Resenha da obra clássica do penalista italiano Malatesta: A Lógica das Provas

28/05/2015 às 14:05
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Malatesta publicou a obra citada em 1894. Sendo da Escola Clássica do Direito Penal Italiano, Malatesta trouxe a influência do iluminismo para o direito penal, contribuindo em muito para a produção de provas, com respeito ao direito de defesa.

BREVE APRESENTAÇÃO

Enrico Dei Flamarion Malatesta foi um advogado italiano que, fazendo parte da escola clássica da escola penal daquele país, escreveu uma obra imortal. Essa obra é A LÓGICA DAS PROVAS. O livro foi publicado em 1894, e, salvo questões particulares, ainda é atual, tendo influenciado a dogmática penal brasileira.

O autor escreve sobre a produção da prova criminal, focando especificamente sobre a lógica das provas.

A obra é dividida nas seguintes partes.

INTRODUÇÃO.

Na introdução do livro, o autor trata de aspectos ligados ao crime. Para ele, o crime tem duas violações: violação específica e genérica. Quanto à específica, o crime é instantâneo ou continuado. Quanto à violação genérica, é sempre continuado, pois toda a ordem foi violada.

Todo direito corresponde a um dever: a tranquilidade jurídica é um direito. O crime corrompe esse direito, e passa a ser uma violação continuada, que só cessa pela pena. A pena não visa ferir o delinquente pela violação de um direito particular (a ação civil seria mais adequada), mas sim para interromper a continuação criminosa e restaurar a tranquilidade jurídica.

A pena não nega o crime. Interrompe a continuidade da lesão e restaura a tranquilidade jurídica, e portanto o direito. A pena também é uma defesa direta do direito, pois corrige o infrator, evitando a ação de outros maus intencionados.

A pena só pode atingir o réu. A tranquilidade jurídica só se reestabelece com a condenação do réu. Se o inocente for condenado, ter-se-á a agressão ao direito de forma particular e de forma genérica, feita pela lei. Não havendo a certeza da culpa, deve-se absolver.

Malatesta divide a penalística em Lógica judicial, arte judicial e processo, trilogia racionalmente decrescente que conduz a um processo justo.

PRIMEIRA PARTE: ESTADOS DE ESPÍRITO

A primeira parte é nomeada como ESTADOS DE ESPÍRITO RELATIVAMENTE AO CONHECIMENTO, subdividida em capítulos. O primeiro desses capítulos trata do conceito de CERTEZA, sua natureza e espécies. O segundo capítulo relaciona a CERTEZA QUANTO AO SUJEITO E AO CONVENCIMENTO JUDICIAL. O terceiro capítulo trata da RELAÇÃO DA PROBABILIDADE COM A CERTEZA. Por fim, a primeira parte da obra foca a CREDIBILIDADE EM RELAÇÃO À CERTEZA E À PROBABILIDADE.

Malatesta faz diversas considerações sobre a forma como a prova é apreendida pelo espírito. A prova é o meio subjetivo pelo qual o espírito humano se apodera da realidade. O estado do espírito pode estar em ignorância, em dúvida ou em certeza.

DÚVIDA: há motivos afirmativos e negativos. Quando há mais negativos, tem-se o improvável, quando há mais afirmativos, tem-se o provável, e quando há igualdade de motivos, tem-se o crível.

Estados do espírito: da ignorância, do crível, do provável e do certo. A verdade é conformidade da noção ideológica com a realidade. A certeza e a verdade nem sempre coincidem, já que se pode ter certeza que é verdade algo falso. A certeza é um estado da alma.

A verdade tem duas categorias: a que o espírito adquire pela simples percepção intelectiva (verdade puramente inteligível), e a que necessita do concurso dos sentidos (verdade sensível).

A inteligência é faculdade indispensável para se chegar à verdade, e ela pode ser intuitiva ou reflexiva.

Certeza física: conhecida diretamente. Certeza lógica: conhecida através de um raciocínio. É a reflexão intelectual que nos conduz de um fato conhecido a um fato desconhecido.

A natureza tem ordens: modo constante de ser leva a certeza. Modo ordinário de ser leva a probabilidades.

A certeza mista pode ser classificada de três formas: a) reflexão entre a afirmação e a coisa afirmada, estabelecendo a verdade da afirmação, que se aplica a provas materiais indiretas; b) reflexão na relação entre o afirmante e a afirmação, estabelecendo a veracidade do afirmante, o que se dá nas provas pessoais diretas; e c) e a dupla reflexão entre o afirmante e a afirmação, e entre a afirmação e a coisa afirmada, o que se sucede nas provas pessoais indiretas.

Três espécies de certeza: a) certeza simplesmente lógica, intuitiva ou reflexa, que não se aplica ao fato do delito; b) certeza simplesmente física, decorre da prova material direta; c) certeza mista, dividida em certeza físico-lógica, físico-histórica, e físico-lógica-histórica.

a) certeza físico-lógica, ou lógica por antonomásia. A verdade de um fato deflui a verdade de outro fato imediatamente. Mulher casada que dá parto estando separada materialmente do marido a dois anos. A coisa afirmada: mulher teve um filho. O raciocínio leva à prova indireta do adultério da mulher.

b) certeza físico-histórica, ou histórica por antonomásia. Estabelece-se a veracidade da pessoa que atesta para dar veracidade à coisa atestada, prova pessoal direta.

Diferença entre as duas. A primeira depende da indução, para concluir pela certeza do fato em conexão, enquanto que a segunda a certeza é conhecida diretamente. Por isso a indução sempre foi vista como inferior à prova testemunhal.

c) certeza físico-histórica-lógica. É a junção das duas. Primeiro verifica a veracidade da testemunha, e, consequentemente da coisa afirmada (certeza histórica), passando-se a fazer por indução a relação entre o fato afirmado e o delito (certeza lógica).

Classifica em prova: a) rial direta, que é a fonte da certeza física, e rial indireta, que é a prova da certeza lógica; e b) pessoal direta, é a fonte da certeza histórica, pessoal indireta, que é a fonte da certeza lógica-histórica.

A certeza é a crença na conformidade com a própria noção ideológica e a verdade ontológica. Não é lógico procurar graus de certezas. Ou se tem certeza ou não. O correto, no entanto, é procurar qual certeza tem menos erros.

A verdade é o modo como o espírito se apodera dela.

Na certeza existe o concurso dos sentidos e da inteligência. Os sentidos não nos fornece capacidade de diferenciar o erro, que só ocorre pelo critério da inteligência.

A certeza física é a menos passível de erro. A afirmação direta da certeza de uma coisa leva ao simples trabalho dos sentidos. Resolve-se na percepção pura dos sentidos. O erro é mais difícil.

A certeza físico-histórica é mais passível de erro. Primeiro, busca-se a certeza do afirmante, de que esse não pretende enganar. Depois, busca-se a certeza do afirmado.

A certeza físico-lógica é a mais suscetível de erro. Deriva da afirmação indireta de uma coisa. É a procura de que uma coisa diferente do delito indica o delito. O erro pode derivar do fato de que de uma coisa pode decorrer diversas outras.

A certeza mista (físico-lógica-histórica), é a que tem mais possibilidade de erro. É a afirmação pessoal indireta de uma coisa, sendo ao mesmo tempo prova pessoal indireta e prova real indireta (vide caso Bruno, observação pessoal).

SEGUNDA PARTE: DA PROVA EM GERAL

A segunda parte é nomeada como DA PROVA EM GERAL, também subdividida em capítulos. O primeiro capítulo se refere a REGRAS GENÉRICAS PROBATÓRIAS. O segundo capítulo trata da CLASSIFICAÇÃO FUNDAMENTAL DAS PROVAS DEDUZIDA DA SUA NATUREZA. O terceiro capítulo estuda a CLASSIFICAÇÃO ACESSÓRIA DAS PROVAS DERIVADAS DOS SEUS FINS ESPECIAIS. E o quarto capítulo foca no ÔNUS DA PROVA.

TERCEIRA PARTE: DIVISÃO OBJETIVA DAS PROVAS

A terceira parte é nomeada como DIVISÃO OBJETIVA DAS PROVAS. O Autor divide essa parte de acordo com a sua classificação das provas. Assim, o primeiro capítulo trata das PROVAS DIRETAS E INDIRETAS, o segundo da PROVA DIRETA EM ESPECIAL, e o terceiro estuda a PROVA INDIRETA EM ESPECIAL, SUA NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO. Esse capítulo é mais abrangente, delimitado nos tipos de provas indiretas: a) presunção; b) indício, subdividido em indício em geral e indícios particulares, esses classificados em b1) Indício causal da capacidade intelectual e física para delinquir; b2) Indício causal da capacidade moral para delinquir pela disposição geral do espírito da pessoa; b3) Indício causal da capacidade moral para delinquir por um impulso particular para o crime; b4) Indício de efeito dos vestígios materiais do delito e b5) Indício de efeito dos vestígios morais do delito. O quarto capítulo estuda as PROVAS INDIRETAS JURIS ET DE JURE.

QUARTA PARTE: DIVISÃO SUBJETIVA DAS PROVAS

A quarta parte é nomeada como DIVISÃO SUBJETIVA DAS PROVAS (PROVA REAL E PROVA PESSOAL). Essa parte está dividida nos capítulos: 1) DIVISÃO SUBJETIVA ENTRE REAL E PESSOAL, e 2) PRESENÇA EM JUÍZO DO SUJEITO INTRÍNSECO DA PROVA: ORIGINALIDADE.

QUINTA PARTE: DIVISÃO FORMAL DAS PROVAS

A quinta parte é nomeada como DIVISÃO FORMAL DAS PROVAS. Essa parte é dividida em seções.

A SEÇÃO PRIMEIRA estuda a PROVA TESTEMUNHAL, dividida em capítulos.

O primeiro trata da prova testemunhal, sua credibilidade abstrata e suas espécies. Malatesta afirma que a presunção é a de que o homem é voltado à veracidade. É lógico se esperar que o homem profira depoimentos de acordo com a verdade do fato. Divide também as testemunhas em testemunhas ante factum, in factum e post factum.

O segundo estuda o caráter específico da prova testemunhal, com a sua produção oral, sua natureza e seus limites. Nesse caso, Malatesta diz que a prova testemunhal deve ser oral, mesmo que se reproduzam depoimentos escritos pelo autor. O depoimento oral atesta o sujeito moral e o sujeito físico da afirmação, podendo se analisar o que se afirma com quem afirma. O depoimento escrito relaciona a vontade ideológica de quem atesta, ou seja, só há a presença do sujeito moral. Mas recomenda a leitura de algumas peças, na parte de sua especialidade, sendo essas a denúncia ou queira, exames periciais, relatórios, atas e certidões e confissões anteriores.

 O terceiro trata da credibilidade concreta da prova testemunhal, com a avaliação do testemunho relativamente ao sujeito, do testemunho relativamente à forma, do testemunho relativamente ao conteúdo e o valor do testemunho clássico. Malatesta critica Bentham, quando o inglês usa o sistema do cidadão médio, quanto à credibilidade do depoimento, pois é impossível usar critérios matemáticos para verificar a credibilidade da testemunha. Isso porque a testemunha fala sobre o que tem certeza, e não sobre um juízo de probabilidade. Malatesta prefere usar o critério analítico, analisando o sujeito, a forma e o conteúdo, para verificar a credibilidade do depoimento. Quando esses três critérios são preenchidos, tem-se o chamado testemunho clássico.

O quarto capítulo se refere ao testemunho de terceiro. Malatesta divide o testemunho de terceiro em ordinário, sendo o terceiro que tem conhecimento do crime, e oficial, que, sendo terceiro com conhecimento do crime, tem alguma circunstância especial (v.g. policiais).

O quinto trata do testemunho do ofendido. Malatesta diz que esse testemunho deve ser visto com relatividade, já que dois vícios podem ocorrer: a possibilidade de erro e a vontade deliberada de enganar. O autor afirma, no entanto, que o testemunho do ofendido pode ser utilizado, avaliando-se os critérios do testemunho clássico (sujeito, forma e conteúdo).

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O sexto do testemunho do arguido, com sua natureza e suas espécies. Esse capítulo tem subdivisões. Primeiro, trata da avaliação concreta do testemunho do arguido. Segundo, trata do testemunho do arguido sobre fato próprio, ou seja, sobre a desculpa, a confissão e a confissão qualificada e divisão. Terceiro, trata do testemunho do acusado sobre fato de outrem. Malatesta divide o testemunho sobre fato próprio em justificação, confissão e confissão justificada ou qualificada. O testemunho do arguido sobre fato alheio divide-se em testemunho sobre fato alheio no qual o arguido confessa em parte, e testemunho sobre fato alheio no qual o arguido se justifica. Malatesta não concorda com a designação de ser a confissão a rainha das provas, pois essa tem de ser analisada como qualquer outro depoimento (usando os critérios de análise do sujeito, da forma e do conteúdo para ser válido). Também divide o testemunho em vantagem própria, chamado de desculpa, e o testemunho em desvantagem própria, chamado de confissão, além do testemunho misto, a confissão qualificada. Trata também da testemunha que confessa por antonomásia (voluntariamente) e a testemunha convencida a confessar pelas provas.

O capítulo sétimo estuda o limite probatório derivado da qualidade de ser único o depoimento. Nesse caso, Malatesta se refere ao depoimento único como sendo a única prova. Diz que não pode ser usado como fundamento da condenação, pois o depoimento único serve mais de enunciado ao juiz do que de prova. A palavra do acusador único é diminuída pela palavra única do réu, por estar essa fortalecida pela presunção da inocência. Observa, entretanto, que essa regra pode ser afastada por indícios que fortaleçam a palavra da testemunha única.

O oitavo se refere ao limite probatório derivado do corpo de delito. Malatesta se refere à prova do corpo de delito através de testemunhas, quando esse corpo de delito é passageiro ou não pode ser provado de outra forma.

O nono é sobre o limite probatório derivado das regras civis de prova. Estuda, nesse capítulo, a diferença entre as provas civis, de natureza formal, e as provas penais, de natureza substancial e com limitações em sua produção.

O décimo capítulo dessa seção estuda o testemunho pericial. Refere-se ao depoimento dos peritos sobre a prova, criticando a tese de que os peritos seriam meros consultores do juiz. Defende que sempre que a prova técnica precisar ser explicitada, o perito deve depor.

A SEÇÃO SEGUNDA estuda a PROVA DOCUMENTAL. Está dividida em quatro capítulos, tratando: a) documento: sua natureza e espécies; b) escritos em geral, sua classificação e seu valor; c) documentos escritos em especial; e d) avaliação concreta dos documentos.

A SEÇÃO TERCEIRA estuda a PROVA MATERIAL, também subdividida em capítulos. O primeiro se refere à prova material, com sua natureza, sua credibilidade abstrata, e suas espécies. O segundo trata do corpo de delito, sua natureza e suas espécies enquanto pode ou deve ser objeto de prova material. O terceiro analisa a prova material propriamente dita e impropriamente dita, subdividindo-se em verificação judicial da prova material propriamente dita e prova quase judicial, a conhecida prova material por ficção jurídica. O quarto e último capítulo faz uma avaliação concreta da prova material.

A última parte da obra é a CONCLUSÃO, com um breve resumo da obra.

Por fim, observando-se a divisão acima, verifica-se que o Código de Processo Penal Brasileiro foi em muito influenciado por essa obra clássica.

FONTE: http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_06/e-books/a_logica_das_provas_em_materia_criminal.pdf

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Sobre o autor
José William Pereira Luz

Promotor de Justiça do Estado do Piauí

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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a resenha foi elaborada apenas para uma breve apresentação da obra.

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