1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, um novo veículo tem tomado conta das ruas e estradas pelo Brasil a fora. Estou falando dos ciclomotores, as famosas cinquentinhas. Esse veículo veio como uma enxurrada nos centros urbanos de todo o país, e isto se dá em grande parte pela facilidade na aquisição e pela não necessidade de registro, emplacamento e recolhimento de tributos, pois, a grande maioria dos municípios ainda não regulamentou a circulação dos ciclomotores.
A grande popularização do veículo veio acompanhada de sérios problemas relacionados ao trânsito. Condutores quase sempre despreparados e sem equipamentos de segurança, tem aumentado consideravelmente os índices de acidentes envolvendo veículos de duas rodas. Em consequência desses acidentes, o nosso sistema de saúde já tão combalido, tem sido bombardeado por um crescente aumento nos gastos com emergência, internação e tratamento de pessoas politraumatizadas. Soma-se a tal cenário, um aumento nos custos da previdência social que tem que pagar benefícios aos seus segurados que são vítimas desses acidentes. Não esquecendo principalmente do trauma que se tem provocado no seio das famílias que perdem os seus entes queridos.
Diante deste cenário lamentável, surge uma questão que vem suscitando dúvidas. Um condutor embriagado que venha a pilotar uma cinquentinha sob a influência de álcool, e desta forma, ponha em risco um número indeterminado de pessoas, comete o crime do art. 306. do código de trânsito brasileiro?
Esta questão é interessante porque, alguns delegados de polícia, não estão recebendo as ocorrências envolvendo ciclomotores, pois entendem que estes veículos não são automotores, e portanto, não há tipicidade na conduta.
2. PROBLEMÁTICA
O art. 306. do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) prevê o crime daquele que dirige veículo automotor sob a influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Nesta análise será abstraída a discussão sobre o uso dos meios de prova para a constatação da embriaguez, pois o objeto da análise tem como foco, a tipificação do crime quando o veículo conduzido for um ciclomotor.
A dúvida que é despertada em alguns, diz respeito à natureza do ciclomotor, pois, conforme se pode perceber pela leitura do caput do art. 306, acima reproduzido, um dos elementos caracterizadores do crime é a condução de um veículo automotor. Para responder a tal indagação poderemos nos valer das definições trazidas pelo anexo I do CTB, uma verdadeira interpretação autêntica sobre a aplicação dos dispositivos do código. Assim, temos que ciclomotor é:
CICLOMOTOR - veículo de duas ou três rodas, provido de um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinqüenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas) e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinqüenta quilômetros por hora.
Esta definição dada pelo próprio legislador já nos mostra que o ciclomotor tem sua movimentação dada exatamente por um motor de combustão interna, o que nos faz concluir que é um veículo automotor.
Algumas vozes que afirmam que a embriaguez na condução de ciclomotor não seria crime, sustentam-se na ausência da expressão “veículo automotor” na definição de ciclomotor. E por isso, não se poderia fazer uma interpretação extensiva para se criminalizar uma conduta. Para o CTB seria veículo automotor:
VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).
Veja-se que pela definição de veículo automotor, não se encontra nenhuma diferença ontológica do veículo ciclomotor, salvo quanto à potencia dos veículos, o que não seria capaz, por si só, de descaracterizar um veículo que também faz o transporte de pessoas e coisas e que atualmente é um meio de transporte bastante utilizado nos centros urbanos.
Lembro ainda que o argumento quanto à falta da expressão automotor na definição de ciclomotor não teria relevância, pois, se observarmos as definições de caminhonete e camioneta, também não encontraremos tal expressão, e nem por isso, surge a dúvida quanto a caracterização do crime quando se dirige um desses veículos sob a influencia de álcool. Senão vejamos as definições:
CAMINHONETE - veículo destinado ao transporte de carga com peso bruto total de até três mil e quinhentos quilogramas.
CAMIONETA - veículo misto destinado ao transporte de passageiros e carga no mesmo compartimento.
Por ser uma questão recente, nossos tribunais ainda não se pronunciaram sobre a matéria e a doutrina é escassa sobre a temática. No entanto, não vejo argumentos sólidos para se sustentar a não configuração do crime de trânsito daquele que pilota uma cinquentinha e está sob a influência de álcool.
Além da discussão técnico-jurídica acima exposta, repito o que disse no início deste trabalho, temos que lembrar da alarmante questão de saúde pública que veio a eclodir com a popularização dos veículos ciclomotores. Pelas facilidades na aquisição e pela não regulamentação de sua circulação pelos municípios, encontramos uma verdadeira enxurrada de ciclomotores que em mãos de condutores despreparados e sem equipamentos de segurança, transformam o veículo em uma verdadeira arma, inflando ainda mais o nosso já combalido sistema de saúde.
3. CONCLUSÃO
Diante do exposto, entendo que todo aquele maior de dezoito anos que pilote um veículo ciclomotor e esteja sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência, estará cometendo o crime do art. 306. do CTB. Logo, sendo flagrado nestas condições em uma via pública, o condutor deverá ser encaminhado pelos policiais para a delegacia de Polícia Civil da circunscrição para que se adotem os procedimentos cabíveis. Entendendo, data vênia, que a simples potencia do motor de um veículo não pode ser um elemento de descaracterização de um delito que tem devastado tantas famílias nessa grande extensão territorial que tem o nosso país.