Crise do Ensino Jurídico, judicialização excessiva e desenvolvimento local do Poder Judiciário: a construção de um novo paradigma de acesso à justiça justa.

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a promoção dos meios alternativos de solução de conflitos, com protagonismo das partes, poderá resultar em um movimento de desjudicialização das contendas legais, construindo um novo paradigma de acesso à justiça justa.

Crise do Ensino Jurídico, judicialização excessiva e desenvolvimento local do Poder Judiciário: a construção de um novo paradigma de acesso à justiça justa.

Israel Quirino

Wânia Maria de Araújo

Resumo: Pelo sistema jurisdicional brasileiro tramitam hoje algumas centenas de milhares de processos judiciais, por meio dos quais a sociedade tenta solucionar seus mais diversos conflitos. A facilidade com que se dispõe a pleitear a tutela do Estado pelos caminhos oficiais da judicialização, ancorada na Constituição Cidadã de 1988, acabou por tornar o Poder Judiciário um organismo emperrado, improdutivo e injusto na administração da justiça, apesar dos esforços dos seus integrantes. A formação do jurista, orientado academicamente para atuar no sistema formal e a ausência de uma política de desenvolvimento local do Poder Judiciário contribuem para esse quadro de inoperância. A presente incursão, através de pesquisa bibliográfica, discute se a promoção dos meios alternativos de solução de conflitos, com protagonismo das partes na busca de solução mediadas para suas quizilas, poderá resultar em um movimento de desjudicialização das contendas legais, construindo um novo paradigma de efetivo acesso à justiça realmente justa.

Palavras-chave: Ensino Jurídico. Judicialização.  Acesso à Justiça. Desenvolvimento Local. Justiça Alternativa.

1 Introdução

Até onde a formação do jurista, atenta aos normativos da prática da liturgia do Poder Judiciário, pode ser inovadora a ponto de propiciar um novo paradigma de acesso à justiça para que se efetive a prestação jurisdicional?

Dizer que existe uma crise nos métodos de formação do operador do Direito, pelo número de faculdades abertas no país recentemente, ou pela qualidade do ensino que ministram, é fazer ressonância às diversas falas neste sentido que tomaram as rodas de conversa acadêmica nos últimos tempos. No mesmo sentido, acreditar que tal fenômeno possa, de alguma forma, contribuir para a má qualidade da prestação jurisdicional ao cidadão é uma tendenciosa ilação, como se pretende demonstrar.

De acordo com a legislação vigente, o operador do Direito é um dos profissionais que só exerce a sua atribuição quando faz prova de seus conhecimentos. Seja no temido e seletivo Exame de Ordem, que transforma o bacharel em Direito em advogado, seja nos concursos necessários ao exercício as profissões jurídicas (Magistratura, Polícia Civil, Ministério Público, cartórios extrajudiciais, serventias judiciais, entre outros.), onde há uma espécie de crivo a selecionar o operador de Direito e certificar-lhe a qualidade técnica para atendimento ao cidadão.

Se existe, de fato, uma crise de má formação do profissional do Direito seus efeitos, em tese, não chegam a alcançar a prática da atividade jurídica, posto que o profissional mal formado fica à margem do exercício da atividade, por não lograr êxito nos exames que o habilitam para a função. É um raciocínio coerente e lógico.

Se não poderemos debitar à formação técnica do operador do Direito as amarras e enleios do sistema jurisdicional, de onde, provém, então, o coro monocórdio que há muito rotulou de ineficiente a administração da justiça em nosso país, a ponto de se inserir como Direito Fundamental na Constituição (art. 5º, LXXVIII), a duração razoável do processo?

Segundo Feitoza (2011) a crise não é do ensino jurídico, mas sim de uma falência dos métodos e procedimentos institucionalizados de prática da justiça-formal que não coadunam com o atual modelo de estado que vivemos ou à dinâmica da sociedade atual. Uma forma de atuação jurídico-processual que se esgotou perante a dinâmica de uma sociedade imediatista, pluralista, globalizada e, mais que nunca, democrática:

O paradigma epistemológico do positivismo-normativista não é mais opção. Precisamos traçar um novo caminho para a educação jurídica que possibilite revolucionar a forma de enxergar e ensinar o direito. Esse novo caminho deverá ser trilhado, invariavelmente, com pés firmes na realidade concreta do povo brasileiro, e acima disso, do povo latino-americano. O tempo de importar ideologias terminou. Precisamos construir a nossa própria educação jurídica, o nosso próprio direito (FEITOZA, 2011 [on line]).

O que nos leva a entender que o defeito não está na formação do operador do Direito, mas nos regramentos que ordenam a dinâmica burocrática institucional do Poder Judiciário e a escola jurídica, neste particular, tem-se voltado unicamente para atender à liturgia das cortes judiciais. Como em um processo de retroalimentação, o Judiciário se prende a rituais positivo-normativista e o acadêmico de Direito é orientado a segui-los.

O que leva o Judiciário a se tornar tão assoberbado, a ponto de não conseguir ofertar aos cidadãos aquilo para o qual fora concebido: a Justiça? Diante de tal questão é possível crer que a qualidade da prestação jurisdicional (e a baixa efetividade desta prestação), diante de uma análise circunstancial do sistema, conforme se discutirá neste estudo, pode ser creditada a alguns fatores alheios à formação do jurista:

a) a ausência da efetividade de direitos, por parte do Estado e que promove um acúmulo de ações judiciais verticais – cidadão versus governo;

b) a tomada de consciência de direitos por parte do cidadão e a prevalência dos interesses individuais, com uma nova definição do local das relações sociais;

c) a facilidade de acesso ao Judiciário, por intermédio de ferramentas criadas com tal propósito e, por fim,

d) a ausência de uma política efetiva de desenvolvimento local do Poder Judiciário, que não consegue dar vazão à significativa entrada de novos feitos judiciais ou inibir a beligerância jurídica.

Tais fatores, associados ou não, conduzem à excessiva judicialização sendo que prepondera a resistência do Estado em promover o desenvolvimento local do Poder Judiciário, com propostas amplas de reformas processuais, procedimentais e atitudinais que assegurem o protagonismo das partes na busca da solução de suas demandas, minimizando a interferência legal ou estatal nas relações sociais conflitivas (TRINDADE, 2015).

Para fins desse estudo faz-se opção por limitar a discussão às questões que apresentam demandas de natureza cível, posto que as situações de direito no âmbito penal exigem aportes doutrinários e reflexões de outros matizes.

Delimitado o campo de análise, percebe-se que no rol das muitas reformas, posteriores à redemocratização, o Código de Processo Civil, principal ferramenta de orientação e sistematização dos feitos judiciais, após sofrer diversas emendas corretivas, inaugura um novo tempo com a recente sanção presidencial da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, que institui um novo regramento, como novas tendências e propósitos, que promete dar dinamismo à tramitação processual.

As esperanças de que o país passará a contar com uma justiça mais célere (e justa), no entanto, não se escora unicamente na edição de uma nova norma a se somar ao cipoal de outras já existentes. A lei, por si, não resolve a questão, carecendo de uma mudança de postura frente às questões que levam o cidadão a pleitear a intervenção do Judiciário em seus relacionamentos sociais.

Não obstante, algumas propostas inseridas no Novo CPC já vinham sendo objeto de interesse do Poder Judiciário, mormente pelas orientações do Conselho Nacional de Justiça, sobretudo por meio da Resolução 125 de 29 de novembro de 2010, cujo propósito foi situar (ou institucionalizar) no âmbito judicial os meios alternativos de solução de conflitos. Declinamos de discutir neste espaço os resultados da aplicação sistemática dos procedimentos previstos na Resolução mencionada, haja vista que, em rasa análise, percebe-se que não foi suficiente para conter o ingresso de feitos na justiça formal (BRASIL, 2014a).

Abraçando as tendências de humanização da prestação jurisdicional, da solução consensual de litígios e da celeridade processual o Novo Código de Processo Civil introduz mudanças significativas no rito processual e nos procedimentos do Poder Judiciário, criando ferramentas de agilidade processual. Contudo, a promoção da autocomposição (acordos espontâneos ou motivados), da solução mediada de conflitos e da desjudicialização do acesso à justiça é uma mudança de comportamento (atitude) que se espera dos profissionais envolvidos.

2 Da omissão do Estado na efetividade de Direitos

O Estado é responsável por boa parte das ações judiciais diariamente propostas em todas as Cortes do país. Isso se deve à onda de retração da atividade estatal iniciada nos anos 1990 com a adoção de procedimentos neoliberais (INOJOSA, 2005), ou à ausência de políticas públicas que possam efetivar os direitos individuais, sociais e coletivos preconizados na Constituição, de modo a atender às demandas do cidadão sem a necessidade de intervenção judicial.

Não bastasse o silêncio do Estado diante dos direitos que a Constituição nos assegura, e que leva o cidadão a pleitear a sua efetividade por meio do feito judicial, observa-se, por outro vértice, que o encolhimento da máquina estatal nos anos 1990 deixou sem resposta muitas das demandas judiciais, por ausência do Estado que não fora dimensionado para atendimento das novas situações de direito (DAGNINO, 2004).

Por sua estrutura organizacional, o Estado contemporâneo brasileiro sedimenta no Poder Judiciário a prerrogativa ou monopólio de dizer o Direito  (iuris dicção), que consiste em interpretar a lei de maneira a pacificar as relações sociais conflituosas bem como garantir ao cidadão o acesso àquilo que a Constituição lhe assegura, independente do êxito ou do comprometimento e alcance da ação administrativa (PRUDENTE, 2012). Ao crescimento das demandas judiciais não correspondeu o aparato estatal em dimensões e dinâmica, de modo que direito novos enfrentam procedimentos processuais arcaicos em um sistema insuficiente de agentes. Prova desse descompasso é a recente Emenda Constitucional 80 de 04 de julho de 2014, que determina prazos futuros para suprimento das defensorias públicas, que ainda não são realidade em boa parte do país.

A definição dogmática da prerrogativa de se ter a efetivação do direito centralizada em um poder de Estado, a primeira vista, contraria o pensamento de Peter Häberle (1997), que entende o ordenamento jurídico como um processo público de interpretação e consolidação das normas, e que induz a uma prática democrática de composição e solução amigável de conflitos, sem a imposição ou tomada de posição pela autoridade de Estado.

O insatisfatório desempenho do Estado, tanto do Executivo em prover direitos, quanto do Judiciário em pacificar a sociedade com a realização do direito, a interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, é patente nos relatórios do CNJ e é reconhecido pelas autoridades judiciais, pois, embora tenha conseguido a garantia constitucional de direitos e o acesso da população ao Poder Judiciário, pelos muitos caminhos que oferece, o Estado-administrador quedou-se à prestação do direito e o Estado-Juiz tem sido incapaz de responder a todas as demandas que lhe são apresentadas.

A página oficial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou em 23 de setembro de 2014 que, apesar dos esforços e das novações adotadas pelo Poder Judiciário, o congestionamento de processos pendentes continua crescendo, ceifando dos brasileiros parcela importante do exercício de sua cidadania.

 [...] A taxa de congestionamento passou de 70% para 70,9%, ou seja, de cada 100 processos que tramitaram na Justiça em 2013 aproximadamente 29 foram baixados no período. [...] O estoque de processos tende a aumentar, porque o Poder Judiciário não conseguiu baixar número de processos equivalente à demanda (Portal CNJ, 2014 [online]).

De acordo com os dados do relatório Justiça em Números 2014, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em 23 de setembro de 2014, o volume de processos em trâmite na Justiça brasileira, no ano de 2013, chegou a 95,14 milhões. Destes, 66,8 milhões constavam como pendentes no início de 2013 e 28,3 milhões representam casos novos que ingressaram ao longo do ano.

A concepção de um estado-garantidor na Constituição de 1988 e a democratização do acesso à Justiça, para fazer cumprir tudo aquilo que a Carta Política nos assegura, é condição inarredável para a efetivação da cidadania, a inclusão social e a harmonização das relações sociais. No entanto, não se obtém justiça apenas provocando o Poder Judiciário.

Para se alcançar um Judiciário que torne dinâmica e efetiva a administração da Justiça, conforme afirmam Santos e Gomes (2007), é necessária uma premente reformulação dos meios tradicionais de administração da Justiça formal, propondo a construção de uma justiça democrática de proximidade, predisposta à pacificação social, mais dialogada e menos impositiva. Por conseqüência, mas democrática e menos dispendiosa.

Neste contexto, a nova abordagem adotada pelo Código de Processo Civil recém sancionado, ao lado de medidas de modernização da estrutura de Poder e da sistemática simplificação da burocracia ritualística das Cortes Judiciais, alcança também a busca e a promoção do entendimento extrajudicial, favorece à composição e a solução pacífica de conflitos.

3 Da tomada de consciência do cidadão acerca dos direitos individuais e do novo local das relações sociais

A vida em sociedade, nos dias atuais, envolve um conjunto de relações dinâmicas que se entrelaçam em contatos permanentes e em proposições a cada dia mais complexas; permeia a ampliação do ambiente social, que deixou de ser o bairro, a cidade, e tomou conta do universo em relacionamentos cada vez mais ágeis firmados com atores múltiplos em diversos pontos do planeta.

O processo de globalização, iniciado nos anos 1980, não se ocupou apenas das relações políticas e de fronteiras entre países, mas estendeu o relacionamento de pessoas comuns a universos compartilhados em ambientes tecnológicos, que não necessariamente ocupam territórios físicos ou espaços delimitados (SANTOS, 2001).

A Sociologia e outras ciências sociais tentam entender a pressa dos nossos dias, em que a volatilidade das relações se agiliza em espaços virtuais, com tendências que se reinventam e verdades que se desmentem a todo tempo, num frenesi de dados que viajam pelas redes sociais, noticiários e canais de informação, modificando o comportamento das pessoas.

Segundo Bauman, em entrevista a Pallares-Burk (2004)

Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições (PALLARES-BURK, 2004. p.322) 

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Ao lado desse novo perfil de relacionamento comunitário, de expansão dos seus locais de atividade social, em que a comunidade deixa de fechar-se em torno dos seus limites físico-territoriais e des-envolve-se, abre-se para delinear um território não mais geográfico, mas amplo e impalpável, o ser humano também se abre à tomada de consciência de outros direitos e necessidades que constrói com a amplitude do acesso à informação.

Almeida (2011) analisa que a avalanche de feitos judiciais tem seus aportes no acesso aos meios de comunicação que possibilitou a tomada de consciência acerca de direitos e explicita caminhos para exercício da cidadania.

Nas últimas décadas, principalmente, no segundo pós-guerra, constatou-se uma mudança de paradigmas com o surgimento de novos anseios sociais. Nesta realidade, além de emergirem novos problemas antes inexistentes, a informação e o apelo ao consumo infiltram-se democraticamente nas casas ricas e pobres, o cidadão passa a ter plena consciência de seu direito ao trabalho, ao lazer, à saúde, à educação, à proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Este maior número de informações  instigou o desejo humano de buscar a satisfação de seus novos e antigos interesses (ALMEIDA, 2011, p. 164).

A disseminação dos meios de comunicação, enquanto fenômeno resultante do processo de globalização, expandiu horizontes de relacionamento sociais e jurídicos, diminuiu distâncias e possibilitou o acesso rápido e ágil à informação e o esclarecimento da população com relação a seus direitos.

Tal situação provoca uma busca acentuada pela assistência do Estado, em uma superposição tutelar que, no âmbito do Judiciário, não fora rompida com as doutrinas neoliberais, quando se tem por meta a garantia de direitos com propósito de se consolidar um novo e mais abrangente conceito de justiça, embora tenha sido atingida pela falta de capacidade do Estado em acompanhar o desenvolvimento social-tecnológico com a mesma velocidade.

Para Lucena Filho (2012, p. 41):

[...] é comum que as relações humanas também sejam exponencializadas, hora pela difusão mais profícua da informação e consequente  esclarecimento dos direitos subjetivos que cada cidadão ou pessoa jurídica é detentor ou, ainda, pelo incentivo a uma cultura de judicialidade. O resultado concreto da combinação desses fatores é um Poder Judiciário em crise e incapaz de atender satisfatoriamente às demandas que lhe são submetidas em virtude da qualidade da prestação jurisdicional, em especial quanto ao aspecto duração do processo e grau de satisfação das partes com a sentença proferida.

Os meios de comunicação eliminaram as distâncias dando velocidade aos pactos e acordos que se firmam com interlocutores situados em locais que não são mais pontos fixos ou territoriais. O conceito de local modificou-se, atingindo abstrações que vão desde ambientes físicos a virtuais, corporações, entidades, meios. Nesses novos locais onde as relações humanas acontecem não se sustentam os conceitos sedimentados da prática jurídica que ainda adotamos, construída ao longo do conservadorismo, da prevalência dos rituais e da formalidade  (PRUDENTE, 2012).  

Assistimos ao fortalecimento do conceito de Aldeia Global, em que os agrupamentos humanos perderam suas fronteiras ampliando os territórios e criando espaços de relacionamentos interpessoais que não se delimitam mais por extensões geográficas ou se prendem a formalidades excessivas (SANTOS, 2001).

O local deixou de ser referência a um território palpável ou a um espaço físico delimitado para assumir conceitos de ambiente de negócios, que pode ser virtual, em áreas de propósitos econômicos, políticos, sociais e de conhecimento. Os interlocutores não mais se defrontam em contatos físicos ou procedimentos ritualizados, mas, pela agilidade das relações requerem, ao mesmo tempo, segurança jurídica e celeridade.

Esta nova era da informação levanta novas e múltiplas questões, de natureza tecnológica, naturalmente, mas também de natureza cultural e política, ao confrontar a criatividade com o receio da inovação, o medo e a insegurança com as possibilidades de sociedades mais justas e igualitárias, mais livres. (ESPANHA, CARDOSO e SOARES,. 2006 p. 315).

A perspectiva de garantia de direitos, nessa amplitude de conceitos inovados de vida em sociedade, requer do Judiciário uma abordagem diferenciada em face das novas relações que estão a exigir procedimentos que estão além da formalidade estática da lei, mas pleiteiam medidas ágeis de solução de conflitos.

O quadro atual de evolução das relações sociais constitui uma sociedade em rede, exigindo que os governos se estruturem, não mais em estados-nação centralizadores, mas em arranjos de exercício de poder compartilhado, onde a governança é exercida com propósitos de se ligar o local ao global, atento à dinâmica de um mundo em permanente conflito (CASTELLS, 2006).

Há premência de que o Poder Judiciário seja dotado de capacidade de adaptação às novas dimensões do local e as novas formas de relacionamento humano que acontecem na sociedade atual. É lançar um novo olhar sobre aquilo que se  habituou a fazer e que, devido às dinâmicas externas do tempo presente, não são mais eficientes ou não se prestam mais aos resultados pretendidos, não se limitando, meramente em aparatos tecnológicas e modernização da máquina estatal, mas uma proposta inovação e de desenvolvimento local do Poder Judiciário.

Conforme Lacerda; Ferrarini (2013, p.7)

Diferentemente da inovação tecnológica, a inovação social busca não apropriar-se do valor criado - que é um valor social - tendo a própria comunidade como protagonista e os atores sociais como centrais no processo de inovação. Além disso, a inovação social vale-se de conhecimentos originados no ambiente comunitário e sempre deve imprimir a lógica de compartilhamento das informações e de cooperação das ações. As estratégias devem possibilitar a substituição do imperativo da competição por práticas colaborativas de governança. Por fim, conceitualmente, as inovações sociais também se diferem da clássica perspectiva schumpeteriana na medida em que os locais de suas intervenções são as comunidades e não mais as empresas.

Tal necessidade não depende exclusivamente do aparelhamento dos espaços forenses ou a edição de novas leis, mas modificação de padrões de comportamentos e atitudes, o que reflete na formulação dos currículos essenciais das faculdades de Direito, na proposta de formação de um profissional diferenciado que possa ser inovador na prática de uma nova forma de se fazer justiça (FAVRETO, 2007).

4 Da facilidade de acesso ao Judiciário e dificuldade de acesso á justiça

Durante a década de 1980, à sombra de um rescaldo das medidas neoliberais implantadas na Europa, Cappelletti e Garth elaboraram rico estudo da prestação jurisdicional oferecida pelos países mais desenvolvidos economicamente, analisando proposições que pudessem, de fato, conferir celeridade e democratização do acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

Pela leitura do estudo produzido por Cappelletti; Garth (1988) resta indubitável a conclusão de que, onde os direitos sociais são assegurados em maior efetividade, o número de demandas é reduzido, ao mesmo tempo em que as demandas propostas tendem a serem solucionadas pela composição amigável, reduzindo drasticamente o tempo e o custo da tramitação processual com protagonismo do estado-juiz.

A princípio, surgem duas premissas que podem ser verdadeiras: 1 – a de que estados economicamente resolvidos conseguem promover uma justiça distributiva eficiente, promovendo acesso de todos aos direitos sociais básicos, de maneira a reduzir a demanda judicial por tais prestações. 2 – a de que sociedades economicamente desenvolvidas produzem cidadãos mais conscientes e cordatos, menos afetos à dependência estatal e, pelo acesso que dispõem à educação, propiciam meios de autocomposição nos litígios que protagonizam, sem a necessária intervenção estatal.

Decorre daí uma evolução do conceito de acesso à justiça que não se resume  apenas no direito de submeter ao Poder Judiciário a análise da situação conflituosa, mas de obter a resposta à questão discutida, ainda que não seja exclusivamente por intermédio do Estado (TRINDADE, 2015). É possível optar-se por meios alternativos, mais rápidos e mais baratos, capazes de estabilizar a contenda, sem perder a persecução do ideal de justiça, enquanto proposta de vida em sociedade como um sistema equitativo de cooperação (RAWLS, 2000).

Seguindo a tendência mundial de facilitação de acesso à Justiça enquanto promoção e resguardo da cidadania, o ordenamento jurídico brasileiro, já na elaboração da Carta Política de 1988, fortaleceu o Ministério Público (art. 129 da CF); instituiu Defensoria Pública (art. 134 da CF) e ampliou as ferramentas de gratuidade antes previstas na Lei 1.060/50 (art. 5º LXXIV da CF).

Na mesma esteira de ampliar as oportunidades de análise dos conflitos sociais; o ordenamento infraconstitucional instituiu juizados especiais (Lei 9.099/95 que substituiu a lei dos Juizados de Pequenas Causas criados pela Lei 7.244/84), numa tentativa de conciliar demandas horizontais entre privados, balizando o acesso a tal ferramenta pelo valor monetário do bem jurídico litigioso.

No mesmo viés, situando o Estado como protagonista de ações de pequena monta e que seguem rituais extremamente morosos, duplamente custosos ao cidadão (que participa da demanda e que custeia o Estado) o legislador criou os Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001), como também os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) possibilitando, também ao Estado, quando réu, a composição e a solução ágil em demandas de relativa simplicidade.

Contudo, conforme já anteviam Cappelletti; Garth (1988, p.35) os tribunais de pequenas causas se tornaram tão complexos e dispendiosos como os da justiça ordinária, quer pela presença de advogados não afetos à conciliação ou por juízes apegados ao estilo de comportamento tradicional, formal e reservado.

Santos e Gomes (2007) apontam a necessidade premente de reformulação dos meios tradicionais de administração da Justiça formal, propondo a construção de uma justiça democrática de proximidade, predisposta à pacificação social, mais dialogada e menos impositiva. Como inovação exitosa ele destaca a justiça itinerante, a justiça comunitária, a conciliação judicial e extrajudicial, os juizados especiais, e a Justiça Restaurativa, institutos que, aos poucos, vêm sendo adotados pelo Poder Judiciário brasileiro, mas que carecem de adesão por parte dos operadores do sistema jurisdicional.

Ao ampliar a porta de entrada de feitos judiciais, o legislador permitiu, ou provocou, uma avalanche de novas demandas, que se acumulam sem solução. A esperança que fora depositada nos Juizados Especiais dispersara pela baixa efetividade das propostas conciliatórias (PRUDENTE, 2012). 

As medidas concretas para que a tramitação dos processos perante o Judiciário fosse mais célere a ponto de dar a resposta que a sociedade espera e que se efetivaram ao longo dos anos posteriores à democratização, ainda não surtiram os efeitos desejados, devido à alta judicialização dos conflitos e a longa duração dos processos, pelos muitos caminhos legais que percorre antes do desfecho. O resultado é o conhecido: um Judiciário emperrado, uma Justiça lenta e distante do cidadão que se converte em manifesta injustiça.

Facilitado o acesso à judicialização e vendo o Poder Judiciário saturado de demandas que se arrastam sem solução, o legislador pôs os olhos no trâmite processual, esperando intervir na forma de atuação dos tribunais de forma a encurtar o caminho entre o ingresso e a solução do caso proposto, sem, contudo, olvidar o direito.

A adoção do processo judicial eletrônico e a concepção de uma nova legislação processual, que promete ser mais ágil por reduzir os meandros do trâmite judicial, resumem as últimas medidas na tentativa de reduzir as distâncias entre o protocolo da petição de ingresso e a determinação de cumprimento do julgado, de maneira a deixar de ser o primeiro um fato determinado e o segundo apenas uma quimera.

Não se pretende aprofundar, nesse estudo, o problema de acesso ao Poder Judiciário. A questão que continua insurgente é o acesso à justiça, já que em uma evolução conceitual, o processo judicial é uma das ferramentas para se chegar à equidade ou devolver as partes ao status quo ante, de pacífica convivência, anterior ao litígio (TRINDADE, 2015). A dimensão que se discute é a de se construir uma sociedade livre justa e solidária, preconizada no inciso I do artigo 3º. da Constituição Federal, priorizando a solução ágil e pacífica dos conflitos.

5 A ausência de uma política de efetivo desenvolvimento local do Poder Judiciário

A expressão “desenvolvimento” adquiriu, nas últimas décadas do século passado, conceitos materiais inflados por noções liberais de crescimento econômico, como se bastasse promover a geração e circulação de riquezas para se promover justiça social. Chegou-se a dar uma segunda denominação ao modelo de gestão econômica do Estado do Bem Estar Social, conhecido, em nosso meio, como estado desenvolvimentista.

A proposta do Estado Desenvolvimentista, resumida em poucas palavras, objetivava a promoção de uma justiça de igualdade de acesso a serviços públicos e na pacificação social por meio de uma distribuição mais equânime de direitos sociais e aparentava-se como alternativa às incursões políticas ancoradas em doutrinas marxistas.

O fracasso do modelo econômico desenvolvimentista na década de 1980, e entre as inúmeras formas de renascimento (ou recrudescimento) das concepções filosóficas capitalistas e sua adequação aos cenários sócio-políticos gerados pelas diversas crises mundiais, deram azo a outras definições de desenvolvimento social e humano, sem, contudo, permitir um distanciamento da definição clássica de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico.

Já nos fins do Século XX se intensificou a busca de uma redefinição da expressão Desenvolvimento, que vem se tornando, a cada dia, mais polissêmica, a depender da área de conhecimento onde é aplicada, sem, contudo, encontrar um conceito uniforme que possa traduzi-lo.

[...] há na atualidade uma forte ressurgência de polêmicas sobre o sentido que se pode ou deve atribuir à idéia de desenvolvimento. As críticas que se têm desfiado contra a noção dominante, baseada na industrialização, urbanização e burocratização, acusam-na de etnocentrismo, conservadorismo e reducionismo econômico, propondo reflexões que possibilitem ultrapassá-la, atingindo-se uma nova atribuição de sentido ao vocábulo desenvolvimento (FROEHLICH, 1998, p. 87).

A se considerar essa arena de contendas ideológicas, entende-se prudente optar por um alinhamento conceitual que possa dimensionar a proposta de uma política de desenvolvimento local do Judiciário brasileiro, a ponto de socorrer as angústias da sociedade.

A expressão desenvolvimento é antônima a envolvimento. Enquanto esta última indica movimento que se volta para dentro (en-volver), embotamento, fechamento em torno de si mesmo, desenvolvimento (des-en-volver) implica em abertura, rompimento de preceitos, quebra de paradigmas, expansão. É um movimento de abertura e socialização, de crescimento endógeno e modificação de práticas consolidadas visando alinhar-se com o movimento da sociedade em suas diversas formas (SANTOS; SANTOS; BRAGA, 2012).

Por certo a redução do significado da palavra ao universo meramente econômico está a desmerecer a polissemia do termo, exigindo um esclarecimento inicial quanto à sua utilização pelas ciências sociais aplicadas, especificamente nessa incursão.

Não se discute nesse estudo a produção ou circulação de riquezas, características do desenvolvimento econômico, mas a democratização das relações sociais, promovendo maior participação e inclusão efetiva de pessoas que possam se sentir mais livres e, em decorrência, indispensáveis à formação da vida em comunidade. Desenvolver-se (conjugado assim em voz reflexiva) é um movimento de crescimento de dentro para fora, permitindo assimilar conceitos novos e construir novas formas de relacionamento social.

Quando se utiliza a locução desenvolvimento local,  um conceito em formação pela maioria dos estudiosos, apresenta-se outro desafio, que é situar o conceito de local, afastando da ideia de delimitação geográfica (OLIVEIRA, 2001; MULS, 2008).

O local geográfico é perceptível, mas a vida em sociedade se pulveriza em microcosmos de segmentos sócio-político-organizacionais (locus), que são os locais onde, de fato, ocorrem as relações interpessoais, podendo se definir não somente como espaço físico, mas de abrangência setorial, em nichos de prática de relações sociais. Deriva daí um novo sentido ao vocábulo que foge à etimologia ou à semântica clássica. Assim, um local geográfico abriga diversos ambientes de relacionamento social (locus), com características e regras próprias.

Discutir o desenvolvimento local à luz das ciências sociais aplicadas é analisar setores, segmentos, organizações da vida em sociedade embutidos em seus conceitos e preceitos sedimentados e torná-los acessíveis ao mundo globalizado, ao alcance das pessoas comuns que compõem o universo em torno.  Promover uma abertura nos sistemas de organização desses locais de maneira a permitir a efetiva socialização dos seus produtos e serviços (DOWBOR, 2008).

O desenvolvimento, neste caso, advém de uma proposta de simplificação de relações interpessoais que se realizam nesses espaços, abrindo-se a novas tendências, propostas e acolhendo sugestões inovadoras que possam dar ao local (locus) condições de abrigar, democraticamente, o maior número possível de pessoas em relacionamentos mais simples e produtivos. O crescimento econômico é decorrência dessa abertura, portanto (FROEHLICH, 1998).

Promover o desenvolvimento local do Poder Judiciário é rever os seus protocolos, seu modo de agir, permitindo uma flexibilização de sua liturgia procedimental nos labirintos de suas atividades internas, em favor dos seus objetivos: a promoção da justiça. Desenvolver o Poder Judiciário, no seu ambiente de atuação – seu locus –  resulta em tornar o exercício da administração da justiça menos elitista e mais democrático, propondo, para tal, não somente automação das práticas, mas mudança de paradigma. Um novo olhar sobre aquilo que se faz cotidianamente, objetivando um alcance maior desta atividade.

Contudo, sempre que se discute a modernização do Poder Judiciário, o enfoque se dá em inovações tecnológicas e ferramentas processuais pontuais que se propõem a reduzir o custo e o percurso das demandas. No entanto, o privilégio que ainda se dá ao legalismo institucional e à formalidade excessiva dos ritos processuais atenta contra os princípios constitucionais que regem a vida em sociedade, notadamente à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Constituição Federal artigo 3º, I) e à duração razoável do processo (artigo 5º. LXXVII).

Prudente (2012, p. 35), considerando todas as propostas de modernização do Judiciário, ainda apresenta cinco gargalos que prevalecem na administração da justiça no Brasil, em oposição aos ideais de uma justiça mais célere e participativa: a) o formalismo, onde se privilegia o registro formal de fatos, provas e processos; b) a linguagem técnica, específica e hermética do universo jurídico; c) o monopólio de atuação por advogados impedindo o protagonismo das partes envolvidas; d) o controle pelo Poder Judiciário, inibindo a gestão de conflitos em instâncias comunitárias; e e) o modelo hierárquico de gestão de conflitos, em que o poder de decisão é do juiz, que possui autonomia de resolução perante as partes. A decisão é tomada com base na legislação, interpretada pelo juiz para aplicação ao caso concreto.

Tais pontos de estrangulamento foram abordados na concepção do Novo Código de Processo Civil de 2015, permitindo-se, por exemplo, a composição extrajudicial e os procedimentos de jurisdição voluntária sem a interferência do Poder Judiciário.

A aprovação do Novo Código de Processo Civil é, talvez, a maior das investidas legislativas para a reformulação das relações jurisdicionais em nosso país neste início de século. O instrumento legal que irá reger as relações processuais futuras (Lei 13.105/2015) entrará em vigor em março de 2016, tempo necessário para que o Judiciário e os operadores do direito se adéquem às inovações apresentadas.

No que se refere à nova dinâmica de tramitação das ações, a lei nova está a exigir que o Magistrado promova a mediação das partes objetivando a criação e implantação dos “centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição” (art. 165), objetivando a solução da celeuma com a mínima interferência do Estado-Juiz.

Não obstante, a nova lei não submete as partes à tentativa de conciliação ou mediação, reservando tal expediente à liberdade de opção (art. 319, VII) ou o manifesto desinteresse (§ 5º. do artigo 334).

Art. 319. A petição inicial indicará:

( ... ) omissis

VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. 

Art. 334...................

§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência. 

O ânimo de conciliar é, portanto, faculdade das partes envolvidas, cabendo ao operador do direito dar o lustro necessário para que a composição se defina, posto que o advogado continua como indispensável à administração da Justiça por preceito constitucional.

Diante disso há que se promover, nas escolas formadoras de juristas, a construção de uma consciência da justiça-justa e da promoção do entendimento, dentro ou fora do ambiente forense, e não da judicialização pura e simples das contendas. E, quando possível, converter os feitos ajuizados em oportunidades de composição assistida, mediada ou fomentadas por pessoas preparadas para o alcance da solução amigável. Trata-se, pois, de um processo de desjudicialização do acesso à justiça, ao inverso do que veio se consolidando após a redemocratização do país.

6 Considerações Finais

Não se tem unicamente na formação do operador do Direito as mazelas que hoje atravancam o Poder Judiciário. Para solução da crônica morosidade do sistema, há que se (re) pensar toda a estrutura legal que regulamenta a administração da justiça, criando ferramentas que possam traduzir o ideal do justo aliado à celeridade e à confiança.

Construir um novo paradigma de acesso à justiça, que não se limite à intervenção determinante do Estado-Juiz, é permitir que o Poder Judiciário possa ser o local de discussão ampla e prática corriqueira dos meios alternativos de solução de conflitos, privilegiando não apenas o legalismo formal, mas a autocomposição, a composição mediada e a justiça arbitral, como meios para se chegar ao desfecho processual que satisfaça as partes com respostas seguras e confiáveis. 

A esse movimento endógeno, optamos por chamar desenvolvimento local do Poder Judiciário, em contraposição ao que se discute como modernização do Poder Judiciário, este último que, não raro, tem-se limitado a intervenções tecnológicas ou pontuais, sem interferir na prática cotidiana dos operadores do Direito e promover mudanças de atitude frente ao objetivo maior do Poder Judiciário que é a promoção da justiça.

O que se tem, aqui, por desenvolvimento é uma abertura sistemática, que passa pela visão que se dá ao processo judicial enquanto meio de se alcançar a justiça, que se tem por fim. A simplificação da linguagem e os rituais adotados pelo Judiciário como ferramentas para promoção da justiça, será um privilégio dos fins, em detrimento dos meios.

Para um novo conceito de justiça ágil e socialmente comprometida é necessário romper as amarras do protocolo regimental das Cortes judiciais e da legislação processual ritualística, permitindo a discussão dos conflitos com protagonismo das partes em litígio e não apenas a imposição sancionatória do Estado. É, pois, uma mudança de paradigma, de consciência e de atitudes. Para isso é indispensável o ordenamento processual menos rebuscado e mais acessível às partes, mas também o propósito dos operadores em tornar o sistema judicial mais ágil e compositivo, emancipatório e pacificador.

Nesse particular, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), a viger a partir de 2016, ao apontar para uma abordagem diferenciada da solução das contendas, propõe e prioriza a composição amigável dos conflitos, mediada e assistida por juízes e advogados (art. 165 e seguintes), o que representa um grande avanço na humanização do Judiciário. Tal inovação, no entanto, exigirá mudança de comportamento e de atitude dos profissionais no seu exercício cotidiano, ao fazer opção não mais a demanda e o legalismo processual, mas objetivando os resultados que podem ser obtidos, até mesmo, dispensando-se a intervenção direta do Estado (desjudicialização).

A formação do operador do Direito, que irá dar vida a esse novo modelo, há de adequar-se, senão inovar na prática acadêmica de opção pelo consenso em detrimento da contenda, entregando ao Sistema Jurisdicional do país não apenas profissionais repetidores de conceitos ou capazes de traduzir em ações judiciais as questões postas à sua análise, mas qualificar seus egressos para que se tornem agentes comprometidos com a pacificação, o desenvolvimento social e a solução consensual de conflitos.

A verdadeira revolução no Poder Judiciário capaz de torná-lo efetivamente um organismo de promoção da justiça equitativa, célere e propensa a reduzir as tensões sociais não tem na lei o seu único propulsor, mas se inicia na formação dos operadores do Direito, aqueles que, promovendo o entendimento entre as partes em conflito, de fato, construirão um novo paradigma de acesso à justiça justa.

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Sobre os autores
Israel Quirino

Advogado, professor de Direito Constitucional; Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Especialista em Administração Pública. Escritor membro efetivo da Academia de Letras Ciências e Artes Brasil.

Wania Maria Araújo

Doutora em Ciências Sociais pela PUC-MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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