Sursis: comentários ao instituto da suspensão condicional da execução da pena

31/05/2015 às 00:22
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Análise da medida que prevê a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade de curta duração por prazo determinado, desde que cumpridas algumas condições e respeitados os requisitos previstos no art. 77 do CP.

DISPOSIÇÕES GERAIS

            Hodiernamente, pode-se observar que existem muitas pessoas que são condenadas com penas privativas de liberdade de curta duração. As penas privativas de direito foram criadas não para punir, mas, sim, para reeducar o agente que comete um ato ilícito, para que o mesmo possa viver novamente em sociedade, e não apresentar mais perigo à sociedade.

Vale lembrar, como relata Mirabete, que toda vez que essa recuperação pode ser obtida, mesmo fora das grades de um cárcere, recomendam a lógica e a melhor política criminal a liberdade sob condições, obrigando-se o condenado ao cumprimento de determinadas exigências. (2003:323).


CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

            A suspensão condicional da pena é também conhecida nos meios jurídicos como sursis, que significa suspensão, permitindo que o condenado não se sujeite à execução de pena privativa de liberdade de pequena duração.

            Assim Rogério Sanches Cunha define o Sursis como:

“instituto de política criminal que suspende por um certo tempo (período de prova) a execução da pena privativa de liberdade, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas condições” (grifos nossos).(SANCHES, 2014. p.434).

            Previsto nos arts. 77 a 82, do CP, e arts. 156 a 163, da LEP, o juiz, ao condenar o réu, pode suspender a execução da pena privativa de liberdade, de dois a quatro anos. Pena essa privativa de liberdade que não poderá ser superior a dois anos.

            O réu é notificado pessoalmente a comparecer à audiência de advertência ou de admonitória, ao qual o juiz irá ler a sentença, advertindo-o das consequências da nova infração penal e da transgressão das obrigações impostas.

            O réu não inicia o cumprimento de pena, ficando em liberdade condicionada por um período chamado de ‘período de prova’, durante o qual ficará em observação.

            Sobre a natureza jurídica de tal instituto é possível indagar: A substituição da prisão por penas alternativas é direito subjetivo do condenado ou uma faculdade do juiz sentenciante? 

            Rogério Greco assim responde:

"Pela redação do art. 77 do Código Penal, somos induzidos, equivocadamente, a acreditar ser uma faculdade do juiz, pois o mencionado artigo diz que a execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos...

A Lei penal usa a expressão poderá ser suspensa, sugerindo ser uma faculdade do juiz. Contudo, esse não é o melhor entendimento. Isso porque o art. 157 da Lei de Execução Penal determina que o juiz ou tribunal, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada pelo art. 156, deverá pronunciar-se motivadamente sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue.”(GRECO, 2013, p.628).

            O entendimento dominante da sexta turma do STJ, precedente: HC 158.846 – Rel. Min. Og Fernandes – Dje 02/08/2010, é no sentido de que o instituto deve, efetivamente, ser compreendido como direito publico subjetivo do réu: “Em compasso com o princípio da individualização da pena, bem assim, com o Direito Penal propugnador da pena de prisão como ultima ratio, destinada as infrações de maior gravidade, tem-se por apropriada a concessão da substituição de pena, a qual, mais que beneficio, consubstancia-se direito publico subjetivo do apenado, se presentes os requisitos para o seu deferimento, como na hipótese dos autos.”


SISTEMAS

            Teceremos uma breve análise acerca dos sistemas existentes e de mais abrangência pela doutrina pátria, merecendo assim o realce de Rogério Sanches. Segundo o autor dentre os sistemas existentes, os mais importantes são:

            O anglo-americano (probation system) caracterizado pela submissão do réu ao período de prova após o reconhecimento da sua responsabilidade penal, mas sem imposição de pena. Descumpridas as condições, o julgamento é retomado, determinando-se a pena privativa de liberdade a ser cumprida. Não foi contemplado em lugar algum do nosso ordenamento jurídico.

            Também de origem norte-americana, o probation of frist offenders act representa a suspensão precoce da ação penal, sem reconhecimento da responsabilidade do réu e com a imposição de condições que, não adimplidas, implicam no prosseguimento do processo até condenação e aplicação da sanção penal. A doutrina mais abalizada reconhece a existência de tal sistema entre nós, o artigo 89 da Lei n° 9.099/95, ao criar a medida despenalizadora da suspensão condicional do processo.

            Por fim, o terceiro e o franco-belga, adotado pelo CP nos artigos 77 a 82 do Código Penal. Nesse sistema, a ação penal segue o seu curso regular com a condenação e imposição da pena privativa de liberdade para, em momento imediatamente posterior, serem estabelecidas condições previstas em lei as quais deverá o condenado se submeter para alcançar a extinção da sanção imposta.


ESPÉCIES

            O Sursis apresenta-se sob quatro espécies a saber: Simples, prevista no art. 78, § 1°, do CP, em que o condenado, ao primeiro ano do período de prova, deverá prestar serviços à comunidade, ou submeter-se-á a limitação de fim de semana; Especial, prevista no art. 78, § 2°, do CP, em que o condenado, se houver reparado o dano, e as circunstancias judiciais lhe forem favoráveis, substituídas a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana por outras circunstancias enumeradas por lei;

            Explica André Estefan que,

“A lei não define expressamente a modalidade “simples” do sursis, porém, por exclusão, deve ser assim considerada a modalidade em que o réu ainda não reparou o dano causado pelo crime ou quando não lhe forem inteiramente favoráveis os requisitos do art. 59 do Código Penal, uma vez que, se presentes estes requisitos, estaremos diante do sursis especial, definido no art. 78, § 2º, do Código, que sujeita o condenado a condições mais brandas”. (ESTEFAN, 2012, 469).

            O Etário, prevista no art. 77, § 2°, do CP, ocorre quando o condenado é maior de setenta anos na data da sentença concessiva. O sursis nesse caso, pode ser concedido desde que a pena privativa de liberdade não seja superior a quatro anos, sendo o período de prova de quatro a seis anos; 4) Humanitária, previsto no 77, § 2°, ultima parte, do CP “... razões de saúde justifiquem a suspensão ...”. esta forma pode ser concedida desde que a pena privativa de liberdade não seja superior a quatro anos, sendo o período de prova de quatro a seis anos.


REQUISITOS

            Apresentam-se dois requisitos, um de natureza objetiva, que dizem respeito à quantidade da pena; e outro de natureza subjetiva, que dizem respeito às circunstâncias judiciais do fato. Com relação aos antecedentes do condenado, é necessário que não seja reincidente em crime doloso. Com relação as circunstâncias judiciais autorizem a concessão do “sursis”. Outrossim, para que se conceda o benefício ao condenado, não pode ser cabível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.


CONDIÇÕES

            Durante o período de prova, o condenado deve cumprir determinadas condições. Se não as obedecer, terá o sursis revogado, sendo convertida, assim, deverá cumprir a pena privativa de liberdade a que foi condenado.

            Segundo Fernando Capez, essas condições podem ser de três espécies:

a) legais: previstas em lei. São as do sursis simples (art. 78, § 1º) e as do especial (art. 78, § 2º);

b) judiciais: são impostas livremente pelo juiz, não estando previstas em lei (art. 79 do CP). Devem, porém, adequar-se ao fato e às condições pessoais do condenado. Cite-se como exemplo a obrigatoriedade de frequentar curso de habilitação profissional ou de instrução escolar. Veda-se a imposição de condições que comprometam as liberdades garantidas constitucionalmente; que exponham o condenado ao ridículo, de modo a lhe causar constrangimento desnecessário; que violem a sua integridade física etc. Citem-se os seguintes exemplos: condicionar o sursis à doação de sangue pelo condenado; à visitação da vítima de acidente de trânsito pelo condenado; ao pagamento de multa penal;

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c) condições legais indiretas: é como são chamadas as causas de revogação do benefício. Ora, se sua ocorrência dá causa à revogação da suspensão, indiretamente consubstanciam-se em condições proibitivas (não fazer, isto é, não dar causa à revogação do benefício).

            Sintetizando, essas condições serão diversas conforme a espécie de Sursis, se for Simples, deverá o condenado, no primeiro ano do período de prova, prestar serviços a comunidade ou submeter-se a limitação de final de semana; já se for especial, a prestação de serviços à comunidade e a limitação de final de semana serão substituídas por: a) proibição de frequentar determinados lugares; b)proibição de ausentar-se o condenado da comarca onde reside, sem autorização judicial; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.


REVOGAÇÃO

             Se o condenado, durante o período de prova não cumpre as condições a ele impostas, o sursis como anteriormente apresentado é revogado, tendo ele que cumprir integralmente a pena que lhe foi imposta. As causas de revogação são também chamadas de condições legais indiretas.

            Existem duas espécies de causas de revogação, para melhor compreensão apresentaremos um quadro esquemático sobre tais espécies:

Obrigatória

Facultativa

1) Condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso;

2) Frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;

3) Descumpre a condição a ele imposta, qual seja, a de no primeiro ano do prazo, onde o condenado deverá prestar serviços a comunidade ou submeter-se a limitação de fim de semana.

Quando o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

 

Previsão legal: art. 81, I ao III, do CP

 

 

Previsão legal: art. 81, §1°, do CP


PRORROGAÇÃO

            De acordo com o artigo 89 do Código Penal, o juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na vigência do livramento.

            Da simples leitura do dispositivo, a doutrina conclui que: crime cometido antes da vigência do período de prova não prorroga o livramento; inquérito policial também não tem força para gerar esse efeito.


EXTINÇÃO

            No que condiz a norma do artigo 82 do CP, “Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade”.

            Alerta Bitencourt:

“Uma vez extinta a pena, ainda que se venha a descobrir que o beneficiário não merecia o sursis obtido, em face da existência de causas impeditivas, por exemplo, não será revogado a suspensão” (BITENCOURT, 2012, p. 800).

            Trata-se de sentença declaratória da extinção parcial da punibilidade, não de natureza constitutiva. Em face disso, a extinção da pena ocorre na data do término do período de prova e não na data em que o juiz profere a decisão, ainda que seja muito tempo depois.

            Ocorrido o término deverá o juiz declarar a extinção. Se não o fizer, já que a extinção independe de despacho judicial, a pena estará igualmente extinta.

            Uma vez extinta a pena pelo decurso do prazo, ainda que se venha a constatar que o beneficiário não fazia jus ao período de prova obtido, não será revogável a suspensão. 


BIBLIOGRAFIA:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 17° ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Direito Processual Penal, 16ª ed., Editora Saraiva, 2009

ESTEFAN, André, Direito Penal Parte Geral Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral, 15° ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, Vol.1

SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal - PARTE GERAL, 2° Edição - Ed. Juspodivm, 2014.

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Sobre o autor
Jefferson Freitas

Advogado criminalista, Graduado em Direito na FACIG; Pós-graduando em Ciências Criminais (ESA/PE); Pós-graduando em Direito Público (ESTÁCIO) Graduado em Ciências Políticas pela UF/PE

Informações sobre o texto

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