SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Flexibilização Normativa e Desregulamentação. 2.1. Conceito e apontamentos históricos. 2.2. A distinção entre flexibilização e desregulamentação das regras trabalhistas. 2.3. Flexibilização no Direito do Trabalho brasileiro. 2.4. O Projeto de lei n. 134/2001. 2.5. Análise crítica do instituto da flexibilização. 2.6. Resultados apurados nos países em que houve flexibilização e desregulamentação de regras trabalhistas. 3. Princípios de Direito do Trabalho. 3.1. Introdução. 3.2. Conceito de princípios de direito. 3.3. Funções dos princípios. 3.4. Aprofundando o estudo da função normativa própria. 3.5. Alguns princípios específicos de Direito do Trabalho. 4. Princípios, flexibilização e desregulamentação normativa. 4.1. Introdução. 4.2. Princípios de Direito do Trabalho e flexibilização. 4.3. Princípios de Direito do Trabalho e desregulamentação normativa. 4.4. O caminho inverso percorrido dentro do Direito Civil. 5. Conclusões. 6. Bibliografia consultada.
1. INTRODUÇÃO
No plano político, o século XX vivenciou várias ideologias. O capitalismo, que em um certo momento perdera terreno e, em virtude da propagação do ideal socialista, tolerara o welfare state, após a derrocada da URSS e a queda do Muro de Berlim se revigorou e houve a "ressurreição da filosofia política liberal", [1] estruturada no pensamento neoliberal.
O neoliberalismo, conforme Eric Hobsbawm, "baseia-se no pressuposto de que a liberalização do mercado otimiza o crescimento e a riqueza do mundo e leva à melhor distribuição desse incremento. Toda tentativa de controlar e regulamentar o mercado deve, portanto, apresentar resultados negativos, pois restringe a acumulação de lucros sobre o capital, e, portanto impede a maximização da taxa de crescimento". [2]
Esse ressurgimento da política liberal trouxe uma novidade: a globalização da economia, que nas palavras de Eliana dos Santos Alves Nogueira, "pode ser entendida como a eliminação das barreiras internacionais, objetivando facilitar o comércio internacional, na medida em que também visa a crescente comercialização de produtos produzidos em vários países que, produzidos a preços mais baixos, tendo em vista a crescente industrialização e avanço tecnológico, também possibilita o acesso de maior parte da população mundial a esta mesma tecnologia". [3]
A globalização propagou-se incentivada por vários fatores, dentre os quais se destaca um fantástico avanço tecnológico nas telecomunicações e meios de transportes, com o estabelecimento de inúmeras infovias e rotas de comércio terrestre, aéreo e marítimo que não só removeram o obstáculo das longas distâncias, mas ainda permitiram a comunicação com qualquer parte do mundo a um simples apertar de teclas. Também o rompimento das barreiras ideológicas fomentou a globalização, deixando de existir o temor aos ideais socialistas, os quais submergiram com a queda do muro de Berlim e a derrocada da URSS. Importante, ainda, foi o processo de proliferação das empresas multinacionais, cujos interesses se fincaram ao redor do planeta e interligaram-se, tramando uma teia mundial de conglomerados financeiros, industriais, comerciais e de prestação de serviços. Dorothée Susane Rüdiger destaca a importância das multinacionais no processo de globalização: "Além da predominância de certos Estados-nações sobre outros, além da distribuição de papéis na economia mundial, existem outros atores da globalização que estão acima de qualquer interesse nacional: as empresas transnacionais. Para estas não existem fronteiras, barreiras fiscais, línguas e culturas diferentes ou ordenamentos jurídicos divergentes. Pois são elas que possuem o conhecimento e o capital necessário para dirigir e tirar lucros do sistema capitalista globalizado, e são as verdadeiras molas propulsoras do processo de globalização". [4]
Tenta-se criar uma nova ordem de pensamento único, na qual a globalização é o próprio progresso e os que discordam de suas propagadas qualidades são tidos como neoluditas. É o que se infere desta declaração do atual presidente do Brasil: "Combater a globalização é o mesmo que combater a máquina a vapor, como ocorreu em um certo momento. Não faz sentido. (...) Não se pode combater isso. Seria combater o progresso". [5]
Todavia, como adverte Dorothée Susane Rüdiger, "o que se apresenta é a continuidade da hegemonia mundial de alguns Estados sobre os demais devido ao seu poder econômico e, sobretudo, devido ao seu potencial tecnológico (brain power) que faz com que a maioria das economias de Estados nacionais se tornem províncias dos blocos formados entre os Estados nacionais economicamente e tecnologicamente predominantes". [6]
Esse processo implicou extrema competitividade no mercado. Por isso, tornou-se necessário um novo modelo de produção, mais versátil, com maior maleabilidade e capaz de produzir somente o que o mercado exigisse com maior competitividade e, conseqüentemente, com a máxima redução de custos possível para a incrementação dos lucros.
O modo de produção taylorista deixou de atender as necessidades do capital para fazer frente a essa nova forma de organização da economia, em face de sua rigidez operacional. É importante ressaltar que "a organização tradicional do trabalho, como resume a teoria da «gestão científica» de Frederick Taylor, estabelecia um centro de trabalho no qual os trabalhadores do primeiro escalão tinham muito pouco controle sobre seus empregos. O trabalho se subdividia em tarefas minuciosamente definidas que podiam ser efetuadas por trabalhadores semiqualificados ou sem qualificação, e todo poder de decisão ou autoridade correspondia aos administradores e supervisores. Esse estilo de organização laboral se caracteriza pela imagem de um trabalhador situado frente a uma linha de montagem que repete as mesmas tarefas simples e monótonas toda a jornada laboral". [7]
Como alternativa, ocidentalizou-se o modelo toyotista, baseado na flexibilização da produção com sua adequação à demanda; trabalho em equipe; automação; estoque mínimo; multifuncionalidade do trabalhador; e flexibilização na organização do trabalho (horizontalidade, terceirização). [8]
A implementação do modelo toyotista encontrou solo fértil no processo da globalização, eis que exige, para seu sucesso, uma densa rede de comunicação e transportes, devidamente sedimentada pela existência de empresas transnacionais. [9]
O capital internacional procurou incessantemente lugares no globo terrestre nos quais os custos de produção fossem menores. "Fábricas como a Nike descobriram que podiam produzir por 16 dólares na Coréia o mesmo tênis que nos Estados Unidos custava 100", conforme alerta Márcio Túlio Viana. [10] Tornou-se fato corriqueiro a montagem de produtos industrializados em um determinado país a partir de peças oriundas de diferentes locais do mundo, produzidas quase sempre a menores custos.
E a locução redução de custos de produção traduziu-se invariavelmente por diminuição do valor pago ao trabalho humano, fazendo com que os detentores do capital utilizem vários estratagemas para tal desiderato.
Não é preciso, portanto, muito esforço para se perceber que esse novo modo de produção aliado à globalização e à alta tecnologia gerou repercussões de toda a sorte no mercado de trabalho: o desemprego estrutural; o aumento do trabalho informal; o enfraquecimento dos sindicatos que, hoje, de mãos atadas, praticamente, lutam apenas pela manutenção dos empregos; e a rotatividade de mão-de-obra.
Esses fatos fazem girar a roda viva do discurso neoliberal. Apregoa-se a necessidade de se aumentar a competitividade das empresas para que elas sobrevivam no mundo globalizado e não eliminem postos de trabalho; no entanto, a mesma doutrina prega a supressão de empregos para que as empresas se tornem competitivas, num verdadeiro circulus in demonstrando! [11]
Mesmo quando as soluções para os problemas empresariais não passam pela simples redução do quadro de pessoal, a tônica do discurso permanece a mesma: diminuição de custos e competitividade são as palavras de ordem dos neoliberais para a manutenção dos empregos. Para tanto, apregoa-se a necessidade de redução dos encargos sociais e atenuação ou eliminação da intervenção protetora estatal nas relações de emprego, com uma legislação trabalhista flexível, em que os ajustes fiquem a cargo das partes interessadas, mediante convenções e acordos coletivos. Daí surge a nova onda propagada: flexibilização normativa. [12]
Percebe-se que, paulatinamente, há uma equivocada mudança no modelo proposto de Direito do Trabalho, que se afasta cada vez mais de seu objetivo histórico - a intervenção nas relações de trabalho com a imposição de normas imperativas que visem minorar o desequilíbrio socioeconômico existente entre os atores sociais no modo de produção capitalista - caminhando para um modelo de indisfarçável verniz liberal, com a prevalência de condições negociadas e diminuição da regulamentação estatal cogente. É a legitimação do darwinismo social e o retorno do laissez-faire. Essa troca de modelo coloca o Direito do Trabalho rumo ao século XVIII!
Essa mudança de modelo pode ser constatada por uma leitura das alterações legislativas no Direito do Trabalho, as quais, ao longo das últimas décadas do século XX, promoveram a extinção da estabilidade no emprego, a criação do contrato a tempo parcial, do contrato temporário, do banco de horas, a ampliação de hipóteses legais para o contrato por prazo determinado, a legitimação jurisprudencial da terceirização etc. Outras estão bem perto de serem atingidas, como a alteração na posição hierárquica das normas autônomas no Direito do Trabalho brasileiro que pode advir da aprovação pelo Senado Federal do Projeto de lei n. 134, de 12 de dezembro de 2001, se for mantida a redação original votada na Câmara dos Deputados.
2. Flexibilização Normativa e Desregulamentação
2.1. Conceito e apontamentos históricos
A palavra flexibilização ou flexibilidade significa o oposto a rigidez, ou seja, o que se pode dobrar, curvar, fácil de manejar, dotado de elasticidade. O Dicionário Aurélio conceitua flexibilidade como sendo:
Verbete: flexibilidade. (cs)[Do lat. flexibilitate.] S. f. 1. Qualidade de flexível. 2. Elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura: flexibilidade corporal. 3. Facilidade de ser manejado; maleabilidade. 4. Aptidão para variadas coisas ou aplicações: flexibilidade de espírito. 5. Docilidade, brandura. 6. Disponibilidade de espírito; compreensão, complacência. [13]
Historicamente, encontram-se vestígios do processo de flexibilização nos anos 60 do século passado. "Já em 1964 Alan Flanders escreveu acerca dos «Acordos de Fawley sobre produtividade» que transformaram a organização do trabalho e as políticas de remuneração de uma refinaria britânica de petróleo e gás. Esses acordos se caracterizaram por dois traços principais. O primeiro foi o pacto alcançado em matéria de produtividade, em virtude do qual a empresa concordou em aumentar a remuneração até 40 por cento em troca de que os sindicatos aprovassem as mudanças introduzidas na prática laboral. Entre essas mudanças cabe citar a redução das fronteiras entre os postos de trabalho, a reorganização dos trabalhadores e o aumento do trabalho em turnos temporários e permanentes. O segundo traço foi uma importante diminuição da realização sistemática de horas extraordinárias, que haviam alcançado um máximo de 18 por cento do número total de horas trabalhadas". [14]
Todavia, o desencadeamento sistemático desse processo iniciou-se na década de 1980 a partir da Europa Ocidental, conforme ensina Arnaldo Süssekind, e tinha a finalidade de impedir que a crise econômica gerada pelo segundo choque petrolífero acarretasse a extinção de muitas empresas, com reflexo na elevação da taxa de desemprego e no desequilíbrio da economia. [15]
No Brasil, vivencia-se tanto o fenômeno da flexibilização, que acompanha a legislação trabalhista há um bom tempo, quanto à ideologia da desregulamentação das regras trabalhistas, processo que chega ao ápice no final dos anos 90 do século passado, com várias alterações legislativas e continua em franco desenvolvimento, o que pode ser verificado com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de lei n. 5.483/2001 (atualmente tramita no Senado Federal sob n. 134), de autoria do Governo Federal, que altera o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e estabelece a prevalência de convenção ou acordo coletivo de trabalho sobre a legislação infraconstitucional. Se aprovada, a nova redação do art. 618 da CLT permitirá que a celebração de acordos coletivos entre patrões e trabalhadores possa ser efetuada livremente, prevalecendo sobre a legislação vigente, desde que não contrarie a Constituição e as normas de segurança e saúde no trabalho.
2.2. A distinção entre flexibilização e desregulamentação das regras trabalhistas
O processo de flexibilização das regras trabalhistas visa a quatro objetivos destacados: a) a busca de novas formas de contrato de emprego, com a permissão de utilização de contratos atípicos em um maior número de situações, e, também, a remoção de obstáculos a resilição unilateral dos vínculos empregatícios por parte dos empregadores; b) alteração no sistema de remuneração do trabalho, condicionando-a as variações de produtividade individual e coletiva, bem como às pressões competitivas dos custos exercidas pelos mercados; c) obtenção de maior maleabilidade na disposição do tempo de trabalho pelo empregador, com a ampliação dos horários de funcionamento do comércio e dos serviços públicos, anualizando os regimes de compensação de horas extras, semanas laborais mais curtas e disposições mais flexíveis em matéria de férias; d) a flexibilização da organização do trabalho, desvencilhando-se do rígido sistema taylorista, permitindo-se às empresas modificar com rapidez as funções dos trabalhadores, assinalando-lhes diferentes tarefas quando a demanda de trabalho variar, a par de alterações como a supressão das classificações dos postos de trabalho, a capacitação dos trabalhadores na realização de tarefas múltiplas e o fomento do trabalho em equipe. [16]
Uma primeira leitura das origens e interesses da flexibilização já oferece uma distinção muito clara desse instituto com a desregulamentação.
A flexibilização permite ao trabalhador a manutenção do conjunto de direitos laborais conquistados, adaptando o respectivo exercício às peculiaridades do empregador, sem, todavia, suprimi-los. Já a desregulamentação é um processo de eliminação pura e simples desses direitos, oferecendo em troca a quimera da manutenção do subemprego. É, pois, um processo lento, mas eficiente, de concentração de renda, no qual valores, que se destinariam aos trabalhadores, desviam-se para o empregador e não revertem em favor de outros empregados (com a suposta criação de novos postos de trabalho). Deflui-se disso que os efeitos da diferença entre flexibilização e desregulamentação podem ser verificados a partir do fluxo de capitais: alterando-se normas de proteção sem transferência de renda temos a flexibilização; com transferência de renda, desregulamentação. Essa análise é abonada por vários doutrinadores, dentre os quais, José Martins Catharino, para quem "flexibilizar não é desregular"; [17] Benedito Calheiros Bomfim; [18] e, ainda, Américo Plá Rodriguez, o qual alerta que essa distinção entre flexibilização e desregulamentação precisa ser tratada de forma bem clara, evitando-se afoitas campanhas em prol da flexibilização sem conhecimento da efetiva finalidade almejada:
O que preocupa é que, por trás desta campanha pela flexibilização — que, pelo visto, não é tão necessária nem justificada —, se esconda uma proposta de desregulamentação. A fundamentação que se invoca — suprimir os rigores que limitam a ação empresarial para fomentar o investimento — leva até à destruição do Direito do Trabalho. Esse propósito deve ser denunciado, combatido e resistido. [19]
De fato, o que se verifica é a utilização da força da semântica, com o emprego do vocábulo flexibilização, que soa como sereno e moderno, para a total desregulamentação das regras trabalhistas, com menor desgaste político.
Visa-se, assim, à propagação da ideologia de que o caráter protetor do Direito do Trabalho não se coaduna com os tempos modernos, com a robótica e nem tampouco com o mundo globalizado, ou seja, o intuito é mostrar que as normas protetoras trabalhistas são arcaicas, vetustas, fazem parte do passado, e que a única saída é o rompimento com esse passado, através da flexibilização normativa, como se ela fosse a solução para todas as mazelas enfrentadas atualmente no mundo do trabalho.
Não são raros os casos de associação da legislação trabalhista brasileira, notadamente seu maior diploma – a CLT – ao autoritarismo do governo Getúlio Vargas e mesmo com o fascismo de Mussolini. Procura-se impingir ao ordenamento jurídico trabalhista nacional uma pecha de concessão populista da elite do país, num total desvirtuamento histórico das lutas do anarcossindicalismo que havia à época, cujas pressões geraram o arcabouço de medidas protetoras que permanecem até os dias de hoje. Para acelerar o brutal processo de concentração de renda no Brasil, muda-se até a história!
2.3. Flexibilização no Direito do Trabalho
BrasileiroA alegação de que a legislação trabalhista seria protecionista e rígida, desestimulando investimentos e retirando a competitividade das empresas, já se tornou lugar comum e deixou os fóruns científicos para freqüentar a mídia. Tal é a mitificação em torno desse argumento que até mesmo o presidente de uma poderosa Central Sindical vem defendendo-o, numa curiosa inversão de papéis dos atores sindicais. [20]
Todavia, como se pretende demonstrar, essas alegações não são verdadeiras. Existem em nosso ordenamento várias hipóteses de flexibilização normativa, com "novos direitos trabalhistas", que atendem as efetivas necessidades empresarias em face de contextos socioeconômicos desfavoráveis.
A Lei n. 605/49, [21] o artigo 67 da CLT, [22] bem como o inciso XV do art. 7º da Constituição Federal de 1988 [23] asseguram o descanso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, mas permitem ao empregador a concessão da folga em um outro dia da semana, quando pelas exigências técnicas da empresa não for possível a folga no domingo.
A redução da jornada de trabalho com a respectiva redução de salários, mediante acordo coletivo, já era prevista pela Lei n. 4.923, de 23 de dezembro de 1965. [24]
O regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi instituído pela Lei n. 5.107/66 [25] e, na prática, acabou com o regime da estabilidade, adquirida pelo empregado após dez anos de serviços prestados ao empregador, fato definitivamente consumado pela Constituição Federal de 1988 que praticamente universalizou o instituto, elevando a 40% (quarenta por cento) — antes era de 10% (dez por cento) — a indenização pela rescisão contratual de iniciativa do empregador sem justa causa. [26] Portanto, no Brasil, não existe uma proteção jurídica eficaz contra as despedidas arbitrárias, de sorte que não há nenhum impeditivo para que o empregador promova a rescisão contratual de forma unilateral. [27]
Convém destacar também a Lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974, [28] que criou o regime de trabalho temporário para atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços; a recente Lei n. 9.601, de 21 de janeiro de 1998, [29] que possibilita a contratação por prazo determinado mediante acordo coletivo ou convenção coletiva, independentemente das condições estabelecidas no art. 443 da CLT, desde que as contratações representem acréscimo no número de empregados; [30] a Medida Provisória n. 2.164-41/01, [31] que acrescentou o art. 58-A à CLT e os §§ 1º e 2º, instituindo o trabalho em regime de tempo parcial e possibilitando a suspensão do contrato por um período de dois a cinco meses para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional. [32]
Permite o art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, a redução salarial, conforme for disposto em convenção ou acordo coletivo, sendo de se registrar que o salário mínimo se encontra garantido no inciso IV do citado artigo. [33]
Prevêem os incisos XIII e XIV do art. 7º, da Constituição Federal de 1988, a flexibilização da duração da jornada, estatuindo respectivamente: a) duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho e b) jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. [34]
A Medida Provisória n. 2.164-41/01, [35] que deu nova redação ao § 2º do art. 59 da CLT, instituiu o banco de horas, possibilitando a compensação de horas trabalhadas no período de um ano. [36]
Essa explanação demonstra o quanto a legislação trabalhista brasileira é flexibilizada, havendo momentos em que o processo segue o tortuoso caminho da desregulamentação e, portanto, já estamos no limite do suportável. Avançar somente será possível com supressão de conquistas, o que é inaceitável e, mais ainda, injustificável, como se procurará demonstrar.
2.4. O Projeto de lei n. 134/2001
O Projeto de lei n. 5.483/2001, que atualmente tramita no Senado Federal sob n. 134/2001, é bastante polêmico e foi condenado por diversas entidades, tais como ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, [37] CUT – Central Única dos Trabalhadores, [38] CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores, [39] sendo alvo de repúdio em eventos promovidos por operadores do direito. [40]
A repercussão no Direito do Trabalho dessa modificação legislativa pretendida pelo Governo Federal motiva algumas reflexões importantes no tocante à posição hierárquica das normas autônomas e quanto ao fim pretendido, flexibilização ou desregulamentação pura e simples.
Esse projeto de lei foi abrandado em virtude de inúmeras pressões da sociedade organizada e é a seguinte a sua atual redação:
BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n. 134, de 12 de dezembro de 2001. Altera o art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Dispõe sobre convenção ou acordo coletivo de trabalho).
Art. 1º. O art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 618. Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho. § 1º A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as Leis n. 6.321, de 14 de abril de 1976, e n. 7.418, de 16 de dezembro de 1995, a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho. § 2º Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo". (NR) Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e tem vigência de dois anos. Diário do Senado Federal, Brasília, 12 dez. 2001. p. 30652.
Outrossim, o dispositivo legal, a cuja modificação visa o PL n. 134/2001, possui a seguinte redação:
Art. 618. As empresas e instituições que não estiverem incluídas no enquadramento sindical a que se refere o art. 577 desta Consolidação poderão celebrar Acordos Coletivos de Trabalho com os Sindicatos representativos dos respectivos empregados, nos termos deste Título.
Como se verifica, pretende o projeto de lei que as relações de trabalho sejam reguladas por meio de convenção ou acordo coletivo e, somente na sua ausência, pela lei. Ficariam excetuadas apenas as matérias ressalvadas no § 1° do novo artigo 618. A legislação trabalhista passaria a ter função suplementar na regulamentação do contrato de emprego.
O Projeto de lei n. 134/2001 está inserido no projeto socioeconômico do atual governo brasileiro, que tem como um de seus pilares a desregulamentação das relações de trabalho.
Curiosamente, esse processo de desregulamentação é confundindo propositalmente com outro conjunto de mudanças que estão em curso no Direito do Trabalho: a flexibilização. Tal baralhamento tem como finalidade utilizar-se da necessidade de alguma desburocratização do exercício dos direitos sociais para justificar politicamente a supressão de muitos outros.
Poder-se-ia dizer que o Projeto de lei n. 134/2001 atende ao determinado pela Convenção n. 154, da OIT, sobre negociação coletiva, [41] e, destarte, estaria em consonância com a orientação dessa organização internacional?
É bem verdade que a Convenção n. 154 trata do fomento da negociação coletiva e, em princípio, o Projeto de lei n. 134/2001 caminharia ao seu encontro. Todavia, consoante consta do artigo 5, n. 1, da Convenção, "se deverão adotar medidas adequadas às condições nacionais para fomentar a negociação coletiva", torna-se imperioso indagar se a estrutura sindical brasileira atende a esses requisitos.
Parece que, a persistir o atual quadro sindical brasileiro, esfacelado pela falta de legitimidade em razão de fatores tais como a unicidade sindical, a existência de contribuição sindical obrigatória, inexistência de estabilidade de emprego para os trabalhadores, uma crescente supressão de postos de trabalho pela informática e robótica, não haverá condições para o exercício de uma justa e franca negociação coletiva.
No tocante à Recomendação n. 91, melhor sorte não tem o Projeto de lei n. 134/2001, uma vez que, enquanto a Recomendação acolhe o princípio da norma mais favorável no artigo 3°, n. 3 (as disposições dos contratos de trabalho que sejam mais favoráveis para os trabalhadores que aquelas previstas pelo contrato coletivo não deveriam considerar-se contrárias ao contrato coletivo), o projeto tem um caráter nitidamente desregulamentador, buscando embasar juridicamente o afastamento do princípio da aplicação da norma mais favorável.
2.5. Análise crítica do instituto da flexibilização
A flexibilização (ou desregulamentação, como visto) é aposta das elites e de alguns sindicalistas cooptados para enfrentar os problemas econômicos advindos do processo de globalização, conforme pode ser apurado em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, em que o Ministro do Trabalho e Emprego, Francisco Dornelles, defende o Projeto de lei que altera o artigo 618 da CLT. Torna-se oportuna aqui a transcrição das suas justificativas: "Esta mudança é um instrumento importante para gerar empregos, manter empregos e diminuir a informalidade no país". [42]
O processo de flexibilização normativa (ressalvando-se desde já que é distinto da simples desregulamentação) não é parte integrante do conjunto de eventuais soluções para o desemprego no Brasil. Os argumentos que o sustentam são frágeis e não suportam a luz da realidade.
Uma primeira assertiva que deve ser lançada para o debate é o fato de a legislação brasileira já ser por demais maleável, consoante já demonstrado neste trabalho. Atingiu-se o limite do suportável em matéria de flexibilização. As propostas que hoje tramitam por projetos de lei, artigos doutrinários e até mesmo em decisões judiciais (aqui perdendo, obviamente, o caráter de proposição) são pura desregulamentação, isto é, supressão de conquistas dos trabalhadores.
Vale um exame das premissas que sustentam a doutrina favorável à flexibilização:
Não é verdade que o custo da mão-de-obra brasileira seja alto. Encontra-se em ensaio de Márcio Pochmann uma tabela de evolução do custo médio da mão-de-obra em alguns países, apurado em relação ao custo de mão-de-obra dos Estados Unidos (cujo índice balizador na tabela é o número 100). Eis os dados: Estados Unidos, 100; Alemanha, 117; Itália, 87; França, 86; Japão, 78; Inglaterra, 68; Coréia, 18; e, finalmente, Brasil, 12. E antes que alguém se exulte com tão elevada colocação, adiante-se a ressalva do autor do trabalho no sentido de que o índice brasileiro se refere somente à cidade de São Paulo. [43]
A mesma sorte tem a alegação de que os encargos sociais tornariam o baixo salário brasileiro um ônus insuportável para o empregador. Não faltam estudos apontando que sobre o valor dos salários incide um percentual de até 102% (cento e dois por cento) de encargos. [44] Entretanto, recordamos que o uso do percentual na dissertação a respeito das agruras do capital esconde o óbvio: os valores absolutos despendidos pelo empregador são irrisórios se comparados ao que gastam a mesmo título seus pares europeus, americanos ou asiáticos. Jorge Pinheiro Castelo lembra que "salários menores que do Brasil, só países paupérrimos ou em situação de caos, semi-escravidão ou guerra civil: Em dólares (por hora) – Hungria: 1,82, Malásia: 1,80, Polônia: 1,40, Tailândia: 0,71, Filipinas: 0,68, China: 0,54, Rússia: 0,54, Indonésia: 0,28". [45] Arremata sua argumentação afirmando que "adotando-se a base salarial ou o valor hora dos salários dos países europeus mencionados, constatar-se-á que o valor real dos encargos sociais destes superaram infinitamente o do mercado brasileiro". [46]
Efetivamente o que produz novos postos de trabalho são políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do país. Nesse sentido:
A reforma de instituições e da legislação trabalhista é freqüentemente considerada como uma estratégia-chave para obter uma alocação eficiente do trabalho e melhores perspectivas de emprego. Contudo as análises das iniciativas passadas de flexibilização da legislação trabalhistas não são conclusivas – exemplos podem ser identificados tanto para confirmar quanto para negar o papel do afrouxamento da legislação trabalhista na redução do desemprego. Isso sugere que as políticas econômicas e industriais, os serviços efetivos de intermediação de mão-de-obra e o treinamento podem ser fatores mais preponderantes no aumento da inserção no mercado de trabalho. [47]
Conclui-se este tópico, portanto, reafirmando-se que nem a flexibilização e muito menos a desregulamentação do mercado de trabalho são ferramentas úteis para o combate ao desemprego. Servem somente ao aumento da concentração de renda que temos em nosso país, objetivo que nossas elites por vezes nem sequer tem o trabalho de ocultar. Justiça social? Dignidade da pessoa humana? Ficam para as etapas mais avançadas do capitalismo, consoante advoga Ney Prado: "preocupados ainda com a distribuição de benefícios aos trabalhadores, por meio da lei, esqueceram de que somente é possível a distribuição real de renda e de maior justiça social nas etapas avançadas do capitalismo". [48]
2.6. Resultados apurados nos países em que houve flexibilização e desregulamentação de regras trabalhistas
De uma simples análise dos resultados (ou a falta deles) obtidos nos países em que houve uma robusta adesão aos postulados do neoliberalismo, verifica-se que o remédio neoliberal se mostrou tão somente um placebo amargo, muito amargo. A chaga do desemprego evoluiu tranqüilamente nesses locais.
É o que demonstram os exemplos da Argentina e da Espanha que, apesar de adotarem a flexibilização das normas trabalhistas, continuaram com índices de desemprego altíssimos. Nesse sentido as lições de Arnaldo Süssekind:
Por coincidência ou não, certo é que a Espanha e a Argentina continuam a liderar a estatística mundial de desemprego. Registre-se que a taxa de desemprego do país ibérico subiu de 22,1%, em 1994, para 22,8%, em 1996, enquanto no país portenho o crescimento foi mais acentuado: 12,2% em 1994, 17,1% em agosto de 1996 e 17,3% em março de 1997. O mais significativo, entretanto, a atestar o fracasso dos contratos provisórios de trabalho foi a circunstância de ter sido a correspondente legislação espanhola revogada pelos Reais Decretos Legislativos ns. 8 e 9 de 1997, a pedido de centrais sindicais de trabalhadores e de empresários, fundados em que: a) grande porcentagem de empregados foi substituída por contratados em caráter provisório, acelerando a rotatividade da mão-de-obra; b) o comércio passou a negar crédito para as vendas a prazo, com o que reduziu-se o consumo e, em conseqüência, a produção de bens destinados ao mercado interno; c) as empresas deixaram de investir na reciclagem profissional, porque a maioria dos empregados era exageradamente transitória. [49]
As taxas de desemprego e índices de qualidade de vida no México e no Brasil são apresentadas por Jorge Pinheiro Castelo, informando que no primeiro caso houve a perda de 39% (trinta e nove por cento) no poder de compra da população, sendo que a partir de 1997 o número de miseráveis vem crescendo mais rápido que o da população. Já em nosso país, "pesquisa divulgada pelo IBGE revela que na década neoliberal brasileira, de 90, enquanto houve uma explosão no faturamento das empresas de capital aberto, o neoliberalismo ‘tupiniquim’ gerou uma grave queda no rendimento médio real dos trabalhadores e um grande aumento do desemprego e dos moradores de rua". [50]