O regime do ICMS nas importações é ditado pela CF, art. 155, § 2º, IX, a, cuja redação, alterada pela EC nº 33, publicada em 12 de dezembro de 2001, atualmente, diz que o imposto incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.
Anteriormente à mencionada emenda, dizia o dispositivo que o imposto incidiria sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço.
Note-se que o tributo antes não alcançava as importações de bens realizadas por pessoas físicas ou sociedades civis, comumente não contribuintes diretos do ICMS, passando então a ter sua hipótese de incidência constitucionalmente alargada, de forma a fazer com que o Fisco pudesse tributar operações que não envolvessem apenas mercadorias [1].
Neste sentido, aliás, são os apontamentos de Leandro Paulsen:
A nova redação da alínea "a" ampliou a base econômica do ICMS na importação. Agora, alcança não apenas a entrada de mercadoria mas também de bem. Assim, tem-se que passou a abranger todo e qualquer produto importado do exterior. Ficou claro que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser contribuinte do ICMS na importação, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, ou seja, mesmo que não seja voltada à atividade industrial ou comercial. (Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2002, p. 300)
José Eduardo Soares de Melo compartilha do mesmo discurso do autor antes referenciado:
A modificação objetivou abranger todas as espécies de importação na medida em que o texto original era circunscrito à importação de "mercadoria e bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento", tendo o novo preceito suprimido a referida destinação ao dispor sobre a incidência tributária independente da finalidade da mercadoria ou do bem.
Portanto, o imposto deverá ser exigido sem considerar a destinação da coisa importada (mercancia, industrialização, prestação de serviço, integração no ativo fixo, consumo, uso particular, etc.). (ICMS: Teoria e Prática. 5ª ed. Dialética: São Paulo, 2002, p. 47)
A problemática da importação de bem por pessoa física ou sociedade civil, para uso próprio ou como meio de prestação de serviços, é polêmica em meio jurisprudencial. Nesse contexto, o STJ chegou a editar a Súmula 198: "Na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS". No entanto, o STF, em julgamento do RE nº 203.075/DF, por maioria de votos, decidiu que a regra do art. 155, § 2º, IX, "a" da CF que determina a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado ao consumo ou ao ativo fixo do estabelecimento não se aplica às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para o uso próprio.
Para as sociedades civis também consignou nossa Corte Suprema a regra da não incidência:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS. Recurso Extraordinário não conhecido. (STF, Tribunal Pleno, RE nº 185.789/SP, rel. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 03.02.2000)
Na esfera dos Tribunais de Justiça, há precedentes direcionados no mesmo caminho trilhado pelo STF. Confira-se, a respeito, o seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PERICULUM IN MORA. FUMUS BONI JURIS. CONCESSÃO DA LIMINAR. AGRAVO IMPROVIDO. A CONCESSÃO DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA SE SUSTENTA NA PRESENÇA DOS REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. ESTANDO DEMONSTRADA A PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DEVE SER CONCEDIDA A LIMINAR. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. NÃO CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. NÃO SE MOSTRA DESCABIDO O PEDIDO DE ISENÇÃO DO ICMS SOBRE EQUIPAMENTO MÉDICO DESTINADO AO ATIVO FIXO DA AGRAVADA, NÃO HAVENDO NA ESPÉCIE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA, HAVENDO PRECEDENTES DO STF NO SENTIDO DE QUE A INCIDÊNCIA DESTE IMPOSTO NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA TEM COMO FATO GERADOR OPERAÇÃO DE NATUREZA MERCANTIL OU ASSEMELHADA, SENDO INEXIGÍVEL QUANDO O IMPORTADOR NÃO FOR CONTRIBUINTE DO TRIBUTO. DA MESMA FORMA, HÁ DECISÃO DO PRETÓRIO EXCELSO NO SENTIDO DE QUE O ICMS NÃO INCIDE QUANDO SE TRATAR DE BEM QUE INTEGRA O ATIVO FIXO DA EMPRESA E NÃO SE DESTINAR À REVENDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJDF, 3ª Turma Cível, AI nº 20010020010400, rel. Des. Jeronymo de Souza, j. 11.06.2001, v.u., DJU 29.08.2001)
A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná optou pela mesma exegese, conforme comprovamos da leitura de mais este acórdão:
EMENTA: CONSTITUCIONAL- TRIBUTÁRIO- ICMS- IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA POR SOCIEDADE CIVIL PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS- BEM QUE, NADA OBSTANTE VÁ COMPOR O ATIVO FIXO DESSA PESSOA JURÍDICA, NÃO SE DESTINA A COMERCIALIZAÇÃO OU CIRCULAÇÃO- FATO GERADOR DO TRIBUTO- NÃO CARACTERIZAÇÃO, DE ACORDO COM A SISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL ENTÃO APLICÁVEL, OU SEJA, ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 33 DE 11.12.2001 - SEGURANÇA CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. RECURSOS VOLUNTÁRIO E OFICIAL NÃO PROVIDOS. (TJPR, 5ª Câmara Cível, AC nº 114.765-7, rel. Des. Luiz Cezar de Oliveira, j. 03.09.2002, v.m.)
No TJRS as decisões seguiram no exato compasso das anteriores:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO ODONTOLÓGICO POR PESSOA FÍSICA. CONTRIBUINTE FATO GERADOR. LIBERAÇÃO ALFANDEGÁRIA. 1. O fato gerador do ICMS na importação de mercadoria do exterior ocorre no momento do desembaraço aduaneiro. Interpretação que se retira (1) do texto constitucional (art. 155, inc. IX, "a" c/c no art. 34, § 8º do ADCT); (2) do Convênio n. 66/88 (art. 2º): e (3) da Legislação Estadual (art. 4º, inc. VI, do RICMS). A Constituição de 1988 no pertinente ao momento da ocorrência do fato gerador na importação de mercadoria do exterior. 2. De acordo com precedentes do STF, a importação de equipamento odontológico destinado a prestação de serviços não está sujeita ao recolhimento do ICMS, conquanto não é a pessoa natural contribuinte do tributo, não possui ativo fixo, tampouco estabelecimento e o bem, por sua natureza, não se destina ao consumo mas ao uso próprio das atividades profissionais. Preliminares suscitadas pelo réu acolhidas. Recurso provido. (16 fls.) (Apelação Cível nº 70000343624, 2ª Câmara Cível do TJRS, Caxias do Sul, Rel. Des. Arno Werlang. j. 11.10.2000)
É importante destacar que a exceção imposta pelo STF e por parte dos Tribunais, ainda que contrariando o STJ, restringia-se somente à pessoa física e sociedade civil e naquelas especiais condições acima detalhadas, isto é, importação de bem para uso próprio ou ativo fixo, por considerar o Excelso Pretório não serem tais agentes contribuintes do ICMS. Assim sendo, na importação de bem para aplicação no ativo fixo da sociedade empresarial, mesmo antes da EC nº 33/2001, a regra sempre foi considerar como constitucional a incidência do ICMS.
Trata-se, portanto, de exceção à regra de que o tributo sob comento apenas incide sobre operações envolvendo mercadorias, e não bens. Carrazza, sintetizou bem esta hipótese excepcional, em trecho de sua obra que vale a pena repetir:
Observe-se que os bens destinados a consumo ou ativo fixo não são mercadorias. No entanto, a Constituição autoriza expressamente (art. 155, § 2º, IX, a) – ainda se referindo à CF/88 antes da EC nº 33/2001 – venham a ser tributados por meio de ICMS. É que a mercadoria é considerada pelo ângulo de quem promove a operação, e não do adquirente-importador.
Em síntese, o ICMS pode onerar as importações de bens destinados a consumo ou ativo fixo e as operações que destinem bens móveis a consumidor final.
Logo, dando fecho a este raciocínio, o ICMS, graças às mencionadas exceções constitucionais, pode gravar operações relativas à circulação de bens não destinados à comercialização, que não são, pois, mercadorias. Estes, porém, os únicos casos em que bens móveis, não-objeto de comércio, podem vir a ser alcançados pelo imposto em tela. (Ob. cit., pp. 55-56).
Destarte, nas importações efetuadas para a composição do ativo permanente empresarial deve incidir o ICMS, sendo esta a conclusão que sempre imperou nas instâncias superiores:
EMENTA: TRIBUTÁRIO - ICMS - IMPORTAÇÃO DE BEM DESTINADO AO ATIVO FIXO. É LICITO COBRAR ICM SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BEM DESTINADO AO ATIVO FIXO. EM TAL HIPÓTESE, CONSIDERA-SE A ENTRADA NO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR, COMO OPERAÇÃO INTERNA, PARA EFEITO DE BASE DE CÁLCULO E ADOÇÃO DE ALÍQUOTAS. (STJ, 1ª Turma, AGA nº 39.429/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 02.05.1994, v.u., DJU 06.06.1994)
E ainda:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO DA EMPRESA. ICMS DEVIDO. 1 - O FATO IMPONÍVEL DO ICMS É A ENTRADA DO PRODUTO NO ESTABELECIMENTO DO IMPORTADOR. A OPERAÇÃO INTERNA É ADEQUADA À ALÍQUOTA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. 2 - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 3 - RECURSO IMPROVIDO. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 9.546/SP, rel. Min. José Delgado, j. 10.09.1996, v.u., DJU 14.10.1996)
Fica evidente, diante do exposto, a opção do Judiciário Brasileiro por uma leitura à risca do art. 155, § 2º, IX, "a", da Carta Constitucional, tributando-se pela via do ICMS as operações envolvendo a aquisição pelas empresas de bens - ainda que não considerados mercadorias - para a composição dos seus ativos fixos ou permanente.
NOTAS
01. Sobre o conceito de mercadoria para fins de incidência do ICMS, interessante é a lição de Roque Antonio Carrazza: "Não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria". (ICMS. 7ª ed. Malheiros: São Paulo, 2001, p. 39). Apesar de não estar no foco da discussão aqui deflagrada, faz-se pertinente aduzir que, ao se desfazer determinada empresa de bens de seu ativo fixo, não estará praticando o fato gerador da obrigação de recolher o ICMS, pois de mercadoria não se estará falando, haja vista a constatação de que os bens imobilizados de determinado estabelecimento jamais poderão ser classificados como regularmente comercializáveis.
Referências bibliográficas
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 7ª ed. Malheiros: São Paulo, 2001.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e Prática. 5ª ed. Dialética: São Paulo, 2002.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2002.