10 - Aspectos Marcantes
10.1 Documentos Necessários
Embora, em uma primeira análise, pareça despicienda a abordagem dos documentos necessários para o ajuizamento da ação de usucapião, a prática forense demonstra que não é demais tecer algumas considerações sobre o assunto.
Vejamos.
O rol de documentos acostados à inicial de usucapião consubstancia-se no seguinte:
- carteira de identidade ou certidão de nascimento;
- CPF;
- certidão de casamento;
- comprovante de residência;
- matrícula do imóvel usucapiendo ou do todo maior em que se insere a área pretendida ou certidão do Registro de Imóveis atestando a inexistência de matrícula[1][1];
- contrato de promessa de compra e venda ou arras, quando houver;
- documentos que comprovem o tempo de moradia no imóvel, tais como IPTU, contas de água ou de energia elétrica;
- lista de testemunhas com qualificação e endereço;
- nome e endereço dos confrontantes (vizinhos lindeiros);
- levantamento topográfico e memorial descritivo.
Ocorre que, na prática, a situação pode ser complexa. Primeiramente por que os juízes de primeira instância costumam acolher parecer do Ministério Público exigindo a apresentação de documento assinado por profissional habilitado.
Nesse caso, do despacho que determina a emenda da inicial para acostar memorial descritivo e levantamento topográfico, talvez não haja tempo suficiente para a confecção dos documentos e sua juntada, cabendo, portanto, agravo de instrumento contra a decisão que determinou a juntada.
Isso não seria óbice, embora talvez trouxesse prejuízo temporal à parte autora (tempo do julgamento do recurso), não fosse o fato de que, ainda que aceito pelo juiz (ou tribunal) croqui ou documento firmado pela própria parte ou a sua ordem, pode haver dificuldade de registro imobiliário quando da procedência da demanda por negativa dos registradores em efetuar o registro do imóvel em nome do usucapiente.
Finalmente, há que se ter em conta que a maioria dos imóveis objeto de usucapião são fruto de ocupação irregular e desordenada, sendo praticamente impossível sua individualização correta a não ser por profissional habilitado.
Recomenda-se ainda que tais documentos (memorial descritivo e levantamento topográfico) sejam apresentados em cinco vias (cópias simples), assim como a inicial, a fim de possibilitar a intimação dos entes públicos.
10.2 - Objeto Hábil
Os bens públicos não podem ser objeto de usucapião.
Muito se discutiu sobre a possibilidade de usucapir-se bens públicos, havendo muitos adeptos a tal tese.
Durante algum tempo, permitiu-se a usucapião sobre os bens públicos patrimoniais e as terras devolutas[2.
Com a lei Nº 6969/81, permitiu-se a usucapião rural sobre as terras devolutas, posteriormente tendo a doutrina e a jurisprudência, ao encontro da legislação, principalmente com o advento da Constituição Federal de 1988, fechado questão sobre a impossibilidade de aquisição de bens públicos pela usucapião.
Aliás, ainda que tal vedação já estivesse expressa na Constituição Federal de 1988 e antes disso pelo Código Civil de 1916, o novo Código Civil passou a dispor:
“Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião”.
Também os bens fora do comércio, os bens naturalmente e juridicamente insuscetíveis de usucapião e os direitos pessoais não podem ser usucapidos.
10.3 Procedimento
O procedimento das ações de usucapião encontra-se insculpido no Código de Processo Civil, artigo 941 usque 945.
Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se Ihe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.
Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.
Art. 943. Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
Art. 944. Intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público.
Art. 945. A sentença, que julgar procedente a ação, será transcrita, mediante mandado, no registro de imóveis, satisfeitas as obrigações fiscais.
Trata-se de procedimento especial que, após alteração legislativa ocorrida em 1994, dispensa a audiência de justificação prévia da posse, que configurava um entrave à celeridade da ação.
Com a modificação do art. 942 pela Lei n.º 8.951/94, a posse do autor passa a ser provada no curso da ação.
Com o intuito de uma grande reforma, formou-se, então, uma Comissão de Notáveis juristas em outubro de 2009, a partir de iniciativa do Senado Federal, que depois de seus trâmites legais, foi aprovado definitivamente pelo Senado em 17 de dezembro de 2014, sendo que o texto foi sancionado e publicado, constituindo-se atualmente na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, iniciando o prazo de vacatio legis, fixado em um ano.
Há que afirme que o novo CPC teria se baseado em inúmeros corolários, reduzidos a alguns tópicos programáticos que orientaram a elaboração dele, como por exemplo:
(a) a simplificação procedimental;
(b) o prestígio ao contraditório;
(c) o estímulo à uniformização da jurisprudência e à obediência aos precedentes;
(d) a consagração e positivação das orientações doutrinárias e jurisprudenciais majoritárias; e
(e) a sistematização dos institutos.
O Novo Código de Processo Civil aboliu o procedimento especial da usucapião, passando agora a pertencer à categoria de procedimento comum ordinário, e ainda introduziu a usucapião extrajudicial no país, por meio do artigo 1.071, do NCPC, Lei nº 13.105/2015, in verbis:
Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:
"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
§ 1o O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.
§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
§ 3o O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.
§ 4o O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 5o Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.
§ 6o Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
§ 7o Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.
§ 8o Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9o A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.
§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”
É importante destacar que a concessão da usucapião, pela via administrativa, foi instituída no Brasil por meio da Lei nº 11.977/2009.
Entretanto, é aplicável somente no contexto de projetos de regularização fundiária de interesse social.
O novo instituto da usucapião extrajudicial, ao contrário da usucapião também de índole administrativa que contemplou procedimento previsto apenas para o reconhecimento da usucapião especial urbana (art. 183 da Constituição), terá ampla abrangência, contemplando procedimento aplicável à concessão das diversas espécies de usucapião de direito material previstas na legislação brasileira.
10.4 Pedido
Considerando tratar-se a ação de usucapião de demanda declaratória com carga mandamental (declara a aquisição da propriedade pelo decurso do tempo e ordena, via mandado, o registro da sentença no Registro Imobiliário), necessária a postulação da declaração da aquisição da propriedade e de expedição de mandado para registro da sentença, que constitui título hábil, no Cartório de Registro de Imóveis.
Apenas a título de lembrança, convém mencionar que o processo de usucapião é um processo necessário, pois a única forma de se obter o reconhecimento da aquisição da propriedade é através do ajuizamento da ação.
Destarte, ainda que julgado procedente o pedido, não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios e despesas processuais ao vencido, haja vista o princípio da causalidade, segundo o qual a obrigação de pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios recai sobre aquele que deu causa, indevidamente, ao processo.
No caso, quem dá causa ao processo é o autor, devidamente no caso de procedência, não podendo o réu, ainda que vencido, ser condenado ao pagamento de custas e honorários.
De fato, ainda que a ação seja julgada improcedente e, portanto, tenha o autor dado causa indevidamente ao processo, este será beneficiário da justiça gratuita (no caso de atendimento pela Defensoria Pública ou no caso de usucapião especial urbano), estando dispensado do pagamento de custas e honorários.
10.5 Valor da Causa
As ações de usucapião têm como valor da causa o valor estimado do imóvel, ou mais precisamente, na nomenclatura adotada doutrinariamente, o valor do proveito pretendido pelo usucapiente, que acaba por se traduzir praticamente na mesma coisa.
Embora, na prática o valor apresentado não seja exato, basta, para que a inicial não seja indeferida, que o valor corresponda aproximadamente ao valor do bem e que não seja conferido à causa o valor de alçada.
10.6. Efeitos da Sentença
A sentença de procedência das ações de usucapião é de natureza declaratória, uma vez que a propriedade não se constitui pela sentença, que apenas declara que o fato (posse) foi transformado em direito pelo decurso do tempo.
A aquisição da propriedade pela usucapião se dá no momento em que o usucapiente reúne todos os requisitos legais para usucapir, ou, segundo alguns doutrinadores, pelo simples fato da posse, possuindo sempre efeitos ex tunc, já que declara direito preexistente.
A sentença que declara o direito à usucapião não é título constitutivo do direito, mas constitui título hábil para ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, conferindo-se, assim, a propriedade ao usucapiente.
Via de regra, apenas a sentença proferida em ação de usucapião constitui título hábil para ser registrado no Registro Imobiliário.
Assim, prepondera a afirmação de que as sentenças que reconhecem o direito de usucapião incidentalmente no curso de ações reivindicatórias, em função de a matéria ter sido invocada como defesa, não poderem ser registradas no Registro Imobiliário.
O argumento para tal afirmação é que nas ações reivindicatórias, onde a usucapião é argüida como defesa, não são sequer citados os confrontantes do imóvel em litígio e tampouco chamados a manifestar seu interesse sobre o bem os entes públicos.
Ocorre que o Estatuto da Cidade modificou parcialmente tal situação, uma vez que o artigo 13 dispõe expressamente que a sentença que acolhe a usucapião especial urbana (individual ou coletiva) invocada como matéria de defesa valerá como título para registro no cartório de registro de imóveis.
Além de facilitar a situação do usucapiente com a possibilidade de registrar a sentença que acolhe a usucapião especial urbana como defesa, o Estatuto da Cidade também dispensou o usucapiente do pagamento do registro da sentença junto ao Registro Imobiliário (art. 12, § 2º).
10.7 Coisa Julgada
Importante observar que se a ação de usucapião for julgada improcedente sem julgamento de mérito, haverá meramente coisa julgada formal, podendo o usucapiente, após superado o óbice apontado pelo juiz, ingressar em juízo com nova demanda.
Entretanto, se a ação for extinta ou julgada improcedente por falta de implementação do lapso temporal, poderá o autor ingressar com nova ação, depois de implementado o tempo necessário para a aquisição da propriedade, pois nesse caso a causa petendi será outra, qual seja fato temporal diverso da demanda anterior. E então, não há que se falar em infração aos limites objetivos da coisa julgada.
Nas demais hipóteses de julgamento de mérito, a improcedência da demanda impede a propositura de nova ação em face da ocorrência de coisa julgada material.
10.8 Prazos de Prescrição
A outra observação é de que na contagem do tempo necessário ao usucapião, em face da diminuição do prazo, do Código Civil antigo para o novo, há de se observar as regras de direito intertemporal, constantes dos artigos 2.028 a 2.030 do novo Código Civil.
Como regra geral, de acordo com o art. 2.028, se já houver decorrido mais da metade do tempo exigido pelo Código anterior, o prazo de prescrição regula-se pelo antigo Código Civil.
Do contrário, isto é, não tendo decorrido mais da metade do prazo, este, para efeito de prescrição, é o do novo Código Civil.
O art. 2.029 fixa regras de transição para a contagem dos prazos reduzidos, tanto na usucapião extraordinário como no ordinário, em face do estabelecimento de moradia e obras de caráter social e econômico, bem como para a hipótese do § 4º do art. 1.228 do novo Código Civil, relacionada com a alegação de usucapião em defesa na reivindicatória ou na usucapião coletivo do Estatuto da Cidade.
Em todas essas hipóteses, e pelo prazo de dois anos após a entrada em vigor do novo Código Civil, esses prazos são acrescidos de dois anos.
Estas as considerações que julguei oportuno trazer-lhes sobre a usucapião, esse importante instituto de direito, que, por isso mesmo, é alvo constantes de inovações.