No último dia 12 de maio, por mais de 11 horas, o professor titular da cadeira de direito civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Luiz Edson Fachin, indicado pela presidenta Dilma a ocupar uma das cadeiras do STF, substituindo o ex-ministro Joaquim Barbosa, respondeu a uma séria de perguntas a respeito de temas polêmicos. Irei tecer algumas considerações a respeito dessas visões.
MAIORIDADE PENAL
“Qual é o mecanismo para enfrentarmos esse tema? Talvez uma saída seja discutir as regras que estão no Estatuto da Criança e do Adolescente. E eventualmente ampliar essas regras, de tal modo que por exemplo ampliando a internação, que deve ser adequada, poderíamos alcançar alguns resultados eventualmente mais efetivos. Mas isso é preciso colocar para a sociedade brasileira.”
Fica claro, pelo seu pocionamento durante a sabatina, que o professor é contra a redução da maioridade penal, mas defende a discussão de algumas regras para o Estatuto da Criança e Adolescente, como o aumento do período de internação para medidas socioeducativas. De fato foi uma boa colocação feita pelo professor, apesar de não ter citado que a redução da maioridade penal é uma cláusula pétrea, o que pode significar duas situações, ou o professor de fato não a considere uma cláusula pétrea, ou ele preferiu de abster dessa colocação.
LIBERDADE RELIGIOSA
Tive formação cristã em casa bastante acentuada, especialmente pelas mãos de minha mãe. Não vou fazer aqui uma reminiscência da minha infância, porque parece-me desnecessária, mas tenho alegria muito grande de registrar na minha memória que recebi uma formação não apenas de valores familiares, mas também uma formação religiosa que me fez compreender a vida numa dimensão maior que do que a vida tem em sua mera materialidade”.
O candidato não fez uma defesa do Estado Laico, preferiu transcorrer sobre a sua vida cristã, numa clara tentativa de convencer os senadores da bancada evangélica e os mais conservadores. Sabemos dos méritos jurídicos de Fachin, mas acredito que essa sua estratégia é um erro, só espero que caso seja escolhido para ocupar uma cadeira no STF ele possa colocar os princípio constitucional da laicidade acima dos interesses de uma parcela da sociedade. A liberdade religiosa é um princípio básico da Constituição Federal sendo necessário a abertura de um grande debate na sociedade a respeito desse tema. Um candidato ao STF não poderia ter atuado como um político, principalmente a respeito de um tema importante.
ABORTO
“Do ponto de vista de princípios, a vida é valor supremo”, disse. “De onde inicia a vida? […] A vida começa do começo da própria existência, independentemente da formação do ser humano. A rigor, a concepção é o marco a partir do qual é preciso proteger a vida”.
O professor se posicionou contra o aborto, colocando a "concepção" como marco inicial da vida. Mais uma vez atuou como político, utilizando-se da estratégia de convencimento da bancada evangélica. Fachin não se preocupou em dizer que um mínimo de debate a respeito desse tema é salutar para o nosso processo democrático, em respeito àqueles que são a favor da legalização aborto. Ser contra o aborto não quer dizer que uma pessoa deva abrir mão de fundamentos e princípios constitucionais, como a cidadania, o cidadão deve exercer seus direitos de maneira inequívoca, não deve depender de nenhum tribunal para isso. Acredito que a melhor maneira para se decidir sobre a legalização ou não do aborto seja por meio de um plebiscito, onde os lados colocarão na balança suas ideias e propostas e o cidadão, exercendo seu direito, decidirá que caminho se tomará.
EUTANÁSIA
"Eu já tive a oportunidade de me manifestar e responder de maneira clara e objetiva: defendo a vida em sua dignidade e sou contra qualquer forma de interrupção que venha ocasionar um atentado à vida, seja no início ou no fim dela", disse Fachin ao responder pergunta da senadora Ana Amélia (PP-RS).
Seguindo o mesmo raciocínio do pensamento sobre o aborto, atuou como político, e não se preocupou com os princípios democráticos. Ao fazer esse comentário, o professor esquece que existe uma discussão, que não pode ser interrompida. Quem se encontra em estado vegetativo, vive? Do que depende a vida? Apenas do funcionamento cerebral? A vida necessita de uma mínima qualidade, da consciência de quem vive?
Ao responder que a eutanásia é um atentado à vida, ele simplesmente joga no lixo essas discussões, o debate tão necessário no sistema democrático.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
“O preço da liberdade da imprensa, o preço da liberdade de expressão é um preço que a sociedade precisa adimplir custe o que custar. Porque nós não podemos ter censura. Em nenhuma hipótese. Isso é uma ofensa ao preceito constitucional dessa liberdade que é elevada ao estatuto de garantia fundamental."
Visão bem fundamentada, é isso que todos esperamos de um candidato ao STF, respeito aos princípios constitucionais.
LEI DA ANISTIA
“No plano dos princípios e genericamente – até porque isso não confortaria minha consciência se não disse isso –, reputo muito importante que o país não perca sua memória. Mas reputo também muito importante que o país se pacifique”.
O professor preferiu ficar em cima do muro, não respondeu se era contra ou a favor da lei, mais uma vez no intuito de agradar a gregos e troianos e pacificar o ânimo dos conservadores. De fato a memória do país deve ser resguardada, mas para isso é necessário que se se venha à tona todos os que cometeram crimes nesse período e quais tipos de crimes foram praticados, e se possível a punição como rechaço às condutas criminosas do período, seja por parte dos militares como por parte das guerrilhas e grupos armados.
ELEIÇÕES PARA O STF
" Creio que a transparência e a democracia são fundamentais, mas me parece que é preciso tomar um certo zelo para que determinadas disputas eleitorais próprias da política não se projetem para dentro do poder judiciário. "
Fachin não foi direto, mas é possível inferir que ele é contra a eleição para membros da suprema corte. As palavras dele foram bem utilizadas, a democracia é importante e a cidadania um instrumento fundamental para se colocar o povo no poder, mas o judiciário não pode se perder no novelo das disputas eleitorais, iria dar brecha para que a corrupção, as negociatas, que já se fazem presentes, residissem de forma permanente. O melhor para reoxigenarmos o STF, seria a aplicação de concurso de provas e títulos para todos os brasileiros com mais de 35 anos, desse concurso os 10 primeiros seriam sabatinados pelo senado e após esse procedimento 1 seria escolhido para levar o seu nome ao plenário, sendo aprovado se conseguir a maioria dos senadores. Essa atitude tiraria o executivo da escolha, fortalecendo a independência entre esses poderes e fazendo prevalecer a meritocracia.
HOMOFOBIA
“A manifestação que é feita na espacialidade da crença, ou seja, na expressão da minha crença, no lugar onde expresso a minha crença, essa é uma espacialidade está no limite e dentro do limite da liberdade. Na espacialidade pública, a nossa sociedade republicana, é uma sociedade que aí veda o preconceito”.
Mais uma vez o professor preferiu atuar como político, falou de sua crença, tentando colocá-la dentro de um espaço que não lhe dizia respeito, mas foi firme contra o preconceito sofrido pelos homossexuais.
FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHA
“Problemas atinentes a essa definição política, parece-me que aí, o Judiciário desborda de suas funções. Com o devido respeito a certas circunstâncias, vou dizer isso com o todo respeito à Corte Suprema do Brasil, há circunstâncias que o Supremo não deve atravessar a rua. E portanto, manter-se no lugar e dar primazia ao parlamento”.
Apesar de não poder votar a respeito desse tema, já que o ex-ministro Joaquim Barbosa já o fez, o professor foi perguntado a respeito, firmando a visão de que essa questão não pode ser decidida pelo STF, mas sim pelo Congresso Nacional. Mais uma vez ele usou claramente a estratégia de apaziguar o ânimo dos senadores, que muitas vezes são beneficiados pelas doações das grandes empresas e veem na decisão do STF uma barreira para seus objetivos pessoas e eleitorais. Fachin preferiu não arrumar briga, quer apenas sua vaga.
ATIVISMO JUDICIAL
“A percepção que tenho do juiz constitucional é extremamente discreta, contida, na expressão que deve ter de seus limites constitucionais. E, nessa medida, sou, por assim dizer, um daqueles que subscreve para um juiz de corte constitucional um papel de estabilização. Portanto, apenas em caráter excepcional, é possível traduzir alguma expressão jurisdicional aonde ordinariamente deve ser espaço da política. E, portanto, o juiz não é nem pode ser legislador."
Fachin preceituou a independência entre os poderes, afirmou que juiz não é legislador, compactuo dessa opinião, apesar de entender que em algumas situações quando a lei for omissa, o judiciário deve agir no intuito de preencher essa lacuna, que inclusive é também uma visão do professor, quando ele dizer que apenas em "caráter excepcional". Muito bem posta a colocação de Fachin nesse tema.
CASAMENTO GAY
“A minha posição é nesse sentido de atribuir direitos civis. Não promover condutas, não explicitar condutas, não eleger modelos como se fossem modelos a serem seguidos pelos jovens ou por quem quer que seja."
Muito bom o posicionamento de Fachin, mostrou coragem ao afirmar que as condutas são dotadas do caráter de liberdade, o judiciário não pode de nenhuma maneira tentar criar modelos de condutas para ninguém.
No geral, os posicionamentos de Fachin deixam uma certa dúvida no ar, será que ele de fato é isso que ele proferiu na sabatina, ou ele esconde o jogo, numa clara estratégia política de tentar conquistar os votos dos senadores para sua aprovação? Só o tempo responderá, Fachin tem uma carreira de poucos, tem um preparo intelectual fora do comum, além de uma carreira ilibada, como exige a Constituição Federal, mas que caminho ele vai seguir, caso seja escolhido para ocupar uma vaga no STF? Será do progressismo ou conservadorismo político? Seus posicionamentos serão fortemente afetados por suas convicções religiosas?
Cabe ao senado agora a escolha ou não do nome de Fachin, o certo mesmo é a torcida que fazemos para que o professor siga o caminho da democracia, dos princípios constitucionais fundamentais, da igualdade, dos direitos sociais, da liberdade, seja dentro do STF ou fora dele, como um brilhante professor que sempre foi.
< Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/05/saiba-o-que-luiz-edson-fachin-pensa-sobre-temas-polemicos.html >