A usucapião na ótica do direito comparado Brasil e Argentina: o novo Código de Processo Civil e a usucapião extrajudicial no Brasil

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30/05/2015 às 18:03
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11 Usucapião no Direito Comparado

11.1 O Instituto Perante o Direito Alienígena: Argentino

          O Código Civil Argentino define a prescrição para adquirir bem imóvel no art. 3.948, enumerando que podem prescrever todas as coisas cujo domínio ou posse pode ser objeto de uma aquisição (art. 3952):

“Art. 3948 – La prescripción para adquirir, es un derecho por el cual el poseedor de una cosa inmueble, adquiere la propiedad de ella por la continuación de la posesión, durante el tiempo fijado por la ley.”

“Art. 3952 –  Pueden prescribirse todas las cosas cuyo dominio o posesión puede ser objeto de una adquisición

Quanto ao justo titulo para a prescrição, é todo titulo que tem por objeto transmitir um direito de propriedade, estando revestido das solenidades exigidas para sua validade, sem consideração da condição da pessoa que emana, é o que dispõe o art. 4.010:

“Art. 4010 – El justo título para la prescripción, es todo título que tiene por objeto transmitir un derecho de propiedad, estando revestido de las solemnidades exigidas para su validez, sin consideración a la condición de la persona de quien emana.” 

Estabelece ainda o art. 4012 que o titulo nulo por defeitos de forma não pode servir de base para a prescrição.

”Art. 4012- El título nulo por defecto de forma, no puede servir de base para la prescripción”

E ao que haja possuído durante vinte anos sem interrupção alguma, não pode opor-se nem falta de titulo, nem sua nulidade, nem a má-fé na posse.

“ Art. 4016 - Al que ha poseído durante veinte años sin interrupción alguna, no puede oponérsele ni la falta de título ni su nulidad, ni la mala fe en la posesión”

Nesse mesmo dispositivo, fica cristalino o entendimento o que durante três anos tenha possuído com boa-fé uma coisa móvel roubada ou perdida adquire o domínio por prescrição. Se se trata de coisas moveis cuja transferência exija inscrição em registros criados ou a criar-se, o prazo para adquirir é de dois anos no mesmo suposto de tratar-se de coisas roubadas ou perdidas.

Em ambos os casos a posse deve ser de boa-fé e continua, pois, o que adquire um imóvel  com boa-fé e justo titulo, prescreve a propriedade pela posse continua de dez anos, assim preceitua o art. 3999:

“Art.3999- - El que adquiere un inmueble con buena fe y justo título prescribe la propiedad por la posesión continua de diez años.”


12. Da Contagem do Tempo

O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, desde que para esse cômputo sejam:

    1)  contínuas;

    2) pacíficas;

    3) com justo título e de boa-fé para o usucapião ordinário.

12. 1 Das Causas Impeditivas ou Suspensivas que Interrompem o Lapso de Tempo Necessário para Usucapir

Destarte, não é computado esse tempo:

a) entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;b) entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;c) entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela;d) contra os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, rol composto pelos menores de dezesseis anos, pelos enfermos ou com deficiência mental, por não terem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade;e) contra os ausentes do país, desde que a serviço da união, dos estados-membros ou dos municípios;f) contra os que se acharem servindo nas forças armadas, desde que em tempo de guerra.


Considerações Finais

Alguns doutrinadores que já escreveram sobre o tema e defendem a ideia de que o novo dispositivo do 1.071 do Código de Processo Civil veio substituir os artigos 941-945 do atual CPC, operando a abolição do procedimento especial para a usucapião, que passa a pertencer agora a categoria de procedimento comum ordinário.

Assim, a incidência estaria restrita às modalidades extraordinária e ordinária, regendo-se a usucapião especial urbana individual e coletiva, e a usucapião especial rural por leis antigas, mas específicas, a exemplo do Estatuto da Cidade e Estatuto da Terra.

Diante do exposto, verificamos que a usucapião, abrange em suas diversas modalidades, mostrando ser um forte e importante instrumento na regularização da questão fundiária, seja urbana, ou rural, favorecendo, inclusive, a concretização do princípio constitucional da função social da propriedade.

Isso, sem dúvida, deve-se à segurança da posse que é dada àqueles que preencham os requisitos exigidos para a configuração do instituto, através da titularidade da propriedade então conferida.

Assim, devido a grande proliferação de ocupações irregulares e a existência de inúmeros loteamentos realizados em dissonância com as normas atinentes à espécie, bem como o desconhecimento do sistema burocrático registral brasileiro pela maioria da população, são fatores que contribuíram de forma especial para que o legislador brasileiro não cruzasse as mãos diante da necessidade de alterar o instituto da usucapião e se preocupasse em editar normas que viabilizassem a regularização fundiária no país.

Por fim, importante ressaltar que foram traçadas apenas linhas gerais e pequenos estilhaços de luzes sobre o tema, sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, dado a sua magnitude e o valor do instituto para a construção da justiça social no Brasil.

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Vale acrescentar, noutra toada, que em face do novo Código de Processo Civil, ainda em período de vacatio legis, este aboliu o procedimento especial da usucapião, passando agora a pertencer após a vigência da Lei nº 13.105/2015, à categoria de procedimento ordinário comum, além de introduzir de forma inovadora, como forma de instrumentalizar a prestação da tutela administrativa, o procedimento da usucapião administrativa ou extrajudicial, chamado na doutrina de processo de desjudicialização, já que a judicialização no Brasil é um sonho profundo diante de um sonambulismo exacerbado que nunca se acorda plenamente.


Referências Bibliográficas

 CÂMARA, Alexandre Freitas. Aspectos processuais do usucapião urbano coletivo

CORDEIRO, José Carlos. Usucapião. RT 714, 2006.

CORDEIRO, Menezes, Direitos Reais, Lisboa: Lex. 2004, pág. 467.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Coisas, 2007.

GONÇALVES, Renato Afonso. O Novo Código Civil e a Usucapião.

LEITE, Gisele. Considerações sobre o usucapião em face do novo Código Civil.


Notas

1. SILVA, Direito Civil, p.13

2 HUBERMAM, Man’s wordly goods, cit.,passim

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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Tema de importância jurídica e social, em especial, em relação a nova modalidade de usucapião, a extrajudicial ou administrativa criada pelo novo Código de Processo Civil, Lei n] 13.105/2015.

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