Na disciplina anterior, o Código de Processo Civil de 1973 possuía hipóteses bastante restritas de cabimento dos Embargos de Divergência, e a jurisprudência criou outros tantos empecilhos que não tinham sido previstos pelo legislador.
Sabe-se que, na militância advocatícia, trata-se de uma verdadeira raridade lograr êxito em obter um pronunciamento de mérito em Embargos de Divergência. Muitos são os argumentos para que os mesmos não sejam conhecidos: suposta ausência de cotejo analítico, ausência de similitude entre o caso paradigma e a causa em análise, ausência de análise de mérito no Recurso Especial etc.
O que agrava ainda mais essa realidade enfrentada pelas partes no processo é justamente a falta de uniformidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, notadamente em Direito Processual.
Aliás, o referido recurso existe justamente para isso: extirpar a divergência de entendimentos no âmbito da mesma Corte de Justiça. Nesse mesmo sentido está a doutrina.
Araken de Assis foi bastante enfático ao informar que “o fim a que visam os embargos de divergência é o de provocar a extinção da divergência intestina que eventualmente grassar no STF e no STJ. A Constituição outorgou a tais tribunais superiores, ao primeiro em matéria constitucional, ao segundo no tocante ao direito federal, funções uniformizadoras.” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 881-882).
Na mesma linha, Elpídio Donizetti aponta que “os embargos de divergência visam eliminar divergência no seio do próprio tribunal.” (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 16ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 788).
Pois bem, compreendida a finalidade dos Embargos de Divergência, importa-nos, neste momento, avaliar o que mudou com o advento do novo Código de Processo Civil de 2015. Vejamos os dispositivos.
CPC/1973:
Art. 546. É embargável a decisão da turma que:
I - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial;
Il - em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário.
Parágrafo único. Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no regimento interno.
CPC/2015:
Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que:
I - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito;
II - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade;
III - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;
IV - nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal.
§ 1o Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária.
§ 2o A divergência que autoriza a interposição de embargos de divergência pode verificar-se na aplicação do direito material ou do direito processual.
§ 3o Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros.
§ 4o O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.
§ 5o É vedado ao tribunal inadmitir o recurso com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.
De início, já se percebe claramente que o novo dispositivo legal pretende solucionar, ou ao menos amenizar, os problemas gerados pela norma anterior e pela jurisprudência – que limitavam enormemente a possibilidade de utilização deste recurso.
Vamos às mudanças:
- O dispositivo anterior fazia referência apenas a “Turma”, enquanto que o texto atual considera que é embargável o acórdão de “Órgão fracionário”. Assim, acredita-se que acórdãos provenientes das “Seções” também poderão passar a ser embargáveis.
- Anteriormente, entendia-se que apenas o julgamento de mérito no Recurso Extraordinário ou Recurso Especial poderia se submeter à interposição dos Embargos de Divergência. Contudo, com o novo texto, possibilita-se a apresentação de Embargos de Divergência tanto no que concerne ao acórdão de mérito como naquele referente ao juízo de admissibilidade. É o que se depreende da leitura dos incisos I e II do artigo 1043. Afora isso, o próprio inciso III do art. 1043 deixou claro que podem ser confrontados acórdãos que tenham apreciado o mérito e que não tenham sequer conhecido do recurso, desde que tenha havido apreciação da controvérsia.
- Pela norma anterior, havia a diretriz de que apenas os processos submetidos à análise do STF e STJ, por meio de RE e RESP, respectivamente, poderiam se submeter à interposição de Embargos de Divergência. Contudo, pela regra do inciso IV do novo artigo 1043, nos processos de competência originária, também se passou a possibilitar a apresentação dos Embargos de Divergência. Aliás, o §1º do mesmo artigo enfatiza que “poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária” – o que antes não era permitido pela jurisprudência.
- O §3º do artigo 1043 também irrompe com jurisprudência sacramentada dos Tribunais Superiores: agora, a decisão de uma mesma Turma pode servir de paradigma para confrontar acórdão proferido pelo mesmo órgão “desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros”.
- Por fim, o §5º do artigo 1043 pretende acabar com uma prática bastante reiterada dos Ministros do STF e STJ – os quais se baseavam em fundamentos eminentemente genéricos para afirmar que as circunstâncias fáticas seriam diferentes. Com a nova regra, eles terão que demonstrar a existência da distinção para inadmitir os Embargos de Divergência.
Com essas alterações, algumas Súmulas da jurisprudência do STF e do STJ ficam superadas a partir do momento em que o novo CPC/2015 entrar em vigor.
Em razão do que fora dito no item 2 acima, o enunciado 315 da Súmula de jurisprudência do STJ perde sentido, vejamos: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial.”.
Quanto ao item 4, o enunciado 353 do STF também deve deixar de ser aplicado: “São incabíveis os embargos da Lei 623, de 19.02.49, com fundamento em divergência entre decisões da mesma turma do Supremo Tribunal Federal.”
No que concerne aos itens 1 e 4, acreditamos que merece releitura o enunciado 158 do STJ (“Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada”), tendo em vista a significativa mudança quanto ao órgão prolator do acórdão paradigma.
De acordo com o que fora exposto acima, observa-se que o novo CPC/2015 ampliou a possibilidade de interposição dos Embargos de Divergência, favorecendo a necessidade de uniformização da jurisprudência nos Tribunais Superiores – o que, por reflexo, influenciará as decisões a serem tomadas no âmbito dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, diminuindo o número de decisões contraditórias e proporcionando uma maior segurança jurídica.
Por fim, acrescente-se apenas que o art. 1044, §2º, do novo CPC/2015 deixou explícito que “se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.”.
Este último dispositivo citado impede o não-conhecimento do Recurso Extraordinário por extemporaneidade, sendo desnecessária a reiteração ou ratificação do mesmo.
Ademais, acreditamos que a nova sistemática dos Embargos de Divergência facilitará a atividade das partes e proporcionará uma maior uniformidade nos entendimentos jurisprudenciais no Judiciário brasileiro.