1. INTRODUÇÃO
O progresso científico-tecnológico causou profundas mudanças no mundo dos negócios. As relações de consumo virtuais de âmbito internacional passaram a se desenvolver em larga escala em decorrência das facilidades proporcionadas pela internet e, especificamente no ambiente virtual e internacional as relações de consumo foram se concretizando por meio dos contratos eletrônicos internacionais de consumo.
Os prestadores de serviços e fornecedores utilizam a internet como um veículo de comunicação permitindo-lhes divulgar as atividades e serviços que podem ser realizados por meio da celebração de contratos, muitas vezes ultrapassando as fronteiras geográficas, e trazendo para os clientes vários benefícios como comodidade, opções de escolha, maior informação sobre a aquisição dos produtos, facilidade, rapidez no contato, envio e recepção de dados entre várias pessoas de vários lugares, e a custos muito baixos, dentre outros.
Entretanto, apesar das muitas vantagens, a utilização deste tipo de negócio acarretou não só na insegurança jurídica, tendo em vista a lacuna legislativa internacional, mas também maior vulnerabilidade dos consumidores nas transações internacionais já que no caso o consumidor brasileiro se encontra em situação de desproteção quando celebrado contratos com o fornecedor estrangeiro.
A grande questão é que, estando as partes contratantes em países distintos, há a existência de mais de um ordenamento jurídico passível de ser aplicado ao negócio, gerando um conflito de leis sendo necessário encontrar soluções para esse conflito.
O trabalho em questão tem como objetivo verificar como se da o funcionamento deste tipo de contrato, as práticas mais comuns no mercado internacional bem como abordar as soluções mais utilizadas para os principais conflitos que envolvem esse tipo de negócio.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Etimologicamente o contrato vem do latim contractu que significa acordo. O contrato se estabeleceu assim, como sendo um acordo de vontades estabelecido entre duas ou mais pessoas que posteriormente surtirá efeitos, ou seja, cria direito e obrigações.
Desde as antigas formas de civilização era possível a caracterização de formas primitivas de contrato. De tal forma que, a partir do momento que o homem vive em comunidade, estabelece relações, costumes e tradições, se constitui assim o direito consuetudinário.
Porém, os verdadeiros moldes do contrato se estabelecem no direito romano, como forma de circulação de bens e riquezas de acordo com as práticas, os costumes e a realidade econômica da sociedade.
Advinda a Idade Média ocorrem transformações substanciais no direito contratual. Os canonistas davam menor importância às formalidades que eram características do Direito Romano, desta forma passam a privilegiar a vontade contratual. Neste aspecto, não se aborda como antes a teoria dos vícios do consentimento, colocando em evidência o que foi acordado mediante a vontade das partes, a palavra dará a força contratual independentemente de sua forma e expõe aquele que viola o contrato, equivalendo a um pecado.
Com a valorização do consenso, entende-se que apenas com a declaração de vontade nasce uma obrigação, livre de formalismos e solenidades do Direito Romano.
Posteriormente, surge a Escola de Direito Natural, que também oferece novos aspectos importantes para o instituto do contrato. Tal escola tem como características a racionalidade e individualidade dos contratos defende que o fundamento racional das obrigações se descobria na pretensão livre das partes. Assim, vemos que a teoria clássica do contrato, que esta fundamentada no princípio da autonomia da vontade.
Com Jean Jacques Rousseau, teve grande importância com a Teoria do Contrato social, que entendia ser a base da sociedade politicamente organizada um contrato, ou seja, o Estado. Posto que, a autoridade estatal encontra seu fundamento no consentimento dos cidadãos, que se unem – em um contrato – para que se forme uma sociedade.
Conforme a teoria, para que o homem exerça sua liberdade da melhor forma possível, é necessário que renuncie alguns direitos em benefício do contrato social. O Estado retira sua autoridade de um contrato, que será a base estatal.
Com o auge do liberalismo, no século XIX, houve a estabilização da concepção clássica de contrato com o Estado Moderno, que com base no individualismo econômico, e com os idéias de liberdade e igualdade, firma-se o concretamente a autonomia da vontade.
Neste momento histórico temos a autonomia da vontade como fonte e legitimação para o nascimento de direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual. Obtém aqui a máxima da força obrigatória que permanece nos dias de hoje, a pacta sunt servanda.
Neste diapasão, tinha a concepção de que a justiça contratual consistia no fato de o conteúdo do contrato obedecer à livre vontade pactuada entre as partes, bem como a igualdade formal das partes. Ressalvando que não havia intervenção do Estado, apenas a autonomia da vontade das partes contratantes. Com Adam Smith temos que o contrato passa a ser difundido como uma forma de funcionamento do sistema econômico. Sendo a liberdade contratual uma forma de liberdade de contratar ou não, escolher a forma, as cláusulas e as partes contratantes.
Desta forma em 1804 foi adotado no Código de Napoleão tais características da visão clássica: contrato liberal, individualista, propriedade privada e a ideia de valor da vontade. Consistiu o Código Napoleônico o primeiro código burguês, elaborado para atender a nova classe capitalista que surgia.
Em seu art. 1.134 dispõe que os contratos têm força de lei, conferindo efetividade máxima ao princípio da autonomia contratual. O Código Civil Alemão, inspirado também nos princípios do ordenamento capitalista baseia-se nos princípios da liberdade contratual e igualdade formal dos indivíduos, mesmo que concluído um século depois do ordenamento francês.
O Código Beviláqua também se orientou pelos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade do Código Civil Napoleônico. Porém, na metade do século XIX, tais princípios começam a ser questionados sob o entendimento que nem sempre a vontade prevalecia como mais forte. Podendo, com isso, levar a injustiças principalmente quando os pólos eram empresas que detinham riqueza e poder e de outro lado o operário.
Descobre-se que o contrato pode ser injusto, tanto pelas partes com também pela dinamicidade contratual.
Após as Guerras Mundiais conduz o legislador a intervir mais no contrato, para que se possa dispor de maior segurança, bem como remediar os efeitos das desigualdades.
Usufrui, o Estado, de mecanismos para limitar a autonomia da vontade.
Resolvido a conduzir a economia, o Estado definiu normas atribuindo o teor de certos contratos, coibindo o ingresso de certas cláusulas, e determinando, sua autorização, atribuindo a obrigação de contratar a uma das partes potenciais e mandando inserir na relação inteiramente disposições legais ou regulamentares.
Nasce, contemporaneamente, um novo modelo de contratação que acusa a tendência, cada vez maior, da despersonalização dos contraentes, posto que está presente a massificação de certos contratos.
Contemplamos certo dirigismo contratual, desempenhado pelo Estado por meio de leis eu impõem ou proíbem certo teor de determinados contratos, ou sujeitam sua conclusão ou sua eficácia a uma autorização de poder público.
A partir de então, a nova estrutura contratual caminha para o sentido de dissociar-se cada vez mais da autonomia privada e traz em seu bojo situações que refletem o antagonismo das partes, como empregados e seus empregadores, grandes produtores e consumidores, etc.
É o funcionamento do contrato como forma de conciliar e equilibrar os interesses das partes contratantes, pertencentes a classes socioeconômicas diversas. Isso só é aceitável com a interferência estatal, que vem aplanar a relação jurídica formada entre as partes.
Porém, especificamente no que tange os contratos eletrônicos tem seu desenvolvimento com a Internet na década de 1980. O Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), a Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA) e o Instituto de Pesquisa de Stanford (SRI) foram das primeiras organizações a criar tecnologias que dariam origem a internet.
Apenas nos últimos anos da década de 1980 que surgem as primeiras tentativas de aplicação no setor privado. Mas apenas em 1990 é que a internet se torna um instrumento comercial, possibilitando a aplicabilidade contratual e se estabelecem relações consumeristas. Consistindo um momento histórico em que as transformações contratuais tornam-se provisórias e voláteis e novas formas de contratos surgirão em decorrência da Revolução Digital.
3. CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO ELETRÔNICO INTERNACIONAL
O contrato eletrônico é celebrado por meios eletrônicos, diferenciando-se dos demais pela forma como se materializa.
Há uma crescente nesta forma contratual, posto que com a internet faz-se tudo on-line, e a cada dia mais serviços aderem à contratação on-line, rápida, fácil e instantânea, sendo inclusive um grande impulso para a economia mundial.
Além disto, une empresas e pessoas de diversos países com extrema simplicidade na prestação e contratação de serviços.
Jorge José Lawand[1] define o contrato eletrônico da seguinte maneira:
“Os contratos eletrônicos são a expressão jurídica do comércio eletrônico, que significa em sua essência, um fluxo e refluxo de bens e serviços realizados mediante uma rede de comunicações informatizada. E os problemas que suscitam não são substancialmente distintos daqueles relativos à contratação ordinária.”
Fábio Ulhoa Coelho[2] traz o seguinte conceito:
“Comércio eletrônico é a atividade comercial explorada através de contrato de compra e venda com a particularidade de ser este contrato celebrado em ambiente virtual, tendo por objetivo a transmissão de bens físicos ou virtuais e também serviços de qualquer natureza.”
Cláudia Lima Marques[3] define comércio eletrônico sendo:
“(...) comércio entre fornecedores e consumidores realizado através de contratações à distância, as quais são conduzidas por meios eletrônicos (e-mail etc), por Internet (on line) ou por meios de telecomunicações de massa (telemarketing, TV, TV a cabo, etc.), sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar (e sim à distância).”
Importante aqui, ressaltarmos os princípios jurídicos basilares dos contratos eletrônicos:
I) Princípio da equivalência funcional dos atos jurídicos produzidos por meios eletrônicos com os atos jurídicos tradicionais: este princípio busca vedar a diferenciação deste tipo contratual com os demais formalizados fisicamente em papel.
II) Princípio da neutralidade tecnológica das disposições reguladoras do comércio eletrônico: neste princípio vislumbramos a necessidade da legislação estar sempre à frente dos contratos e do desenvolvimento tecnológico, evitando desta forma, que o ordenamento seja obsoleto, posto que os contratos eletrônicos são modificados com o avanço da tecnologia.
III) Princípio da inalterabilidade do direito existente sobre obrigações e contratos: esclarece este o fato de que o contrato eletrônico não cria novos direitos, apenas os coloca em prática de forma diversa da prevista em lei, porém não proibida. Muda por sua transmissão ser via comunicação virtual.
Novamente, Jorge José Lawand[4] leciona:
“A Internet não cria um espaço livre, alheio do Direito. Ao contrário, as normas legais vigentes aplicam-se aos contratos eletrônicos basicamente da mesma forma que a quaisquer outros negócios jurídicos. A celebração de contratos via Internet sujeita-se, portanto, a todos os preceitos pertinentes do Código Civil Brasileiro (CC). Tratando-se de contratos de consumo, são também aplicáveis as normas do Código de Defeso do Consumidor (CDC).”
IV) Princípio da boa-fé: neste caso o princípio da boa fé expende-se com base na confiança e lealdade entre as partes contratantes.
V) Princípio da autonomia privada: permite ampla liberdade na contratação, fixando regras de forma livre, desde que não contrariem à lei. Ressaltamos que mesmo sendo livre a contratação, devem ser respeitados alguns limites como a ordem pública, bons costumes e a função social do contrato. Com base na autonomia privada as partes podem criar seus próprios contratos com cláusulas ajustáveis de acordo com as suas necessidades, produtos e serviços.
4. CARACTERÍSTICAS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO INTERNACIONAL
O comércio eletrônico internacional, mais conhecido como e-commerce, ganhou notoriedade nos anos 90, quando a internet começou a ser expandida e utilizada em todo o mundo. Com o desenvolvimento tecnológico e a popularização do e-commerce, essa prática comercial passou a representar uma parte significativa da economia.
As práticas de comércio eletrônico ocorridas entre o Brasil e outros países devem obedecer às orientações da Receita Federal, que estabelece um regime de tributação simplificada para as compras realizadas pela internet em sites de empresas situadas no exterior. Essas compras estão limitadas ao valor de 3 mil dólares, com tributação de 60% sobre o valor do produto descrito na fatura comercial. Em relação às compras em valor inferior à 50 dólares ou de medicamentos, livros, jornais e periódicos impressos em papel não há tributação, desde que sejam transportadas pelo serviço postal e que o remetente e destinatário sejam pessoas físicas.
O comércio eletrônico internacional ocorre por meio de programas de computador ou de aparelhos eletrônicos que contenham esses programas, nos quais as partes externam suas declarações de vontade digitalmente, como por exemplo, através da troca de e-mails. Em outras palavras significa dizer que o e-commerce é um tipo de transação comercial feita através de um equipamento eletrônico, na qual o produto comercializado pode ser físico ou digital.
Sobre o recebimento do produto, cumpre esclarecer que ele pode ser enviado pelo correio, caso seja um bem material, ou através de download, caso seja um bem imaterial. Em relação ao pagamento, as formas mais comuns são o pagamento feito com cheque, cartão de crédito ou transferência eletrônica bancária.
Como o comércio eletrônico internacional abrange legislação de dois ou mais estados, se evidencia uma insegurança jurídica causada pela lacuna legislativa internacional e, ainda, uma maior vulnerabilidade dos consumidores brasileiros nas transações internacionais. Assim, há a necessidade de uma proteção especial.
A defesa do consumidor está insculpida no artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988[5], que conferiu ao Estado a tarefa de promover a proteção do consumidor, que é considerado um direito fundamental do cidadão. Por isso criou-se o Código de Defesa do Consumidor, que é norma de ordem pública em nosso sistema jurídico.
Em razão da inexistência de legislação internacional sobre a proteção do consumidor nos contratos eletrônicos comerciais, as disposições do CDC podem ser aplicadas analogamente a relação de consumo virtual, tentando conferir um mínimo de proteção ao consumidor.
Uma das formas de proteger o consumidor brasileiro, está disciplinada no artigo 100, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor[6], que reforçou a competência dos tribunais nacionais caso seja necessário demandar um fornecedor estrangeiro.
Em relação à legislação a ser adotada, se esclarece que de acordo com o disposto no artigo 17 da Lei Introdução às Normas do Direito Brasileiro[7], as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Como foi atribuído ao Código de Defesa do Consumidor a natureza de ordem pública, é possível afastar a aplicação de lei estrangeira quando violar o disposto no CDC, aplicando-se a legislação brasileira, com o intuito de proteger o consumidor brasileiro, tendo em vista a sua hipossuficiência.
Entretanto, o mesmo pode ocorrer na situação inversa, em que uma decisão brasileira que deve ser efetivada no exterior viole a norma pública daquele estado. Assim, para garantir uma efetiva proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos internacionais, é preciso que se uniformize esta legislação, agregando o maior número de países possível.
Em conclusão, o consumidor brasileiro deve ser cauteloso ao decidir realizar transações comerciais eletrônicas em âmbito internacional, verificando se o site disponibiliza informações claras em seu site e se existe um “feedback” sobre a confiabilidade daquele fornecedor. A adoção desta conduta visa avaliar de o fornecedor é confiável e transmite segurança, objetivando evitar transtornos futuros, em face da inexistência de uma legislação unificada sobre o tema.
5. LEI APLICÁVEL AO CONTRATO ELETRÔNICO INTERNACIONAL
Os contratos eletrônicos, por se tratarem de contratos com caráter meramente automatizados e serem caracterizados pelo afastamento da intervenção humana, quando celebrados no âmbito internacional dão origem a questões conflituosas, tendo em vista que nem sempre se consegue estabelecer com precisão o local e o momento da celebração do contrato, bem como a identificação das partes, criando dificuldades para a determinação da Lei aplicável, isto é, qual o ordenamento jurídico que será aplicável ao caso concreto, e do Tribunal Competente, ou seja, quem é competente para resolver a controvérsia tendo em vista que as atribuições dos diversos órgãos jurisdicionais são prefixadas em observância a limites territoriais definidos dentro dos quais podem exercer a jurisdição.
Verifica-se, que a possibilidade de realizar contratos eletrônicos entre partes que se localizam em países distintos põe em discussão a noção de territorialidade, pois ao ser realizado um contrato além das fronteiras de um único estado haverá o contato com mais de um ordenamento jurídico, suscitando desta forma o conflito de leis.
5.1. Tribunal competente
No que concerne à definição da Competência Judicial Internacional, verifica-se que é necessário analisar a relação existente entre a situação de fato e o Estado do foro, sendo por isso que as normas de competência internacional se utilizam dos critérios de conexão.
No direito positivo brasileiro, a competência internacional foi estabelecida inicialmente pela Lei de Introdução ao Código Civil (LICC - Lei n° 4.657/42)[8], que em seu art. 12º restringe a competência concorrente da autoridade brasileira às causas em que o réu é domiciliado no Brasil ou quando aqui deva ser cumprida a obrigação. Ademais, nota-se que o artigo 88º do Código de Processo Civil, além destas hipóteses abrange também as ações originadas de fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Em suma, a delimitação decorre do entendimento de que deve haver jurisdição até onde o Estado efetivamente consiga executar soberanamente suas sentenças, limitando, assim, a jurisdição especialmente pelo princípio da efetividade.
No Brasil, a competência internacional divide-se em concorrente e exclusiva. Exemplos de jurisdição concorrente estão enumerados no art. 88º, do CPC[9], ou seja, quando o réu aqui estiver domiciliado, quando no Brasil deva ser cumprida a obrigação, ou quando a demanda se originar de fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Portanto, caso seja concorrente, pode a ação ser ajuizada tanto perante a justiça brasileira quanto estrangeira. A seu turno, a competência será exclusiva quando no Brasil estiver situado o imóvel objeto da lide ou quando estiverem situados os bens arrolados em inventário (artigo 89º do CPC).
Por fim, no âmbito Internacional não comunitário, há de se observar também a Lei Modelo da UNCITRAL[10], que foi idealizada e estruturada no intuito de fornecer subsídios aos países signatários, objetivando elaborar e uniformizar suas leis sobre comércio eletrônico. Esta legislação, dentre outras questões, estabelece as regras sobre o local de recebimento e envio de mensagens de dados eletrônicos, que tem repercussão no direito internacional privado e nos códigos nacionais, porque dele depende não só a apuração do foro competente, mas também a determinação da lei a ser aplicada a uma determinada relação contratual. Prevê também a impossibilidade das instituições provedoras terem foro de competência, sendo que esta regra afasta a possibilidade de ser tomada a localização do provedor, como local para definir questões relativas à jurisdição.
5.2. Lei competente
Analisadas as questões relacionadas à definição do órgão julgador competente, passemos agora ao estudo da Lei aplicável aos Contratos Eletrônicos.
No Direito brasileiro, os contratos eletrônicos são regulados pelo dispositivo que se encontra na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC - Lei n° 4.657/42), em seu art. 9º, § 2º, que possui como regra geral a lex loci contratus, segundo a qual a lei regente do contrato será a do lugar em que foi celebrado.
É importante observar, no entanto, que embora a regra do art. 9º da LICC seja de natureza cogente, em consequência do direito internacional privado brasileiro não reconhecer a autonomia da vontade como elemento de conexão em matéria contratual, não é permitido às partes estipular cláusula elegendo a lei aplicável, e diante disso, podemos considerar a regra do art. 9º da LICC como norma imperativa.
Assim sendo, baseando nessas informações, a legislação aplicável aos contratos firmados em territórios distintos dependerá sempre do tipo de relação jurídica existente entre as partes.
A Lex Mercatoria, que vem a ser um conjunto de regras construídas pelas práticas comerciais internacionais, com importante contribuição da jurisprudência arbitral, impõe sempre a auto-regulamentação fundada no princípio da autonomia da vontade, onde o contrato manterá sempre uma conexão ou mais (intervindo o mecanismo depeçage) com um ou mais ordenamentos nacionais.
A Dépeçage ou fragmentação será usada quando presente dada situação jurídica passível de utilização de leis diferentes aplicáveis aos diversos aspectos do contrato. Isto decorre da limitação da autonomia da vontade que rege os contratos internacionais, implicando na decomposição do contrato em seus vários elementos, para a aplicação em cada uma de suas partes, da lei pertinente.
Por fim, o modelo UNCITRAL da ONU, reconhecendo que as dificuldades jurídicas geralmente são solucionadas por via contratual, apoia o Princípio da autonomia vontade contratual entre as partes, ao dispor a possibilidade de alteração do previsto no contrato mediante comum acordo.
5.3. Lacuna na lei internacional
Haverá lacuna, no âmbito dos contratos eletrônicos internacionais, quando, dentre o conjunto de leis internacionais que regem essa modalidade de contrato, faltar uma determinada norma capaz de regulamentar um determinado aspecto fático no âmbito do contrato eletrônico internacional.
É certo que a legislação internacional que regula os contratos de comércio eletrônico internacional ainda é, certamente, precária.
O Direito, entretanto – e isso é uma característica universal do Direito – não se furta a dar soluções jurídicas. Entretanto, as próprias características do direito internacional fazem com que eventuais lacunas gerem uma maior insegurança jurídica que as lacunas no âmbito do direito interno.
Na ausência de normas positivadas, há uma gama de soluções, também jurídicas, aplicáveis às hipóteses omissivas na legislação internacional, com vistas à integração dessas lacunas.
Dentre as ferramentas de integração na lacuna legal internacional, estão as clássicas como a analogia, costumes e princípios gerais do direito internacional.
Uma situação clara de utilização da analogia como ferramenta integrativa no âmbito dos contratos de comércio eletrônico internacional é afeta às relações de consumo que surgem desses tipos de contrato. A legislação internacional sobre a matéria é extremamente simplória, o que entrega o consumidor que se vale dessa modalidade de contrato ao desamparo.
De forma efetivamente periférica, o consumidor se verá amparado na legislação internacional apenas com normas afetas ao Direito Internacional do Comércio, especialmente com relação à segurança e saúde do consumidor.
Também como medida de integração das lacunas, se fará a utilização dos costumes jurídicos internacionais. O costume jurídico internacional é o comportamento jurídico adotado de forma generalizada, com um grau unânime de convicção de sua obrigatoriedade, a despeito de sua não positivação.
A jurisprudência, ou conjunto de reiteradas decisões em um mesmo sentido a respeito de uma mesma matéria, também se faz presente no âmbito internacional. Mesmo com a existência de lacunas, a jurisprudência se forma à medida que vão sendo julgados os casos submetidos à apreciação da justiça internacional.
Consequentemente, em surgindo-se novos casos similares, as decisões anteriores passam a ser aplicadas, dentro dos pontos de contato, aos casos desamparados pela existência de uma lacuna legal no âmbito dos contratos de comércio eletrônico internacional.
5.4. Solução envolvendo a arbitragem
Arbitragem é meio alternativo, voluntário e privado de solução de conflitos que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. Nela, um árbitro ou órgão colegiado arbitral, escolhido pelas partes e não vinculado a elas, julga e soluciona um conflito de interesses.
Estando inteiramente abarcada dentro do âmbito da autonomia da vontade privada, a arbitragem é meio de solução de conflitos que merece destaque por estar cada vez mais em voga, e em vista de suas características de celeridade e possibilidades de uma maior perfeição técnica, em termos de conhecimento, dos árbitros escolhidos para julgar uma determinada causa.
Em se tratando de direito internacional, a arbitragem vem sendo amplamente utilizada, sendo plenamente admitida pelas normas de direito internacional privado.
A Lei nº 9.307/96[11] regulamenta a arbitragem no Brasil. Há, em nossa legislação interna, uma controvérsia a respeito de sua admissibilidade em contratos de comércio que envolvam consumo, em vista das disposições amplamente pró consumidor do CDC.
Entretanto, o próprio CDC admite a arbitragem em relações de consumo, se esta surgir por vontade do próprio consumidor.
Inversamente, a existência de cláusula compulsória de utilização da arbitragem em contratos eletrônicos de consumo é proibida, de modo a proporcionar maior segurança ao consumidor.
Por fim, é notário, em vista da experiência internacional de aplicação da arbitragem em toda sorte de contratos, inclusive nos contratos eletrônicos de comércio internacional, que a arbitragem surge como ferramenta de extrema valia na solução dos conflitos internacionais.
A possibilidade de escolha prévia de regras e leis a serem aplicadas na hipótese de surgimento de um conflito, bem como a possibilidade de escolha de árbitros com conhecimento técnico jurídico amplo sobre a atividade objeto do contrato, fazem da arbitragem o meio ideal de solução de conflitos no âmbito dos contratos de comércio eletrônico internacional.
6. CONCLUSÃO
O impacto da tecnologia da informação sobre a Economia e as relações comerciais é extremamente intenso, modificando as práticas nas relações de consumo relações de consumo e consequentemente sobre o Direito que as regula. Por esse motivo é que deve haver sempre um acompanhamento na evolução dos meios de contratação.
A modalidade de contratos eletrônicos, mais especificamente no âmbito internacional, gera vantagens e desvantagens, tendo em vista que apesar de haver facilidade de comunicação, rapidez nas negociações e baixo custo na transação, traz consigo a insegurança jurídica e vulnerabilidade do consumidor quando este se depara com questões conflitantes a respeito da negociação e que precisam de tutela jurisdicional.
Isso porque não há um consenso internacional sobre a legislação e o tribunal aplicável em questões decorrentes de conflitos comerciais entre dois ou mais países, o que denota uma lacuna na lei internacional.
Há, entretanto, tentativas de se solucionar questões dessa natureza, como por exemplo, a utilização da arbitragem ou mesmo de institutos como a analogia, costumes e princípios gerais do direito internacional que não necessariamente conferem a mesma segurança jurídica se houvesse um único método para a resolução desses conflitos, um sistema regulador eficaz com regulamentação propria e específica.
Sendo assim, o consumidor que realizar uma transação desta natureza deve ter cautela e se precaver da melhor maneira possível quanto a possíveis fraudes, erros ou transtornos, buscando informações sobre o fornecedor e sobre a negociação a fim de constatar a confiabilidade e segurança da negociação com aquele fornecedor.
- BIBLIOGRAFIA
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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[1] LAWAND, Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. P. 34
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direto Comercial. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2002.
[3] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. P. 98
[4] LAWAND, Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2003.
[5] BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988
[6] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 10 de maio de 2015.
[7] BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 set. 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del4657.htm>. Acesso em: 06 maio 2015.
[8] Lei de Introdução ao Código Civil ou LICC denominada, atualmente, de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
[9] BRASIL. Código de Processo Civil: Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília:Senado.
[10] Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional
[11] BRASIL. lei 9.307 de 1996, dispõe sobre a arbitragem.Diário Oficial de União de 24 de setembro de 1996. Disponível em : < www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9307.htm >. Acesso em: 05 de maio de 2015.