A adequada inteligência do conteúdo normativo disciplinador das medidas de natureza antecipatória: compreensão e interpretação dos dispositivos processuais numa perspectiva constitucional e do novo CPC (Lei n.º 13.105/2015).

06/05/2015 às 00:29
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O texto apresenta uma breve incursão sobre a atitude interpretativa do julgador em face da adoção de medidas antecipatórias frente aos princípios e garantias constitucionais e exigências do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

 A prática forense revela que, apesar das inúmeras modificações implementadas no ordenamento processual pátrio, todas direcionadas à condução do processo aos trilhos da sua efetiva instrumentalidade, a grande maioria das decisões judiciais não se enquadram num ideal de justiça concebido por esse momento vivenciado pela ciência processual, já que se limitam a expor ilações provenientes de mera interpretação gramatical das normas, da simples aplicação da letra fria da lei, como se o direito fosse algo dissociado da realidade, afastando o processo de sua finalidade essencial e, por conseguinte, elevando o grau de descrédito na própria função judicante do Estado.             

A busca pelo equilíbrio entre a segurança jurídica e a celeridade processual é o norte que atormenta os processualistas atuais e ao mesmo tempo alimenta a idealização de novos institutos ou técnicas direcionados à proteção da utilidade dos provimentos jurisdicionais. Para tanto, as regras jurídicas de caráter processual não podem conviver em separado do plano concreto consubstanciado nas normas materiais, sob pena de entrar em rota de colisão com os princípios inspiradores do acesso à ordem jurídica justa.            

É necessário especial cuidado dos aplicadores do direito para que não fiquem presos à simples interpretação gramatical e ao rigor de fórmulas, a exemplo do que acontecia no período do excessivo formalismo romano, mas percebam a finalidade prática dos preceitos normativos processuais, bem como seu envolvimento com outros sistemas jurídicos normativos, em especial o constitucional.           

Neste passo, parece de fundamental importância uma breve incursão sobre a atitude interpretativa do julgador, até porque a questão de fundo exposta no presente estudo  pretende demonstrar a incongruência de uma visualização restrita do conteúdo exposto no art. 273 do CPC/73 – atualmente em vigor – frente aos princípios e garantias constitucionais e as exigências do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.          

A rigor, toda atitude interpretativa caminha no sentido daquilo que é compreensível, ou seja, inteligível em sentido concreto, posto que as significações de determinados valores ou valorações só podem ser comprovadas quando confirmadas no plano concreto. Desse modo, o sistema jurídico só pode se afirmar como uma ordem – estrutura de valores e referências – na medida em que é compreensível e interpretável em direção a concretude das realidades humanas. Trata-se de algo indissociável à própria concepção jurídica do termo interpretação que corresponde à necessidade de uma adequada inteligência dos textos legais (1).          

Com efeito, o processo interpretativo conduz o intérprete ao verdadeiro sentido e alcance das significações contidas nas normas jurídicas e acaba por enriquecê-las em seu autoconhecimento, como adverte o ilustre professor Nelson Saldanha, ao tempo em que questiona:

Uma ordem sem a interpretação o que seria? O peso de um bloco de formas, regularidades, correlações. Na vida social, um conjunto rígidos de regras, de práticas e de obediências: é a imagem das “utopias” autoritárias clássicas inclusive as de Platão e de Morus. É muito difícil imaginar esta regularidade perfeita e sem questionamentos, sem a dúvida nem a problematização (hic optime manebimus). Sobretudo no mundo moderno, já que para o caso dos povos mais antigos sempre se presume que viveram longos tempos debaixo de autocracias inamovíveis e sem crítica interna. A idéia de uma ordem sem interpretação corresponde a uma ausência de “mudanças” e portanto constitui, de certa forma, um conceito-limite.As significações que se acham contidas na ordem, e que lhe dão um sentido,são a própria matéria da interpretação. Entende-se a ordem através delas, e se elas existem, a interpretação é sempre possível. (2)

 Toda essa linguagem hermenêutica de integração ao contexto real das relações humanas implica numa reaproximação das normas materiais às normas de caráter processual (perspectiva instrumentalista) e insuficiência do método gramatical como meio exclusivo para uma adequada aplicação do direito, embora toda e qualquer interpretação não a exclua. A par dele devem transitar os métodos teleológico, axiológico, sistemático, dentre outros que favoreçam a obtenção de resultados satisfatórios (tempestivos, adequados e úteis), do ponto de vista prático, aos conflitos submetidos ao judiciário.            

Acerca do assunto, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, didaticamente, esclarece:

[...] a interpretação teleológica e axiológica ativa a participação do intérprete na configuração do sentido. [...] Assim, entende-se que, não importa a norma, ela há de ter, para o hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as conseqüências da previsão legal (a lei sempre visa aos fins sociais do direito e às exigências do bem comum, ainda que, de fato, possa parecer que eles não estejam sendo atendidos). (3)

 A exigência teleológica contida no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (4) reclama da ciência processual um maior esforço na produção de resultados convenientes, justos e adequados à preservação dos valores e garantias fundamentais protegidos pela Constituição Federal, que dão sustento ao próprio ordenamento jurídico como um todo.             

À luz de tal consideração, assume o intérprete e aplicador das normas processuais o compromisso de adaptá-las às necessidades sociais existentes no momento de sua aplicação, ainda que para isso seja necessário enquadrá-las a hipóteses fáticas não contempladas pela letra da lei.             

De outro turno, esses métodos interpretativos clássicos, como ressaltado, devem guiar-se por uma intelecção baseada no texto constitucional a fim de obter como resultado da operação exegética uma interpretação conforme a Constituição, isto é, uma interpretação aliada às opções valorativas fundamentais previstas no texto Constitucional (hermenêutica constitucional) (5).           

Mas para o cumprimento de tal premissa exige-se do operador jurídico a percepção da existência de uma interdependência entre as diversas normas da ordem constitucional, de um sistema interligado que favoreça uma maior integração social e eficácia das normas, sobretudo dentro de uma perspectiva avançada condizente com as circunstâncias advindas da evolução social e favorecedora da aplicação de técnicas e procedimentos normativos atuais, garantidores da efetividade e permanência harmônica do sistema normativo constitucional (6).           

Em outras palavras, deve o intérprete adotar, indispensavelmente, o emprego dos princípios da interpretação constitucional traduzidos, em síntese, no parágrafo anterior, quais sejam: princípio da unidade da constituição, do efeito integrador, da máxima efetividade, da força normativa da Constituição, da conformidade funcional, da interpretação conforme a Constituição e da concordância prática ou da harmonização (proporcionalidade) (7).           

Nesse sentir, conforma-se com os princípios expostos a viabilização de uma interpretação extensiva do art. 273 do CPC/73, que, por conseguinte, possibilite ao julgador, a despeito da exigência legal do “requerimento da parte”, conceder medida de urgência antecipatória quando, presentes os seus requisitos essenciais (prova inequívoca, verossimilhança da alegação e fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação), indispensável à proteção do direito material e à efetividade da tutela jurisdicional definitiva. Destarte, somente ampliando o sentido da norma para além do contido no seu texto escrito é que se respeitará a essência do dispositivo legal e se extrairá o máximo de efetividade jurisdicional buscado pelas reformas processuais.           

Essa, aliás, a linha de pensamento trilhada pelo novo CPC (Lei n.º 13.105/2015) quando integra e reaproxima no Livro V, denominado “DA TUTELA PROVISÓRIA”, as medidas de urgência ou evidência, de natureza cautelar ou antecipada, autorizando ao magistrado a concessão das tutelas jurisdicionais diferenciadas (8 e 9), sem qualquer menção à exigência de postulação da parte interessada, situação que resulta em maior efetividade processual.  

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Referências

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.. São Paulo: Atlas, 2001.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2002.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999.

LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.


Notas

1. SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica: sobre as relações entre as formas de organização e o pensamento interpretativo, principalmente no direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, pp. 244/245.

2. Ibdem, p. 248.

3. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.. São Paulo: Atlas, 2001, p. 289.

4. Art. 5° - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

5. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.39.

6. Ibdem, p. 40-42.

7. Classificação formulada por Konrad Hesse (in Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C.F. Muller, 1984, pp. 26-28), secundado, em língua portuguesa, por José Joaquim Gomes Canotilho (in Direito Constitucional, Lisboa: Almedina, 1989, pp. 162-165). Apud GUERRA FILHO, op. cit., p. 40-42.

8. Tratando sobre o tema, o Prof. Ricardo Rodrigues Gama, baseado no jurista italiano Proto Pisani, destaca os dois sentidos da expressão tutela jurisdicional diferenciada, quais sejam, verbis: “a) procedimentos específicos, os quais são moldados sobre a natureza da relação de direito material,como se dá com as ações de consignação em pagamento, de depósito, de anulação e substituição de título ao portador, de despejo, possessórias, de nunciação de obra nova, de usucapião, de divisão e demarcação de terras, de inventário e partilha, de embargos de terceiro, de divórcio... É importante observar que aqui se leva em conta a natureza da relação de direito a ser protegido, permanecendo a cognição plena e exauriente. Assim não é porque a relação de direito material reclamada procedimento especial pelas suas peculiaridades que vai ser preciso estabelecer a sua sumarização. Aliás, por uma questão de política (escolha do legislador), adota-se, ou não, este ou aquele procedimento especial (específico). Para ficar mais claro, os procedimentos especiais existentes podem deixar de existir, contudo o direito correspondente vai ser tutelado pelo procedimento ordinário. Como exemplo dessa ocorrência, basta lembrar da ação de imissão de posse, a qual era prevista pelo Código de Processo Civil de 1939 e, com o advento do Código atual, deixou de existir o procedimento específico, passando esta ação para o procedimento ordinário. A tutela jurisdicional diferenciada seria expressada por procedimentos específicos para tratarem de determinados direitos materiais; b) tutelas sumárias típicas não exaurientes, as quais têm por objetivo driblar o tempo e garantir o exercício do direito. Com a adoção de tutelas sumárias diferenciadas, nota-se que a cognição do juiz está sendo reduzida e o direito do autor está sendo assegurado de forma mais rápida. Com os aprimoramentos doutrinários dos institutos processuais, são levadas para a lei algumas mudanças que tornam mais efetivo o processo [...].”(Efetividade do Processo Civil, Campinas: Bookseller, 2002, p. 13/14).

9. Na visão de João Batista Lopes, a tutela jurisdicional diferenciada pode ser conceituada “como o conjunto de instrumentos ou técnicas para fazer o processo atuar eficazmente, em tempo razoável, garantindo a adequada proteção dos direitos segundo os princípios, regras e valores constantes da ordem jurídica.” (LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 39). Essa definição traduz bem a intenção adotada no decorrer do presente trabalho em relação a essa expressão.

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Sobre o autor
Bruno Angelim Figuerôa

Possui Graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. É Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi Monitor das Disciplinas Direito Civil I (1º Colocado) e Direito Processual Civil I (1º Colocado). Exerceu a docência na condição de: a) Professor Substituto da Disciplina Direito Processual Civil I da ESMAPE (Escola Superior da Magistratura de Pernambuco); b) Professor Titular da Disciplina Direito Processual Civil II da ESMAPE (Escola Superior da Magistratura de Pernambuco); c) Professor da Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da FADEPE (Faculdade de Desenvolvimento de Pernambuco); d) Professor da Faculdade de Olinda FOCCA; e e) Professor da Faculdade AESO - Barros Melo. Também exerceu os cargos de Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Assessor do Des. Milton José Neves (TJPE) e Chefe de Gabinete da Des. Federal Valéria Gondim Sampaio (TRT 6ª Região). Atualmente é Assessor de Desembargador Federal do Trabalho, Analista Judiciário do TRT da 6ª Região, Professor de Direito Processual do Trabalho na Faculdade Damas e Professor Convidado da Pós-Graduação da Escola Superior da Magistratura Trabalhista (ESMATRA 6ª Região).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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