A jurisprudência e os crimes sob estado de inconsciência

20/05/2015 às 20:13
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Trata-se de artigo que analisa a posição da jurisprudência nacional quanto aos crimes cometidos sob estado de inconsciência, buscando, ainda, verificar os crimes cometidos por mulheres em período de tensão pré-menstrual (TPM).

Introdução. Conduta. Teorias causalista, finalista e social da ação. Ausência de conduta. Estados de inconsciência: embriaguez letárgica, sonambulismo e hipnose. Tensão pré-menstrual. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

        O Direito Penal, como ultima ratio do Direito, tem como função agir quando todos os outros braços da lei não forem suficientes. O cerne do Direito Penal é, portanto, o crime, e, consequentemente, sua solução e punição correspondentes.

Na busca do justo, chegou-se ao consenso de que todo crime é um fato típico descrito numa lei penal. Este deve ser composto de uma conduta, seu resultado, nexo causal (o liame entre o ato e sua consequência) e, por fim, a tipicidade. Além disso, há mais duas características imprescindíveis para a configuração de um crime: a ilicitude e a culpabilidade.

        Entretanto, antes de se falar em qualquer um dos elementos, é preciso ver o crime como uma conduta humana. E que tipo de conduta? Uma conduta livre e consciente, pelo menos. O agente deve, portanto, para a existência da conduta, ter vontade própria e consciência do ato que está na iminência de praticar. Assim como a tipicidade, ilicitude e culpabilidade são elementos simultâneos para a construção do conceito de crime, a liberdade de ação e consciência também são necessários em conjunto para que a conduta exista.

        Há situações, porém, em que, devido à ausência da liberdade de ação ou da consciência do agente, a lei dá ao agente e ao crime um tratamento diferente. São as chamadas hipóteses de ausência de conduta, ou excludentes de conduta. Ainda que o fato praticado pelo agente culpável seja típico e ilícito, por alguma razão o indivíduo não tinha plena consciência do que fazia, ou outro corpo dominara-o o suficiente para retirar-lhe qualquer possibilidade de ação.

        A doutrina e a jurisprudência reconhecem três excludentes de conduta: a coação física irresistível (também chamada de vis absoluta), os movimentos reflexos e os estados de inconsciência. Os dois últimos compreendem, ainda, determinadas hipóteses, que serão explicitadas no decorrer deste trabalho. O que vale ressaltar como panorama geral, é que, em todos os casos, para que seja reconhecido o excludente de conduta, o agente deve estar fora de sua plena consciência ou dominado por outro corpo.

        A Tensão Pré-Menstrual – popularmente chamada de TPM – é um mal do qual padece grande parte das mulheres entre uma e duas semanas do início da menstruação. É um distúrbio que se apresenta diferentemente dentre o sexo feminino, podendo variar de intensidade, sintomas e durabilidade de uma mulher para a outra. Entretanto, há casos em que a TPM é considerada uma doença, com tratamento psiquiátrico.

        O objetivo deste trabalho, além de discorrer sobre as excludentes de conduta, é apresentar uma hipótese, e estudar seu cabimento: a inclusão da Tensão Pré-Menstrual nas situações de ausência de conduta.

Capítulo I – A CONDUTA

Em se tratando de Direito Penal e, consequentemente, do conceito de crime, há que se encontrar e conceituar cada um de seus elementos. O primeiro, e sobre o qual se apoia o fato típico, é a CONDUTA.

Não há crime sem conduta. Esse princípio (nullum crimen sine conducta, em latim), é, para Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 358), uma “garantia jurídica elementar”: a existência dela evita que qualquer tipo de ato seja considerado um delito, incluindo o pensamento e o caráter, por exemplo. Apenas as condutas humanas podem ser penalizadas. Condutas de animais são regidas pelo Direito Civil, muitas vezes: se um cão pit bull escapa da coleira e morde uma criança, é bem provável que, se a situação não se resolver amigavelmente, os pais da vítima entrem com uma ação indenizatória contra o dono do animal.

Há um grande problema terminológico rodeando a conduta: há autores que usam o conceito “ato” como um abarcador da ação, e a “omissão” como um não fazer o esperado. Há outros doutrinadores que falam de “ato” ou “ação” não os usando para abranger a conduta, pois veem esta como um comportamento mais duradouro que os outros dois. Há, ainda, autores que utilizam o vocábulo “fato”, considerando-o a soma da conduta, nexo causal e resultado.

Entretanto, “fato” deve ser entendido de uma forma mais profunda. Os fatos podem ser humanos ou naturais. Se praticados pelo homem, podem ser involuntários ou voluntários. Estes últimos são as condutas. Portanto, pode-se conceituar a conduta como um fato humano voluntário.

A conduta deve ser voluntária, como seu próprio conceito já diz. A voluntariedade consiste no “querer” do sujeito, aquilo que efetivamente muda algo. É importante ressaltar que a conduta voluntária não é puramente psicológica. Além disso, vontade pressupõe finalidade. Assim, a conduta é um fato humano voluntário dirigido a um fim.

Com o decorrer dos anos, doutrinadores do Direito Penal criaram uma série de teorias a fim de explicar a ação lato sensu, ou seja, a conduta. As principais são a teoria causalista, de Beling e Von Liszt; a teoria finalista, de Hans Welzel; e a teoria social da ação, de Jeschek e Wessels. Ater-nos-emos ao principal de cada uma delas.

Teoria causalista

A teoria causalista da ação foi a primeira das abordagens do tema. Data do século XIX. Também chamada de teoria naturalista da ação, tem como principal característica a incorporação, no conceito de conduta, de leis naturais. Segundo Ney Moura Teles, a teoria causalista define a conduta como o movimento ou inércia – ou seja, ausência de movimento – humano e voluntário. A conduta típica deve ser um comportamento voluntário impulsionado pela vontade humana, que se exterioriza através de uma ação, positiva ou negativa.

Para o causalismo, a finalidade da ação não tem a menor importância, ou seja, o conteúdo da vontade não é examinado. A voluntariedade do comportamento é o único elemento analisado; daí o elemento naturalista da teoria. A consideração da conduta é praticamente mecânica, observando-se apenas se a ação foi voluntária ou não. Inexiste qualquer tipo de valoração perante a mesma.

Entretanto, não se pode olvidar que a finalidade (conteúdo da vontade) é abordada na valoração de um delito, mas não na análise da tipicidade do fato, e sim, dentro da verificação da culpabilidade, última característica do crime.

Houve uma série de críticas para a teoria causalista. Uma delas é quanto à despreocupação quanto à finalidade da conduta. O causalismo, por causa disso, deixa de responder várias perguntas, deixando lacunas no caminho de explicação do delito. Os crimes tentados, por exemplo, não são explicados: se A dispara um tiro voluntariamente contra B, causando apenas uma lesão no ombro, não se busca saber a intencionalidade do fato logo no início. Assim, saber se a conduta se configura numa lesão corporal dolosa (ou culposa) ou numa tentativa de homicídio só será possível na análise da culpabilidade. A ação, aqui, é apenas causal, não dotada de finalidade.

Teoria finalista

A segunda teoria abordada aqui é a teoria finalista da ação, de Hans Welzel, que nasceu como uma crítica ao causalismo e teve como objetivo sanar as falhas da mesma. Foi elaborada no início do século XX. Também chamada de Teoria da Ação Final, parte da premissa de que toda ação é uma atividade humana final, isto é, o exercício da atividade finalista.

Há uma intensa preocupação quanto ao conteúdo da vontade nessa teoria. São elementos que não podem ser separados. Hans Welzel, em seus estudos, concluiu que a diferenciação entre os fatos típicos está na ação, e não no resultado. Para ele, portanto, se A mata B com aparente intenção de matar deve ter punição mais rigorosa que C, que matou D, mas sem que quisesse a morte. Percebe-se claramente que o resultado foi o mesmo para ambos os crimes; o que muda é a ação.

O comportamento humano é naturalmente finalista. Afinal o homem, dotado de consciência, tem a possibilidade de prever as consequências de suas atitudes, podendo, assim, dirigir sua vontade para a produção de um ou de outro resultado.

São perceptíveis os progressos do finalismo na comparação com o causalismo. Welzel inseriu na teoria, ainda, as duas fases da direção final da ação: a interna, correspondente ao pensamento (o momento em que o indivíduo se propõe a agir) e a externa, que corresponde à materialização da conduta. Isso significa que a realização desta envolve a escolha do fim, dos meios e a aceitação de suas consequências.

É mister reforçar que é o finalismo quem consegue explicar a tentativa, separá-la da consumação e aplicar as penas apropriadas para cada caso.

Teoria social da ação

Há ainda, uma última teoria que merece ser destacada: a teoria social da ação, proposta por Jeschek e Wessels no início do século XX, por volta da década de 1930. Para esses estudiosos, o finalismo ainda não era suficiente para explicar a conduta, porque ignorava o lado social da mesma.

Insere-se aí, pela primeira vez, a noção de relevância social de uma conduta; esta pode ser definida, em linhas gerais, como o “peso” de uma ação dentro do contexto social, ou seja, da sociedade. Para a teoria social não basta que se analise apenas a vontade, ou a finalidade de uma conduta; é preciso também analisar seus efeitos na sociedade. Uma ação apenas seria relevante se afetasse o relacionamento do agente com seu meio social.

Entretanto, ainda que tenha nascido com a ideia de aprimorar o finalismo, a teoria social da ação não escapou das críticas. Em primeiro lugar, em nada se acrescenta ao conceito de crime a relevância social de uma conduta. Afinal, dentro de uma sociedade, na qual as pessoas relacionam-se a todo tempo, pode-se perceber que a relevância não é apenas característica do crime, e sim, de todo fato jurídico. Além disso, a teoria de Jeschek e Wessels também não explica satisfatoriamente as questões da tentativa e do crime omissivo, visto que o que realmente importa aqui é a valoração que o meio social faz da conduta.

Capítulo II – AUSÊNCIA DE CONDUTA

Concluiu-se, portanto, que a teoria mais adequada para a conceituação e explicação da conduta é a Finalista, que a define como um movimento corporal voluntário que causa alteração no mundo exterior, porém dotado de intencionalidade. A voluntariedade e a finalidade são fatores importantes para o entendimento da conduta, somados a um comportamento exclusivamente humano. Só há conduta, portanto, quando houver vontade do agente.

As situações cotidianas, no entanto, mostram que, em alguns casos, o agente que pratica determinada conduta não tem pleno controle sobre ela, ou sequer sobre si mesmo. Ele pode fazer algo ou deixar de fazê-lo contra sua vontade, ou, ainda, sequer saber o que está fazendo. Nessas circunstâncias, a doutrina e a jurisprudência acordam que não há conduta no sentido finalista do termo, pela ausência de voluntariedade do agente.

Essas situações recebem o nome de excludentes de conduta ou, simplesmente, ausência de conduta. Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 377 e 378) assim explicam esses casos:

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Os pressupostos nos quais, não obstante deles participar um home, não há conduta, ou seja, de fatos humanos em que não há ações, por faltar a voluntariedade, são aqueles em que medeia uma força que provoca os movimentos sem o controle da vontade e uma força que impede a realização dos movimentos de conformidade com a vontade, bem assim também aqueles em que a pessoa se encontra em estado psíquico natural [...] que, no geral, são casos de inconsciência.

Existem três casos possíveis: a coação física absoluta (também chamada de vis absoluta), os movimentos reflexos e os estados de inconsciência, que também se dividem em três hipóteses – sonambulismo, embriaguez letárgica e hipnose, sobre as quais se inclinarão este trabalho.

A coação física irresistível, no latim vis absoluta, é a situação em que o agente age dominado pela força de outro corpo, ou não age, por ser impedido por uma força estranha, e maior. Esta pode provir da natureza ou da ação de um terceiro.

Para que a vis absoluta seja efetivamente caracterizada, é necessário que a força dominadora seja física e absoluta, isto é, sua ação deve ser material e concreta. Coações psicológicas não são excludentes de conduta. A força em questão deve ser grande o suficiente para o agente perder sua própria vontade, e agir ou não a mercê de quem o domina. Deve ser impossível resistir à força.

Dois são os exemplos cabíveis a essa situação. O primeiro trata-se de uma ação positiva: Marcos segura o braço direito de João, que é menor e está com o resto do corpo imobilizado. Marcos, então, aproveita-se dessa circunstância e, com o braço que segura, passa a bater em Carla, deixando-lhe um olho roxo.

Ainda que o braço de João tenha ferido Carla, não há que se falar em crime do mesmo. Ele apenas atingiu a moça por intermédio da força dominadora que Marcos fazia sobre si. Logo, não há conduta de João e sim, de Marcos, que será acusado pelo crime de lesão corporal.

O segundo exemplo é de uma ação dita negativa: uma enfermeira deve ministrar o medicamento a um paciente, que corre risco de morte, em determinado horário. Entretanto, um bandido entra no hospital e a amarra no subsolo, sem que possa se soltar ou pedir ajuda. Sem o remédio, o paciente morre.

Não se pode dizer que o comportamento omissivo da enfermeira foi criminoso, afinal, ela deixou de dar o remédio contra a sua vontade, por estar dominada pela força de um terceiro. Logo, a morte do paciente não será de sua responsabilidade, e sim, daquele que a aprisionou.

Quanto aos movimentos reflexos, segundo definição de Bitencourt (2012, p. 291), são “atos reflexos, puramente somáticos, aqueles em que o movimento corpóreo ou sua ausência é determinado por estímulos dirigidos diretamente ao sistema nervoso”. O exemplo mais citado pela doutrina é o ataque epilético, mas outro pode ser trazido, como o choque elétrico. O que se deve ressaltar é que, em se tratando de movimentos reflexos, deve-se pensar em respostas involuntárias, que passam pelo cérebro sem alcançar a vontade do indivíduo. São reações do organismo diante de algum estímulo, seja tátil, auditivo, visual etc.

A fim de não se confundirem conceitos, cabem aqui as definições de “atos em curto-circuito” e “reações explosivas”. Roxin (2011, p. 252) define os primeiros como atos em que a vontade do agente existe, ainda que instantaneamente, sendo difícil, portanto, excluí-los do conceito de ação. Pode haver discussão no campo da culpabilidade. As “reações explosivas”, por sua vez, o elemento volitivo surge com uma velocidade tão grande que fica praticamente impossível controlar. São atos realizados “automaticamente”. A discussão pode ser feita, neste caso, na imputabilidade, se se considerar o agente portador de transtorno mental transitório.

Por fim, têm-se os “estados de inconsciência” como últimas possibilidades de ausência de conduta. A enumeração das hipóteses, bem como seu detalhamento, serão assunto do próximo capítulo.

Capítulo III – ESTADOS DE INCONSCIÊNCIA

Inicialmente, o que é consciência? Segundo o Dicionário Aurélio, entre outras definições, é o “atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua realidade”. Assim, pode-se dizer que estar consciente é ter discernimento do que se está fazendo, se é certo ou errado, por exemplo. Entretanto, o sentido da palavra “consciência” utilizado pelo Direito é clínico, conforme ensinam Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 382). Consciência, portanto, deve ser encarada como “o resultado da atividade das funções mentais”.

Se a consciência está turbada não há ausência de conduta, porque a vontade do agente existe. Apenas quando a consciência desaparece é que se pode falar em ausência de conduta.

São três as hipóteses mais citadas pela doutrina em se tratando de ausência de conduta: o sonambulismo, a embriaguez letárgica e a hipnose.

Embriaguez Letárgica

Comecemos com a embriaguez letárgica, por ter seu lugar pacificado na doutrina e na jurisprudência. Consiste no vulgar “coma alcoólico”, última fase da embriaguez. Há de se lembrar que a intoxicação alcoólica divide-se em três fases, a saber:

  • Excitação: o agente revela a verdadeira personalidade – sentimental, eufórico, calado, melancólico. A respiração e o pulso aceleram-se, e as pupilas, dilatam-se. Não há inconsciência.
  • Confusão: a coordenação motora dificulta-se, assim como predomina a confusão psíquica. Há dificuldade na fala e o agente movimenta-se de modo descoordenado. Ainda há consciência.
  • Sono: é a embriaguez letárgica. Diminuem a respiração e o pulso, e ocorre queda de pressão. É a única fase em que se perde completamente a consciência.

Há autores que dividem em cinco as fases da embriaguez, mas são minoria doutrinária.

Há de se ressaltar o que ensina Bitencourt (2011, p. 292): nos estados de inconsciência, se o agente se coloca voluntariamente nessa situação, responde por seus atos, de acordo com o princípio da actio libera em causa (“ação livre em sua causa” – a inconsciência decorre de ato praticado por vontade do agente).

O sonambulismo, por sua vez, é considerado uma parassonia, definida por Del-Campo (2007, p. 311) como “transtornos caracterizados por eventos comportamentais ou fisiológicos anormais, ocorrendo em associação com o sono, estágios específicos do sono ou transição do sono para a vigília”.

O transtorno do sonambulismo é mais comum na infância. É uma perturbação mental em que o agente perde a consciência, tem alguns sentidos diminuídos, mas mantém a atividade locomotora, podendo andar, correr ou desviar-se de objetos no caminho. O sonâmbulo tem fraca articulação mental e o diálogo é raro; raramente se lembra dos ocorridos durante a noite no dia seguinte.

O sonambulismo é passível de simulação. Cabe à perícia, diante das características do agente, como a idade, e daquilo que foi narrado circunstancialmente por testemunhas, averiguar se o episódio tratou-se de efetivo sonambulismo ou não.

Nucci, em seu Manual de Direito Penal, 7ª ed., 2011, p.  208 e 209, traz um caso lastreado no sonambulismo, ocorrido na Grã-Bretanha:

O caso ocorreu em março. Depois de sair com uma amiga de 22 anos, James Bilton convidou a jovem para ir para sua casa, oferecendo a ela o quarto enquanto dormia na sala. Dias depois, a moça reclamou à polícia ter sido acordada quando Bilton a estuprava. Bilton, que é sonâmbulo desde os 13 anos, garantiu ao juiz que não se lembrava de nada do que aconteceu naquela noite. A Justiça convocou então um especialista em problemas do sono. O médico atestou que Bilton é sonâmbulo, motivo pelo qual pode não se recordar, ao acordar, das coisas que faz ­quando está dormindo. O réu foi então absolvido.

Ainda no campo das definições, o Manual de Medicina Legal, 8ª ed., 2012, p. 656, de Delton Croce e Delton Croce Júnior, define o sonambulismo como:

 O sonambulismo é fase inconsciente enquadrada entre o sono natural e o patológico, verdadeiro estado de dissociação mental similar ao transe histérico, com obnubilação de alguns sentidos, conservando, no entanto, o indivíduo atividade locomotora [...].

Isso explica o fato de o sonâmbulo deslocar-se enquanto dorme, e guiar-se pelo sentido da visão.

Segundo os autores, ainda, é importante diferenciar sonambulismo de semissonambulismo, caso em que o indivíduo encontra-se meio desperto, e que pratica atos simples dos quais se recorda, ainda que parcialmente, na manhã seguinte.

Por fim, faz-se mister citar que o sonambulismo tem classificação na Organização Mundial de Saúde. Trata-se da Classificação Internacional de Doenças (CID 10), publicação oficial da OMS cujo objetivo é padronizar a codificação de doenças. A parassonia em questão corresponde à CID 10 F 51.3, e encontra-se no Capítulo V – Transtornos Mentais e Comportamentais, Categoria F – Transtornos Não-Orgânicos do Sono devidos a Fatores Emocionais, Grupo F50-F59, Síndromes Comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos. Segue a definição de sonambulismo da Organização Mundial de Saúde:

O sonambulismo é uma alteração do estado de consciência, associando fenômenos de sono e de vigília. Durante um episódio de sonambulismo, o indivíduo se levanta do leito, em geral no primeiro terço do sono noturno, e deambula; estas manifestações correspondem a um nível reduzido de percepção do ambiente, reatividade e habilidade motora. Quando desperta, o sujeito comumente não se recorda do que aconteceu. [disponível em <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f513/sonambulismo> Acesso: 18 janeiro 2013]

Hipnose

A hipnose é de controversa discussão na doutrina. Nucci (2011, p. 207) a define como “estado mental semelhante ao sono, provocado artificialmente por alguém”.

A hipnose – ou hipnotismo – tem seu campo de estudo melhor delimitado na Psicologia. Segundo Hippolyte Bernheim (1840-1919), a hipnose pode se confundir com a sugestão, pois aquela nada mais seria senão o despertar da sugestibilidade, atividade normal do cérebro. Para Jean-Martin Charcot (1825-1893), a hipnose não passava de um estado de “histeria” obtido artificialmente. No mesmo sentido vêm os ensinamentos de Gruhle, da Universidade de Heidberg.

Teorias à parte, o fato é que a hipnose, segundo a maioria da doutrina, pode ser utilizada para que o hipnotizador sugestione o hipnotizado, a fim de fazer com que este obedeça a seus comandos. O cerne da questão é demonstrar esse quadro, com prova cabal de que não houve conduta do agente, dada a situação de hipnose.

Capítulo IV – TENSÃO PRÉ-MENSTRUAL

A tensão pré-menstrual é um mal de que, segundo dados do Psicosite, padece cerca de 80% das mulheres, sendo que no máximo 5% dos casos é grave a ponto de impedir que a rotina de trabalho ou estudo da mulher. A TPM tem início, em média, a partir dos 26 anos, e tende a se tornar mais grave conforme se aproxima a menopausa.

 Vale ressaltar que a Organização Mundial de Saúde não reconhece a Tensão Pré-Menstrual como moléstia na Classificação Internacional de Doenças (CID). Entretanto, a classificação americana de doenças já diferencia Síndrome Pré-Menstrual (Premenstrual Syndrome) e Desordem Disfórica Pré-Menstrual (Premenstrual Dysphoric Disorder), mas ainda são estudos recentes.

 O estudo da Febrasgo, realizado por Aline Veras Morais Brilhante, Andreisa Paiva Monteiro Bilhar, Clarissa Barreto Carvalho, Sara Arcanjo Lino Karbage, Elmar Pereira Pequeno Filho, Eduarda Siqueira da Rocha [disponível em <http://www.febrasgo.org.br/arquivos/femina/Femina2010/fevereiro/Femina_v38n7/Femina_v38n7_p373-8.pdf> Acesso: 18 janeiro 2013] explica a diferença entre a Síndrome Pré-Menstrual e a Desordem Disfórica Pré-Menstrual.

 A Síndrome Pré-Menstrual se traduz em um conjunto de sintomas físicos, emocionais e comportamentais que aparecem no período pré-menstrual e tendem a se resolver após o início da menstruação. Os sintomas da Síndrome podem ser divididos em quatro grupos, sendo que, no primeiro, os sintomas são predominantemente comportamentais (a famosa irritabilidade se encontra aqui), no segundo e terceiro, são sintomas físicos (como dores de cabeça e abdominais – cólica) e, no quarto, e mais grave, são sintomas emocionais, como insônia e depressão.

Quanto à TDPM, os critérios para seu diagnóstico são mais simples. Deve-se encontrar, pelo menos, 05 de 11 sintomas presentes no período pré-menstrual, que precisam cessar assim que a menstruação comece. Estes são os sintomas:

  • Humor deprimido, sentimentos de falta de esperança ou pensamentos autodepreciativos.
  • Ansiedade acentuada, tensão, sentimentos de estar com os  “nervos à flor da pele”.
  • Significativa instabilidade afetiva.
  • Raiva ou irritabilidade persistente e conflitos interpessoais  aumentados.
  • Interesse diminuído pelas atividades habituais.
  • Dificuldade em se concentrar.
  • Letargia, fadiga fácil ou acentuada falta de energia.
  • Alteração acentuada do apetite (excessos alimentares ou  anorexia).
  • Hipersonia ou insônia.
  • Sentimentos subjetivos de descontrole emocional.
  • Outros sintomas físicos,  como a retenção hídrica e outras manifestações como a enxaqueca, aumento da secreção  vaginal, dores vagas generalizadas, diarreia, constipação,  sudorese, acne, herpes, crises asmáticas, aumento de peso temporário, dores lombares e ciáticas, distúrbios alérgicos,  crises cíclicas de hipertrofia da tiroide, aerofagia, estados  hipoglicêmicos e crises convulsivas.

A Revista de Psiquiatria Clínica, de Gislene C. Valadares, Luciana Valadares Ferreira, Humberto Correa Filho e Marco Aurélio Romano Silva ressalta a repetitividade dos sintomas da Síndrome Pré-Menstrual e, quanto à Desordem Disfórica Pré-Menstrual, trata-a como um transtorno variante da SPM, mais severo e agravado, com os seguintes sintomas:

  • Recorrência cíclica, durante a fase lútea, de sintomas de humor e comportamentais em primeira instância, e somáticos, sendo depressão, ansiedade, labilidade afetiva, tensão, irritabilidade, ira, distúrbios do sono e do apetite os mais frequentes;
  • Sintomas severos o suficiente para o comprometimento do funcionamento social, ocupacional e escolar;
  • Sintomas relacionados diretamente às fases do ciclo menstrual e que podem durar, tipicamente, de cinco a catorze dias. Em geral, pioram com a aproximação da menstruação e usualmente cessam de forma imediata ou logo a seguir (um a dois dias) ao início de fluxo menstrual.

Ainda não há um consenso em relação à diferença entre a Síndrome Pré-Menstrual e a Desordem Disfórica. Tanto que, no Brasil, fala-se apenas em Transtorno Pré-Menstrual, abrangendo os sintomas de ambas as vertentes citadas acima.

CONCLUSÃO

As excludentes de conduta atuam na classificação do delito de uma maneira anterior à análise da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, visto que estas classificam a ação humana, o que pressupõe sua existência. A análise de um crime cometido nas hipóteses de excludentes de conduta recai, se for o caso, na força que agiu sobre o agente, na situação da coação física irresistível, ou, ainda, se houve predisposição do sujeito para se colocar numa situação de inconsciência.

Dentro das hipóteses de excludentes de conduta, o estado de inconsciência pode se considerar o mais discutido na doutrina. E de prova mais complicada, também. Isso porque, exceto no caso da embriaguez letárgica – em que é mais fácil perceber se o sujeito realmente entrou em estado de coma alcoólico – tanto a hipnose quanto o sonambulismo podem ser fingidos com facilidade, o que demanda um trabalho maior por parte da perícia para aferir a verdade.

Em todos os casos, porém, o cerne da questão é o fato de o agente não estar no controle de seus movimentos, seja por força de terceiro, por impulso físico ou biológico ou por falta de consciência. O sujeito simplesmente não sabe o que está fazendo, ou, se sabe, não era de seu desejo fazê-lo. Assim, se um crime é cometido, aquele que não tinha controle sob si mesmo não pode ser responsabilizado, a não ser que tenha feito algo para se colocar naquela situação.

Quanto à Tensão Pré-Menstrual, um estudo sobre seus sintomas e efeitos mostra que, por mais que a intensidade dos mesmos possa diferir entre as mulheres, nem seu nível mais elevado faz com que se perca a consciência. É claro que cólicas, cefaleia e outras dores aumentam o nível de irritabilidade, mas nada que faça a mulher perder o controle dos seus movimentos ou perder a noção do que está fazendo.

Assim, pelo menos por enquanto, nenhum estudo comprovou a similaridade entre os sintomas da TPM e dos casos de estado de inconsciência. Vale ressaltar que, ainda que haja divergência doutrinária quanto à hipnose, por exemplo, o sonambulismo apresenta registro na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, o que a TPM ainda não tem.

Portanto, um crime cometido por uma mulher em estado de Tensão Pré-Menstrual não pode ser inserido nas hipóteses de exclusão de conduta, podendo haver, se os estudos comprovarem a gravidade dos sintomas da TPM, alguma outra atenuante para a agente.

Logo, as exposições feitas nesse trabalho demonstram que não é possível incluir a Tensão Pré-Menstrual nas hipóteses de Estado de Inconsciência, visto que não é possível comparar a intensidade dos sintomas de ambos os casos.

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

Banco de Saúde. Disponível em <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f513/sonambulismo> Acesso: 18 janeiro 2013]

BILHAR, Andreisa Paiva Monteiro; BRILHANTE, Aline Veras Morais; CARVALHO, Clarissa Barreto; DA ROCHA, Eduarda Siqueira, KARBAGE, Sara Arcanjo Lino; PEQUENO FILHO, Elmar Pereira. Febrasgo: Síndrome pré-menstrual e síndrome disfórica pré-menstrual: aspectos atuais. Disponível em <http://www.febrasgo.org.br/arquivos/femina/Femina2010/fevereiro/Femina_v38n7/Femina_v38n7_p373-8.pdf> Acesso: 18 janeiro 2013].

CORREA FILHO, Humberto; FERREIRA, Luciana Valadares; SILVA, Marco Aurélio Romano; VALADARES, Gisleine C. Revista de Psiquiatria Clínica. Disponível em <http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol33/n3/117.html> Acesso: 18 janeiro 2013].

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COUTO DE BRITO, Alexis; FERRÉ OLIVÉ, Juan Carlos; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel. ROXIN, Claus (Apresentação e Prólogo). Direito Penal Brasileiro, Parte Geral. Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MAROT, Rodrigo. Psicosite. Disponível em <http://www.psicosite.com.br/tra/hum/tpm.htm> Acesso: 18 janeiro 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte Geral e Parte Especial. 7. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

TELES, Ney Moura. Direito Penal I, Parte Geral (arts. 1º a 120). 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro v.1, Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.  

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Sobre a autora
Stephanie Eschiapati

Advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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