O funcionamento do Tribunal Penal Internacional e sua estrutura

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09/06/2015 às 12:49

Resumo:


  • O Tribunal Penal Internacional é regido por princípios fundamentais, como Legalidade, Nulla Poena Sine Lege, Irretroatividade, Responsabilidade Internacional Individual, Exclusão da Jurisdição Relativamente a Menores de 18 anos e Imprescritibilidade.

  • Os crimes tipificados pelo TPI incluem Genocídio, Crimes Contra a Humanidade, Crimes de Guerra e Crime de Agressão, sendo essencial para a compreensão da atuação do Tribunal.

  • O Procurador do TPI é um órgão autônomo responsável por investigar crimes, formular acusações e representar o Ministério Público perante o Tribunal, desempenhando um papel crucial na busca por justiça internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo tem como objetivo abordar o funcionamento e a estrutura do Tribunal Penal Internacional, visualizando os princípios que são aplicados a ele, os crimes de sua competência bem como as partes litigantes deste tribunal.

Para uma melhor compreensão do Tribunal Penal Internacional, é necessário que se faça, antes, um breve relato sobre a sua estrutura, analisando o seu funcionamento como um todo. Iniciando com os crimes e terminando na sentença proferida pelo Tribunal.

Princípios Fundamentais do TPI

Os princípios estabelecem ações para os legisladores e para os interpretes. O Estatuto de Roma adotou alguns princípios para regerem o Tribunal Penal Internacional. Marrielle Maia classifica esses princípios em: Legalidade, Nulla Poena Sine Lege, Irretroatividade, Responsabilidade Internacional Individual, Exclusão da Jurisdição Relativamente a Menores de 18 anos e Imprescritibilidade.[1]

O primeiro princípio elencado, que também ficou conhecido como nullun crimen sine lege, encontra-se elencado na Declaração Universal dos Direitos do Homem no artigo 11, II[2] e no próprio Estatuto de Roma em seu artigo 22[3], ao estabelecer que não é possível a existência de um crime sem que haja expressa previsão legal, não estando passível de responsabilidade por quem o pratique. Ou seja, só haverá punição se há época da ação, ou omissão, cometida o Estatuto reprovar a conduta como sendo passível de sanção.

Já o princípio da Nulla Poena Sine Lege é definido pelo artigo 23 do Estatuto, o qual dispões que “qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto”. Esse princípio está diretamente ligado ao princípio da legalidade, que diz que não se pode impor uma pena a um fato praticado sem que haja disposição em lei. 

O princípio da irretroatividade estabelece duas características ao TPI, a primeira é que só haverá punição, nos crimes previstos no tratado, se os mesmos tiverem sido praticados após a entrada em vigor do presente Estatuto e a segunda é que, nos casos em que a lei for mais favorável ao ofendido, aplicar-se-á a mais benéfica retroativa que é o “fenômeno pelo qual uma norma jurídica é aplicada a fato ocorrido antes do início de sua vigência”[4] ou ultrativa “fenômeno pelo qual uma norma jurídica é aplicada a fato ocorrido após a sua revogação”.[5]

No tocante ao princípio da Responsabilidade Internacional Individual este se encontra nos termos do artigo 25 do Estatuto de Roma, que estabelece que:

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas; 2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto; 3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática; d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso: i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime; e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática; f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso; 4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional.[6]

Segundo o princípio da Exclusão da Jurisdição Relativamente a Menores de 18 anos significa que para que alguém seja punido pelo Tribunal Penal Internacional, é necessário que, na data do cometimento do ilícito o réu já tenha 18 anos completos, do contrário fica excluída a jurisdição do TPI.[7]

Por último, e não menos importante, há que se falar no princípio da Imprescritibilidade, conforme está estabelecido no Estatuto de Roma, em seu artigo 29, que dispões que os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional são considerados imprescritíveis. Esse é um princípio que vai de encontro com o sistema jurídico adotado pelo Brasil, pois a prescrição nada mais é que determinar e tornar sem efeito um direito por decorrência do prazo, para não ser mantida a persecução criminal contra o autor de uma infração ou de não ser executada sua sanção, limitando assim o poder do Estado.[8]

Crimes

O Comitê Preparatório, tomando por referência os instrumentos internacionais, entendeu que existia a necessidade de tipificar os crimes a serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional.

Durante a Conferência dos Plenipotenciários[9] não havia se decidido a respeito da definição dos crimes de agressão. O Estatuto de Roma então possuía o mérito de definir os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e posteriormente e sob muita discussão, os crimes de agressão.

Bassiouni dispõe sobre a dificuldade de conceituar os crimes elencados no Estatuto de Roma, tendo em vista às falhas e lacunas existentes nos instrumentos internacionais, conforme estabelece:

El ámbito de la normativa aplicable a los conflictos armados, de índole internacional o no internacional, adolece de ciertos falhos y lagunas. Los cuatro Convenios de Ginebra de 1949 y el protocolo I de 1977 cubren debidamente lós conflictos de índole internacional, pero lós conflictos de índole no internacional son cubiertos de fomra poço satisfactorias (...) los crímenes de lesa humanidad no figuran aún em convenio especial, lo cual esclarecería ciertas ambiguidades com respecto a su anterior formulación en el artículo 6 c) del Estatuto del Tribunal Militar Internacional. Además tanto el genocídio como los crímenes de lesa humanidad adolecen de fallos normativos. Por ló que concierne al genocídio, ciertos grupos escapan al sistema de protección estabelecido por el Convenio y la exigência inscrita en el texto de que haya uma intención determinada es cota tan alta que a menudo resulta difícil de demonstrar. Por último, hay uma superposición patente entre la noción de genocídio y la de crimen de lesa humanidad, así como entre estas nociones y la noción de crimen de guerra y es necessário esclarecerla.[10]

No estágio preparatório, foi cogitada a possibilidade da inclusão dos crimes de tráfico de drogas e substâncias psicotrópicas e terrorismo contra as Nações Unidas e pessoas associadas, mas o primeiro não obteve êxito apesar de ter sua inclusão defendida por inúmeros países, ficando fora do documento final, e o segundo teve uma parte incorporada ao crime de guerra.[11]

Crime de Genocídio

O crime de Genocídio foi o único trazido pelo Estatuto que não gerou qualquer controvérsia quanto a sua definição, não só por sua prática apontada no século XX nos episódios do massacre cometido pelos Turcos contra os Armênios durante a Primeira Guerra Mundial; as barbaridades ocorridas aos judeus pelos Alemães na Segunda Guerra Mundial; os conflitos étnicos ocorridos na ex-Iugoslávia e as atrocidades aos Hutus pelos Tutsis em Ruanda, quanto pela convenção sobre a prevenção e punição do presente crime, ocorrido aos 9 de dezembro de 1948, ao anteprojeto do estatuto do Tribunal Penal Internacional.[12]

Essa convenção sobre o genocídio previu a criação de um tribunal internacional permanente com competência específica para o surgimento desse crime, por essa razão não houve qualquer óbice no tocante a competência do Tribunal Penal Internacional.

De acordo com a convenção destinada ao genocídio, pode-se defini-lo como:

Qualquer ato, em tempo de paz ou de guerra, com a intenção de destruir, no todo ou em parte um grupo nacional étnico, racial ou religioso, como o assassinato ou qualquer dano grave a integridade física ou mental de membros do grupo; subjugação intencional do grupo à condição de existência que lhe ocasione a destruição física, total ou parcial, medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo, e transferência forçada de indivíduos, sobretudo crianças, para outro grupo.

Kittichaisaree fornece uma definição para cada um dos grupos protegidos. Um grupo nacional seria “uma coleção de pessoas que visivelmente possui uma ligação legal baseada em uma cidadania comum, junto à reciprocidade de direitos e deveres.” Um grupo étnico “é um grupo cujos membros dividem uma língua e uma cultura comum.” Um grupo racial “é distinguido de outros grupos raciais pelos traços físicos hereditários frequentemente identificados com áreas geográficas, independentemente de fatores linguísticos, culturais, nacionais ou religiosos”. Um grupo religioso “é um grupo cujos membros compartilham a mesma religião, denominação ou modo de rezar, ou crenças comuns.”[13]

Trata-se de uma infração em que a vítima não é atingida em função de características ou qualidades individuais, mas unicamente por ser membro de um grupo.

Crime Contra a Humanidade

As principais fontes que auxiliaram a criação dos crimes contra a humanidade foram as cartas dos tribunais de Nuremberg, Tóquio e os estatutos dos tribunais ad hoc para ex-Iugoslávia e Ruanda, bem como o código de crimes contra a paz e segurança da humanidade.[14]

A maior polêmica trazida no momento de conceituação desse delito foi a de definir sobre a inclusão de alguns atos ilícitos, como é o caso dos crimes sexuais.

A primeira definição de modo articulado foi trazido pela Carta de Nuremberg em 1945, e desse período ate a definição disposta no artigo 7º do Estatuto de Roma ocorria uma expectativa muito grande por parte dos elaboradores em relação ao detalhamento do artigo quando comparado aos anteriormente trazidos pelas cartas e códigos anteriores.

O artigo 7º do Estatuto assim definiu o crime contra a humanidade como sendo:

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Houve controvérsias e dificuldades nas negociações no tocante ao que o artigo quis dizer com “comissão generalizada” de atos contra qualquer população civil e o disposto no parágrafo 2º que definiu a tortura em decorrência da legislação de países muçulmanos e islâmicos que não consideram algumas formas de punição como tortura.[15]

              O Estatuto também marca um progresso no desenvolvimento do direito internacional ao compreender uma série de atos de violência sexual e a proteção às mulheres e crianças.

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Crime de Guerra

A principal referência utilizada para conceituar o crime de guerra foi o Direito de Haia e as 4 Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais. Desde o princípio a negociação do crime de guerra provou ser um assunto difícil de se tratar. Dificuldades foram encontradas na inclusão de certos temas como os referentes a proteção das vítimas em conflitos não internacionais, conflitos internos, armas proibidas, estabelecimento de limiares a partir do qual os crimes de guerra recaiam sob a jurisdição do tribunal, entre outros.[16]

Embora às dificuldades apresentadas, o artigo 8º do Estatuto de Roma estabeleceu os elementos do crime de guerra como sendo: “os cometidos dentro de um contexto de guerra e a relação do crime com esta.”

A princípio, é fácil notar uma similaridade com o crime contra a humanidade, mas com este não se confunde pois o crime de guerra necessita de um conflito, tenha ele caráter internacional ou não, possuindo como objetivo defender o Estado, de manter a ordem interna, a soberania e unidade do pais.[17]

O Estatuto de Roma contribuiu para assegurar maior eficácia aos instrumentos do Direito Humanitário ao tipificar o crime de guerra, no entanto o artigo 124 do Estatuto assevera que:

Não obstante o disposto nos parágrafos 1o e 2o do artigo 12, um Estado que se torne Parte no presente Estatuto, poderá declarar que, durante um período de sete anos a contar da data da entrada em vigor do Estatuto no seu território, não aceitará a competência do Tribunal relativamente à categoria de crimes referidos no artigo 8o, quando haja indícios de que um crime tenha sido praticado por nacionais seus ou no seu território. A declaração formulada ao abrigo deste artigo poderá ser retirada a qualquer momento. O disposto neste artigo será reexaminado na Conferência de Revisão a convocar em conformidade com o parágrafo 1o do artigo 123.

Dessa forma o direito de não aceitar a jurisdição do TPI sobre os crimes de guerra cometido por seus nacionais ou em seu território durante um período de 7 anos contados a partir da data em que o Estatuto entrar em vigor para o Estado que o ratificou revela a dificuldade das negociações em busca de consenso para a consolidação dos crimes de guerra.[18]

Crime de Agressão

O crime de agressão foi o único que teve a sua adesão questionada pelas inúmeras controvérsias existentes nele, mas como foi levado a discussão por diversas delegações durante os trabalhos preparatórios e no curso da conferência, possuiu aprovação para compor o Tribunal Penal Internacional, com definição incluída pela revisão do TPI realizada em Kampala, na Uganda, por meio da Resolução RC/Res.6.[19]

O Tribunal de Nuremberg trazia em sua Carta um crime similar ao crime de agressão, era ele o crime contra a paz, o que sugeriu três opções para que se fosse conceituado o crime de agressão.

A primeira tratava dos atos cometidos por um indivíduo que está em posição de exercer controle ou é competente para dirigir ações políticas/militares em um Estado. A segunda agrega a primeira “em contravenção à carta das Nações Unidas, recorrendo ao uso da força armada para violar a soberania, integridade territorial ou independência política do Estado” e lista os atos que constituem agressão. A terceira e última difere da primeira ao se referir expressamente ao artigo 10 do Projeto do Estatuto[20] que trata do relacionamento entre o TPI e o Conselho de Segurança.

Peixoto acentua as seguinte dificuldades:

  1. por tratar-se de crime de natureza política por excelência, sua incorporação ao estatuto poderia politizar os trabalhos da Corte, colocando em risco sua independência;
  2. havia uma definição razoavelmente aceita de agressão como ilícito de Estado (Resolução 3314/1974 da Assembleia Geral das Nações), mas não havia uma definição amplamente aceita de agressão que envolvesse responsabilidade individual;
  3. mesmo a definição do crime enquanto ação de estado foi contestada por algumas delegações;
  4. a responsabilização penal pelo crime de agressão acha-se estreitamente vinculada à noção de ‘planejamento e preparação’ (e ao conceito de ‘conspiracy’ do Common Law), elemento incluído na definição da Carta do Tribunal de Nuremberg que gerou sérios problemas durante os julgamentos;
  5. a superposição entre as áreas de competência do TPI e do Conselho de Segurança.[21]

Após muita discussão concluiu-se com a efetiva inclusão do crime de agressão na competência do Tribunal Penal Internacional, desde que “o exercício da jurisdição do TPI estivesse condicionado à aprovação de uma emenda ao Estatuto, isolada ou no contexto de uma conferência de revisão, que contenha a definição do referido crime e estabeleça o papel a ser desempenhado pelo Conselho de Segurança.”[22]

Acusados e Vítimas

A regra utilizada pelo Estatuto de Roma é o da responsabilidade penal individual, que também é considerada uma das maiores virtudes do Estatuto, pois afastam eventuais imunidades e privilégios como a posição ou os cargos oficiais que os infratores possam ter.

A única exceção, trazida pelo próprio estatuto, está disposto em seu artigo 26 que dispõe que o Tribunal não terá jurisdição sobre os indivíduos que na data da prática do delito ainda não possuam 18 anos completos.

Para uma melhor compreensão de quem pode ser parte perante o Tribunal Penal Internacional, faz-se necessária uma leitura do disposto no artigo 25 do presente instituto:

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas.

2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto.

3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática; d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso: i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime; e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática; f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.

4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional.

A competência do Tribunal Penal Internacional aplica-se, ainda, e de igual maneira, aos cargos mais superiores, são eles os de oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro do Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público.

O Estatuto de Roma, ao ser elaborado, não quis privilegiar e nem atribuir prerrogativas a qualquer pessoa que possa figurar como parte no Tribunal Penal Internacional, dessa forma, o fato de ser uma pessoa desconhecida ou um Chefe de Estado, em caso de crime de responsabilidade, não constituirá motivo para redução da pena. Por maior a imunidade que a pessoa possa vir a ter, isso não obsta a atuação do TPI.

A ideia crescente de que os indivíduos devem ser responsabilizados no cenário internacional, em decorrência dos crimes cometidos contra o Direito Internacional, aparece bastante reforçada no Estatuto de Roma que, além de ensejar a punição dos indivíduos como tais, positivou, no bojo de suas normas, os princípios gerais do Direito Penal Internacional (atrs. 22 a 33 do Estatuto de Roma), bem como trouxe regras claras e bem estabelecidas sobre o procedimento criminal perante o Tribunal (arts. 53 a 61 do Estatuto de Roma).[23]

O indivíduo pode vir a ser preso quando, após a abertura do inquérito, se solicitado pelo Promotor, existam motivos suficientes para garantir o comparecimento desse indivíduo ao Tribunal, para garantir que este não obstrua ou coloque em risco a ação do Tribunal, ou para impedir que este continue a cometer crimes de competência do Tribunal Penal Internacional.[24]

É importante salientar que o acusado estará presente durante o julgamento e que a responsabilidade do indivíduo não exclui a responsabilidade civil do Estado, que na maioria das vezes é que está administrando a atuação do indivíduo.

Apesar de não figurar como parte legítima da ação, a vítima também tem uma colaboração muito importante no procedimento acusatório, podendo participar em qualquer etapa dos procedimentos perante o Tribunal, que compreendem o inquérito, o processo e a reparação. O artigo 75 do Estatuto de Roma prevê a possibilidade de reparação das vítimas, ou de seus titulares de direito.

O conceito de vítima foi definido pelas Regras de Processo e Provas do Estatuto de Roma, que a elucida como as pessoas físicas que tenham sofrido dano como resultado da comissão de qualquer crime dentro da jurisdição do Tribunal; ou organizações ou instituições dedicadas a fins religiosos, educacionais, artísticos, científicos ou assistenciais que tenham sofrido dano à sua propriedade ou a seus monumentos históricos, hospitais, e demais lugares e objetos de propósito humanitário.

A restituição ás vítimas pode ser efetuada pelo Fundo em Favor das Vítimas previsto no artigo 79 do Estatuto de Roma. O Fundo em Favor das Vítimas funciona com doações, tanto dos Estados Parte, quanto de particulares. Após a condenação o TPI repassa ao Fundo para que estes achem a melhor forma de recompensar as vítimas ou os seus representantes de direito. Essas medidas nem sempre possuem natureza pecuniária, às vezes são medidas que buscam recuperar a vida desses indivíduos para reintegrá-los na sociedade, evitando qualquer espécie de descriminação.

Promotoria

A Procuradoria é um dos órgãos mais importantes que compõe o Tribunal Penal Internacional, composto por um Procurador e um ou dois Procuradores adjuntos. Estes Procuradores são eleitos por voto da maioria absoluta da Assembleia dos Estados-Parte, exercendo o respectivo cargo por nove anos, não podendo ser reeleitos, devendo, ainda,  ter elevada idoneidade moral, nível de competência e vasta experiência prática em matéria de processo penal, devendo falar pelo menos uma das línguas de trabalho do Tribunal.[25] Após eleitos esse profissionais não podem desempenhar qualquer atividade que possa atrapalhar a sua função junto ao TPI.

Este órgão autônomo é chefiado por um Procurador que fica encarregado, perante o TPI, de receber informações, investigação dos fatos, formulação da denúncia do crime e acusação do suspeito nos julgamentos, assim como disciplina o artigo 42, que segue:

O Gabinete do Procurador atuará de forma independente, enquanto órgão autônomo do Tribunal. Competir-lhe-á recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal. Os membros do Gabinete do Procurador não solicitarão nem cumprirão ordens de fontes externas ao Tribunal.

É importante destacar que o Tribunal Penal Internacional não possui polícia para investigar os delitos ficando a cargo do Procurador esse poder de investigar, por isso é de suma importância a sua participação no TPI. A maior ajuda que o representante do Ministério Público possui é a dos procuradores adjuntos

O Procurador possui legitimidade para solicitar a investigação de um indivíduo de ofício, ou seja, no momento em que tomar conhecimento do ato praticado pode buscar informações do ocorrido, diferente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que apesar de  também possuir competência para solicitar investigações, não pode fazê-la de ofício, tendo a obrigatoriedade de apresentar documentos e provas do ato ilícito.

Renata Mantovani de Lima afirma que:

“(...) diante do receio de que tal órgão concentraria um poder excessivo em suas mãos e objetivando assegurar a responsabilidade do Promotor, o Estatuto optou por um modelo de supervisão, no qual a Câmara de Questões Preliminares manifestar-se-á ao longo de toda a instrução, independentemente de requisição.”[26]

Após tomar conhecimento do ato delituoso o Procurador decidirá se a Tribunal Penal Internacional investigará ou não o fato. Se verificar que não existem indícios de autoria ou materialidade este poderá concluir o caso podendo ser reaberto posteriormente. Caso sua decisão seja contrária a esta, o Procurador poderá solicitar a inquirição seja iniciada.

O Tribunal Penal, após a solicitação do Procurador, irá fazer uma espécie de juízo de admissibilidade, podendo este não aceitá-la, conforme estabelece o artigo 17 do Estatuto:

a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.

Se a Tribunal, após verificada a admissibilidade do ato, entender passível de apreciação então o Procurador, através de petição, solicitará à Câmara de Julgamento a emissão de um mandado de detenção ao indivíduo ou uma intimação para seu comparecimento, dando início a ação perante o Tribunal Internacional.

Além de todas as suas atribuições, o Promotor poderá, assim como o acusado, recorrer da decisão proferida pelo Tribunal que for incompatível com as suas requisições, ou por meio da apelação ou por meio da revisão.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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