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A prescrição à luz do novo Código Civil e a manutenção de inadimplentes em órgãos de restrição de créditos

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Com a entrada em vigor do novo Código Civil no último dia 11 de janeiro, iniciou-se uma nova discussão acerca do prazo para manutenção do nome dos consumidores inadimplentes em cadastros restritivos de crédito, como Spc, Serasa, Vídeo-cheque e outros cadastros congêneres.

A rigor, o novo Código não trouxe nenhuma alteração, já que o prazo de prescrição da maioria dos títulos de crédito (duplicata, letra de câmbio, nota promissória, cheque) já era de três anos ou menos, sendo que depois deste prazo o nome do consumidor inadimplente não poderia constar de cadastros restritivos de crédito.

Ocorre que antes do advento do novo Código Civil, a prática era manter o nome do consumidor por, até, cinco anos, embora legalmente o prazo já era de 3 anos, conforme veremos mais adiante.

A norma em discussão é o artigo 206, § 3º, VIII do Código Civil, que assegura:

"Artigo 206 - Prescreve: § 3º - Em três anos: VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial".

Esta disposição de lei, combinada com o § 5º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, assegura ao consumidor o direito de, após três anos de inscrição como inadimplente, ver seu nome excluído de qualquer cadastro.

O prazo de cinco anos está previsto mais adiante, no mesmo artigo 206, porém no § 5º, inciso I do Código Civil, que prevê a prescrição em cinco anos para as dívidas líquidas que constem de instrumento público ou particular (contrato)

. Como para a maioria absoluta das dívidas do comércio as partes não formalizam um contrato, e as compras acabam sendo feitas com duplicatas, notas promissórias e cheques, aplicar-se-á a regra do art. 206, § 3º, VIII do CC, combinado com o art. 43, § 5º do CDC.

De fato, o artigo 43, § 5º do CDC assegura:

"Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores."

Nos parece que não há nenhuma dificuldade de interpretação ou dúvidas com relação aos textos legais acima, ou seja, imaginemos a situação de um consumidor que comprou a crédito em determinado estabelecimento, cujo débito restou representado por uma duplicata. Inadimplente o consumidor, por qualquer razão, o comerciante dispõe do prazo de três anos para exercitar seu direito de ação, sob pena de prescrição. Se não o exercer nesse prazo, os órgãos de proteção ao crédito também não poderão manter o nome do consumidor por mais de três anos.

Ademais, entendemos ser o prazo de três anos absolutamente razoável para o exercício das faculdades da lei quanto à cobrança de dívidas. Se o comerciante quedar-se inerte por mais de três anos, pode-se imaginar que tenha desistido de ver satisfeito seu crédito, até mesmo porque na definição de preços de venda e das taxas de juros praticadas, estão incluídas margens para possível inadimplência. Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito; no exemplo acima ao direito de cobrar a dívida. Clóvis Beviláqua ensinou que a prescrição "é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade da certeza nas relações jurídicas".

Juridicamente, nenhuma pendência deve ser eterna; até mesmo os crimes mais perversos prescrevem. Muitos confundem a prescrição com a decadência.

Sinteticamente podemos dizer que enquanto a prescrição é a perda do direito de ação, a decadência é a perda do próprio direito. Dissemos anteriormente que, a rigor, o novo Código Civil não alterou os prazos para exclusão dos inscritos em cadastros restritivos de crédito.

De fato, os principais títulos de crédito, que estão regulados em leis especiais, já tinham o prazo de prescrição fixado em três anos, e de acordo com o disposto no § 5º do artigo 43 do CDC, após a prescrição não poderiam ser repassadas informações depreciativas. A Letra de Câmbio e a Nota Promissória, que são reguladas pelo Decreto n.º 2.044/1908, prescrevem em três anos de acordo com os artigos 70 e 77 do Decreto n.º 57.663/1966, que promulgou as disposições da Convenção de Genebra, uniformizando as normas em matéria de Letra de Câmbio e Nota Promissória. Com relação à Duplicata, também a ação de cobrança prescreve em 3 anos, consoante as disposições da Lei n.º 5.474/1968. Por sua vez, o cheque tem prazo ainda menor - 6 meses, de acordo com o previsto no artigo 59 da Lei n.º 7.357/1985. No caso do cheque, vencido esse prazo caberá ao credor a possibilidade de cobrança pela via ordinária.

Porém, com o advento do novo código civil acerca desta matéria provocou manifesta antipatia ao prazo de três anos, à título de ilustração trazemos a baila a reação no estado do Paraná ao prazo de três anos, tanto que a imprensa publicou que a Associação Comercial do Paraná cogitava descumprir estas disposições legais, mantendo os cadastros por 5 anos. Também noticiou que a Rede de Informação e Proteção ao Crédito (RIPC), que é nacional, estaria preparando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), com base em pareceres de juristas que são contra a norma legal. Ainda, pretendem fazer um lobby junto ao Congresso, para que as disposições legais que beneficiam os consumidores sejam alteradas. Apenas para se ter uma idéia da dimensão do problema, basta saber que, no Paraná, cerca de 390 mil pessoas (36% do total de 1 milhão e 100 mil cadastrados no SCPC) estão inadimplentes há mais de três anos. Só em Curitiba são aproximadamente 198 mil consumidores nesta situação. E a situação no Brasil inteiro deve ser mais dramática ainda, porém não é sequer razoável que qualquer segmento da sociedade decida por descumprir uma norma sem que haja qualquer conseqüência, reservando a possibilidade de ingresso com uma Ação Civil Pública por uma entidade de defesa dos consumidores por exemplo.

Porém, entendemos que esta discussão é muito mais profunda do que aparenta; a discussão não se encerra na questão do prazo de três ou cinco anos para manutenção do nome dos inadimplentes. O Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 43 e 44, prevê a existência de duas espécies de cadastros. Os cadastros de consumidores (artigo 43), que interessa ao comércio e a outros agentes para que se acautelem na concessão de crédito aos devedores ali inscritos. E o cadastro de reclamações contra fornecedores (artigo 44). Trata-se da "Lista Negra",como ficou conhecida, divulgada anualmente pelos Procon´s do País, onde constam as reclamações dos consumidores, indicando se o problema foi ou não resolvido pelo fornecedor. Inicialmente insta salientar que, nos termos da Carta Magna, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF/88, artigo 3º). Também, o artigo 5º assegura que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...". Ocorre que, no tocante às duas espécies de cadastros previstas no CDC - artigos 43 e 44, temos uma discrepância de tratamento absolutamente injusta e injustificável. Com relação aos efeitos da inclusão do nome do consumidor em cadastros como o SPC e Serasa, todos sabemos que são nefastos. O consumidor inadimplente, literalmente está fora do comércio. Não tem acesso ao crédito, não pode manter contas em bancos, não dispõe de talonários de cheques, entre outras conseqüências. Não quer dizer que sejamos contrários a tais efeitos, mas não se pode olvidar que nem todos os consumidores que estão com o nome "sujo" na praça são "caloteiros".

A própria conjuntura econômica que vivemos dá ensejo aos altos índices de inadimplência. Não são raros os casos de desemprego e problemas de saúde que levam o consumidor a deixar de honrar seus compromisso junto ao comércio. Sabe-se que a imensa maioria dos consumidores endividados no comércio pretende quitar seus débitos. Por outro lado, quais são as conseqüências para as empresas que lesam os consumidores e são lançadas nos cadastros dos Procon´s? Praticamente nenhuma. Quais conseqüências sofrem ou sofreram os sócios das inúmeras empresas que faliram e deixaram milhares de consumidores lesados? Como exemplo podemos relembrar alguns casos de grandes grupos de consórcios e construtoras que faliram, alguns até mesmo com graves indícios de crimes falimentares. E os processos de falência se arrastam por anos na justiça, sem garantias de punição e de efetiva reparação dos danos aos cidadãos. A empresa que consta no cadastro do Procon, independente se tenha resolvido ou não o problema denunciado por seu cliente, não tem nenhuma restrição na prática: pode manter contas em bancos; pode beneficiar-se de programas oficiais de incentivos; pode tomar empréstimos, mesmo em instituições oficiais; pode participar de licitações; enfim, na prática, não sofre nenhuma restrição. E os sócios de empresas que faliram e deixaram milhares de pessoas lesadas, será que estarão de fato impedidos de constituir novas empresas? E para os responsáveis por inúmeros golpes que são denunciados quase todos os dias, será que há punição efetiva? É esta diferença de tratamento que também precisa ser discutida neste momento, sem olvidar que o próprio Código de Defesa do Consumidor considera o consumidor como a parte mais fraca, vulnerável e, normalmente, hipossuficiente em qualquer relação de consumo (CDC, art. 4º, I e art. 6º, VIII).

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Neste aspecto, o mesmo Código, em seu artigo 4º, ao versar sobre a Política Nacional das Relações de Consumo, estabelece alguns princípios que não podem ser desconsiderados ao tratar-se de assunto tão delicado como a existência das duas modalidades de cadastros - de consumidores e de fornecedores, porém com conseqüências absolutamente diversas. A atitude das empresas, ao ameaçar pelo descumprimento da lei, também não é plausível, na medida em que esta norma não dá nenhum perdão a qualquer dívida. Trata-se, em verdade de um direito dos consumidores. De qualquer sorte, o ordenamento jurídico prevê outras formas de cobrança de dívidas. A questão é que trata-se de uma forma muito cômoda de compelir o devedor ao pagamento, já que as conseqüências da inclusão em cadastros restritivos, como vimos, são nefastas para o devedor. Muitos empresários queixam-se que as custas de cartório para protestar um cheque, por exemplo, são extremamente altas, por isso deixam de protestar. Ora, quando o consumidor é lesado por uma empresa, da mesma forma, se precisar recorrer à Justiça para fazer valer seus direitos deverá arcar com custas e despesas processuais caras, além de honorários de advogado, sem contar com a morosidade da justiça em determinados casos. Não se cogita em "perdão de dívidas". Aqueles que já estão protestados deverão ter seus nomes retirados da lista, mas se ainda houver prazo, o credor poderá demandar o devedor na forma da lei. Se para as empresas os custos de cobrança são altos, para os consumidores as dificuldades e custos são maiores ainda. Sabemos que Federações e Associações de empresários pressionarão o Congresso Nacional para que a legislação aqui citada seja mudada. Neste aspecto, sabemos da influência do Poder Econômico na elaboração de leis. Mas, da mesma forma, as entidades de consumidores e os próprios consumidores devem buscar a manutenção destas regras, ou então, que se busque um tratamento idêntico para ambos os cadastros aqui citados. Apenas para exemplificar o que seria um tratamento justo e equânime: quando uma administradora de consórcios lesa um consorciado, deverá ser impedida de abrir novos grupos até a resolução do problema (ou por 3 a 5 anos); quando uma construtora deixa de entregar o imóvel no prazo, deverá estar impedida de obter financiamentos e participar de licitações até a entrega da obra (ou por 3 a 5 anos); quando um plano de saúde nega atendimento a que estava obrigado, deverá ser impedido de angariar novos clientes até que atenda o consumidor lesado (ou por 3 a 5 anos). E quando um consumidor deixa de adimplir suas dívidas poderá, então, constar nos cadastros restritivos de crédito até que pague seu débito (ou por 3 a 5 anos). Tratamento igual para os consumidores e fornecedores.

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Sobre o autor
Thiago José Ferreira dos Santos

acadêmico de Direito na Faculdade de Direito de Bauru (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Thiago José Ferreira. A prescrição à luz do novo Código Civil e a manutenção de inadimplentes em órgãos de restrição de créditos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3955. Acesso em: 5 nov. 2024.

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