclusive, o que proíbem”. HAMILTON, Alexander; JAY, Jonh; MADISON, James. O Federalista: um comentário à Constituição Americana. Tradução de: Reggy Zacconi de Moraes. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1959, p. 314.
18 Cf.: CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de: Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1984, p. 46.
19 Apud. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15.
20 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. O valor do ato inconstitucional em face do direito positivo brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: v. 230, out./dez. 2002, p. 217-236.
21 Apud. MENDES, Gilmar Ferreira. A nulidade da lei inconstitucional e seus efeitos: considerações sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no RE n. 122.202. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília: ano 2, n. 1, jan./jun. 1994, p. 41.
22 Conferir, a propósito, BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16. No que se refere às exceções das quais se dá notícia, trataremos mais detidamente do assunto no próximo capítulo.
23 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de: Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1984, p. 63.
24 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução de: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 300.
25 Cf., VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868 de 10.11.1999 e 9.882 de 03.12.1999. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 180.
26 BITTENCOURT, C. A. Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Atualizado por: José Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 141.
27 Cf.: BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. Campinas: Russell, 2003, p. 43.
28 BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 128-132.
29 Está-se, pois, a referir aos já citados, no ponto, Rui Barbosa e Alfredo Buzaid, incluindo-se, também: NUNES, José de Castro. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 588-589; MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais: garantia suprema da Constituição, 2. ed. São Paulo:Atlas, 2003, p. 270; RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 119, entre outros.
30 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. ADI n° 652. Relator: Celso de Mello. Brasília, DF, 02 de abr. 92. DJ de 02.4.93.
31 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. ADI n° 2.574. Relator: Carlos Velloso. Brasília, DF, 02 de abr. 92. DJ de 02.4.93. Por se tratar de matéria da mais alta significância para este trabalho, receberá a questão exame mais detido nos próximos capítulos, fazendo-se, contudo, ainda neste capítulo, remissão a algumas visões teóricas que perfilham esse novo posicionamento da Corte Constitucional brasileira.
32 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução de: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 308.
33 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 17-18.
34 MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, tomo I, p. 418.
35 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. O valor do ato inconstitucional em face do direito positivo brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: v. 230, out./dez. 2002, p. 217-236.
36 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 172-173.
37 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de: Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1984, p. 122-124.
38 BITTENCOURT, C. A. Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Atualizado por: José Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 14.
39 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304.
40 Ibidem, p. 304.
41 Idem. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 19.
42 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304.
43 Gilmar Mendes assenta que “Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha logrado formular esta conclusão com a necessária nitidez, é certo que, também ele, parece partir da premissa de que o princípio da nulidade da lei inconstitucional tem hierarquia constitucional”. Isso porque, “Tanto o poder do juiz de negar aplicação à lei inconstitucional, quanto a faculdade assegurada ao indivíduo de negar observância à lei inconstitucional demonstram que o constituinte pressupôs a nulidade da lei inconstitucional”. Idem. A nulidade da lei inconstitucional e seus efeitos: considerações sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no RE n. 122.202. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília: ano 2, n. 1, jan./jun. 1994, p. 47-48.
44 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade das leis. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 863.
45 Ibidem, p. 874.
46 Registre-se, por oportuno, que não pretendemos discutir neste trabalho a constitucionalidade do artigo 27 da Lei 9.868/99, o qual é objeto de impugnação em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 2.154/DF e 2.258/DF), promovidas perante o Supremo Tribunal Federal, em que se alega, em síntese, que a matéria versada no referido preceito legal está sujeita à reserva de Constituição, não podendo, por isso mesmo, ter sido disciplinada pelo legislador ordinário. Dá-se notícia, ainda, que disposição semelhante, consagrada no artigo 11 da Lei 9.882 de 03 de dezembro de 1999, foi impugnada na ADI 2.231/DF, Relator Min. Néry da Silveira, o qual votou pelo indeferimento da medida cautelar requerida, ao entendimento de que a fórmula proposta não seria incompatível com a Constituição. Todavia, o julgamento da controvérsia está suspenso em razão do pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, Relator das ADIs 2.154 e 2.258.
47 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Da declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n°s 9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 57.
48 O relevo da matéria para o presente estudo impõe uma melhor análise no capítulo referente à limitação dos efeitos no controle incidental de constitucionalidade.
49 Cf.: MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade das leis. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 683-685.
50 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868 de 10.11.1999 e 9.882 de 03.12.1999. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 179.
51 Ibidem, p. 179.
52 GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo. Justicia constitucional: la doctrina prospectiva en la declaración de ineficacia de las leyes inconstitucionales. Revista de direito público. São Paulo: ano 22, n. 92, out./dez. 1989, p. 06.
53 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 725. Deve-se anotar, ademais, que o § 31, (2) e o § 79, (1), da Lei Orgânica do Bundesverfassungsgericht fazem distinção entre a lei inconstitucional e a lei nula.
54 Ibidem, p. 676.
55 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 240.
56 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2 ed. Coimbra: Editora Limitada, 1996, tomo II, p. 502-503.
57 Cf.: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Da declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n°s 9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 80-81.
58 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. 2ª Turma. RE n° 79.343. Relator: Leitão de Abreu. Brasília, DF, 31 de mai. 77. DJ de 02.9.77.
59 “Tanto o decurso do prazo de decadência ou de prescrição, quanto o advento da coisa julgada impõem limite à eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade. “Essa constatação mostra também que a preservação dos efeitos doa atos praticados com base na lei inconstitucional passa por uma decisão do legislador ordinário. É ele quem define, em última instância, a existência e os limites das fórmulas de preclusão, fixando, ipso jure os próprios limites da idéia de retroatividade contemplada no princípio da nulidade”. Citação extraída do voto do Min. Gilmar Mendes no RE 197.917. SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. RE n° 197.917. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, DF, 24 de mar. 2004. DJ de 07.5.2004.
60 Cf., a propósito, SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. 2ª Turma. RE n° 78.533. Relator: Décio Miranda. Brasília, DF, 13 de nov. 81. DJ de 26.2.82.
61 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. 2ª Turma. RE n° 122.202. Relator: Francisco Rezek. Brasília, DF, 10 de ago. 93. DJ de 08.4.94.
62 BARROS, Sérgio Rezende. O nó górdio do sistema misto. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (orgs.). Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n° 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 190.
63 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 308.
64 BARROS, Sérgio Rezende. Op. cit., p. 189.
65 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Da declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n°s 9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel (org). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 59.
66 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Da declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos em face das Leis n°s 9.868 e 9.882/99. In: SARMENTO, Daniel (org). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 85-89.
67 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. ADI n° 1.102. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, DF, 05 de out. 95. DJ de 17.11.95.
68 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 339.
69 Ibidem. p. 350.
70 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. 1ª Turma. RE n° 147.776. Relator: Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 19 de mai. 98. DJ de 19.6.98.
71 Afirmação retirada do voto do Min. Gilmar Mendes no HC 82.959. Cf.: SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. HC n° 82.959. Relator: Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 02 de dez. 2004. DJ de 13.12.2004.
72 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 175.
73 COELHO, Inocêncio Mártires. As idéias de Peter Härbele e a abertura da interpretação constitucional no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: v. 211, jan./mar. 1998, p. 127.
74 Apud Ibidem, p. 127.
75 Ibidem, p. 132.
76 LEI N.º 9.868, de 10.11.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. DOU de 11.11.1999.
77 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2 ed. Coimbra: Editora Limitada, 1996, tomo II, p. 500-501.
78 Daniel Sarmento anota que “poder-se-ia alegar que, no direito brasileiro, a inadmissibilidade da restrição dos efeitos ex nunc das decisões de inconstitucionalidade resulta da interpretação histórica da Lei Maior, tendo em vista o fato de que, durante a Assembléia Constituinte, foi derrotada a proposta de introdução de um dispositivo que autorizava a Suprema Corte a restringir a eficácia retroativa dos seus julgados, no controle abstrato de constitucionalidade. No processo de revisão da Constituição brasileira, encetado em 1994, o tema voltou à baila por proposta do Relator da revisão, o então Deputado Nelson Jobim, só que mais uma vez a iniciativa não vingou. Cf.: SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (coords.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 29.
79 FISCHER, Octávio Campos. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 250-255.
80 ZAVASCKY, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49.
81 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Descumprimento de preceito fundamental: eficácia das decisões. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (orgs.). Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n° 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 174.
82 FISCHER, Octávio Campos. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 249.
83 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 177.
84 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 725.
85 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (coords.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 32-33.
86 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 306.
87 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 384.
88 Está assentado na doutrina constitucional que o princípio do Estado de Direito corresponde a um macroprincípio, no qual se incluem os subprincípios da segurança jurídica, da legalidade, da reserva legal, da divisão de poderes e da proporcionalidade, entre outros. Posto isto, torna-se inegável o status constitucional do princípio da segurança jurídica. Segundo Canotilho, “o princípio do estado de direito densificado pelos princípios da segurança jurídica e da confiança jurídica, implica, por um lado, como elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz social e das situações jurídicas, por outro lado, como elemento jurídico subjectivo dos cidadãos, a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 379.
89 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 710.
90 Ibidem, p. 734-737.
91 ROTHENBURG, Walter Claudius. Velhos e novos rumos das ações de controle abstrato de constitucionalidade à luz da Lei n° 9.868/99. In: SARMENTO, Daniel (org). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 283.
92 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 364-365.
93 MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais: garantia suprema da Constituição, 2. ed. São Paulo:Atlas, 2003, p. 280.
94 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 731.
95 SARLET, Ingo Wolfgang. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: alguns aspectos controversos. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (org.). Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n° 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 162.
96 MEDEIROS, Rui. Op. cit., p. 725-726.
97 LEI N.º 9.868, de 10.11.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. DOU de 11.11.1999.
98 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 367-368.
99 Pode se dar como exemplo o caso da omissão parcial em decorrência de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, em que a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade poderia permitir que seus efeitos alcançassem somente os indevidamente excluídos; ou a hipótese de declaração de inconstitucionalidade de um ato de privatização em bloco declarado inconstitucional, permitido que apenas fosse alcançadas pela decisão as estatais deficitárias. Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org). Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n° 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 228.
100 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 863.
101 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 703.
102 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 207.
103 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 696.
104 FISCHER, Octávio Campos. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 306-307.
105 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 366.
106 Cf., MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 743; e PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 173.
107 Extrai-se do voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 197.917/SP a síntese do decidido no caso MAPP v. OHIO: “Em verdade, toda a polêmica surgiu com o caso Mapp v. Ohio 367 US 643 (1961), no qual a Suprema Corte reconheceu que, em consonância com a 4ª. Emenda, a prova obtida ilegalmente não seria admissível em um juízo penal. Restou assim, superada a doutrina estabelecida em wolf v. Colorado, 338 US 25 (1949). Como era de se esperar, inúmeras petições de habeas corpus foram apresentadas com o objetivo de assegurar a aplicação retroativa do precedente Mapp nos casos já julgados [...]. Daí ter afirmado o juiz Clark que as regras fixadas em Mapp tinham como objetivo desestimular as ações ilegais da polícia, proteger a privacidade das vítimas e ensejar que os órgãos federais e estaduais operassem com base nos mesmos padrões jurídicos. Conferir a Mapp efeitos retroativos, na opinião de Clark, acabaria por quebrantar a confiança que órgãos do Estado depositaram em Wolf v. Colorado e importaria uma desmedida carga de trabalho para administração da Justiça [...]”. SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. RE n° 197.917. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, DF, 24 de mar. 2004. DJ de 07.5.2004.
108 GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo. Justicia constitucional: la doctrina prospectiva en la declaración de ineficacia de las leyes inconstitucionales. Revista de direito público. São Paulo: ano 22, n. 92, out./dez. 1989, p. 06.
109 TRIBE, Laurence H. American constitutional law. 3. ed. New York: Foundation Press, 2000, v. 1, p. 218-219. A tradução nos é dada por Gilmar Mendes: “No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: ‘a Constituição nem proíbe nem exige efeito retroativo.’ Parafraseando o Justice Cardozo pela assertiva de que ‘a constituição federal nada diz sobre o assunto’, a Corte de Linkletter tratou da questão da retroatividade como um assunto puramente de política (política judiciária), a ser decidido novamente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: ‘Os critérios condutores da solução da questão implicam (a) o uso a ser servido pelos novos padrões, (b) a extensão da dependência das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei com relação aos antigos padrões, e (c) o efeito sobre a administração da justiça de uma aplicação retroativa dos novos padrões”. Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. RE n° 197.917. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, DF, 24 de mar. 2004. DJ de 07.5.2004.
110 Sobre o caso Linkletter cf.: LIMA, Christina Aires Corrêa. O princípio da nulidade das leis inconstitucionais. 2000. 205 p. Dissertação. (Mestrado em Direito e Estado). Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília.
111 BARROS, Sérgio Rezende de. O Senado e o controle de constitucionalidade. Revista brasileira de direito constitucional. São Paulo: n. 1, jan./jun. 2003, p. 164.
112 Cf.: MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 741.
113 BARROS, Sérgio Rezende de. O Senado e o controle de constitucionalidade. Revista brasileira de direito constitucional. São Paulo: n. 1, jan./jun. 2003, p. 170-171.
114 “É certo, outrossim, que a admissão da pronúncia de inconstitucionalidade com efeito limitado no controle incidental ou difuso (declaração de inconstitucionalidade com efeito ex nunc), cuja necessidade ] já vem sendo reconhecida no âmbito do Supremo Tribunal Federal – pelo menos aquela de conotação substantiva. É que a ‘decisão de calibragem’ tomada pelo tribunal parece avançar também sobre a atividade inicial da Alta Casa do Congresso. Pelo menos, não resta dúvida de que o tribunal assume aqui uma posição que parte da doutrina atribuída, anteriormente, ao Senado Federal”. MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Direito Público, a. 1, n. 4, abr./jun. 2004, p. 15-16.
115 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. MS n° 16.512. Relator: Oswaldo Trigueiro. Brasília, DF, 25 de mai. 66. DJ de 31.8.66.
116 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 183.
117 MENDES, Gilmar Ferreira. O controle incidental de normas no direito brasileiro. Revista dos Tribunais. São Paulo: a. 88, v. 760, fev. 1999, p.30.
118 Citação extraída do voto-vista do Ministro Pertence no qual discutia-se a competência do TSE para julgar mandado de segurança contra atos de TRE. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Classe 2ª. MS n° 1.501. Relator: Américo Luz. Brasília, DF, 06 de fev. 92, DJ de 06.5.92.
119 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O controle de constitucionalidade das leis e do poder de tributar na Constituição de 1988. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 194-195.
120 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 367-368.
121 Cf.: MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 743; e PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 863-864.
122 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 747-748.
123 Observação levantada pelo Ministro Sepúlveda Pertence referente ao problema da adoção das situações ainda constitucionais do direito germânico no modelo de controle brasileiro. SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. 1ª Turma. RE n° 147.776. Relator: Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 19 de mai. 98. DJ de 19.6.98.
124 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. HC n° 82.959. Relator: Marco Aurélio. Brasília, DF, 02 de dez. 2004. DJ de 13.12.2004.
125 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de: José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 517.
126 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. RE n° 197.917. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, DF, 24 de mar. 2004. DJ de 07.5.2004.
127 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Pleno. HC n° 82.959. Relator: Marco Aurélio. Brasília, DF, 02 de dez. 2004. DJ de 13.12.2004.
128 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. AI n° 474.335-AgR. Relator: Eros Grau. Brasília, DF, 30 de nov. 2004. DJ de 04.2.2005.
129 ZAVASCKY, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49-50.
130 Apud MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2 ed. Coimbra: Editora Limitada, 1996, tomo II, p. 500.
131 MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Direito Público, a. 1, n. 4, abr./jun. 2004, p. 29.