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Capa: Nelson Junior/STF

Caso dos mensaleiros do STF

Leia nesta página:

Uma análise do caso do mensalão

 

SUMÁRIO 

1.     EMENTA DA DENÚNCIA.. 4

 

2.     QUESTÃO DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.. 9

 

3.     PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.. 12

 

4.     LÓGICA FORMAL UTILIZADA PELO ACUSADOR PÚBLICO.. 17

 

REFERÊNCIAS.. 18

 

1.    EMENTA DA DENÚNCIA

O Mensalão seria um suposto esquema de desvio de recursos públicos objetivando a compra de apoio político para o governo Lula, bem como para o pagamento das dividas oriundas de campanhas eleitorais.

Segundo a denúncia, o escândalo ocorreu em meados de 2005 com a acusação de Roberto Jefferson (até então deputado federal pelo PTB/RJ) de que o PT estaria pagando o equivalente a R$30 mil por mês para políticos aliados desde 2003. A denúncia levou à queda de vários congressistas e membros do alto escalão do governo. José Dirceu, à época ministro da Casa Civil, foi acusado de chefiar o esquema (após a sua renúncia, perdeu seu cargo no Congresso).

Ressalta-se que a Procuradoria Geral da República (PGR) levou mais de um ano entre as primeiras denúncias e a apresentação do caso ao STF. E passou-se outro ano para que o Supremo aceitasse julgar o caso.

Como manobra dos advogados de defesa, mais de uma vez, foi requerido o bloqueio do julgamento ou o desmembramento do mesmo com a alegação de que parte dos réus não teria prerrogativa de função e deveriam ser julgados em cortes mais baixas. Porém, sob o entendimento de que se tratava de um único esquema, todos os pedidos foram negados.

Trata-se de 38 réus entre políticos e empresários, que ajudaram a fazer pagamentos oriundos de empréstimos fictícios e de orçamento do governo para publicidade. Eles respondem por inúmeros crimes diferentes.

Abaixo se encontram os réus e os respectivos crimes pelos quais foram denunciados.

Anita Leocádia: Acusada de lavagem de dinheiro por receber diretamente do esquema, em um quarto de hotel, R$20 mil reais de Marcos Valério a mando de Delúbio Soares. Era ex-assessora do deputado federal Paulo Rocha (PT-PA), que também é réu no processo.

Antônio Lamas: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha por sacar dinheiro relativo ao esquema no Banco Real a mando de Waldemar Costa Neto, em nome de seu irmão Jacinto Lamas (também réu no processo). O MP pediu sua absolvição “por não haver provas de que tenha agido consciente da ilegalidade do ato”.

Anderson Adauto: Acusado de lavagem de dinheiro e corrupção ativa, pois um de seus assessores sacou R$ 20 mil no Banco Rural. Foi absolvido das acusações pelo plenário da Câmara.

Ayanna Tenório: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão fraudulenta, pela assinatura comprovada por perícia contábil de renovações de empréstimos fictícios com as empresas de Marcos Valério. Entrou no esquema somente após a morte de José Augusto Dumond (responsável pelas fraudes), quando assumiu a vice-presidência.

Breno Fischberg: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha conjuntamente com Enivaldo Quadrado (com quem era dono da corretora Bônus Banval) e Carlos Alberto Quaglia (dono da empresa Natimar), pois eram responsáveis pela lavagem de dinheiro no PP.

Bispo Rodrigues: Acusado de lavagem de dinheiro e corrupção passiva por receber R$ 150 mil em espécie do esquema para diretório de seu partido no Rio. Após o escândalo, perdeu o posto religioso da Igreja Universal (que era fundador), bem como seu mandato de deputado federal pelo PL.

Carlos A. Quaglia: Acusado de lavagem de dinehiro e formação de quadrilha, pois conjuntamente com Enivaldo Quadrado e Breno Fishberg (donos da corretora Bônus Banval) eram os responsáveis pela lavagem de dinheiro no PP. Além disso, sua empresa (Natimar) operou no mercado de ouro e dólar para Marcos Valério. Foi excluído do processo durante o julgamento após a alegação cerceamento de defesa por erro do Supremo.

Cristiano Paz: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas, por assinar cheques pela SMP&B que eram sacados e distribuídos aos partidos políticos. Era sócio de Marcos Valério, apesar de afirmar que não tinha conhecimento de boa parte das atividades do mesmo, sabia somente que o PT era beneficiário de empréstimos feitos pelo seu sócio.

Delúbio Soares: Acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha, por ser o responsável pela ponte entre o núcleo político e o operacional do escândalo, além de indicar para Valério os nomes das pessoas beneficiadas pelo esquema e os valores que deveriam receber. Também recebeu R$550 mil de laranjas. Foi expulso pelo PT pelo envolvimento no mensalão, mas voltou em 2011 após receber anistia.

Duda Mendonça: Acusado de lavagem de dinheiro por receber cerca de R$ 10 milhões em uma conta aberta ilegalmente nas Bahamas a pedido de Marcos Valério. Foi um dos responsáveis pela campanha vitoriosa do PT à Presidência em 2002. O dinheiro recebido teria sido utilizado para saldar uma dívida do PT com ele e com sua sócia, Zilmar Fernandes.

Enivaldo Quadrado: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, pois conjuntamente com Breno Fishberg (com quem era dono da corretora Bônus Banval) e Carlos Quaglia (dono da Natimar) eram os responsáveis pela lavagem de dinheiro no PP. Confessou que Marcos Valério movimentou cerca de R$ 6,5 milhões por sua corretora.

Emerso Palmieri: Acusada de lavagem de dinheiro e corrupção passiva por receber cerca de R$ 4 milhões, em dinheiro vivo, das mãos de Marcos Valério na sede do PTB. Ocupa o cargo de primeiro-secretário do PTB, mas viajou com Valério para uma reunião com o presidente da Portugal Telecom sobre a possibilidade de doação ao PT em troca de facilidade negociais com o governo brasileiro.

Geiza Dias dos Santos: Acusada de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa e evasão de divisas por encaminhar via email os nomes dos destinatários reais do dinheiro distribuído no esquema, bem como organizar os pagamentos realizados no exterior para os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. Foi a operadora interna de todo o esquema da empresa de Marcos Valério.

Henrique Pizolatto: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e peculato pela autorização da liberação de cerca de R$ 73 milhões da Visanet para a DNA Propagandas (empresa de Valério), sem as garantias do serviço contratado. Além disso, recebeu mais de R$300 mil em dinheiro vivo. Era militante do PT, presidente da CUT e diretor da Previ antes de se tornar diretor do Banco do Brasil, mas antecipou sua aposentadoria após o escândalo.

Jacinto Lamas: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha por atuar como intermediário de Valdemar Costa Neto na operação de lavagem de dinheiro recebido de Marcos Valério, bem como esconder a origem dos recursos do contrato celebrado entre Garanhuns com a SMP&B (empresa de Marcos Valério). Além disso, foi beneficiado de um esquema de entrega de dinheiro por carro forte feita pela SMB&P.

José Dirceu: Acusado de evasão de divisas e formação de quadrilhas por ser o chefe de todo o esquema. Estabeleceu o esquema de desvio de dinheiro tanto publico quanto privado com o objetivo de negociar apoio político ao governo Lula no Congresso Nacional, bem como para pagar dividas oriundas de campanha do PT e custear as mesmas. Após o escândalo pediu demissão, mas reassumiu o mandato de deputado federal (que foi cassado em dezembro de 2005).

José Roberto Salgado: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e gestão fraudulenta por autorizar as renovações dos empréstimos fictícios com as empresas de Valério, transferir recursos para contas no exterior de Duda Mendonça e Zilmara. Além disso, era o responsável pela administração das agências do Banco Rural no exterior.

José Genuino: Acusado de formação de quadrilha e corrupção aativa por formular propostas de acordo aos líderes dos partidos que comporiam a base aliada e assinar empréstimos fictícios junto ao Banco Rual e ao BMG. Após as denuncias renunciou ao cargo de presidente do PT e em 2011 foi nomeado pelo antão Ministro da Defesa, Nelson Jobim, assessor especial.

João Paulo Cunha: Acusado de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro por firmar contrato da Câmara com a SMP&B para disfarçar desvio de dinheiro publico. Além disso, sua esposa efetuou um saque de R$ 50 mil no Banco Rural via Marcos Valério. Foi absolvido no processo de cassação e reeleito em 2010.

João Magno: Acusado de lavagem de dinehiro por ter recebido R$ 360 mil do mensalão na época em que era deputado pelo PT.

José Janene: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção passiva por ter recebido R$ 4,1 milhões repassados por Marcos Valério quando era líder do PP. Morreu em 14 de setembro de 2010.

José Luis Alves: Acusado de lavagem de dinheiro por receber de Marcos Valério cerca de R$ 1 milhão junto com o Ministro dos Transportes Anderson Adauto (PL/MG), de quem era chefe de gabinete.

João Cláudio Genu: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção passiva por pagar para o PP, pessoalmente, dinheiro do esquema em agência do Banco Rural. Era servidor concursado do Ministério da Cultura e estava cedido à Câmara dos Deputados, onde foi demitido por improbidade administrativa e está proibido de regressar ao serviço publico federal por cinco anos a partir de 2009.

José Borba: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha por receber pessoalmente na agência do Banco Rural R$ 200 mil do esquema, porém recusou-se a assinar o recibo da entrega do dinheiro. Para salvar seus direito políticos, renunciou seu mandato e em 2009, pelo PP, assumiu a prefeitura de Jandaia do Sul/PR.

Kátia Rabello: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas, gestão fraudulenta por não comunicar aos órgãos de controle as operações suspeitas de lavagem de dinheiro. Negou ter conhecimento do esquema, mas confirmou conversas com José Dirceu sobre o Banco de Pernambuco (Banco Rural financiou parcialmente o mensalão com empréstimos fictícios em cerca de R$ 32 milhões, buscando a liquidação bilionária do Banco de Pernambuco) em reuniões agendadas por Marcos Valério.

Luiz Gushiken: Acusado de peculato por permitir a antecipação de R$ 73 milhões pelo então diretor de marketing do Banco do Brasil (Henrique Pizzolato) para a empresa de Marcos Valério, sem a comprovação documental da aplicação dos recursos. Perdeu seu cargo de secretário de comunicação do partido, virando chefe do núcleo de assuntos estratégicos, porém deixou o governo em 2006. O MP pede sua absolvição por falta de provas.

Marcos Valério: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas por desviar dinheiro publico por meio de contrato de publicidade, distribuir dinheiro a parlamentares e pegar empréstimos fictícios por meio da SMP&B, DNA Propaganda e Graffiti, suas empresas. Considerado o operador do esquema, sempre estava em reuniões para discutir as doações de grupos econômicos ao PT e intermediou interesses de empresários com o governo.

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Paulo Rocha: Acusado de lavagem de dinheiro por receber R$ 820 mil por intermédio de Anita Leocádia, além de mais R$ 620 mil de Marcos Valério (alega que essa quantia era uma ajuda do partido para o pagaento de dívidas oriundas da campanha).

Professor Luizinho: Acusado de lavagem de dinheiro, pois um de seus assessores sacou R$ 20 mil no Banco Rural. Foi absolvido das acusações pelo plenário da Câmara quando ainda era deputado federal pelo PT.

Pedro Henry: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção passiva por ser beneficiário do esquema, após seu nome aparecer em documentos apreendidos no Banco Rural e em agências de Marcos Valério. Porém, foi absovido pela Câmara e nas eleições de 2010, apesar de ser ficha-suja, teve o registro de candidatura à reeleição aceito pelo TSE.

Pedro Corrêa: Acusado de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e formação de quadrilha por autorizar um ex-assessor do PP a sacar R$ 700 mil das contas de Marcos Valério. Por tal ato, em 2006, foi cassado pela acusação de quebra de decoro parlamentar.

Ramon Hollerbach: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas por endossar cheque de sua própria empresa para mascarar o verdadeiro destinatário, assinar livros contábeis fraudados e contatar um doleiro para viabilizar os repasses de dinheiro para a conta no exterior de Duda Mendonça. Além disso, ajudou a operar todo o esquema de desvio de recursos com o objetivo de financiar as campanhas políticas e comprar apoio dos parlamentares. Era sócio de Marcos Valério.

Rogério Tolentino: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção ativa por utilizar sua empresa (Rogério Lanza Tolentino & Associados Ltda.) para lavagem de dinheiro do Banco do Brasil, onde recebeu cerca de R$ 10 milhões, dos R$ 73 milhões desviados. Era advogado de uma das empresas de Marcos Valério (SMP&B). Foi o primeiro réu a ser condenada pelo esquema do mensalão, com pena de sete anos de prisão por lavagem de dinheiro, perda dos bens e multa de R$ 2 milhões.

Roberto Jefferson: Acusado de lavagem de dinheiro, corrupção passiva por fechar acordo para o PTB em R$ 20 milhões com José Dirceu, porém recebeu do partido R$ 4 milhões. Foi o primeiro a denunciar o esquema de pagamento de propina pelo PT em troca de apoio parlamentar. Cassado em 2005, perdeu seus direito políticos por oito anos.

Romeu Queiroz: Acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha por auxiliar o deputado federal José Carlos Martinez (presidente do PTB na época e já falecido) para receber R$ 1,5 milhões de contas de Marcos Valério, em Belo Horizonte. Foi absolvido no processo de cassação, disputou cargo de deputado estadual pelo PSB e se afastou da política. Atualmente pe empresário do setor de automóveis e de agronegócios.

Sílvio Pereira: Acusado de formação de quadrilha por participar do mensalão como ex-secretário do PT, porém em 2008 assinou acordo com a Procuradoria Geral da União para não ser mais processado no inquérito sobre o caso desde que fizesse 750 horas de serviços comunitários por três anos. Sendo assim, não é mais considerado réu.

Simone Vasconcelos: Acusada de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa e evasão de divisas por efetuar saques das contas da SMB&P e repassar o dinheiro a parlamentares. Também manipulava os valores mais elevados e chegou a contratar carro forte para fazer o transporte do dinheiro. Era a operadora externa do mensalão.

Vinicius Samarane: Acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e gestão fraudulenta por viabilizar o esquema da lavegem de dinheiro pelo Banco Rural. Na época era diretor do banco e tinha como função combater práticas ilícitas e também manter a conformidade dos procedimentos do banco com as normas do Banco Central.

Valdemar Costa Neto: Acusado de lavagem de dinheiro e corrupção passiva por receber no perido de 2003 a 2004, cerca de R$ 8.885.742 para votar a favor dos interesses do governo. Além disso, recebeu proprina da empresa Guaranhuns (era utilizada para dissimular a origem dos recursos) e do banco Rural. Para escapar da cassação, renunciou em 2005.

Zilmar Fernandes: Acusada de lavagem de dinheiro por receber dinheiro desviado pelas empresas de Marcos Valério e por abrir conta ilegal nas Bahamas juntamente com seu sócio, Duda Mendonça.

 

2.    QUESTÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

No artigo 69, VII do Código de Processo Penal, é observada a competência pela prerrogativa de função, que se verifica no exercício jurisdicional levado a termo por órgãos diferenciados, relevando-se o cargo ou a função pública da pessoa. Não se trata de um privilégio concedido à pessoa, pois isso seria contrário ao princípio da igualdade. O foro por prerrogativa de função se legitima e se explica em face da necessidade da criação de garantias especiais nos processos aos quais essas pessoas são expostas, objetivando a imparcialidade e uma maior firmeza em seus julgamentos.

Tourinho Filho ensina que “há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas pelos órgãos superiores, de instância mais elevada”.

As hipóteses de foro por prerrogativa de função, como anteriormente dito, estão previstas na Constituição Federal separadas pelos órgãos competentes para julgar cada cargo relevante. Sendo assim, compete ao Supremo Tribunal Federal o processamento e o julgamento, originariamente, das infrações penais comuns e dos crimes de responsabilidade praticados pelos Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ressalvada o disposto no Art. 52, I, além dos membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente” (Art. 102, I, “c”, CF/88).  Para o Supremo Tribunal Federal, a competência por prerrogativa de função atinge também os crimes eleitorais, bem como as contravenções penais.

A Constituição também determina as possibilidades existentes para as hipóteses de foro por prerrogativa de função ao Superior Tribunal de Justiça. Onde serão julgadas, pelo princípio da simetria, as autoridades estaduais que ocuparem cargos ou exercerem funções equivalentes as de âmbito federal, sendo que as mesmas adquirem a prerrogativa de serem julgadas por órgão jurisdicional superior que represente o equivalente em âmbito estadual ao previsto na Constituição para os cargos federais. Ressalva-se, porém, que o próprio Superior Tribunal de Justiça declarou inconstitucional os dispositivos constantes em Constituições Estaduais que instituírem foro por prerrogativa não previsto expressamente na Constituição Federal ou em Lei Federal.

Para os casos de prerrogativa de função, o mais relevante é a competência originária dos órgãos jurisdicionais, sendo assim torna-se irrelevante o local onde o crime foi cometido. Por exemplo, um Promotor de Justiça do Distrito Federal é acusado de um delito praticado em São Paulo. Suas ações serão processadas e julgadas perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e não no local dos fatos.

Na primeira sessão de julgamento do ‘Mensalão’, os Ministros do Supremo Tribunal Federal rejeitaram pedido dos advogados para que o processo fosse desmembrado e que somente os réus que possuem foro por prerrogativa de função fossem julgados pela Suprema Corte. Isso não ocorreu pois entende-se que o Mensalão é um único esquema.

Durante a sessão, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, manifestou-se pelo não acolhimento do pedido, que foi negado por nove dos onze ministros. Ele ressaltou que a questão já foi discutida várias vezes pelo Supremo e que, em todas as ocasiões, a Corte entendeu que não havia ofensa à competência do STF para julgar qualquer um dos réus. 

De acordo com o informativo 673 do STF, de um e dois de agosto de 2012, verbis:

“Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, revisor, e Marco Aurélio, que assentavam a não preclusão da matéria e decidiam, em decorrência do princípio do juiz natural, pelo desmembramento dos autos relativamente aos réus sem prerrogativa de foro, a permanecer sob a jurisdição do Supremo apenas aqueles que detivessem esse status processual por força da própria Constituição. O revisor, em síntese, aduzia não ser possível admitir-se que a interpretação de normas infraconstitucionais, notadamente, daquelas que integrassem o CPP — instrumento cuja finalidade última seria proteger o jus libertatis do acusado diante do jus puniendi estatal - derrogasse a competência constitucional estrita fixada pela Constituição aos diversos órgãos judicantes. Ademais, essa exegese malferiria o princípio do duplo grau de jurisdição, prevista no Pacto de São José da Costa Rica. Em seguida, indeferiu-se questão de ordem, suscitada da tribuna, no sentido de que fosse reconsiderada a decisão plenária, tomada na assentada anterior, acerca do uso de mídias digitais nas sustentações orais formuladas pelos defensores. Após a leitura do relatório e a sustentação oral realizada pelo Procurador-Geral da República, denegou-se requerimento de um dos advogados de defesa, que postulava a concessão do tempo de 2 horas para sustentação oral. Por fim, deliberou-se suspender o julgamento.”.

O não desmembramento dos autos relativamente aos réus sem prerrogativa de foro foi observado a partir da Súmula 704 do STF (“não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.), de modo que é razoável o raciocínio de que, existindo concurso de agentes com pessoas de foro por prerrogativa de função, o tribunal de maior competência realize um só julgamento, se observados questões como celeridade e economia processual.

Para o ministro Dias Toffoli, por sua vez, o Pacto Internacional a que o Brasil tenha aderido não tem prevalência sobre a Constituição Federal, terminando por entender que a causa deve ser mantida no STF, pela existência de conexão entre os crimes e os réus. Na posição hoje prevalente, a Convenção situa-se, abaixo da Constituição.

O respeito aos preceitos constitucionais é garantido inclusive pela própria Convenção Interamericana em seu art. 2º. A Constituição brasileira é a fonte primária de onde se devem buscar os fundamentos para a correta apreensão não somente dos dados acerca da competência originária para julgamento, mas também do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal.

Existe uma corrente de pensamento que vai contra ao analisado no mensalão, de modo que se é contra o julgamento de pessoas sem o foro por prerrogativa de função ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal; nesse sentido, o Ministro e revisor da Ação Penal 470 Ricardo Lewandowski, e o Ministro Marco Aurélio votaram a favor da tese defendida pelo ex-ministro Márcio Tomaz Bastos. De acordo com esse pensamento, a prerrogativa de foro significaria uma exceção e, portanto, deve ser aplicada em situações absolutamente excepcionais. O ex-ministro apoiou-se, ainda, na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário, naquilo em que este prevê que toda pessoa terá o direito de recorrer da sentença a um juiz ou tribunal superior, ou seja, o duplo grau de jurisdição.

3.    PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL 

Juiz Natural é o princípio constitucional, elencado no art. 5º, LIII da Constituição Federal, que determina que ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente.

No caso dos mensaleiros, sem dúvida, juiz natural é o Supremo, dada a prerrogativa de foro de alguns réus.  Já a natureza dos delitos impõe a existência de um julgamento único do fato, até por questões de coerência lógica e de justiça.

Ora, se pessoas comuns cometem crimes conjuntamente com as autoridades de foro privilegiado – e tais autoridades, quando do cometimento do crime, revelam-se úteis e fundamentais para o êxito da quadrilha -, é justo que tais pessoas vejam-se julgar no mesmo foro especial que seus comparsas. Quem desejar cometer crimes e quiser ser julgado por um juiz de Direito, que os cometa sem a co-autoria de autoridades públicas com foro privilegiado. Esse entendimento é acolhido pela maior parte dos ministros do Supremo.

Entretanto para ministros como Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio o princípio do juiz natural nesse caso está sendo ferido, pois a exceção a esse princípio que é justamente o foro de prerrogativa de função, só deveria ser usado para aqueles que tem direito de fato a esse “privilégio”. Portanto eles entendem que deverá ser utilizado o quesito do desmembramento, haja vista que se não for desmembrado, tal ato impediria o magistrado constitucionalmente escolhido de apreciar a causa.

Para estes ministros, o julgamento padece do vício original da violação do princípio do juiz natural. Cidadãos comuns processados perante o STF, quando a Constituição Federal estabelece  que a competência originária de tal órgão é de atuar em processos que figurem como réus integrantes de funções públicas específicas e de especial relevância, ao mesmo tempo estabelecendo a competência residual dos juízes de primeiro grau para atuar em processos que figurem como réus os mesmos cidadãos comuns, explicita que a mera conexão entre causas não está sendo contemplada na Lei Maior como razão para alteração dessa competência.

A violação ao princípio do juiz natural se revela também em relação aos réus integrantes daquelas funções públicas de especial relevância, na medida em que provas foram produzidas perante juízes de primeiro grau, quando na realidade as provas válidas são somente aquelas produzidas perante o juiz natural. A norma constitucional claramente estabelece que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, não contemplando qualquer autorização para delegações na instrução do processo.

O juiz legal, juiz independente, imparcial, que não se curva senão à sua ciência e à sua consciência. O juiz com garantias de independência, que decorre da imparcialidade, é o juiz que considera apenas o que está nos autos. Entretanto o juiz também deve ir em busca da verdade que não está nos autos, ou seja, aquela que está nos fatos.

O ministro Ricardo Lewandowski utilizou como justificativa pela absolvição de José Dirceu um principio do Direito explicado por Carlos Velloso que diz “quod non est in actis non est in mundo”, ou seja, o que não está nos autos não está no mundo. Para ele, não é possível condenar Dirceu pois não havia prova nos autos que o incriminassem por corrupção ativa, mesmo afirmando não descartar que o ex-ministro tenha de fato comandado o mensalão.

O brocardo utilizado, vem do Direito Romano e que é adotado nos Judiciários de Estados democráticos. “Mundo” tem na realidade o sentido de verdade real. Não é verdade se não está nos autos.

Porém, o direito penal se importa e procura a verdade real (verdade dos fatos, o que realmente aconteceu) e não só da verdade formal (verdade que está somente nos autos), portanto muitos ministros foram contra o voto de Lewandowski e condenaram José Dirceu por corrupção passiva.

Joaquim Barbosa em seu voto diz que Dirceu foi o "mandante" do esquema de pagamentos a deputados de partidos da base aliada em troca de apoio político ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para a ministra Rosa Weber existiam indícios suficientes nos autos que corroboravam com o crime que Dirceu era acusado.

A ministra ainda citou que Nesses casos, há uma maior elasticidade na admissão da prova de acusação, no exame da prova de acusação. É a técnica mais adequada na apuração da verdade, pois como já mencionado anteriormente o que se busca é a verdade real, por isso é necessário a utilização dessa elasticidade para que se alcance esse objetivo.

 4.    LÓGICA FORMAL UTILIZADA PELO ACUSADOR PÚBLICO

Antes de começar a falar em Lógica Formal, há um pensamento de René Descartes, Discurso do Método, em que faz uma reflexão sobre o devido tema :  “O bom senso é a coisa do mundo mais bem partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele que, mesmo os que são mais difíceis de contentar com qualquer outra coisa, não costumam desejar tê-lo mais do que têm”. A partir daí, verificamos que o bom senso é um dos instrumentos para a efetivação desta lógica.

A lógica formal é a validade de argumentos, ou seja, a legitimidade de se apresentar uma conclusão como verídica a partir da verdade de determinadas premissas. Ela não trata da verdade ou da falsidade de contextos enunciados isoladamente. Para garantir a verdade de uma conclusão são necessárias duas condições independentes: a verdade das premissas e a validade do argumento utilizado.
Para que exercite- se a lógica formal há a necessidade de um processo lógico, que se trata de uma técnica consistente na aplicação dos princípios da lógica e da razão nos dispositivos da lei que se deseja interpretar. Aqui, a busca é pelo encontro do espírito da lei (mens legis) por um processo lógico-analítico e depois a razão da lei (ratio legis) por um processo lógico jurídico.

Ressalta-se neste contexto, a importância do esclarecimento de que ao investigar a finalidade, o objetivo e a razão de uma norma se está empregando a Técnica de Interpretação Lógica. Ou seja, a Técnica de Interpretação Lógica indaga sobre o espírito da lei pura e simples, ao invés da vontade do legislador (mens legislatoris).

Dizia Celso no Digesto, Livro I, fragmento 3, § 17: "Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem", isto é, conhecer as leis não é compreender as suas palavras, mas sim seu alcance e força.  A interpretação lógica funda-se no fato de que o estudo puro e simples da letra da lei conduz a resultados insuficientes e imprecisos, havendo necessidade de investigações mais amplas.
Para a realização da interpretação lógica utiliza-se a Lógica Interna, a Lógica Externa e a Lógica do Razoável, além dos processos lógicos da dedução e da indução.
A jurisdição - máxime a penal - é inerte e dependente de provocação externa, preferencialmente de um órgão público de acusação, desde que provido de iguais garantias em relação ao órgão judicante, ambos objetivando o cumprimento de sua missão constitucional de realizar a justiça de forma objetiva e imparcial.

Em suma, na ação penal condenatória, encontramos um órgão que promove a acusação (mas que também fiscaliza e regula o desenvolvimento da relação processual), um órgão que defende o imputado e um órgão que presta a jurisdição. Assim, não se concebe um processo penal no qual um destes órgãos esteja ausente e onde não se consiga identificar, claramente, quem executa cada um destes papéis.

O maior dilema do acusador é encontrar o ponto de equilíbrio de que nos fala CALAMANDREI, quando observa que o trabalho do acusador público o mais árduo, pois, " como sustentador da acusação, deveria ser tão parcial quanto um advogado e, como guardião da lei, tão imparcial quanto um juiz".

Esse, porém, é um dilema permanente em qualquer fase procedimental da persecução penal. Deveria, na primeira instância, acumular as funções de acusador e fiscal da lei, produzindo peças processuais que representem um dos sujeitos da relação processual, mas com a preocupação constante de promover a justiça, da mesma forma que o Promotor de Justiça. Também o Procurador de Justiça, na segunda instância, acumula aquelas funções complementares continuando a representar a parte ativa da causa, procurar a justiça e velar pela correta aplicação do direito.

No que tange ao caso dos Mensaleiros, há de se observar que o acusador se utilizou da lógica formal, pois através de um processo lógico apresenta uma proposta como verdadeira, a partir das premissas, sendo válido seu argumento utilizado, pois em cada crime que o acusador titulariza, ele também tipifica o mesmo, demonstrando atitudes que fizeram concretizar o crime.

Por exemplo, no momento da explanação sobre a formação de quadrilha, o acusador deixa  claro as palavras que fortemente  que  caracterizaram tal crime “José Dirceu, Delúbio Soares, José Genuino e Silvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos Políticos e o financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais, associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias (núcleo publicitário), e a José Augusto Dumont (falecido), José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinucius Samarane e Kátia Rabello (núcleo Banco Rural), para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia”.

O Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, utilizou – se na denúncia de instrumentos que explicam seus argumentos, a partir de gravações, por exemplo.
Sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade, a eficácia da prova será tanto maior, quanto mais clara, ampla e firmemente se ela fizer surgir no nosso espírito a crença de estarmos de posse da verdade. Para se conhecer, portanto, a eficácia da prova, é necessário conhecer como a verdade se refletiu no espírito humano, isto é, é necessário conhecer qual o estado ideológico, relativamente à coisa a verificar, que ela criou no nosso espírito com a sua ação.

As provas produzidas descrevem a existência do esquema de cooptação de apoio político descrito na denúncia, não ultrapassando a lógica do razoável. Em uma das sessões Gurgel disse: "Demonstramos os graves crimes cometidos. Só não produzimos a prova impossível’’, exaltando que o possível foi feito e que não haviam sido utilizadas falsas verdades na denúncia, uma vez que todos os crimes foram tipificados e motivados, conforme já dito.

No momento em que o ex-deputado federal Roberto Jefferson, então Presidente do PTB, divulgou os detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, da qual fazia parte a chamada “base aliada” que recebia, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao Governo Federal, o Procurador da República utilizou-se da lógica interna, externa, do razoável, concretizando a formal em sua denúncia, analisando o que de fato ocorreu. Ele se utilizou da informação publicamente divulgada, não ultrapassando os limites da verdade real dos fatos.

Diante do exposto, conclui-se que a denúncia feita por Roberto Gurgel do caso do Mensalão é uma proposição lógico-formal.

REFERÊNCIAS

<ATTUCH, Leonardo. O que foi o mensalão?.> Disponível em: http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/ 224843 _O + QUE + FOI + O + MENSALAO +. Acessado: 19/09/2012

<COMPARATO, Fábio Konder. Para entender o julgamento do "mensalão".> Disponível:http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Para-entender-o-julgamento-do-mensalao-/40/26174. Acessado: 17/10/2012

<FELLET, João. STF começa a julgar mensalão; entenda o caso.> Disponível: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/08/120731_mensalao_entenda_jf.shtml. Acessado: 20/09/2012

<FONSECA, Marcelo da. Conheça a cronologia do escândalo do mensalão.> Disponível:  http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2012/08/01/interna_politica,388435/conheca-a-cronologia-do-escandalo-do-mensalao.shtml. Acessado: 22/09/2012

<SALATIEL, José Renato. Julgamento do mensalão: Escândalo político marcou o governo Lula.> Disponível em: http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/julgamento-do-mensalao-escandalo-politico-marcou-o-governo-lula.htm. Acessado: 20/09/2012

<SARDINHA, Edson. Todos os envolvidos no caso do mensalão.> Disponível em:http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/outros-destaques/todos-os-envolvidos-no-caso-do-mensalao/. Acessado: 15/09/2012.

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Sobre as autoras
Catarina Moraes Pellegrino

ACADÊMICA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE.

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