Reflexões acerca da justa reparação aos filhos e netos dos exilados políticos como contribuição para o alcance da justiça

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Indenização (reparação) por danos transgeracionais causados aos filhos e netos dos exilados da ditadura e sistemática de criar um paradigma reflexivo novo dentro da história da reparação.

RESUMO

O tema aqui abordado abrangerá considerações sobre a Lei nº 6.683/1979, que funciona como marco simbólico para o início a reabertura democrática, é o primeiro material didático legalista a ser considerado para a inteligência do processo reparatório no Brasil. Embora seu enfoque tenha sido preponderantemente penal e laboral, objetivando extinguir a punibilidade de atos de “criminalidade política”, é neste diploma legal que ensejam encontrar as origens do atual sistema de reparação aos anistiados políticos brasileiros, assim através de compilações doutrinária interpretativa verificará também sobre a previsão de ressarcimento para os filhos e netos dos perseguidos políticos no período compreendido entre as décadas de 60 e 80, uma vez que a lógica deste sistema baseia-se no ideal de restituição integral dos direitos lesados.

            É por esta razão que consoante ao título deste projeto, tratara-se da indenização (reparação) por danos transgeracionais causados aos filhos e netos dos exilados da ditadura. Pois através desta sistemática, pressupõem, em criar um paradigma reflexivo novo dentro da história da reparação e tendo em vista que o Estado veio estabelecendo medidas de reparação muito limitadas e que, por vezes, que acabaram por não se efetivar no mundo da vida, haja vista que somente com a Lei nº 10.559/2002 (aprovada por unanimidade no Congresso Nacional), que se tornou um instrumento derradeiro para a reparação individual aos perseguidos políticos brasileiros, ampliando significativamente a gama de direitos até então existentes e alcançando um nível de efetividade muito superior ao de qualquer medida anterior.Palavras-chave: reparação, exilados, perseguidos, filhos e netos, anistia.

1 INTRODUÇÃO

            O trabalho proposto visa debruçar-se sobre justa efetivação do direito à indenização (reparação) por danos transgeracionais causados aos filhos e netos dos exilados da ditadura, sem banalizar o instituto transicional, e com a finalidade de, apesar de muito já se ter escrito sobre suas peculiaridades, continuar descortinando no contexto interno e internacional os enfretamentos jurídicos, políticos e éticos existentes para compreender toda história de abusos contra os direitos humanos, além de cooperar com o resgate da memória histórica[2] dos anos de “chumbo”. Tal interesse caminha na direção de explicitar mais seus predicados. Trata-se de dizer a relevância da indenização no âmbito das decisões da Comissão de Anistia[3], examinando se estes atos decisórios preenchem os importantes requisitos de reconciliar e restituir da Justiça de Transição[4].

            Sabe-se que o direito à reparação é amplamente reconhecido no direito internacional como critério básico de restituição de direitos e de restauração da confiança cívica das vítimas nas instituições democráticas e no próprio Estado[5]. A reparação, além de ser um direito individual de cada vítima, é condição necessária para a restauração da justiça e para reparar as violações aos direitos humanos deixados. É, em suma, uma forma de restabelecer a igualdade perante a lei, que foi quebrada pelo crime, seja na forma de desaparecimento forçado, assassinato, tortura ou outras violações graves aos direitos humanos, como de crianças que permaneceram no país, mas não puderam desfrutar da presença do pai, ou mãe, ou até mesmo dos dois, que passaram meses e até anos encarcerados.

            Conforme relatado pela ABAP – Associação Brasileira de Anistiados Políticos[6], “esses filhos e netos dos exilados não pegaram em armas e sequer sabiam o significado de ideologia nenhuma. Eram a época muito crianças para isso.” Contudo, por força do cenário político da época, tornaram-se personagens involuntários de um dos períodos conturbado da História recente do Brasil, quando seus pais foram presos ou sequestrados e torturados em quartéis “da ditadura” que se instalaram no país a partir do golpe militar de 64 até os anos 80.

            Muitos desses filhos foram condenados o exílio forçado dos pais até poderem retornar ao Brasil. Tantos outros permaneceram no país, mas não puderam ter o direito da presença do pai, ou mãe, ou até mesmo dos dois, que passaram meses e até anos encarcerados. E outros, ainda, os perderam definitivamente para as torturas da repressão.

            Embora muitos conjuntos documentais do período da ditadura tenham sido recolhidos às instituições públicas arquivistas desde os anos 90 – alguns já na década dos anos 80 –, prosseguindo de forma mais sistemática em decorrência de legislação específica, esses arquivos ainda se encontram numa espécie de “clandestinidade”, para retomar a expressão de Henriques[7].

            Mas hoje com o “Memorial da Anistia”, equipamento público de memória vinculado à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em parceria com a Secretaria de Patrimônio da União, da Prefeitura de Belo Horizonte e da Universidade Federal de Minas Gerais (Departamento de História – através do Projeto “República da UFMG[8]” e Grupo “Justiça de Transição”, da Faculdade de Direito) é possível relembrar de forma contextual que essas são histórias de pessoas, hoje adultas, cuja carga de sofrimento acumulado desde a infância foi eclodindo ao longo dos anos, deixando seqüelas.

            “Todos eles têm em comum a característica de se tratarem de filhos e filhas do exílio, da clandestinidade. O que nos faz permitir dar visibilidade à brutalidade do regime ditatorial sobre a vida das crianças, e de percebermos que os danos impingidos a um perseguido político são danos transgeracionais”, disse o secretário nacional de Justiça do MJ, Paulo Abrão, que preside a Comissão de Anistia[9].

            Para exemplificar, utilizam-se as narrativas documentadas como dos filhos, os irmãos Jorge, Gilse e Mayra Barbosa Guedes, dos perseguidos políticos Nair Barbosa Guedes e José Luiz Moreira Guedes, que viveram na clandestinidade, no período do regime militar.

“Meus pais saíram do país fugindo da repressão, eu fiquei com meus avós, que nos levaram para a França. Fui registrada com nome falso em São Paulo, mas nasci em Maceió. Nós, enquanto crianças, não tínhamos escolha. Tenho muito orgulho dos meus pais, mas as crianças querem ficar com eles. E eu fui privada do contato com meus familiares”, disse Gilse.[10]

            As anistiadas Vera Pape Pape e Sílvia Perrone, conforme documentado conviveram juntas durante o exílio quando eram crianças. As duas amigas não se viam há 30 anos e o reencontro aconteceu na sessão da Comissão de Anistia.

“Em 1980 cheguei ao Brasil com documentos franceses, levei vários anos para conseguir a certidão de nascimento de brasileira, meu irmão, é portador de sofrimento mental, minha mãe tinha transtorno bipolar. Tudo isso faz que a vida fique tumultuada, mas dizem que pessoas que vivem em campos de concentração podem sair feridas, mas não necessariamente se quebram. A música me trouxe isso, quem não tem sonhos não faz música”, relata Vera a Comissão de Anistia.[11]

            A busca da verdade é importante não somente para dar um total conhecimento ao fato de que ocorreram violações dos direitos humanos, mas também para que os governos, os cidadãos e os torturadores reconheçam a injustiça de tais abusos.

2 COMISSÃO DA VERDADE

            O estabelecimento de uma verdade oficial, vinda da Comissão da Verdade[12], sobre um período conturbado pode ajudar a sensibilizar as futuras gerações contra os antigos valores aflorados no período de “chumbo” e dar poder aos cidadãos para que reconheçam e oponham resistência a um retorno às práticas abusivas.

            As comissões de verdade dão às vítimas e seus testemunhos uma enorme contribuição para contestar as “mentiras oficiais” e “os mitos” relacionados às violações dos direitos humanos.

            O trabalho da Comissão de Anistia é muito importante para o reconhecimento da história do Brasil e de sensibilização de toda a sociedade, principalmente os jovens, com relação a tudo o que aconteceu. Os debates públicos das “Caravanas” são muitos ilustrativos para a discussão atual no Brasil acerca das responsabilidades pelos crimes cometidos em tempos de ditadura. Como exemplo dos bons debates públicos proporcionados pelas “Caravanas” foi a 11ª Anistia Cultural – “Filhos de perseguidos políticos”, realizada em Brasília – DF, em 13 de janeiro de 2010. Nesse encontro realizou-se “homenagem às pessoas que na época do regime militar eram crianças e foram perseguidas em função da militância política de seus pais ou avós. Filhos e netos de pessoas que tiveram papel destacado no combate ao regime e que em consequência disso, tiveram que viver na clandestinidade, tendo algumas destas crianças sido presas, torturadas ou banidas.”[13]

            Considera-se como zelos necessários em atenção ao início dos abusos contra os direitos humanos na ditadura militar e seus desdobramentos internos, passando pelas consequências à sociedade brasileira, pela sanção da Lei de Anistia, onde se observou a tímida adoção de mecanismos para o abrandamento dos agravos causados àqueles que sofreram as perseguições políticas, pela aprovação da Lei nº 10.559/2002 (aprovada por unanimidade no Congresso Nacional), que assim tornou-se um instrumento derradeiro para a reparação individual aos perseguidos políticos brasileiros, ampliando significativamente a gama de direitos até então existentes e alcançando um nível de efetividade muito superior ao de qualquer medida anterior, no caso especifico beneficiando aos filhos e netos dos perseguidos, tantos os da primeira hora quantos os chamando perseguidor dos anos da redemocratização.

            O direito à reparação é amplamente reconhecido no direito internacional como critério básico de restituição de direitos e de restauração da confiança cívica das vítimas nas instituições democráticas e no próprio Estado.

            A reparação, além de ser um direito individual de cada vítima, é condição necessária para a restauração da justiça e para as reparações das violações aos direitos humanos. É, em suma, uma forma de restabelecer a igualdade perante a lei, que foi descumprida pelo crime, seja na forma de desaparecimento forçado, assassinato, tortura ou conforme apresentado nesse projeto pelas graves violações aos direitos humanos, tais como retirar de uma criança; apenas por serem de familiar de militantes de esquerda, artistas engajados na resistência ou militantes políticos na luta contra a ditadura; do Direito ao projeto de vida, direito à liberdade, direito à convivência familiar, direito à integridade física e psicológica.

            Assim acredita-se que a busca da verdade, realizada pelas Comissões de Verdade, é importante não somente para dar um total conhecimento ao fato de que ocorreram violações dos direitos humanos, mas também para que o governo brasileiro, os cidadãos, em especial filhos e netos de exilados e os torturadores, hoje muitos anônimos por convicção ideológica, reconheçam a injustiça de tais abusos, assim nada melhor do que relacionar o direito de reparar.

            Não se pode deixar de levantar na hipótese da pesquisa também de que para minorar a situação de iniquidade no processo de reparação, hoje existente a Lei nº 10.559/2002 e que se deve através do colegiado da Comissão de Anistia promover um ajuste no campo interpretativo da lei: aplicando o princípio da razoabilidade e da adequação das indenizações aos valores de mercado atuais para todos, principalmente ingressar aos grupos de direitos os filhos e netos dos exilados políticos, com o amparado dos dispositivos legais como Art. 1°, inciso II c/c art. 2º, inciso I da Lei 10.559/02, bem como por lesar direitos humanos tais como Direito ao projeto de vida, direito à liberdade, direito à convivência familiar, direito à integridade física e psicológica.

2.1 Reparação às vítimas.

            O século XX testemunhou o desenvolvimento sem precedentes nas codificações dos padrões legais internacionais para a proteção dos indivíduos[14], porém, apesar desse passo indispensável à proteção e reparação às vitimas, muitos fatos demonstram que os indivíduos continuam a padecer tanto nas mãos de governos abusivos quanto em situações de conflitos[15].

            As Nações Unidas ocupou-se também na reparação às vítimas.

Após a Guerra do Golfo, a Comissão de Indenização das Nações Unidas processou mais de 2,5 milhões de reivindicações, pagando mais de 18 milhões de dólares às vítimas da invasão ilegal do Kuwait pelo Iraque. Sendo que sua Comissão de Direitos Humanos elaborou “princípios e diretrizes básicas sobre o direito das vítimas de violações das normas internacionais de direitos humanos e do direito internacional humanitário a obter reparações” e, conforme documentado, suas operações de paz de todo o mundo, “os funcionários das Nações Unidas ajudam os Estados a estabelecer programas de indenização pelas situações que habitualmente se apresentam depois de um conflito, como a perda de bens de pessoas deslocadas de guerra e refugiados”.[16]

2.2 Reparação a luz da Lei de Anistia.

            Portanto, o que é fundamental desde agora assentar, é que, no Brasil, a Lei de Anistia de 1979 (Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979[17]), conforme relata o doutrinador Roberto Ribeiro Martins[18] caracterizou como perdão aos crimes políticos e conexos, mas também como medida de reparação, assim não se pode deixar de mencionar que apesar de tudo, o modelo reparatório adotado no Brasil, mesmo que tardiamente, assumiu e privilegiou a adoção de medidas de restituição de direitos, vindo a criar medidas de compensação e não repetição após a consolidação democrática.

            É bem verdade que Lei 6683/79 marcou o início da redemocratização do país, permitindo o retorno de intelectuais, artistas, militantes políticos e demais pessoas perseguidas politicamente com seus filhos que se encontravam no exílio. É verdade também que ela surgiu a partir de uma intensa e ampla mobilização nacional, como há muito tempo, historicamente e documentalmente, não se via no Brasil. Contudo, não se pode ignorar que essa “anistia” veio ainda na vigência da ditadura militar brasileira e que, em decorrência disso, além de deixar de fora uma boa parte dos que eram perseguidos políticos, como aqueles que se envolveram na resistência armada, foi recebida e interpretada como um apelo ao “esquecimento”, inclusive das torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e a brutalidade do regime ditatorial sobre a vida das crianças.

            A Constituição de 1988, novamente referenda a idéia de anistia como reparação posta nas legislações anteriores por meio de seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estendendo a possibilidade de reparação ao setor privado e também a todos os trabalhadores demitidos em razão de participação em manifestações grevistas, estabelecendo especificações para algumas categorias e ampliando o período de tempo a ser considerado para a reparação, qual seja “18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição”:

Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

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[...]

§ 2º - Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

[...]

§ 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º.

            Em 1996, o Governo Federal do Brasil cria o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)[19], com base no art. 84, inciso IV, da Constituição, pelo Decreto n° 1904 de 13 de maio de 1996, "contendo diagnóstico da situação desses direitos no País e medidas para a sua defesa e promoção, na forma do Anexo deste Decreto". Já existem três versões do PNDH. As versões I e II foram publicadas durante o governo FHC, e a última, ou PNDH III, foi publicada no final de 2009, no governo Lula.

            No Governo Fernando Henrique, o Executivo enviou para o Legislativo a Medida Provisória 2.151 de 24/03/2001, que proporcionava a reparação financeira aos perseguidos políticos. E no dia 28 de agosto de 2001 a Comissão de Anistia e paz foi instalada no Ministério da Justiça.

            A Medida Provisória foi reeditada algumas vezes, até que, em 13 de novembro de 2002, foi transformada na Lei 10.559, que regulamenta o art. 8º do ADCT da Constituição de 1988.

            A lei 10.559/2002, através da Comissão de Anistia, estabeleceu reparação econômica aos perseguidos políticos pelo Estado brasileiro no período que se estende entre os anos de 1946 e 1988 que deve ser compreendida a partir do art. 8º do ADCT da Constituição de 1988, o qual regulamenta. E uma das grandes dificuldades encontradas pela Comissão de Anistia foi à justa efetivação do direito à reparação, que pela assimetria existente entre os valores reparatórios percebidos por diferentes anistiados, causava injustiça.

2.3 Reparação justa e material.

            A reparação material pode ser o mais complicado, especialmente se outorgada por meio de programas governamentais. É difícil decidir quem incluir entre as vítimas que receberão indenização, que tipo de prejuízos indenizar, como avaliar, como comparar e compensar os diferentes tipos de prejuízos e como distribuir as indenizações.

            Assim, existia realmente uma complexidade para aplicar a tal reparação, além do mais na própria organização sistemática da lei prevê duas fases procedimentais para o cumprimento do mandato constitucional de reparação:

a) A primeira, a declaração de anistiado político pela verificação e reconhecimento dos mais abrangentes e genéricos atos de exceção cometidos pela ditadura, sendo 17 destas situações persecutórias discriminadas explicitamente no diploma legal.

b) A segunda fase é a concessão da reparação econômica a partir do reconhecimento da condição de anistiado político.

            E até a edição da Lei 10.559 de 2002[20] havia um déficit de danos ainda não reparados como, por exemplo:

a) a necessidade de reparação a todos os cidadãos atingidos por atos de exceção (na plena abrangência do termo), para além das perseguições cujo resultado final fora a morte ou desaparecimento (reparados pela lei de 1995);

b) os déficits do processo de reintegração de servidores públicos afastados de seus cargos previstos nas legislações anteriores (1979, 1985);

c) a necessidade de atenção aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos;

d) a necessidade de atenção a um grupo significativo de servidores públicos civil e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, com ou sem motivação política;

e) as críticas feitas aos limites da reparação concedida aos familiares de mortos e desaparecidos políticos pela modalidade reparatória da lei de 1995 não abranger danos transgeracionais e danos ocorridos em razão de perseguições políticas havidas antes da morte ou desaparecimento;

f) a necessidade de estabelecimento de um rito especial de análise, uma vez que boa parte dos documentos públicos do período jamais foram tornados acessíveis pela cidadania e, finalmente,

g) a existência de um amplo conjunto de lesões praticadas pelo Estado para as quais a reparação econômica não era a melhor alternativa existente.

            De fato, diante de violações generalizadas dos direitos humanos, os Estados têm a obrigação de agir não somente contra os perpetradores, mas também em benefício das vítimas, inclusive por meio de reparações de prejuízos.

            Os programas de reparação às vítimas podem complementar de forma eficaz e rápida as contribuições dos tribunais e Comissões de Verdade, oferecendo indenizações, incentivando a reconciliação e restabelecendo a credibilidade das vítimas no Estado.

            A reparação nem sempre é monetária, pode consistir na restituição dos direitos das vítimas, programas de reabilitação e medidas simbólicas, como desculpas oficiais, monumentos e cerimônias comemorativas.

            Como esboçado no título, na amplidão das discussões levantadas no entorno da Reparação, o propósito é examinar como o direito a reparação dos filhos e netos dos perseguidos políticos germinam em solo latino americano. Onde não restam dúvidas hoje sobre a importância histórica dos processos de reparação aos perseguidos políticos para o restabelecimento do Estado de Direito.

            E não podemos deixar de comentar que “a anistia” representa o pedido oficial de desculpas do Estado brasileiro, com um pensamento contrário, temos José Carlos Moreira da Silva Filho[21], conselheiro da Comissão da Anistia, que acredita que a Lei de Anistia apesar de ser o marco da transição do regime autoritário para a democracia, “ela representa uma política de esquecimento”.

            Com isso busca-se ressaltar que o processo de reparação não apenas devolve a normalidade ao sistema jurídico, que tem seu ramo civil fortemente ancorado no princípio de que “quem causa dano repara”, mas que o reconhecimento e reparações aos filhos e netos dos exilados políticos permitem a reconciliação moral do Estado com seus cidadãos, os filhos e netos de exilados, clandestinos, presos, torturados ou atingido pro quaisquer atos de exceção, amparado pelos dispositivos legais: “Art. 1°, inciso II c/c art. 2°, inciso I da Lei 10.559/02, por lesar direitos humanos tais como Direito ao projeto de vida, direito à liberdade, direito à convivência familiar, direito à integridade física e psicológica.”

3. RECONHECIMENTO DA VERDADE

            Na tentativa de responder às questões, dentre elas a “realidade dos porões da ditadura” no Brasil, Swensson Junior adverte para o que ele chama de “problema das fontes”:

“Para responder a essas questões (...) a primeira providência seria utilizar, como fonte primária da nossa pesquisa, toda a documentação produzida pelos órgãos de repressão e por outros estabelecimentos, que foram importantes no respaldo e apoio técnico à repressão. Esses documentos correspondem à versão do Estado, na época dos acontecimentos, sobre a repressão política. Todavia, muitos deles, especialmente os que teriam maior relevância para nosso estudo, são considerados hoje confidenciais ou sigilosos pelo poder público, e por esse motivo o acesso a tais documentos é restrito ou não é permitido. Há ainda a suspeita – em alguns casos a confirmação – que parte dos documentos mais comprometedores (...) foram destruídos.[22](SWENSSON JUNIOR, 2007, p.52)

            Verifica-se facilmente pelas leituras já realizadas a enorme dificuldade encontrada pela Comissão de Anistia para a justa efetivação do direito à reparação, ou seja, a assimetria existente entre os valores reparatórios percebidos por diferentes anistiados, que tiveram processos analisados por variados órgãos judiciais e da Administração Pública no período anterior à criação da Comissão de Anistia no Ministério da Justiça.

            Além do mais houve um enorme decurso de tempo entre a garantia constitucional do direito e a regulamentação de sua implementação. Somando-se a isso o próprio reconhecimento estatal tardio do prejuízo causado a uma série de brasileiros no período que se estende de 1946 e 1988 (tempo de abrangência da lei), percebe-se então facilmente a necessidade de uma rápida efetivação desses direitos, de modo a que seja possível a reparação moral e o usufruto da reparação econômica pelos filhos e netos dos anistiados, uma vez que duvidas ainda pairam no processo indenizatório.

            Sob a dimensão da reparação, tem-se que o sistema reparatório para os atos dos regimes de exceção do Século XX no Brasil é integrado por duas comissões (Comissão de Anistia e a Comissão de Mortos e Desaparecidos) de reparações independentes, ambas com poderes de busca de documentos e esclarecimento da verdade:

            São dois os grandes grupos de perseguidos políticos que a lei nº 10.559 reconhece:

a) O primeiro é composto dos perseguidos políticos em sua acepção mais clássica: o cidadão violado em suas liberdades públicas e em sua integridade física.

b) O segundo é composto daqueles demitidos dos empregos, a maioria em greves, durante o regime ditatorial.

            Para os primeiros, a lei oferece uma indenização menor, “em parcela única com teto de R$ 100 mil”. Para os segundos, a lei destaca uma indenização vitalícia e mensal, com valor correspondente ao salário que teria, com as progressões na carreira e também com pagamento retroativo no tempo até 1988.

            Isso faz com que as origens econômicas de cada um determinem seu quantum indenizatório, perpetuando por meio da anistia as desigualdades sociais, tornando as duas medidas reparatório muito discrepante.

            Em situações-extremo, encontram-se pessoas brutalmente violadas em sua dignidade percebendo indenização infinitamente menor que as daqueles que perderam vínculos laborais em determinado momento, mesmo que se recompondo posteriormente.

            Assim surgem questões como, se o objetivo mais geral de um programa de reparações é fazer justiça às vítimas. O problema então passa a ser: o que as vítimas devem receber como justiça?

            Ora, se a responsabilidade do Estado consiste em sistematizar um programa de reparações que possa ser considerado como modelo de satisfação das condições de justiça, o que seria “satisfazer condições de justiça” se não se pode depender do critério de compensação em proporção ao dano causado?

            Além do mais pelo grande número de vítimas que derivaram de políticas de repressão contra a dissidência ou a subversão, ou de conflitos internos no Brasil do período de 1946 a 1988, impõe a esse Estado um desafio no que diz respeito a responder ao direito delas ao reconhecimento da verdade, à justiça e à reparação.

            A hipótese fundamental é a justa efetivação do direito à indenização (reparação) por danos transgeracionais causados aos filhos e netos dos exilados da ditadura, sem banaliza o instituto transicional. Uma vez que reconhecer e reparar está dentro da ambiência moderna, contemporânea, vez outra que são institutos presentes e situados para fazer a abertura dos canais participativos necessários em um Estado Democrático de Direito contra principalmente os agentes públicos que cometeram crimes contra os direitos humanos. Evidenciado, que o objetivo principal do projeto é buscar a reparação justa aos filhos e netos dos exilados numa proteção e promoção dos direitos humanos na a luta contra a impunidade.

            Conforme o direito internacional, os Estados têm o dever de fornecer reparações às vítimas de graves violações dos direitos humanos. Essa reparação pode assumir diferentes formas, entre as quais se encontram a ajuda material (pagamentos compensatórios, pensões, bolsas de estudos e bolsas), assistência psicológica (aconselhamento para lidar com o trauma) e medidas simbólicas (monumentos, memoriais e dias de comemoração nacionais).

            Além do mais a atual formulação de uma política integral de reparações do governo brasileiro é um tanto complexa, do ponto de vista técnico, como delicada na perspectiva política. E os incumbidos de formular essa política de reparações, nem sempre realizam de maneira justa e equitativa.

            Assim tem-se como objetivo a demonstração de que os filhos e netos de exilados políticos têm “status de vítima”, fazendo jus na concessão de reparações e seu reconhecimento junto ao Estado Brasileiro. E que essas reparações sejam proporcionalmente feita dentro das distintas formas e quantidades de reparações às vítimas que nos padeceram diferentes tipos e graus de tortura.

            Como consequência aduzida do objeto central da pesquisa, depara-se com o que se chama “busca da verdade e do reconhecimento”.

            Na caminhada da busca da verdade e reparação das últimas décadas na América Latina e em especial no Brasil, faz com que não possamos deixar de considerar que a reparação, além de ser um direito individual de cada vítima, é condição necessária para a restauração da justiça e para reparar as violações aos direitos humanos.

            Importante recordar aqui que, direito à reparação é amplamente reconhecido no direito internacional como critério básico de restituição de direitos e de restauração da confiança cívica das vítimas nas instituições democráticas e no próprio Estado. E não se pode deixar de demostrar no projeto da necessidade de pesquisar sobre a dinâmica da “buscar a verdade e do reconhecimento”, pois a descoberta da verdade em relação ao que aconteceu é à base da memória histórica dos países que tiveram períodos de atrocidades e arbitrariedade. E a busca pela verdade e a construção da memória pelas Comissões de Verdade é o reconhecimento por parte do Estado dos abusos ocorridos durante um período de ditadura; é dar total conhecimento aos fatos que ocorreram, fatos esses de violações dos direitos humanos contra cidadãos, em especial filhos e netos de exilados, hoje muitos anônimos por convicção ideológica, mas que buscam o reconhecimento e reparação dessa injustiça.

5. CONCLUSÃO

            Na caminhada das reparações às vítimas de graves violações dos direitos humanos das últimas décadas na América Latina, sofre um viés importante, pois na América Latina, foram os governos, os poderes executivos, que estimularam a criação de comissões de verdade e o estabelecimento de medidas de reparação.

            As cortes supremas e constitucionais de diversos países têm hoje papel eminente e central nos processos de justiça de transição, avaliando leis de impunidade, decretando a inconstitucionalidade da justiça militar e protegendo os direitos das vítimas à verdade, à justiça e à reparação.

            Assim, muitos países, como Chile e Argentina[23], conseguiram reconhecer e reparar os assombros fatos dos episódios vivenciados no século XX, onde praticamente viveram num Estado de exceção[24], e como bem descreve Agamben[25]:“o estado de exceção é um vazio de Direito porque é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei, portanto, força-de-lei”.

            Assim, diante das violações generalizadas dos direitos humanos ocorridas um dos períodos mais conturbados da História recente do Brasil, vem-se através do projeto buscar de maneira positiva e com máxima clareza metodológica e conceitual, resgatar todas as sistemáticas ocorrentes nos anos chamados de “chumbo”, com a finalidade de demonstrar que “personagens involuntários” também fizeram partes desse período “injustiçado”, ou seja, crianças que permaneceram no país, mas não puderam desfrutar da presença do pai, ou mãe, ou até mesmo dos dois, que passaram meses e até anos encarcerados, retirando desses cidadãos o direito ao projeto de vida, direito à liberdade, direito à convivência familiar, direito à integridade física e psicológica.

            Com é evidenciado que nos anos 60 e 70 foram marcados pelo grande número de exilados que saíram do Brasil por conta da política repressiva da ditadura militar e que os motivos dessa saída e a vivência angustiante dos exilados ao deixar para trás filhos.

            E dentro desses reflexos, abordará no projeto como está acontecendo o processo político de reparação às violações aos direitos humanos, bem como o desdobramento prático no reconhecimento dos crimes cometidos, do reconhecimento da responsabilidade estatal no esforço de reparar todas as vítimas por meio de ações que reparem, no máximo possível, as sequelas do dano.

            Justifica em demonstrar que o Estado tem a garantia de que as políticas de verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição proporcionará uma JUSTIÇA.

            Segundo Jon Elster[26], a política de reparação é um dos pilares da transição democrática, mas, para que seja efetiva, deve acertar na escolha das violações que considerarão reparáveis, privilegiando algumas em relação a outras como forma de atingir o maior número possível de vítimas.

            Assim, buscar-se estudos sobre o reconhecimento e reparação aos filhos dos exilados, compilando dissertivas e teses que discutem sobre o assunto, como bem pesquisas em obras com de Dimitri Dimoulis, Antonio Martins e Lauro Joppert Swensson Junior; sobre a “Justiça de Transição no Brasil: Direito, responsabilidade e verdade”.

            Para demonstrar que é possível relembrar de forma contextual que essas são histórias de pessoas, hoje adultas, cujas violações de direitos humanos acumulados desde a infância foram eclodindo ao longo dos anos, deixando seqüelas que serão pesquisadas através de uma metodologia da história oral (depoimentos em Comissões da Verdade), documental com pesquisa nos arquivos da repressão e pesquisa teórica doutrinaria destes relatos, fazendo ressaltar que isso é memória viva de cidadãos, filhos e netos de exilados brasileiros, marginalizados, excluídos que agora buscam nas Comissões da Verdade e Anistia seu reconhecimento e reparação dessas violações de direitos humanos, conforme muito bem narrado nas obras de João Ricardo Dornelles; Cecília Maria Bouças Coimbra e Vera Vital Brasil, não esquecendo Rubin Aquino no “Um tempo para não esquecer 1964-1985”, na leitura dinâmica de Heloisa Amélia Grego em “Dimensões fundacionais da luta pela anistia” e na robustez da obra de Gleda Mezzaroba emEntre reparações, meias verdades e impunidade: o difícil rompimento com o legado da ditadura no Brasil”.

            A Lei nº 6.683/1979, que funciona como marco simbólico para o início a reabertura democrática, é o primeiro material didático legalista a ser considerado para a inteligência do processo reparatório no Brasil. Embora seu enfoque tenha sido preponderantemente penal e laboral, objetivando extinguir a punibilidade de atos de “criminalidade política”, é neste diploma legal que ensejam encontrar as origens do atual sistema de reparação aos anistiados políticos brasileiros, assim através de compilações doutrinária interpretativa verificará também sobre a previsão de ressarcimento para os filhos e netos dos perseguidos políticos no período compreendido entre as décadas de 60 e 80, uma vez que a lógica deste sistema baseia-se no ideal de restituição integral dos direitos lesados.

            É por esta razão que consoante ao título deste artigo, tratara-se da indenização (reparação) por danos transgeracionais causados aos filhos e netos dos exilados da ditadura. Pois através desta sistemática, pressupõem, em criar um paradigma reflexivo novo dentro da história da reparação e tendo em vista que o Estado veio estabelecendo medidas de reparação muito limitadas e que, por vezes, que acabaram por não se efetivar no mundo da vida, haja vista que somente com a Lei nº 10.559/2002 (aprovada por unanimidade no Congresso Nacional), que se tornou um instrumento derradeiro para a reparação individual aos perseguidos políticos brasileiros, ampliando significativamente a gama de direitos até então existentes e alcançando um nível de efetividade muito superior ao de qualquer medida anterior.

            Reconstruir a história do período de Estado de exceção no Brasil não compreende um ato de revanchismo ou de ufanismo por qualquer uma das partes envolvidas - Estados ou cidadão – e sim, representa uma nova ótica da estruturação dos processos estatais, em que as normas protetoras dos direitos humanos ocupam não mais um papel coadjuvante, mas sim servem para resgatar a memória dos perseguidos e de maneira mais efetiva como um elemento humanizador do Estado, que assim tenta aproximar-se da sociedade civil.

            E um estudo do processo de reparação realizada Brasil faz-se de extrema importância nesse dado momento histórico. E pela dinâmica dos processos de reconhecimento e responsabilização dos torturadores iniciados pelo Estado alinha-se na motivação do tema do projeto que esta em congruência com a escolha da linha de pesquisa da pós-graduação. Assim pela conjuntura da ascensão de governos democráticos na América Latina e no momento político em que passa o Brasil, temos um ambiente propício para o início desse tipo de debate e pesquisa, cuja finalidade acadêmica é de comprovar que as ações do governo brasileiro em querer abrir seus arquivos militares, criarem comissões de Anistia e de Verdade, tem como ensejo buscar o reconhecimento do Estado pelo ocorrido e vinculando a reparação do dano uma contribuição na promulgação e progressiva eficácia dos direitos humanos em nosso território.

6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Andre Vicente Leite de Freitas

Advogado em MG. Professor da Universidade Católica de Minas Gerais ( PUCMINAS). Professor de Direito em curso de Graduação e Pós Graduação. Prof. de Graduação em Sistemas de Informação. Relator da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/MG); Pós-graduado lato sensu em Direito Processual pela Universidade Gama Filho - UGF; Mestre em Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional pela Universidade Católica de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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