Na história recente da humanidade, podemos apontar como um marco fundamental a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pela Organização das Nações Unidas - ONU. Proclamada pouco após o final da 2ª Guerra Mundial, a Declaração foi uma rejeição ao individualismo e ao materialismo, ressaltando a importância do indivíduo humano, sua dignidade e seus valores fundamentais –principalmente sob a ótica ocidental–, que passaram a ser protegidos como direitos próprios da natureza humana, os direitos fundamentais.
Partindo das ideias de Bobbio, não há direito sem obrigação e não há direitos reconhecidos e protegidos sem democracia, que por sua vez não existe sem os direitos, as “regras do jogo”. Ainda segundo Bobbio, a democracia corresponde à sociedade dos cidadãos, que só são cidadãos quando lhes são reconhecidos os direitos históricos fundamentais. Portanto, o Brasil, como uma república democrática, tem como obrigação garantir esses direitos aos cidadãos, constituindo assim um Estado de direito.
Porém, mesmo com a definição e promessa de garantia desses direitos fundamentais, na prática não é bem assim que acontece. Muitos direitos são declarados para criar uma “satisfação ilusória da sociedade”, que passa a achar que está sendo respeitada e protegida, enquanto na realidade o Estado a está deixando desamparada, ou dificultando o acesso a esses direitos. É sobre essa questão, com ênfase na assistência jurídica, que trataremos nesse presente artigo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina no artigo IX que “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. ”. No contexto nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu artigo 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, bem como prevê que dentre os direitos sociais dispostos no artigo 6º, está a assistência aos desamparados. Dessa forma, garante-se assim o acesso à justiça e a defesa dos hipossuficientes por meio da Defensoria Pública.
Para Cappelletti e Garth (2002) a garantia de acesso à Justiça pode ser visto como um requisito fundamental e o mais básico dos direitos humanos. Para que esse acesso seja legítimo, este deve ser garantido igualmente a todos de forma eficaz, criando resultados efetivos e socialmente justos. Porém, mesmo com a demanda de todos os níveis da sociedade, apenas uma minoria de indivíduos consegue esse direito em tempo razoável.
O próprio sistema judiciário, com suas defasagens, dificulta esse acesso. Além do formalismo e do ambiente intimidador, também há o problema da escassez de defensores públicos, que recebem inadequadamente e não conseguem suprir a demanda da sociedade. Essa defasagem tenta ser resolvida com a adoção de métodos alternativos de mediação, que facilitem o processo para casos mais simples, porém o cidadão acaba por desconfiar desses métodos, ao acreditar que estes são ineficientes se comparados aos processos convencionais.
Esses fatores ajudam a reforçar a ideia de que o Direito, enquanto área do conhecimento, é destinado para poucos, e que o Estado é meramente um grande Leviatã: burocrático, controlador e distante. Reforça também o sentimento de desconfiança do indivíduo para com o Estado, esse fica desacreditado de que os processos jurídicos são realmente eficazes e que sua luta será efetivamente ouvida. Esse juízo do Direito, aliado à ainda grande desinformação judiciária por parte dos indivíduos, está intrínseco na cultura da sociedade e acaba por causar um desestímulo à busca de direitos principalmente por parte da população pobre, que deixa de procurar assistência jurídica gratuita exatamente por esse processo de “desencantamento”.
É preciso resgatar a "vontade de Constituição" das pessoas, faze-las acreditar que toda luta é importante e que todos não só podem como devem buscar seus direitos, educando-as sobre os mesmos e desmitificando a premissa de que o Direito é um conhecimento distante e seleto. Aliado à isso, a criação de políticas públicas e métodos alternativos que aproximem o cidadão comum do Poder Judiciário também é de extrema importância. Essas medidas podem ajudar a derrubar as barreiras físicas e culturais que dificultam o acesso à assistência jurídica gratuita. Isso já vem sendo realizado por estudantes de Direito de diversas universidades do país, que prestam consultorias e fazem trabalhos de conscientização e educação da população humilde acerca de seus direitos, afinal, como citado por Paulo Freire em sua Terceira Carta Pedagógica, "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acessos à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, reimpresso em 2002.
MESQUITA, Maíra de Carvalho Pereira. Acesso à Justiça e Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3491, 21 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23504>. Acesso em: 09 jun. 2015.
NASCIMENTO, Meirilane Santana. Acesso à Justiça: Abismo, população e Judiciário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 74, mar 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7498>. Acesso em jun 2015.
SILVA, Eduardo Almeida Pellerin da. Direitos humanos e assistência jurídica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3764, 21 out. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25555>. Acesso em: 09.jun. 2015.