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e-Processo: uma verdadeira revolução procedimental

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01/04/2003 às 00:00
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8. Digitalização dos autos

Os autos físicos "em papel" serão gradativamente substituídos pelos autos digitais até chegar ao ponto de todos os autos serem digitais. Por enquanto, vive-se uma fase transitória. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, disponibiliza o inteiro teor de todas as petições iniciais das Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade, bem como o inteiro teor das respectivas decisões, em sua página na internet. Qualquer pessoa pode visualizar os referidos documentos sem precisar sair de casa.

Vários Tribunais disponibilizam o inteiro teor de seus acórdãos na Internet. Alguns juízes disponibilizam suas decisões e sentenças.

Os autos digitais já povoam as mentes de juristas:

"imaginem um processo como um mini ‘site’, cuja Home Page contém ‘links’. Esses ‘links’ levam à petição Inicial, à defesa. Mas também à imagem dos documentos, aos depoimentos em vídeo digital. Aos incidentes processuais e suas decisões interlocutórias. O ‘login’ no ‘site’ dá permissão de atuar de acordo com seu status nos autos. O autor pode peticionar como tal, o réu a mesma coisa, o serventuário pode dar cumprimento aos despachos. O Juiz pode despachar e julgar. Isso abre toda uma gama de possibilidades, especialmente se se pensar no processo como uma sucessão de eventos e incidentes dentro de um mesmo e unificado banco de dados. Se se pensar que todos os trâmites ficariam registrados em um ‘log’, uma espécie de resumo do processo. O controle de prazos, de expedição de alvarás e mandados teria uma imediatidade, um sentido de controle, segurança e certeza nunca vistos. Findo o processo, bastaria gravar todo esse ‘site’(processo) em um CD e se teria um arquivo eterno, permanente, em mídia de tamanho reduzido" (SILVA, Flávio Ernesto Rodrigues & BORGES, Leonardo Dias. A informática a serviço do processo).


9. Expansão do conceito espacial de Jurisdição

A internet é um ambiente sem fronteiras. Não possui limite territorial. Não possui espaço geograficamente delimitado. Por isso, o conceito processual de Jurisdição vai sofrer sérias modificações.

Atualmente, o Código de Processo Civil informa que os atos processuais realizam-se de ordinário na sede do juízo (art. 176). Com a internet, inúmeros atos processuais serão realizados neste ambiente "digital", que não tem fronteira. Um juiz no Rio Grande do Sul poderá ouvir, pessoalmente, uma testemunha na Amazônia ou até mesmo em outro lugar do mundo.

As regras de competência territorial e internacional serão revistas. As relações jurídicas praticadas na internet não terão nacionalidade.

Muitos problemas surgirão com essa expansão do conceito espacial de jurisdição, sobretudo se permanecer a mentalidade tradicional de espaço físico.


10. Substituição do foco decisório de questões processuais para técnicos de informática

Já se disse que, em questão de informática, os engenheiros são melhores juízes do que os profissionais do direito. Não sei se chegará o dia em que os juízes deverão ter, além da formação jurídica, um conhecimento amplo e técnico em informática. O certo, porém, é que aumentará a importância dos técnicos de informática para solução de problemas processuais.

Por exemplo, se uma parte alegar que houve falha no envio de um e-mail, será um expert em informática quem irá informar ao juiz se houve ou não a alegada falha. Se a parte alegar que a página em que foi publicado um dado expediente estava fora do ar, será um técnico em informática quem confirmará ou não o fato ao juiz. Se a parte alegar que uma determinada petição foi adulterada durante a transmissão, somente diante de um conhecimento técnico o juiz poderá solucionar o problema.

Desse modo, as decisões sobre questões processuais serão resolvidas, em regra, com auxílio de um técnico em informática.


11. Preocupação com a segurança e autenticidade dos dados processuais

Com os autos tradicionais, em papel, não são muito comuns os casos de falsificação de documentos processuais.

Falsificar um documento em papel é bem mais fácil do que falsificar um documento digital protegido com mecanismos de segurança (assinatura digital, criptografia, senha, biometria etc). Sobretudo com os modernos escaners (scanners) e impressoras, qualquer criança é capaz de reproduzir com fidelidade impressionante documentos em papel, inclusive dinheiro.

A princípio, portanto, toda essa preocupação em torno da segurança e autenticidade dos dados na comunicação virtual dos atos processuais seria sem sentido, já que são raros os casos de falsificação dos autos em papel e, portanto, seriam também raros os casos de falsificação/adulteração de documentos digitais.

Porém, no mundo virtual, há um submundo em que vivem pessoas cuja maior diversão é violar sistemas de segurança. Os processos digitais seriam um prato cheio para esses malfeitores cibernéticos, sobretudo se houver possibilidade de lucro com essa atividade. Haverá tentativa de destruição de autos digitais, de adulteração de documentos ou simplesmente violação do sigilo dos processos que tramitam em segredo de justiça.

A preocupação com a segurança, portanto, deverá estar sempre na pauta de discussões dos processualistas.

O Supremo Tribunal Federal, preocupando-se com a segurança dos seus sistema de informática, está adotando o sistema de identificação biométrica, que só permite o acesso à rede com a exibição da impressão digital do usuário. Frise-se, sem querer polemizar, que existem críticas quanto à segurança decorrente da adoção da biometria.

O STJ, ao reconhecer a validade de cópias de acórdãos obtidas de sua Revista Eletrônica de Jurisprudência, adota, como mecanismo de segurança, uma marca d’água com a logomarca do STJ e a certificação digital por um terceiro (Autoridade Certificadora).

O Tribunal de Justiça de São Paulo e a Xerox do Brasil firmaram uma parceria implementando um novo sistema de impressão e produção de certidões, buscando garantir a autenticidade dos dados.

11.1. O debate entre a Ajufe e a OAB

O ano de 2002 se caracterizou, no campo da informatização do processo, pelos debates travados entre a AJUFE – Associação dos Juízes Federais e a OAB.

A AJUFE, com já se noticiou acima, apresentou, através de parlamentar (Deputada Federal Luisa Erundina), projeto de lei tratando da informatização do processo judicial. Nesse projeto, consolidam-se, em nível legal, algumas iniciativas que já vinham sendo implementadas pelos tribunais, como, por exemplo, a validade da intimação do advogado pelo sistema push ou o peticionamento eletrônico mediante prévio credenciamento do advogado.

Alguns setores da OAB manifestaram-se contra o projeto, apontando algumas falhas e possíveis inconstitucionalidades, e apresentaram sugestões no sentido de se adotar o sistema de assinatura digital, através do conceito de chaves públicas e privadas.

O debate é interessante, mas as propostas não se anulam; pelo contrário, complementam-se.

A AJUFE está certa quando diz que não existe ainda uma cultura consolidada da certificação digital através do conceito de chaves públicas e privadas. Também está certa quando diz que o sistema de credenciamento já funciona, com êxito, em diversos tribunais e, até onde se saiba, não surgiram dúvidas ou problemas decorrentes da segurança do sistema.

A OAB também está certa ao afirmar que a assinatura digital, pelo sistema de criptografia assimétrica RSA (chaves públicas e privadas), é, por enquanto, o meio mais seguro de certificação da autenticidade de documentos digitais.

Porém, mesmo sendo o mais seguro atualmente, o sistema de chaves públicas e privadas também não é infalível e, pior do que isso, há possibilidade de, em breve, ele ser ultrapassado por um sistema mais eficiente, como a criptografia quântica, por exemplo. Além disso, é bastante possível que alguns órgãos governamentais (americanos ou ingleses) já tenham descoberto como decifrar os sistema de criptografia assimétrica, mas mantenham essa informação em segredo, conforme alertou o autor norte-americano Simon Sign, no seu "Livro dos Códigos", que oferece uma agradável abordagem sobre a história da criptografia.

Portanto, em termos legislativos, o ideal é que a autorização para o uso de meios eletrônicos para a prática de atos processuais seja genérica, sem mencionar qualquer sistema, técnica ou método.

Nesse sentido, em carta aberta sobre a regulamentação de procedimentos digitais, o IJURIS – Instituto Jurídico de Inteligência e Sistemas sugere que a lei processual apenas autorize a utilização de meios eletrônicos na prática de atos processuais e procedimentais e disponha sobre os requisitos mínimos de segurança no trânsito de documentos e informações.

Desse modo, seria adotada, num momento inicial, a proposta da AJUFE, ou seja, o credenciamento, que já vem funcionando em diversos tribunais e, posteriormente, com a consolidação do sistema de chaves públicas e privadas, passaria a ser adotada a proposta da OAB. E se, posteriormente, viesse uma solução melhor, adotava-se essa solução sem precisar a toda hora estar mudando a lei.

O TECNOJUSC – Grupo de integração Tecnológica do Poder Judiciário de Santa Catarina também considera que o debate entre a AJUFE e a OAB está levando a discussão para um foco errado:

"Creio que o completo desconhecimento da assinatura digital na sugestão n. 1/01, apresentada pela Ajufe, é o calcanhar de Aquiles do projeto de lei n. 5828/01. A informatização do processo certamente passará pela inserção da tecnologia de certificação digital. Inobstante, o PLC n. 71/2002 radicalizou, ou seja, impôs a assinatura digital para qualquer sistema informático dos Tribunais. Neste aspecto, o engessamento de uma tecnologia ainda não popularizada e sem o domínio dos Tribunais retardaria a informatização do processo judicial como um todo".


12. Aumento dos poderes cibernéticos dos juízes

Atualmente, a autoridade judicial tem poderes que vão desde de penhorar um automóvel até autorizar escutas telefônicas e determinar quebras de sigilo bancário. Tradicionalmente, essas atividades são feitas mediante ofícios enviados pelo juiz.

Com a tecnologia da informação, essas atividades serão realizadas diretamente pelo juiz, sem intermediários. Por exemplo, se o juiz determinar a penhora de um automóvel, ele próprio (ou um servidor a seu mando) irá efetuar o bloqueio do referido veículo de seu computador. Isso já é feito aqui na Justiça Federal do Ceará.

Outros poderes, ainda mais assustadores, vão surgir.

Com o Bacen Jud, que é um sistema de solicitação de informações via internet, o magistrado pode enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional com uma facilidade impressionante. Com isso, as quebras de sigilo bancário e os bloqueios de contas correntes de pessoas físicas e jurídicas poderão ser efetivados com alguns cliques.

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O juiz será uma espécie de hacker oficial, com poderes para invadir sistemas de computadores, interceptar mensagens eletrônicas e obter livre acesso aos mais sigilosos bancos de dados, compartilhando informações com órgãos como a Polícia Federal, a Interpol, a Receita Federal, o INSS etc.

No combate contra a criminalidade, alguns convênios estão sendo implementados visando facilitar o acesso às informações policiais, como o cadastro de estrangeiros, passaportes, veículos, folhas de antecedentes, procurados, registro de armas, Sistema Nacional de Informação Criminal (Sinic) e Integração Nacional de Informação de Justiça e Segurança Pública (Infoseg).

Obviamente, sem uma plena consciência tecnológica e sem uma efetiva ciberética, haverá inúmeros abusos dos poderes cibernéticos do juiz.


13. Reconhecimento da validade das provas digitais

Já são realizadas pela internet inúmeras transações, que vão desde o comércio eletrônico (e-commerce, e-business, e-banking etc.) até relações afetivas. Obviamente, essas transações possuem conseqüências jurídicas e freqüentemente acarretam conflitos. O Judiciário deve estar preparado para lidar com esses conflitos. Para tanto, deve buscar se familiarizar com as provas digitais.

É vasta a influência da tecnologia da informação no campo probatório. Desde simples mensagens de e-mail até complexas fórmulas matemáticas certificadoras da autenticidade de documentos digitais tornam-se comuns nas discussões forenses.

Já se aceitam como válidas as certidões negativas de débitos fornecidas, on-line, nas páginas dos órgãos públicos.

O STJ reconhece como autêntica a cópia do inteiro teor dos acórdãos disponível na Revista Eletrônica de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se decisão sobre o tema:

"RECURSO ESPECIAL. Divergência. Precedente do STJ. Diário da Justiça. Site na internet. Indicado como paradigma acórdão do próprio STJ, com referência ao Diário da Justiça da União, órgão de publicação oficial, e com a reprodução do inteiro teor divulgado na página que o STJ mantém na Internet, tem-se por formalmente satisfeita a exigência de indicação da fonte do acórdão que serve para caracterizar o dissídio" (STJ, RESP 327687/SP, 4ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21/02/2002)

O documento digitalmente assinado tem não apenas a sua validade reconhecida, mas a própria característica de documento original: a cópia passa a ser o documento físico, impresso.


14. Surgimento de uma nova categoria de excluídos processuais: os desplugados

O processo judicial é, tradicionalmente, um ambiente pouco propício à participação popular. É célebre a frase irônica atribuída a um juiz inglês da época vitoriana, segundo a qual "a Justiça está aberta a todos, como o Hotel Ritz".

Apesar de todos os benefícios trazidos com a informatização do processo, sem uma política social séria de inclusão digital aumentará ainda mais o abismo entre o povo e a Justiça.

A população de menor renda, que já sente dificuldade de compreender o funcionamento da Justiça tradicional, ficará totalmente excluída da Justiça "virtual".

A Justiça "on-line" será uma justiça de elites, totalmente inacessível para o chamado "proletariado off line".

Os "desplugados", que seriam aqueles que não possuem conhecimentos em informática (analfabetos tecnológicos), não possuem computadores, linhas telefônicas ou nem mesmo são alfabetizados, ficarão isolados, "em ilhas perdidas no oceano informacional. Não navegam. Não interagem. São náufragos do futuro" (ARAS, Vladimir. Governo tem obrigação de promover a inclusão digital).

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Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. e-Processo: uma verdadeira revolução procedimental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -92, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3924. Acesso em: 21 nov. 2024.

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