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Impactos da globalização produtiva sobre o desenvolvimento:

uma abordagem crítica sobre o liberalismo comercial no caso brasileiro

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01/04/2003 às 00:00
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Sumário: Introdução: — 1. Um panorama sobre o Neoliberalismo. — 2. O Brasil no cenário internacional: o alto custo da liberalização comercial. — Conclusão: — Referências Bibliográficas:


Introdução:

No presente momento, em meio a possíveis mudanças em torno do comércio mundial, nota-se um anseio das partes envolvidas na economia global, a liberalização comercial. Contudo, devem ser questionados os limites a serem discutidos para a adoção do "mercado sem fronteiras", onde há um consenso quase absoluto pela sua oportunidade.

Este contexto teve seu berço baseado em uma corrente teórica econômica denominada neoliberalismo que, entre a sociedade civil, está sendo combatido ferozmente devido ao seu impacto social negativo. Neste manuscrito, serão brevemente abordadas as linhas mestras desta corrente e expostas as críticas resultantes de seus postulados.

Logo em seguida, trazendo para a esfera da economia brasileira, mas sem deixar de citar a situação global, serão abordados alguns impactos que a liberalização comercial poderá ocasionar para a sociedade nacional. Serão mencionados, com mais atenção, o enfraquecimento do Estado e a desregulamentação da economia como pontos sensíveis à efetivação do livre comércio. O impacto social também será ventilado como um custo indesejável para a implantação de um mercado global nos moldes pretendidos.

Depois de abordadas estas questões, sempre com apoio da doutrina, serão expostas conclusões críticas ao sistema atual e sugestões alternativas para que exista um desenvolvimento sustentável, bem como sobre suas perspectivas para um futuro não tão longínquo, onde deve prevalecer a dignidade humana e o bem social, com apoio ao trabalho como premissa ao desenvolvimento com distribuição de renda.


1. Um panorama sobre o Neoliberalismo.

Fazendo um apanhado histórico da economia global, percebe-se basicamente três períodos: um período que se iniciou nos primórdios comerciais indo até a concepção de Adam Smith, John Locke e Stuart Mill, onde ingressou a humanidade no segundo período econômico denominado liberalismo e outro terceiro que assistimos na atualidade, o neoliberalismo. Uma das diferenças basilares entre estas fases é a maior ou menor atuação do Estado na economia, questionada nas duas últimas fases.

Nos ensinamentos de Mill, mais precisamente em sua obra intitulada On Liberty, que engloba os fundamentos do liberalismo clássico, são entrelaçados os pilares do pensamento deste período. As premissas são: "liberdade política, autonomia negativa, autodesenvolvimento, liberdade como intitulamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno, liberdade como privacidade e independência" [1].

Em sede neoliberalista, há uma ideologia econômica nascida logo após a II Guerra Mundial na Europa e América do Norte. Este pensamento foi uma reação teórica e política contra o Estado Intervencionista. O grande precursor desta corrente foi o autor Friedrich Hayek, com a obra "O Caminho da Servidão", escrito em 1944. Contudo, a maior repercussão do neoliberalismo se encontra no plano cultural, onde o "mito da mobilidade pelo esforço pessoal; as generosidades da livre empresa; o direito à diferenciação; a liberdade como valor máximo, embora como autodisciplina; e uma solidariedade não problemática para aqueles que são beneficiados pelo mercado" [2].

Assim, as políticas do modelo neoliberal podem ser resumidas em cinco metas essenciais, quais sejam: a) Estabilização de preços e contas nacionais; b) Privatização dos meios de produção e das empresas estatais; c) Liberalização do comércio e do fluxo de capitais; d) Desregulamentação da atividade privada; e e) Austeridade fiscal e restrições aos gastos públicos [3].

Desta forma, as diferenças principais entre o liberalismo e o neoliberalismo podem ser resumidas da seguinte forma [4]:

LIBERALISMO

NEOLIBERALISMO

Combater as restrições pré-capitalistas.

Luta contra o capitalismo sujeito às influências do sindicalismo, e chamado bem estar social.

Na agricultura, o Liberalismo promovia um desmantelamento das unidades agrícolas auto-suficientes.

Prejudicam a indústria nacional, pública e privada.

Abriam mercados.

Mudam o mercado doméstico para o mercado externo, para atender consumidores internacionais.

Converteu os camponeses em proletários

Convertem os trabalhadores assalariados em Setores informais ou autônomos

Forçado a aceitar a legislação trabalhista, a previdência social e as empresas públicas.

Prejudica o movimento trabalhista, elimina a legislação social e representa um retorno a fase inicial do liberalismo.

Estimulou o crescimento das cidades e dos complexos urbano-industriais

Prejudica as cidades, transformando-as em enormes favelas, dividindo-as entre os muito ricos e muito pobres.

Mas o neoliberalismo sofre contradições: 1) permite às economias crescerem dentro dos limites ou reduzirem taxas de inflação, mas às custas de uma polarização produtiva e social. A promessa de igualdade no mercado só se cumpre com desregulamentação e privatização, mas em nenhum momento atenta contra os monopólios, que crescem em poder com as políticas neoliberais; 2) A liberalização dos mercados ocorre com uma rígida política salarial que provoca uma queda nos salários reais. Neste mercado, o da força de trabalho, não se aplica à eliminação de fatores exógenos para que se chegue aos preços de equilíbrio. A crise de fato recai sobre os assalariados; 3) A liberdade conseguida com a ruptura dos pactos corporativos, que distorcem os mercados, ocorre ao mesmo tempo em que se formam grupos de pressão (formação de grupos privilegiados), sobretudo provenientes dos grandes capitais, para os quais as políticas ortodoxas são combinadas com apoios heterodoxos. O ator racional otimizador é substituído pelos magos das finanças e seus conhecimentos privilegiados de mercados e políticas do Estado [5].

Fazendo um balanço desta última década, traça-se um panorama exatamente conforme as premissas apontadas, onde a globalização trouxe efeitos aparentemente positivos para a comunidade. Contudo, há uma face indesejável do almejado livre mercado neste final de século. Nota-se uma tragédia humana, pois está sendo criando um "apartheid social". [6].

Assim, o anseio pelo livre mercado traz altos custos sociais e estruturais, onde tais fatores serão discutidos a seguir.


2. O Brasil no cenário internacional: o alto custo da liberalização comercial.

No Brasil a implantação do ideal neoliberal está a pleno vapor, as estatais, quase em sua totalidade foram privatizadas, está havendo uma política de cortes de gastos e uma "estabilização econômica" a custa da perda do emprego, da perda de poder de compra dos salários, da perda de reservas dentre outros fatores. Mas até que ponto é vantajosa a desregulamentação da economia e a liberalização comercial do mercado de capitais? Para que isto ocorra, é necessário um enfraquecimento do Estado e das instituições democráticas. O Brasil é invejado por muitos no que concerne o seu sistema de defesa do consumidor, pelo seu sistema de defesa da concorrência, bem como pelo seu sistema de controle do mercado de capitais, onde neste país não ocorrem mais escândalos de maqueamento de lucros de empresas a exemplo das gigantes americanas.

Ora, liberdade sempre é um ideal a ser almejado, mas quando essa liberdade é cerceadora de direitos e garantias sociais e institucionais, estará sendo desviado o seu sentido. Um grande erro é confundir a liberdade com desregulamentação, pois esta pode ser um grande óbice à prosperidade. Pode não preservar a competição por deixar a economia à mercê dos grandes monopólios. A competição regulamentada é, normalmente, a base do "livre jogo das forças de mercado".

É também necessário esclarecer a incompatibilidade entre democracia e neoliberalismo por esta corrente ser uma doutrina conseqüente, sendo a liberdade política apenas um modo de realização nem sempre necessário. Em outros termos esta liberdade pode ser um mero corolário, uma defesa intransigente da liberdade econômica. Um dos inspiradores do atual movimento em favor do desmantelamento do Estado de serviços, o economista austríaco Friedrich von Hayek, insistiu sobre a indissolubilidade de liberdade econômica e de liberdade sem quaisquer outros adjetivos, reafirmando assim a necessidade de distinguir claramente o liberalismo — que tem seu ponto de partida numa teoria econômica — da democracia — que é uma teoria política — e atribuindo à liberdade individual (da qual a liberdade econômica seria a primeira condição) um valor intrínseco e à democracia um valor instrumental [7]

Existem argumentos que explicam o livre comércio como sinônimo de eficiência [8] e não é demais afirmar este fator no que tange ao Estado-Empresário nos moldes comunistas. Mas os sistemas de restrições comerciais, a despeito de prejudicar as trocas comerciais, podem visar muito mais. Pode prevenir concorrências predatórias, manipulação de mercados por corporações monopolistas, visar uma maior participação da sociedade na regulamentação de mercado. Em suma, uma suficiente regulamentação pelos Estados, em consonância com os costumes comerciais locais e internacionais, objetiva não primeiramente à restrição aos produtos, mas sim proteger o consumidor como sujeito de direitos, à sociedade em geral nos temas ambientais e demais direitos de Terceira Geração. Em última análise, visa a uma maior confiança no mercado doméstico, com vistas até à atração de investimentos externos e internos, sendo "infundada a tese de que tal processo de abertura substitui um sistema legal de defesa da concorrência" [9]

Não é o intuito aqui defender o protecionismo mediante subsídios a determinado setor ou medida semelhante. Tal questão é sem dúvida uma manipulação de custos e preços tendentes a prejudicar a liberdade sadia do mercado. Não significa que, sob esse fundamento, seja necessário anular o Estado como regulador do mercado e protetor de seu nacional destinatário deste mercado. As regras de proteção fitossanitárias nunca, de modo algum, podem ser subservientes a favorecer um custo-benefício tirano. Não se justifica, muito menos, resgatar o ultrapassado modelo comunista do Estado empresário, atuando diretamente na economia. Tal conduta, porém, pode ser assumida quando não existe interesse do mercado em explorar determinado setor, ou em situações sensíveis como calamidade e guerra externa.

No Brasil, está se vivendo um momento de grande acerto social e democrático. A tendência é a retomada do crescimento sem que para isso seja necessária uma capitis deminutio institucional, uma cisão total do poder soberano, neste momento em que o capital está sendo volatizado e trocando de mãos, seria extremamente desvantajoso e desaconselhável. Ademais o custo do neoliberalismo no atual estágio de desenvolvimento seria uma "camisa-de-força" social. Aos trabalhadores devem ser garantidos os seus empregos e os investimentos sociais urgem e merece maior cautela. A desregulamentação da economia e a liberalização dos mercados nos moldes requeridos por alguns, neste momento, seria um suicídio e uma entrega da economia nacional ao sabor da especulação e dos monopólios.

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Assim, é necessário também se atentar para a questão do comprometimento dos governos com a cláusula social que atenda aos princípios básicos da liberdade de associação dos trabalhadores, do direito à organização e negociação coletivas, da idade mínima de ingresso ao mercado de trabalho, garantia à ausência de discriminação no local de trabalho e ainda proibição de qualquer forma de trabalho forçado pode ser considerada compatível com os "paradigmas éticos da proteção aos direitos" [10].

Outra preocupante situação que surge pode ser traduzida de uma estratégia do Pentágono, onde a política dos E.U.A. para os próximos anos seria a manutenção da hegemonia econômica através da submissão dos demais países. Assim, resumindo a situação das nações menos desenvolvidas, entre elas o Brasil, vêem-se relegadas a meros "mercados" a serem conquistados, sem nenhuma consideração dada aos seus problemas sociais, políticos e econômicos, bem como sem nenhuma proteção oferecida pela ordem jurídica internacional, o que as coloca em situação comparativa de grande desvantagem, até com os mercados internos das grandes potências. "Esta questão se verifica, mesmo em se desconsiderando a notável e fundamental diferença que representa a soberania dos estados, sem a qual sua independência estaria eliminada e a vontade soberana dos respectivos povos não poderia ser implementada" [11].

O unilateralismo impera no sistema mundial, inclusive pelas agências de crédito internacionais, controladas por blocos hegemônicos encabeçada pelos E.U.A, representando setores bem distintos de interesses econômicos. Entre esses setores podem ser mencionadas a indústria bancária "conhecida pela sua irresponsabilidade administrativa e falta de liquidez" [12].


Conclusão:

Hoje se ganha muito com a crise e a cura para eventuais déficits é a instabilização dos mercados ocasionando fuga de capitais dos países emergentes. Esta manipulação chega até à maior economia do mundo, quanto mais o Brasil. A humanidade não está preparada para usufruir a liberdade extrema. Quem sabe dentro de algumas décadas possa ser novamente ventilada esta hipótese.

Neste ponto, é necessário não só uma transparência econômica, mas também um mínimo ético-moral [13], onde o desenvolvimento necessita da observância de quatro pontos de referência: as metas sociais, os mecanismos adequados para alcançá-las, o marco jurídico positivo correspondente à sociedade e a exigência da consciência moral crítica.

Desta forma, pode-se extrair um conceito analógico de liberdade de maneira positiva, onde um ente para ser livre necessita ser independente tanto no seu sentido interno, como estar ele livre de coação externa, fundamentos próprios de seu ser e de seu agir [14]. A liberdade é um conceito que obedece a uma dialética necessária com o conceito da igualdade. Só há uma tendência de aumento real de liberdade quando existe um proporcional aumento da igualdade, sendo esta tomada em seu âmbito material, ou seja, não basta estar em patamar de igualdade, necessário ser realmente igual. O que não se pode aceitar é a criação maqueada de uma semiliberdade sujeita a uma pressão externa, mas somente mediante um planejamento igualitário. A evolução da sociedade para níveis satisfatórios de convivência, onde a liberdade seja um conceito melhor compreendido, ditará a hora certa de haver um mercado sem fronteiras de âmbito global.

O que pode ser traduzido da atual conjuntura é o perigo de uma nova forma de escravidão: a de nações. Para evitar tal efeito é forçoso priorizar as noções de Democracia e de Estado de Direito no âmbito interno. Já no âmbito internacional, necessária a construção um sistema de resolução de controvérsias mais amplo, abrangente e ágil, com igual sentido de Democracia, onde se garanta uma representação mais equânime dos Estados e uma participação maior das nações em desenvolvimento para que esta almejada liberdade comercial, ao invés de ser ilimitada, passe a ser delimitada e administrada de forma legítima e paritária. O que não se pode aceitar é que a regulamentação deste "livre mercado" seja feita pelo próprio mercado, sob pena da escravidão dos povos menos desenvolvidos.

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Sobre o autor
Olsen Henrique Bocchi

advogado em Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOCCHI, Olsen Henrique. Impactos da globalização produtiva sobre o desenvolvimento:: uma abordagem crítica sobre o liberalismo comercial no caso brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3979. Acesso em: 28 mar. 2024.

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