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Ideologias e bits

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Conclusão

Do ponto de vista da preservação da soberania que ainda resta ao Estado, a total e irrestrita transparência das intenções e da lógica que o programador transfere ao programa -- intermediadores da inteligência do usuário no ciberespaço -- é fundamental. Não importa se alguém irá ou não inspecioná-las. É o fato de que alguém poderá, se quiser, o mais eficaz desestímulo ao abuso do poder semiológico por parte do produtor, ou de quem com ele se mancomune.

Por isso, a auditabilidade é o principal diferencial a favor do modelo do software livre, fato relevado pelo Senado da França no debate em torno da sua resolution 465, diante das evidências apresentadas pelos serviços de inteligência sobre a vulnerabilidade do país à espionagem industrial pela via do software proprietário (isto ocorreu em relação ao windows NT, quando as "portas de fundo" do windows ainda não eram publicamente reconhecidas pelo produtor, como no windows XP) [16].

Doutra parte, a inauditabilidade do software proprietário só pode ser vantajosa para quem deseja dissimular sua intenção de evadir-se da supervisão e auditoria sobre os processos informatizados pelos quais responde. Os direitos autorais do produtor do software intermediador podem, neste caso, ser levantados como óbices para o exercício destes controles, que poderiam revelar desvios de funcionalidade ou irreguladades. No caso de software monopolista, até mesmo a inexigibilidade de concorrência pode ser levantada para dissimular óbices adicionais ao controle de irregularidades ou de indevidas intimidades na aquisição das licenças.

Em licitações estatais, os mais insidiosos argumentos empregados para justificar tal inexigibilidade tem sido as "garantias de segurança" (até contra "os hackers"!) e as paralizantes profecias auto-realizadoras de que "trata-se de padrão de mercado". A única garantia de segurança que este monopolismo oferece é o da sua própria preservação [], e a responsabilidade pela consolidação de padrões semiológicos é uma das últimas funções que ainda resta ao Estado, como na educação e na preservação do patrimônio cultural dos seus povos.

O fundamentalismo neoliberal não poderá sustentar indefinidamente sua ideologia como mapa único da realidade. Se enfrentarmos grave recessão global, suas chantagens auto-reflexivas tornar-se-ão inócuas [17]. Assim, quem recebeu a missão de conduzir nossa sociedade através desses tempos turbulentos deve cumpri-la, como quer Lula, com firmeza, altivez e serenidade, para não falhar perante a história. Entender a importância da liberdade semiológica nesses tempos, e o papel do software livre na sua preservação [14], é um bom começo.

Porém, estrategicamente, o software livre é mais do que isto. Seu modelo negocial constitui a pedra de toque para a soberania do Estado na era da informação.


Bibliografia

1- Eagleton, Terry: "A Ideologia e suas Vicissitudes no Marxismo Ocidental." Em Slavoj Zizec, ed, Um Mapa da Ideologia. Editora Contraponto, Rio de Janeiro, 1996.

2- Ellsberg, Daniel: "The Theory and Practice of Blackmail." In Oran R. Young, ed., Bargaining: Formal Theories of Negotiation. Urbana: University of Illinois Press, 1975.

3- Benjamin, Cesar: "Hitler também sorria", Revista Caros Amigos, Outubro 2002. http://www.ecomm.com.br/carosamigos/da_revista/edicoes/ed67/cesar_benjamin.asp

4- Economiabr.net: "Lei de Patentes"

http://www.economiabr.net/economia/2_lei_de_patentes.html acessado em 28/12/02

5- Free Software Foundation: "Philosophy of the GNU Project"

http://www.fsf.org/philosophy/philosophy.html acessado em 4/3/03

6- Cruz, Renato: "Com Lula, software livre terá mais espaço" Estadão on-line (15/12/02) http://www.estadao.com.br/tecnologia/informatica/2002/dez/15/6.htm

7- Tribunal Federal Regional DF, consulta por parte "TBA informática"

http://www.trf1.gov.br/ acessado 4/1/03

8- United States District Court for the District of Columbia: "Microsoft Case (11/01/02)"

http://www.dcd.uscourts.gov/microsoft-2001.html acessado em 3/11/02

9- Krim, Jonathan: "Open-Source Fight Flares at Pentagon" Washington Post, May 23 2002

http://www.washingtonpost.com/ac2/wp-dyn?pagename=article&node=&contentId=A60050-2002May22

10- Machiavelli, N: "Il Principe e altre opere politiche" apud Miroslav Mílovic, Filosofia da Comunicação Para uma Crítica da Modernidade, Editora Plano, Brasília, 2002

11- Casado, José: "Corrida para evitar que a crise se agrave", Gazeta Mercantil, São Paulo, 2/1/03

12- Gennings, Michael: "Windows XP Shows the Direction Microsoft is Going". Futurepower computer systems,

http://www.hevanet.com/peace/microsoft.htm acessado 4/1/03

13- Rezende, Pedro: "Passaporte ao Futuro. Qual futuro?" Internet & Cia, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 14/03/02 http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/jcsbc3.htm

14- Rezende, Pedro: "Sapos Piramidais nas Guerras Virtuais, Episódio II: O futuro do software" Fórum Internacional do Software Livre, Porto Alegre, 5/2/02 http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/fisl2002.htm

15- Center for The Public Domain: "BSA´s Proposal to Make all Useful Ideas Patenteable" http://swpat.ffii.org/papers/eubsa-swpat0202/index.en.html acessado em 4/3/03

16- Campbell, Duncan: "How NSA access was built into Windows" Telepolis Magazin der Netzcultur (9/4/99)

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http://www.heise.de/tp/english/inhalt/te/5263/1.html acessado em 4/3/03

17- Soros, George: "A Crise do Capitalismo" Editora Campus, Rio de Janeiro, 1999

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Sobre o autor
Pedro Antônio Dourado de Rezende

professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley (EUA), ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Pedro Antônio Dourado. Ideologias e bits. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3869. Acesso em: 2 nov. 2024.

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