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A Filosofia do Direito no ensino jurídico

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3. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO, LÓGICA JURÍDICA (OU RETÓRICA JURÍDICA) E HERMENÊUTICA JURÍDICA.

Desde os gregos o homem reflete e questiona acerca do Direito. Temas como justiça, lei, eqüidade, justo e injusto interpolam as indagações filosóficas de há muito. Não são vocábulos cunhados pelos modernos, já os encontramos no meio do caminho [20]. Desde os filósofos pré-Socráticos até Hegel não se considera ter havido propriamente uma "Filosofia do Direito explícita" como diria o mestre REALE. Filósofos, Teólogos e Juristas se debruçavam sobre o fenômeno jurídico assim como sobre vários outros objetos de especulação. Até então, as questões do jusnaturalismo teológico e racionalista ocupavam o foco principal da atenção dos estudiosos da ainda nascitura "Filosofia do Direito". A história do pensamento filosófico jurídico deita raízes profundas no conhecimento humano. Inadmissível que o candidato a jurista desconheça que um vocábulo – a eqüidade- usado e abusado nos diversos ramos da Dogmática Jurídica tenha sido fruto das especulações filosóficas de um dos espíritos mais elevados da espécie humana : Aristóteles no Livro V de sua Ética à Nicômaco". Que é esta "eqüidade" de que trata o art. 127 do Código de Processo Civil:: "O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previsto em lei". Ou o disposto no art. 8º da CLT : "As autoridades administrativas e a Justiça do trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho...", entre outros numerosos exemplos de direito objetivo. Em que fonte foi buscar a doutrina o sentido e alcance desta tão decantada" eqüidade ", senão nos jurisfilósofos, nas lições Aristotélicas e de tantos outros filósofos que empreenderam tarefa tão difícil?

A influência dos conceitos e noções da filosofia abundam no direito positivo, e a compreensão exata deste sentido filosófico transplantado para o ordenamento jurídico, facilita muito o aprendizado dos institutos jurídicos sem necessidade de recorrer-se a expedientes mnemônicos. Termos como elemento, substância, essência, acidente, matéria, forma, entre tantos outros, têm uma estirpe filosófica irrefutável. E ninguém nega que o direito positivo utiliza estas noções filosóficas que adquiriram foros de universalidade nas ciências jurídicas [21].

Não só com estudo histórico das doutrinas filosóficas de ontem pode a Filosofia do Direito contribuir para as discussões do fenômeno jurídico [22]. Em que pese a importância do conhecimento historiográfico, não se esgota a filosofia jurídica apenas com este ângulo de visão. Há outros instrumentos valiosos que podem ser ofertados pela disciplina filosófica, entre estas avultam a Lógica e a Hermenêutica. Há aqueles que defendam a autonomia da "Lógica Jurídica" divorciada da tradicional lógica formal. como uma disciplina autônoma. Para ANDRÉ FRANCO MONTORO a Lógica Jurídica estuda os princípios e regras que auxiliam o jurista nas suas operações intelectuais de elaboração, interpretação e aplicação do Direito [23].Todos utilizamos tais ferramentas da lógica no trato diário com os problemas de direito. Mesmo inconscientemente fazemos deduções, induções, raciocinamos, elaboramos proposições as mais diversas. Nas claras palavras do mestre: "A Lógica Jurídica é um instrumento necessário ao estudo em todos os campos do Direito. O jurista – seja ele juiz, promotor, advogado, consultor, legislador ou estudioso do direito – usa habitualmente a Lógica em suas sentenças, petições, recursos, pareceres, justificações ou estudos, se bem que nem sempre o faça de forma plenamente consciente [24]. A Lógica jurídica não se contentaria em apenas ser um transplante da regras de lógica formal para o Direito. Não. Assume contornos que superam a lógica da demonstração formal (do raciocínio analítico Aristotélico) alcançando a lógica da argumentação (do raciocínio dialético Aristotélico) que utiliza os instrumentos da dialética para convencer o juiz da pertinência de nossas teses [25]. A lógica jurídica cuidaria de estudar os raciocínios próprios ao mundo do direito.

A Hermenêutica Jurídica tem ganhado novos contornos desde o século passado quando os estudiosos perceberam as insuficiências das tradicionais ferramentas de interpretação. Os métodos de interpretação da tradição juspositivista são postos em questionamento. Neste particular, creditamos destacada importância aos estudos de hermenêutica filosófica geral, quando o interpretar e compreender textos deixa de ser apenas uma atividade científica, fundamentada exclusivamente em bases metodológicas, para ganhas contornos de uma experiência humana diante do mundo [26]. O processo interpretativo tem sido caracterizado como uma circularidade que vai do sujeito cognoscente e sua pré-compreensão do texto, armado de um certo condicionamento prévio acerca do sentido do próprio texto, sentido este que influi e contribui na sua própria compreensão. Movimento dialético, vaivém do texto às suas conseqüências, voltando ao intérprete e deste ao texto até o processo decisório. Este seria o "círculo hermenêutico". A idéia de circularidade é tomada em oposição à idéia de linearidade, não como um retorno puro e simples ao ponto inicial, e sim como um retorno a uma nova compreensão do texto normativo [27]. Há uma atualização do sentido textual ao momento histórico do intérprete. A moderna hermenêutica jurídica tem sido sensível a estes ensinamentos filosóficos, assim para o Prof. INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO "... aplicando esses pressupostos da hermenêutica filosófica ao ensino do direito constitucional, pressupostos que, de resto, pertencem à teoria do conhecimento e à sociologia do saber- especialmente o achado da pré-compreensão – Gomes Canotilho assinala que os estudantes chegam à universidade carregados de memórias constitucionais, lembranças que se traduzem num conhecimento difuso, feito de imagens, representações e idéias, digamos, irracionais, sobre os principais problemas com que se defrontam a teoria e práxis constitucionais, noções vagas e imprecisas que serão ordenadas ao longo da sua formação acadêmica [28]. (itálico no original). Infelizmente num ensaio desta natureza não nos permitimos aprofundar nestas contribuições da hermenêutica filosófica a interpretação do fenômeno do direito, mas ressalta com clareza solar que a Hermenêutica filosófica tem contribuído com enormes préstimos à dogmática [29].


4. DOGMÁTICA VERSUS ZETÉTICA

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A Dogmática tem uma importância fundamental para o estudo do Direito, mas não é hábil para esgotá-lo. Apoiamo-nos a seguir nas preciosas lições do Prof. TÉRCIO FERRAZ JÚNIOR que busca em Viehweg dois termos bastante citados: Zetética e Dogmática. O primeiro como sinônimo de indagação, perquirição. O segundo como ensinamento, doutrinação. A Zetética focalizando o aspecto "pergunta" da investigação do problema, com seus múltiplos questionamentos dos conceitos iniciais e premissas, abertos a dúvidas. Entre as disciplinas Zetéticas inclui a Filosofia do Direito como uma "Zetética analítica pura" na qual "o teórico se ocupa com os pressupostos últimos e condicionantes bem como com a crítica dos fundamentos formais e materiais do fenômeno jurídico e de seu conhecimento" [30]. Enquanto que a Dogmática vinculada ao ordenamento jurídico vigente destina-se, principalmente a instrumentalizar a ação, o processo decisório [31].

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Em sendo o fenômeno jurídico complexo como todos o reconhecem, tanto uma abordagem zetética insulada, quanto dogmática são incompetentes para sua apreensão na totalidade. Antes, ambas se interpenetram e conexionam, "à medida que as opiniões postas fora de dúvida – os dogmas – podem ser submetidas a processo de questionamento, mediante o qual se exige uma fundamentação e uma justificação delas, procurando-se, através de novas conexões, facilitar a ação·" (32).. Como manifestação cultural complexa e multifária, o fenômeno jurídico deve ser" compreendido ", não apenas" explicado "como os fenômenos naturais. Para empreender este mister compreensivo é que a reflexão filosófica entra em cena como adjunto aos armamentos da dogmática.

Para exemplificar como uma disciplina dogmática pode se abeberar da filosofia vide ZAFFARONI e PIERANGELI no seu Manual de Direito Penal Brasileiro parte geral no qual curiosamente estabelecem uma conexão do Direito penal com a Filosofia : "todas as ciências se vinculam à filosofia, porque enquanto as ciências particulares se perguntam acerca de certos entes, à filosofia corresponde perguntar-se pelos entes em geral (" ontologia ", estudo dos entes)". Adiante acrescenta que para se perguntar acerca dos entes é necessário cuidar do homem "daí que a ontologia (estudo dos entes) deva começar pelo estudo do homem (antropologia) (Heidegger), o que nos evidencia que o direito penal, através de sua conexão com a filosofia, mantém uma íntima conexão com a antropologia" [33].Para uma disciplina essencialmente dogmática, esta assertiva pode ser desconcertante para os detratores de filosofia do direito. Avulta também muito claro que doutrinadores de peso, formadores de opinião no mundo jurídico não estão insensíveis a estas influências filosóficas.

Aqueles mesmos penalistas na obra citada no final da primeira parte que cuida do saber penal e sua fundamentação filosófico-política, defendem a necessidade de uma fundamentação antropológica do direito penal. São belas lições de filosofia do direito penal : "Para que o direito penal tenha efetividade será necessário que respeite a condição humana: que sirva ao homem a partir de um reconhecimento do ser do homem. Isto é a fundamentação antropológica do direito penal" [34].
(itálico no original). Propõe como condição de efetividade do direito penal que este tenha capacidade para mostra-se como "libertador" e não apenas "repressivo", "será mais liberador e estará mais antropologicamente fundado (será mais eficaz) quanto menos escolhas frustre e mais escolhas facilite, quanto menos vezes condene Antígona e quanto mais vezes a entregue à sua consciência, quanto menos vezes perturbe a realização da autenticidade dos cidadãos" [35]. Inegável que se trate de uma reflexão zetética que questiona os fundamentos e premissas da dogmática penal. Não se trata de um desprezo pela dogmática, pelo contrário, cuida-se de valorização dos estudos dogmáticos com influxos de outras disciplinas.


5. CONCLUSÕES.

Temos pois como principal tarefa dos professores de Filosofia do Direito fazer-nos compreender quais as tarefas desta disciplina no universo jurídico, suas limitações e ferramentas que podem operar com úteis instrumentos de auxílio à dogmática. Claro que a Filosofia não possui apenas um valor em si mesmo, um deleite para o espírito desocupado de questões e urgências da vida prática. BERTRAND RUSSEL esclarece: "a filosofia deve ser estudada, não por causa de quaisquer respostas exactas às suas questões, uma vez que nenhumas respostas exactas podem, em regra, ser conhecidas como verdadeiras, mas antes por causa das próprias questões; porque estas questões alargam a nossa concepção do que é possível, enriquecem a nossa imaginação intelectual e a diminuem a segurança dogmática que fecha a mente à especulação; mas acima de tudo porque, devido à grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também engrandece e torna-se capaz da união com o universo que constitui o seu bem mais alto" [36].

O trato com a experiência jurídica não pode reduzir-se, limitar-se a abordagens puramente dogmáticas, legalistas, axiologicamente neutras como pretendia Kelsen. A dogmática é importantíssima, principalmente em se cuidando de uma disciplina voltada para o processo decisório como é o Direito, na qual a referência ao elemento normativo adquire importância fundamental. Todavia, o estudo do Direito não pode se reduzir apenas à Dogmática. Elementos de outras disciplinas podem ser incorporados sem prejuízos de qualquer natureza, seja para ordem normativa, seja para tão decantada segurança jurídica. Neste sentido, as contribuições da Filosofia do Direito desde os gregos até hoje tem sido inestimáveis, tanto no que concerne ao desenvolvimento conceptual dos institutos jurídicos, quanto nas teorias da argumentação, retórica, lógica e hermenêutica jurídicas.

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Sobre o autor
Antoniel Souza Ribeiro da Silva Júnior

acadêmico de Direito da Universidade Católica do Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro. Para que serve isto?: A Filosofia do Direito no ensino jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3935. Acesso em: 23 dez. 2024.

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