RESUMO: O presente artigo relaciona a previsão do restabelecimento da equação econômico-financeira, nas modalidades de reajuste e revisão, nos contratos administrativos, de acordo com a garantia do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como com a regra do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, e a corrupção no Brasil, em especial no que se refere ao financiamento privado de campanhas e partidos políticos, e o superfaturamento de obras públicas no país, palco dos maiores problemas de desvios de recursos públicos, em todas as esferas de poder.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Contratos Administrativos. Restabelecimento da Equação Econômico-Financeira. Financiamento Privado. Corrupção. Obras Públicas.
“ABSTRACT: This article relates the forecast of restoring the economic and financial equation, in terms of adjustment and review, administrative contracts, according to the guarantee of article 37, item XXI of the Federal Constitution, as well as the rule in Article 65, item II, letter " d ", of Law No. 8,666 / 93, and corruption in Brazil, especially in relation to the private financing of campaigns and political parties, and the overpricing of public works in the country, the biggest problems stage public resources deviation in all spheres of power.”
“KEYWORDS: Administrative Law. Administrative Contracts. Restoring the Economic-Financial Equation. Private Funding. Corruption. Public Works.”
SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito e Características dos Contratos Administrativos. 2. Equação Econômico-Financeira dos Contratos Administrativos. 3. Financiamentos Público e Privado de Campanhas. 4. A Relação entre o Restabelecimento da Equação Econômico-Financeira, o Financiamento Privado e os Desvios de Recursos em Obras Públicas. 5. Conclusão.
INTRODUÇÃO.
Os contratos administrativos, caracterizados pela presença da Administração Pública em um dos polos da relação, pela busca do interesse público, e pelo regime jurídico de direito público, têm como imposição legal o restabelecimento da equação econômico-financeira, nos termos do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, toda vez que presentes fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, quando configurada álea econômica extraordinária e extracontratual.
Por outro lado, no Brasil, a par das atuais discussões, em sede legislativa e jurisprudencial, vige o sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos, por meio de recursos públicos (fundo partidário), bem como por meio de financiamento privado, de pessoas físicas ou jurídicas. Assim, na realidade atual do Brasil, é praticamente impensável que se alcance um mandato parlamentar ou no executivo, sem que se tenha por trás um forte aporte de recursos oriundos de financiamento privado, em especial de pessoas jurídicas, detentoras do poder econômico, merecendo destaque, dentre tais pessoas, as grandes empreiteiras, as mesmas que, iniciada a próxima legislatura, serão responsáveis por pequenas ou grandes obras públicas.
Dada a relação estreita entre os detentores de mandatos eletivos, em especial no executivo, a quem cabe a fundamental decisão acerca dos investimentos públicos em infraestrutura física, e as pessoas jurídicas que participaram ativamente do financiamento privado das campanhas eleitorais, e diante da ampla e aberta possibilidade de restabelecimento da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, abrem-se as portas para desvios e superfaturamentos nas obras públicas, para o que, agente público e o particular contratado contam com a benevolência da legislação, prorrogando-se por inúmeras vezes os prazos de conclusão, e aditando-se os contratos, de modo a multiplicar os recursos públicos envolvidos.
1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.
Os contratos administrativos são espécie do gênero “contratos da administração”, integrantes de um grupo maior composto por todos os contratos, inclusive os particulares, regulados pelo direito privado.
Os contratos da administração diferenciam-se dos demais contratos em razão de dois aspectos, que devem estar presentes simultaneamente para que se possa enquadrá-los como tal. O primeiro deles, de índole subjetiva, é a presença do Estado em um dos polos da relação contratual. O segundo, é que o objetivo almejado traduza interesse público. Para que se possa caracterizá-lo, no entanto, como contrato administrativo, não basta a presença simultânea dos mencionados aspectos, sendo imprescindível que se os conjugue com o regime jurídico de direito público, este sim elemento marcante e diferencial dos contratos administrativos.
E quanto aos contratos administrativos, o que caracteriza, essencialmente, o regime jurídico de direito público, é a presença das chamadas cláusulas exorbitantes, previstas nos incisos do artigo 58, da Lei nº 8.666/93 (Lei nacional de normas gerais sobre licitações e contratos da Administração Pública), dentre as quais se destacam a possibilidade que tem a Administração Pública contratante, em razão do interesse público, de, em relação ao ajuste celebrado, modificar a execução a cargo do contratado, de rescindir o ajuste antes mesmo do termo fixado, de aplicar sanções e de intervir provisoriamente na execução do ajuste nos casos em que seu objeto é a prestação de serviços essenciais.
Por outro lado, tratando-se de regime jurídico de direito público, além da observância dos demais princípios gerais do Direito Administrativo, dois princípios fundamentais da matéria ganham destaque, o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, e o Princípio da Supremacia do Interesse Público.
O Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, presente em todo e qualquer ato ou contrato de que participe a Administração Pública, enfatiza que a Administração não tem a livre disposição dos bens e interesses públicos, porque atua em nome de terceiros. O Princípio da Supremacia do Interesse Público se refere à posição de superioridade do Estado em relação aos particulares, de modo que estaria presente em todo e qualquer contrato administrativo, caracterizado pelas cláusulas exorbitantes, mas não em todo contrato da administração, onde o estado, vez ou outra, atua em pé de igualdade com o terceiro contratante. Incidindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público, os interesses da Administração, por relevantes que são, suplantam os interesses dos particulares, como ocorre no exercício do poder de polícia e nas desapropriações ou servidões administrativas.
Para José dos Santos Carvalho Filho, contrato administrativo é o “ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.”
Por mais completo, preferimos conceituá-lo como o ajuste entre a Administração Pública e um particular, espécie do gênero contratos da administração, que se diferencia dos demais contratos em razão do regime jurídico de direito público, caracterizado pelas cláusulas exorbitantes, que visa o interesse público, e obriga a observância dos princípios fundamentais da Indisponibilidade do Interesse Público e da Supremacia do Interesse Público.
2. EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, determina que, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
E é da obrigação de que se mantenham as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o que indica norma de eficácia limitada, que surge, em sede legal, dando concretude ao comando constitucional, o restabelecimento da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, previsto no artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, nos seguintes termos:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
II - por acordo das partes:
(...)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
A transcrita norma nada tem a ver com o permissivo do parágrafo primeiro do mesmo artigo 65, que dispõe que “o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.”
Estamos diante de hipóteses nas quais sobreviriam fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
O que se entende por fatos imprevisíveis, ou previsíveis de consequências incalculáveis, caso fortuito ou de força maior, e o que caracteriza a extraordinariedade da álea econômica, é algo que doutrina e jurisprudência divergem, e até mesmo desconhecem, e é o que abre espaço para incontáveis restabelecimentos da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, com sucessivas prorrogações e multiplicações dos valores originalmente contratados e autorizados, ficando ao puro alvedrio do agente público, o mesmo que, como adiante se verá, se encontra comprometido pelo nefasto sistema de financiamento privado de campanhas eleitorais.
3. FINANCIAMENTOS PÚBLICO E PRIVADO DE CAMPANHAS.
A análise da atual legislação, em âmbito constitucional ou legal, conduz à conclusão de que convivemos com um sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais, que recebe recursos públicos e privados.
No Brasil, o financiamento público de campanhas eleitorais é de berço constitucional. Consoante o parágrafo 3º, do artigo 17, da Carta Magna, “os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.”
Assim, as campanhas eleitorais, por meio dos partidos políticos, que recebem recursos públicos, tem acesso a tais recursos, na medida do interesse, autonomia e disponibilidade de cada agremiação.
O fundo partidário é composto por verbas provenientes de multas e penalidades aplicadas, nos termos do Código Eleitoral e outras leis conexas, de recursos financeiros destinados por lei, de doações de pessoas físicas ou jurídicas, e de dotações orçamentárias da União.
E no ano de 2015, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (Lei nº 13.115/2015), o valor do fundo partidário, apenas na parcela que se refere à dotação orçamentária da União, chegou à impressionante cifra de R$867.500.000,00 (oitocentos e sessenta e sete milhões e quinhentos mil reais), representando o triplo dos R$289.000.000,00 (duzentos e oitenta e nove milhões), previstos para o ano anterior (2014).
No que se refere ao financiamento privado de campanhas, de acordo com o artigo 23, da Lei nº 9.504/97, o doador poderá ser pessoa física, eleitor ou não, maior ou menor de idade, neste último caso, desde que identificado o responsável legal, pessoa incapaz, desde que representada, e pessoas jurídicas.
As doações de pessoas físicas poderão ser em dinheiro ou estimáveis em dinheiro (bens ou serviços), desde que não ultrapassem R$50.000,00 (cinquenta mil reais), limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição. Os rendimentos brutos são calculados sobre a declaração do imposto de renda do doador. Toda doação deverá ser feita mediante recibo em formulário impresso ou eletrônico. As doações de pessoas jurídicas ficam limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, apurado pela declaração do imposto de renda daquele ano.
E o limite é generoso, muito embora limitado aos mencionados dois por cento. No Brasil, as cinco maiores empresas do ramo da construção, aquelas que têm acesso às maiores parcelas de recursos públicos destinados a investimentos, e onde se concentram os maiores problemas de desvios e superfaturamentos, bem como de atrasos na conclusão das obras, acompanhados de sucessivos restabelecimentos do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, possuem faturamento médio anual superior a 20 bilhões de reais, cada. Assim, a diminuta quantia de dois por cento do faturamento bruto anual, alcança vultosos montantes de quatrocentos milhões de reais, para cada empresa que se disponha a colaborar com as campanhas eleitorais.
4. A RELAÇÃO ENTRE O RESTABELECIMENTO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA, O FINANCIAMENTO PRIVADO E OS DESVIOS DE RECURSOS EM OBRAS PÚBLICAS.
No Brasil, convivemos com um sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais, que recebe recursos públicos e privados. Como visto, as doações de pessoas jurídicas ficam limitadas a 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, abrindo espaço para a injeção de bilhões de reais de grandes e pequenas empresas, a cada período eleitoral, nas campanhas daqueles que, eleitos, serão responsáveis pela execução ou destinação de emendas e recursos para obras públicas.
Por outro lado, é dever da Administração Pública, e garantia do particular que com ela contrata, proceder ao restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato, nos termos do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, toda vez que presentes fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, quando configurada álea econômica extraordinária e extracontratual.
Um dos problemas da mencionada norma legal é o permissivo para que o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato ocorra mediante “acordo entre as partes”. Em um sistema regido pelo regime jurídico de direito público, caracterizado pelas cláusulas exorbitantes, bem como pela necessária observância dos princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público, o restabelecimento da equação econômico-financeira, nas hipóteses da lei, deveria estar incluído no inciso I do artigo 65, cuja alteração se daria unilateralmente pela Administração Pública, e não por acordo entre as partes.
Quem define toda e qualquer condição do contrato administrativo, desde o momento da abertura do processo licitatório, o qual deve constar, inclusive, do edital de convocação, é a Administração Pública. Cabe ao particular que se interessar pela avença apenas participar da concorrência, aderindo ao contrato administrativo, não podendo discutir as bases contratuais. Da mesma forma, ainda que seja norma impositiva e garantia constitucionalmente prevista em favor do particular, o restabelecimento da equação econômico-financeira, por traduzir alteração do contrato, deveria se dar de forma unilateral pela Administração Pública, ressalvada, em todos os casos, a possibilidade de discussão judicial da alteração contratual.
De toda forma, para ilustrarmos o ponto fulcral da problemática que envolve o financiamento privado de campanhas políticas e a corrupção generalizada presente nas obras públicas, sempre acompanhada de sucessivos restabelecimentos do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, traremos à baila o caso emblemático da construção do “Aquário do Pantanal”, no Município de Campo Grande/MS, conhecido como o maior aquário de água doce do mundo.
A obra do “Aquário do Pantanal”, do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, foi iniciada em 2011, com data de entrega fixada inicialmente para meados de 2014, e orçamento de R$80.000.000,00 (oitenta milhões de reais). Aproximadamente um ano após o prazo inicialmente previsto, os valores da obra já ultrapassaram R$240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais), e estima-se serem necessários mais R$80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) para a conclusão, com atraso mínimo de dois anos em relação ao cronograma inicial. As sucessivas prorrogações do contrato, a multiplicação dos valores envolvidos, após inúmeros restabelecimentos do equilíbrio econômico-financeiro do contrato levaram o Ministério Público Estadual a instaurar inúmeros inquéritos civis para o acompanhamento da obra e recolhimento de informações, em razão das fundadas suspeitas de desvios e superfaturamentos.
Por coincidência ou não, a empreiteira vencedora da licitação para a construção do Aquário do Pantanal figura entre as três maiores doadoras das campanhas do partido político que governava o estado à época do lançamento da obra. Apenas nas eleições municipais de 201,2 a empresa doou aproximadamente R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para o candidato do mesmo partido, que disputava a sucessão municipal, de acordo com dados obtidos no sítio do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE/MS).
Assim, não restam dúvidas das consequências nefastas oriundas da soma destes dois fatores preponderantes, o financiamento privado de campanhas eleitorais e a ampla e aberta possibilidade de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.
Há previsão em sentido parecido nas legislações civil e consumerista. De acordo com o artigo 478 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), que adota a Teoria da Imprevisão, “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que adota, em seu artigo 6º, inciso V, a Teoria do Rompimento da Base Objetiva do Negócio Jurídico, estabelece ser direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.”
No entanto, são nítidas as diferenças entre dois particulares que se propõem a firmar um negócio jurídico, ou um consumidor hipossuficiente em face do fornecedor de produtos e serviços, e o particular que contrata com a Administração Pública. Para que um contrato administrativo seja firmado, inúmeras etapas de um longo processo de licitação foram cumpridas, havendo projetos básico e executivo, um minucioso cronograma de etapas, e rigorosos estudos por parte dos interessados, antes da formulação das propostas, vencendo aquele que demonstre estar mais preparado para o regular cumprimento do encargo. Ou ao menos assim deveria ser.
Contudo, o que se vê na realidade do nosso país, é que poucas obras públicas são concluídas em seu prazo, e dentro dos valores originalmente previstos. Basta às grandes construtoras, num contexto de estreitas relações e de dependência do agente público em razão dos recursos privados destinados a futuras ou pretéritas campanhas eleitorais, utilizarem-se mansamente da possibilidade de sucessivos restabelecimentos do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. E assim, passamos da regra do “pacta sunt servanda” ao frágil permissivo do “rebus sic stantibus”, e nenhum contrato é cumprido em seus devidos e originais termos.
Diante do menor aumento de preços no mercado consumidor, ou dos salários de empregados ou prestadores de serviços, ou nos níveis de precipitação pluviométrica, busca-se do comprometido agente público, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, repita-se, por acordo entre as partes, alegando circunstâncias imprevisíveis, previsíveis de consequências incalculáveis, ou, ainda, caso fortuito ou de força maior, prorrogando-se sucessivas vezes a entrega da obra, e multiplicando-se os valores envolvidos.
Não por acaso, não faltam recursos para o financiamento privado de campanhas políticas, evidenciando-se um tenebroso ciclo vicioso: a empresa financia as campanhas eleitorais, o candidato eleito garante a legalidade dos superfaturamentos e desvios de recursos públicos por meio dos sucessivos restabelecimentos do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, garantindo, assim, mais recursos para os próximos pleitos.
A solução, mais do que recrudescer as possibilidades de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, e de transformá-lo em ato unilateral da Administração Pública, passa pelo fim do financiamento privado de campanhas e partidos políticos. O Brasil precisa evoluir para o sistema de financiamento exclusivamente público das campanhas, de modo a atacar, na raiz, a origem da corrupção.
E assim, os quase um bilhão de reais de recursos públicos destinados ao fundo partidário, ainda que multiplicados por dez ou cem vezes, custarão muito pouco em relação ao custo da corrupção que acompanha, quase que como cláusula pétrea, cada contrato administrativo que envolva obras públicas em nosso país.
6. CONCLUSÃO.
O atual sistema de financiamento misto de campanhas eleitorais, os vultosos investimentos em obras públicas, capitaneadas por grandes doadores, com estreitas relações com detentores de mandatos eletivos, e a ampla possibilidade de restabelecimento da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, por acordo entre as partes, são causas substanciais da generalizada corrupção em todas as esferas de poder, e em todas as instâncias, permitindo sucessivas prorrogações de contratos, e multiplicados aumentos dos valores das obras públicas, dando causa a desvios e superfaturamentos, reduzindo o potencial de investimento, e contribuindo para a precária estrutura física proporcionada pelo Estado em todas as áreas.
Diante deste quadro, o que se propõe é um maior controle e restrição das possibilidades que permitem, na atual legislação, o malfadado restabelecimento da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, a alteração da localização da norma que prevê tal medida, não mais ocorrendo por acordo entre as partes, mas de maneira unilateral pela Administração Pública, e o fim do financiamento privado de campanhas e partidos políticos, passando a um sistema de financiamento exclusivamente público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1) CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo. Ed. Atlas 2013.
2) GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo. Ed. Saraiva 2007.
3) GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7. Edição. São Paulo. Ed. Atlas 2011.
4) <http://www.tre-ms.jus.br> Acessado em: 30 de maio 2015.