O não cabimento do recurso extraordinário.

Decisões judiciais proferidas em sede administrativa

10/06/2015 às 17:13
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O presente artigo apresenta-se como um compêndio de julgados atinentes ao tema relacionado ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

O presente artigo tem como objetivo apresentar, de forma sedimentada, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no que pertine aquelas produzidas no alcance do Estatuto da Criança e do Adolescente.

De forma sucinta, apresentar-se-ão decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de apreciação por este órgão maior, quando a decisão tiver âmbito administrativo.

Consigna-se inicialmente, que quando o magistrado de primeiro grau profere uma decisão num processo que envolva criança ou adolescente, e então está-se diante de um juiz especializado nessa área e que tem competência para tanto, essa decisão tem alcance materialmente administrativo, posto que foi instaurado com o objetivo de apurar infração administrativa.

E ao negar provimento aos recursos de agravo regimental, apelação e/ou Embargos de Declaração interpostos pelo recorrente, mantendo-se a sanção pecuniária que a esta havia sido imposta, com fundamento nos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o teor da decisão apresenta o mesmo caráter, qual seja, a apuração da citada infração. Nessa situação, nasce a oportunidade para interposição do Recurso Extraordinário.

Ocorre que a E. Corte Suprema no Brasil tem entendimento que revela ser incabível a interposição de recurso extraordinário contra decisão que, embora emanada de Tribunal judiciário competente, fora proferida em procedimento de caráter materialmente administrativo, instaurado com o objetivo de apurar infração administrativa.

Nesse sentido:

“EMENTA: EXIBIÇÃO DE FILME EM HORÁRIO DESACONSELHÁVEL. LEI Nº 8.069/90 (ART. 254). INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA APURÁVEL EM PROCEDIMENTO DE CARÁTER ADMINISTRATIVO INSTAURADO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE CAUSA, PARA FINS DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RE NÃO CONHECIDO. - Por não se achar configurada a existência de "causa", revela-se incabível a interposição de recurso extraordinário contra decisão, que, embora emanada de Tribunal judiciário competente, foi proferida em procedimento de caráter materialmente administrativo, instaurado com o objetivo de apurar infração administrativa praticada por empresa que mantém e explora programas em emissora de televisão (Lei nº 8.069/90, art. 254). Precedentes. (RE 508030, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 24/11/2006, publicado em DJ 13/12/2006 PP-00116 RDDP n. 48, 2007, p. 191-193)”

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EXIBIÇÃO DE FILME EM HORÁRIO DIVERSO DO PERMITIDO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 194 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DECISÃO MATERIALMENTE ADMINISTRATIVA. INVIABILIDADE DO RE. 1. A decisão que julga infração administrativa, com fundamento no art. 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente, possui caráter materialmente administrativo, uma vez que o procedimento de apuração de infração administrativa é destituído de índole jurisdicional. 2. Apenas as decisões finais proferidas no âmbito de procedimento judicial são impugnáveis pela via do recurso extraordinário. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 510334 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-092 DIVULG 16-05-2011 PUBLIC 17-05-2011 EMENT VOL-02523-01 PP-00156)”

Portanto, resta claro o não cabimento do Recurso Extraordinário, haja vista tratar-se de decisão proferida em procedimento de caráter materialmente administrativo repita-se, instaurado com o objetivo de apurar infração administrativa contra normas de proteção à criança e adolescente, cujo objeto é de cunho puramente patrimonial e disponível, e sua pretensão limita-se apenas a aplicação de multa pecuniária.

Destarte, por tais fundamentos, o recurso não há de ser admitido no juízo de admissão dos recursos já no primeiro grau. Porém, e se alcançar tal abrangência, vale dizer, se chegar ao Tribunal Superior, melhor sorte não lhe alcançará.

Esse é o entendimento:

EMENTA: TRANSMISSÃO DE PROGRAMA DE RÁDIO EM HORÁRIO DIVERSO DO AUTORIZADO OU SEM AVISO DE CLASSIFICAÇÃO. LEI Nº 8.069/90 (ART. 254). INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA APURÁVEL EM PROCEDIMENTO DE CARÁTER ADMINISTRATIVO INSTAURADO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE CAUSA, PARA FINS DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DESCABIMENTO DO APELO EXTREMO. AGRAVO IMPROVIDO. - Por não se achar configurada a existência de "causa", revela-se incabível a interposição de recurso extraordinário contra decisão, que, embora emanada de Tribunal judiciário competente, foi proferida em procedimento de caráter materialmente administrativo, instaurado com o objetivo de apurar infração administrativa praticada por empresa que explora atividade de radiodifusão (Lei nº 8.069/90, art. 254). Precedentes.

DECISÃO: O recurso extraordinário - a que se refere o presente agravo de instrumento - insurge-se contra acórdão proferido pelo E. Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que, ao dar parcial provimento a recurso de apelação interposto pela empresa ora agravante, manteve a sanção pecuniária que a esta havia sido imposta com fundamento no art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Entendo que o recurso extraordinário em questão é insuscetível de conhecimento, eis que impugna decisão de caráter materialmente administrativo, proferida em procedimento cuja natureza, por revelar-se destituída de índole jurisdicional, não se ajusta ao conceito constitucional de causa.

Com efeito, a decisão emanada do Conselho da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro resultou do exercício, por esse órgão judiciário, de uma típica função de natureza administrativa, desvestida, por isso mesmo, de qualquer atributo de índole jurisdicional. Essa percepção do tema reflete-se no magistério de VÁLTER KENJI ISHIDA ("Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência", p. 321, item n. 2, 2ª ed., 2000, Atlas), que, a propósito da matéria ora em exame, assim define a natureza jurídica do procedimento instaurado para apurar a prática das infrações administrativas tipificadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive aquela a que se refere o art. 254 do diploma legislativo em questão: "Todavia, embora realizado pelo Magistrado, o procedimento, nesse caso, é administrativo e não judicial. Equipara-se o Juiz ao agente público encarregado de aplicação de sanção administrativa (multa) no caso de infração de natureza administrativa. A multa, se a representação for julgada procedente, é de natureza administrativa e não se confunde com a multa aplicada na esfera penal." (grifei) Essa mesma orientação é perfilhada por WILSON DONIZETI LIBERATI ("Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente", p. 245-246 e 253-254, item n. 3, 6ª ed., 2002, Malheiros), cujo magistério enfatiza o caráter materialmente administrativo do procedimento instaurado para apuração das "infrações administrativas cometidas contra normas de proteção dos direitos da criança e do adolescente", tais como definidas nos arts. 245 a 258 do ECA.

Desse modo, mesmo naquelas hipóteses em que o pronunciamento impugnado tenha emanado de autoridade judiciária, ainda assim não terá pertinência o recurso extraordinário, se a decisão, como no caso, houver sido proferida em sede estritamente administrativa, tal como ocorre, por exemplo, com os atos judiciais praticados no procedimento de dúvida (RTJ 50/196 - RTJ 66/514 - RTJ 90/676 - RTJ 90/913 - RTJ 97/1250 - RTJ 109/1161), ou no procedimento de justificação instaurado perante a Justiça Militar (RTJ 94/1188 - RTJ 102/440 - RTJ 127/669), ou no procedimento iniciado com a expedição dos precatórios (RTJ 161/796, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - AI 155.718/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - AI 157.166/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - AI 162.775/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 209.737-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), ou nos procedimentos de requisição de intervenção estadual nos Municípios, para prover a execução de ordem judicial (Súmula 637/STF - RTJ 177/575, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno - RE 232.937/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 259.927/SP, Rel. Min CELSO DE MELLO) ou, ainda, no procedimento para decretação da perda da graduação de praça (AI 249.263/RS, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - AI 252.391/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 270.793/AC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É que - tal como adverte a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 161/1031, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - são impugnáveis, na via recursal extraordinária, apenas as decisões finais proferidas no âmbito de procedimento judicial que se ajuste ao conceito de causa (CF, art. 102, III).

Sob tal perspectiva, a existência de uma causa - que atua como inafastável pressuposto de índole constitucional inerente ao recurso extraordinário - constitui requisito formal de admissibilidade do próprio apelo extremo. Não custa enfatizar, neste ponto, que a locução constitucional "causa" designa, na abrangência de seu sentido conceitual, todo e qualquer procedimento em cujo âmbito o Poder Judiciário, desempenhando sua função institucional típica, pratica atos de conteúdo estritamente jurisdicional. Foi com o propósito de assegurar o primado do ordenamento constitucional que se delineou o perfil do recurso extraordinário, vocacionado a atuar, nos procedimentos de índole estritamente jurisdicional, como instrumento de impugnação excepcional de atos decisórios finais, sempre que estes, proferidos em única ou em última instância, incidirem em qualquer das hipóteses taxativas definidas no art. 102, inciso III, da Lei Básica.

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A ativação da competência recursal extraordinária do Supremo Tribunal Federal está sujeita, portanto, à rígida observância, pela parte recorrente, dos diversos pressupostos que condicionam a utilização da via excepcional do apelo extremo. Dentre os pressupostos de recorribilidade, um há que, por específico, impõe que a decisão impugnada tenha emergido de uma causa, vale dizer, de um procedimento de índole jurisdicional. Isso significa que não basta, para efeito da adequada utilização da via recursal extraordinária, que exista controvérsia constitucional. É também preciso que esse tema de direito constitucional positivo tenha sido decidido no âmbito de uma causa.

Essa locução constitucional - "causa" - encerra um conteúdo específico e possui um sentido conceitual próprio. Não é, pois, qualquer ato decisório do Poder Judiciário que se expõe, na via do recurso extraordinário, ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal Federal. Acham-se excluídos da esfera de abrangência do apelo extremo todos os pronunciamentos, que, embora formalmente oriundos do Poder Judiciário (critério subjetivo-orgânico), não se ajustam à noção de ato jurisdicional (critério material).

A expressão causa, na realidade, designa qualquer procedimento em que o Poder Judiciário, desempenhando a sua função institucional típica, resolve ou previne controvérsias mediante atos estatais providos de "final enforcing power". É-lhe ínsita - enquanto estrutura formal em cujo âmbito se dirimem, com carga de definitividade, os conflitos suscitados - a presença de um ato decisório proferido em sede jurisdicional. Daí o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA ("Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro", p. 292/293, 1963, RT, nota de rodapé n. 572), que, apoiado nas lições de MATOS PEIXOTO ("Recurso Extraordinário", pág. 212, item n. 25, 1935, Freitas Bastos) e de CASTRO NUNES ("Teoria e Prática do Poder Judiciário", p. 334, item n. 6, 1943, Forense), adverte que o objeto de impugnação na via do apelo extremo será, sempre e exclusivamente, a decisão que resolver, de modo definitivo, a situação de litigiosidade constitucional suscitada.

Os atos decisórios do Poder Judiciário, que venham a ser proferidos em sede meramente administrativa (como no caso ora em exame), não encerram, por isso mesmo, conteúdo jurisdicional, deixando de impregnar-se, em conseqüência, da nota da definitividade que se reclama aos pronunciamentos suscetíveis de impugnação na via recursal extraordinária.

Sendo assim, pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, por revelar-se evidentemente incabível, na espécie, o recurso extraordinário a que ele se refere. Publique-se. Brasília, 31 de maio de 2004. Ministro CELSO DE MELLO Relator (AI 465942, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 31/05/2004, publicado em DJ 22/06/2004 PP-00022).

Portanto, ainda que em juízo de admissibilidade recursal, o Recurso Extraordinário seja encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, quer seja por vias próprias, quer seja após interposição de Agravo ao próprio Tribunal, o caminho a encontrar o julgamento será o da negativa de seguimento já em decisão monocrática, o que alcança e abre espaço para os demais julgamentos judiciais tão merecedores quanto este.

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