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A defesa prévia no processo administrativo de trânsito:

feições e limites

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01/05/2003 às 00:00
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5-DIREITO DE DEFESA PRÉVIA: IMPRESCINDÍVEL OU NÃO? NOSSA POSIÇÃO.

            Tenho para mim que o direito de defesa prévia é prescindível. Para tanto concluir, propugno uma interpretação contextualizada e sistemática dos dispositivos em questão, buscando dimensionar o alcance do direitos subjetivos constitucionais a um vetor de razoabilidade.

            A invocação das autorizadas vozes da doutrina e de textos constitucionais, e sua aplicação descontextualizada cria argumentos que impressionam, mas que não servem ao caso concreto. O discurso jurídico é um discurso eminentemente "monológico", ou seja, que sustenta a si mesmo (1). Mas o hermeneuta mais atento sabe que este discurso pode ser extremamente enganador, porquanto dissociado da realidade.

            Devemos compreender cada norma dentro de sua finalidade, pois a matriz hermenêutica a ser aplica varia de acordo com o ramo do Direito, com a norma e com sua finalidade. O trânsito mata anualmente no Brasil algo em torno de 55 mil pessoas. Isto eqüivale a dez anos de morte de soldados norte-americanos no conflito do Vietnã. O número de feridos é pelo menos quatro vezes maior.

            O prejuízo moral e emocional para as famílias é incomensurável. O prejuízo econômico para a sociedade é gigantesco: força de trabalho inativa, benefícios previdenciários, assistência médica e hospitalar, reabilitação. Enfim, o quadro revela a necessidade de medidas imediatas.

            Foi para atuar neste quadro que surgiu o CTB, buscando dar uma pronta e dura resposta à barbárie do trânsito e para tanto, criou-se um procedimento que prima pela celeridade e pela simplicidade, sem ofender os cânones constitucionais. Mas evidentemente os infratores, acostumados com a impunidade, buscam furtar-se com invocação de filigranas formais.

            Neste contesto, devem os magistrados estar atentos para a finalidade da lei, para a sua teleologia, para aquilo que razoavelmente se pode lhe imputar como método, como sistema. O CTB, na tentativa de propiciar um processo célere evidentemente não previu defesa prévia, e no seu silêncio, as resoluções costumeiramente invocadas para alicerçar a teoria da necessidade de uma defesa prévia discrepam desta nova mentalidade. Ora, se em processos penais há medidas inaudita altera pars, porque tal não seria possível no âmbito de um procedimento confessadamente célere e ágil? Para que defesa prévia para manifestar-se sobre um julgamento que será meramente homologatório, visando a aspectos formais?

            O apego a filigranas formais, veiculadas na senda de uma argumentação que se utiliza de generalizações e olvida o campo em que se opera, tem servido de panacéia para os infratores, aqueles mesmos que estão por trás das 50.000 mil mortes e sabe-se lá que número de feridos, que carregarão seqüelas pelo resto de sua existência.

            O magistrado deve compreender este quadro e procurar sopesar a formalidade do procedimento em vista dele. Deve compreender e interpretar o silêncio do CTB em relação à defesa prévia atento a esta premissa, pena de tornar o CTB letra morta. A respeito, mister a transcrição de voto do Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal, proferido na Apelação Cível nº 70001598077, da Primeira Câmara Cível:

            " Face às recentes inovações trazidas pelo Código Brasileiro de Trânsito, onde as penalidades passaram a ser punidas de forma bastante mais severa, em comparação com as normas anteriores, e o procedimento de apuração e julgamento das mesmas, sofre modificações, crescente é o número de recursos contra decisões administrativas.

            É certo que tais inconformidades originam-se em grande parte, da normal adaptação dos condutores e autoridades de trânsito. Estes, incorrendo em erros comumente ocorrentes quando os procedimentos adotados em relação a determinados fatos, passam por modificações, aqueles, face à cultura da impunidade e falta de mecanismos de fiscalização.

            (...)

            São inúmeros os casos trazidos aos Tribunais, após a edição dos novos dispositivos pertinentes à regulamentação do trânsito, no sentido de atacar os procedimentos administrativos que tolhem o princípio da ampla defesa, vez que a principal alegação reside no fato de que são aplicadas penalidades para, em segundo momento, conceder o prazo pertinente à dedução das inconformidades e justificações, visando a anulação de multas.

            Com o passar do tempo, outros argumentos são criados, ainda mais quando, à exemplo da queixa dos infratores de que estaria crescendo a assim chamada ‘ indústria de aplicação de multas’, com fins meramente arrecadatórios, em contrapartida crescem também mecanismos especializados em combatê-las, donde fluem argumentos e mais argumentos.

            Aliás, esta linha de argumentação é pobre, uma vez que em todos os casos trazidos à apreciação desta Corte, assim como nas demais Câmaras com competência para julgamento destas demandas, nunca se alega que não foi cometida a infração. Não.

            Os demandantes, imbuídos em parte pelas fortes campanhas veiculadas irresponsavelmente em todos os veículos de comunicação, passam a acreditar em fórmulas milagrosas de deixar de pagar multas que lhes são imputadas, quando o único meio que hodiernamente se tem notícia, é o cumprimento das determinações do CTB.

            Todavia, conforme salientei acima, houve por certo, um endurecimento, uma postura mais agressiva do Poder Público com relação à matéria do trânsito, culminando com a edição do CTB, de modo que a avalanche de ações no sentido de anular os autos de infração decorre mais da aflição e incômodo provocados pelas pesadas multas, do que em face das formalidades adotadas na sua cobrança.

            Ora, é claro que dezenas de profissionais, vislumbrando o filão que ora se abre, referendado muitas vezes, e aqui deve ser feita a ‘mea culpa’, pelos Órgãos Judiciários que ainda aceitam as teses de ausência de oportunidade para a defesa, pensando e repassando os dispositivos do CTB, terminam por encontrar, ou inventar, teses com o fito de evitar a cobrança das multas (2).

            No entanto, esta nova legislação, em que pese leonina, trás à tona a intolerância e a falta de preparo da maioria dos motoristas que transitam pelas ruas das cidades, e o resultante descontrole destes ante às pesadas penalidades, a que não estavam acostumados, e que, com o tempo, certamente os levará a entender como normal trafegar nas velocidades limite, ou usar o cinto, entre outros (3). Talvez a próxima geração cresça acostumada a veja com olhos de cidadão a nova legislação, ao invés de formular teses de todo o gênero na busca da nulificação dos procedimentos levados a efeito pelas autoridades de trânsito.

            Por certo, em havendo sido cometida a infração, pois derivada de ato contrário à lei de trânsito, lei esta que, ao que consta, encontra-se plenamente em vigor, e em sendo detectada a ilegalidade, a aplicação da multa é, como na física, ‘ ação e reação’, o conseqüente.

            O sistema de direito instituído sobre as bases do princípio da legalidade reclama acatamento às leis.

            Em suma, o que se tem é um abuso no uso dos mecanismos jurídicos no intento de, por diversas formas, sair do seu campo de alcance ( multas), quando o normal e esperado seria o pagamento das penalidades- visto que nunca se alega o não cometimento das infrações, e sim os mecanismos burocráticos de sua operacionalização- pagamento este a ser efetivado por certo quando esgotados os recursos cabíveis (4)".

            A tônica do processo ( ou procedimento administrativo) é o informalismo, Mais se encarece, assim, a necessidade de efetivo prejuízo para caracterizar uma nulidade

            Odete Medauar, ao tratar do princípio do formalismo moderado, o qual rege o procedimento administrativo (in Direito Administrativo Moderno. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1996. p. 198) preleciona que:

            "Na doutrina é citado também com o nome de princípio do informalismo. Porém não parece correta esta última expressão porque dá a entender que não há ritos e formas no processo administrativo. Há ritos e formas inerentes a todo procedimento. Na verdade, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa. Em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto às formas, para evitar que estas sejam vistas como fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo." (grifamos)

            Merece ainda seja transcrito trecho da lição de Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed., Ed. Malheiros, p. 565):

            "O processo administrativo, embora adstrito a certos atos, não tem os rigores rituais dos procedimentos judiciais, bastando que, dentro do princípio do informalismo, atenda às normas pertinentes do órgão processante..."

            Saliente-se, igualmente, que a teoria das nulidades está relacionada ao prejuízo. Como estamos nos reportando a um processo administrativo, é imperioso considerarmos a natureza das normas processuais e o reflexo desta natureza sobre a disciplina das nulidades.

            A moderna doutrina processual constrói a teoria do processo à luz de uma Teoria Geral do Processo, englobando os processos judiciais e administrativos, com base no conceito de que o processo é o procedimento em contraditório (5). Por outro lado, abandonado o conceito carnelutiano de que o processo só se destina à composição de lides, erigi-se uma nova corrente de pensamento que preconiza o processo para o Estado Social de Direito em que vivemos, observando o princípio maior da efetividade da jurisdição, insculpido no artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88.

            Esta corrente é denominada Instrumentalista e ilumina as reformas no processo civil recentemente ocorridas. Busca-se através desta visão reconhecer uma verdadeira instrumentalidade do processo, cujo escopo é garantir uma jurisdição mais efetiva, ou seja mais acorde com as expectativas dos jurisdicionados.

            Nesta contingência, mais se repelem fetichismos formalistas que vislumbram no processo um fim em si mesmo. O processo é meio, e a forma guarnece um fim determinado. Logo, atingido este fim, não se há falar em nulidade. Mais se reforça a incidência do princípio da instrumentalidade das formas, baseando-se as nulidades na existência de prejuízo e na observância da preclusão, sem o que não se decretarão nulidades.

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            A respeito a doutrina preconiza nas autorizadas vozes de Cândido Rangel Dinamarco:

            "O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, quer que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido ( o que interessa, a final, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo. Várias são suas manifestações na lei processual, e pode-se dizer que esse princípio coincide com a regra pas de nullité sans grief.

            Tal princípio, formulado legislativamente nesses mesmos termos no direito francês, está presente nos códigos brasileiros: a) mediante expressa referencia ao prejuízo como requisito para a anulação ( CPP, art. 563; CPC, art 249, § 1º); b) estatuindo a lei que a consecução do objetivo visado pela determinação da forma processual faz com que o ato seja válido ainda que praticado contra a exigência legal ( CPC, art. 244)." (6)

            Ovídio Baptista da Silva

            "As nulidades, mesmo absolutas, não escapam à incidência dos princípios da finalidade e do princípio do prejuízo. E o exemplo mais declinado é o da citação nula: efetivada esta em desconformidade com as prescrições legais, será absolutamente nula; mas se o réu comparecer tempestivamente e contesta, a nulidade não deverá ser pronunciada, pois o ato, mesmo viciado, a tingiu a finalidade e não causou prejuízo. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já decidiu, em acórdão de que foi relator o Des. Milton dos Santos Martins, pelo afastamento da nulidade absoluta decorrente da ausência de intervenção do Ministério Público em causa na qual era parte a Fazenda Pública, por inexistir prejuízo.

            Subjaz a estes dois princípios o da intrumentalidade das formas, que implica não se impor a forma pela forma, mas como instrumento para atingir-se o fim." (7)

            As observações acima referidas foram feitas para o processo judicial, muito mais formalista do que o processo administrativo, porquanto este último sempre terá no processo judicial uma forma de controle. Logo, com sobejas razões aplicam-se ao processo administrativo.

            Pertinente citar, mais uma vez, o princípio da informalidade, que preside o processo administrativo na voz da doutrina de Hely Lopes Meirelles:

            " O princípio do informalismo dispensa ritos sacramentais e formas rígidas para o processo administrativo, principalmente para os atos a cargo do particular. Bastam as formalidades estritamente necessárias à obtenção da certeza jurídica e à segurança procedimental...

            Realmente, o processo administrativo deve ser simples, despido de exigências formais excessivas, tanto mais que a defesa pode ficar a cargo do próprio administrado, nem sempre familiarizado com os meandros processuais." (8)

            Do que deflui dos pronunciamentos e dos dispositivos referidos, verificamos que deve estar impreterivelmente presente o prejuízo para que se decrete nulidade. No caso de ausência de defesa prévia nada impede sua veiculação junto à JARI, havendo recurso, ainda, para o CETRAN, afastando a pecha de um julgamento de instância única..

            Como lembra Celso Ribeiro Bastos, com singular felicidade:

            "Portanto, a ampla defesa não é aquela satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que satisfaz a exigência do Juízo" (9).

            Na jurisprudência, a necessidade de prejuízo encontra plena acolhida, como se pode vislumbrar nos julgados seguintes:

            Do Supremo Tribunal Federal:

            "MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PENALIDADE DE CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E POR APLICAÇÃO IRREGULAR DE DINHEIROS PÚBLICOS. - Inexistência de nulidade do processo dirigido pela nova comissão processante, porquanto, além de não haver ofensa ao artigo 169 da Lei 8.112/90, não houve prejuízo para a impetrante. - Improcedência da alegação de ocorrência de prescrição. Interpretação da fluência do prazo de prescrição na hipótese de ser interrompido o seu curso (artigo 142, I e §§ 3º e 4º, da Lei 8.112/90). - Falta de demonstração da alegação vaga de cerceamento de defesa. - A alegação de que as imputações à impetrante são inconsistentes e não foram provadas, demanda reexame de elementos probatórios, o que não pode ser feito no âmbito estreito do mandado de segurança. - Inexistência do "bis in idem" pela circunstância de, pelos mesmos fatos, terem sido aplicadas a pena de multa pelo Tribunal de Contas da União e a pena de cassação da aposentadoria pela Administração. Independência das instâncias. Não aplicação ao caso da súmula 19 desta Corte. - Improcedência da alegação de que a pena de cassação da aposentadoria é inconstitucional por violar o ato jurídico perfeito. - Improcedência da alegação de incompetência do Ministro de Estado da Educação e do Desporto." (Mandado de segurança denegado. ms-22728. DJ data-13-11-98 pp-00005 ementa vol-01931-01 pp-00150. 22/01/1998 - Tribunal Pleno. Min. Moreira Alves)

            Do Superior Tribunal de Justiça:

            "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INQUÉRITO DISCIPLINAR. EFEITO SUSPENSIVO. INVERSÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. "Portaria de instauração. Nulidade. Inexistência. - Em tema de nulidade no processo civil, o princípio fundamental que norteia o sistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual é necessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes, com influência no direito material e reflexo na decisão da causa. -Eventual irregularidade no curso do procedimento administrativo disciplinar, sem a prova de influência no indiciamento do servidor público, não tem relevância jurídica. - A instauração do processo disciplinar é efetuada mediante ato da autoridade administrativa em face de irregularidades funcionais praticadas pelo servidor público, o qual deve conter a descrição e qualificação dos fatos, a acusação imputada e seu enquadramento legal, além da indicação dos integrantes da Comissão de Inquérito. - O inquérito administrativo disciplinar instaurado para apuração da prática de ilícito administrativo mediante Portaria que contém a descrição dos fatos imputados ao servidor público não contém vício de nulidade. - Recurso especial não conhecido. (Resp 182564/PR ; (1998/0053557-8) DJ data:26/06/2000 pg:00207. Sexta Turma. Min Vicente Leal)"

            Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

            "ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CONTRA SERVIDOR POR HAVER PRATICADO INFRAÇÕES NO EXERCÍCIO DO CARGO. LEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. 1. Não tem consistência factica a alegação de cerceamento de defesa, quando o acusado de irregularidade ou falta administrativa afirma, ao depor, na presença do próprio advogado, que tinha pleno conhecimento dos fatos que lhe eram imputados e das provas constantes do processo, e acompanha, pari passu, todos os atos do procedimento administrativo, desde as inspeções ao encerramento da instrução do inquérito, reportando-se nas diversas manifestações de defesa a cada um dos fatos faltosos e dando-lhes a sua versão, o que demonstra cabal conhecimento deles, compulsão dos autos e amplo exercício de defesa. 2. Não se decreta nulidade em processo administrativo, quando o argüente não demonstra de forma cabal o prejuízo efetivo sofrido. (Segurança denegada. (28 fls) (Mse nº 598138089, Tribunal Pleno, TJRS, relator: des. Celeste Vicente Rovani, julgado em 31/05/1999)"

            Há de prevalecer a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Na jurisprudência, observe-se o teor do seguinte aresto:

            "MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. PODER DISCRICIONÁRIO. BENEFICIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIARIA GRATUITA. PESSOA JUÍIDICA. Os atos administrativos gozam da presunção de legalidade e legitimidade, cabendo àquele que se achar lesado comprovar que está dito ato eivado de vício, o que o tornaria ilegítimo. Além do mais esta dita autoridade investida do poder discricionário de praticar o ato. A discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a administração em praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais conveniente ao interesse público. No caso concreto, a impetrante esta buscando cobrar dívida particular via ação de mandado de segurança, o que é, a evidencia, inviável, de vez que esta ação não e substitutiva de ação de cobrança, segundo disposto na sumula n-269. Só fazem jus ao beneficio da AJG quem comprove efetivamente que não pode arcar com as despesas do processo, sem colocar em risco a sua própria subsistência, o que não e o caso da empresa jurídica que, expressamente, postulou pagamento de custas a final por estar momentaneamente atravessando problemas financeiros. Mandado de Segurança denegado. Apelo provido. Beneficio da AJG afastado. (Apc nº 597267566, Segunda Câmara Cível, TJRS, relator: des. Teresinha de Oliveira Silva, julgado em 09/09/1998)"

            Desta forma, nada justifica que por apego a mero formalismo, se descure da natureza que o CTB quis imprimir ao processo de aplicação de penalidades de trânsito, o que contribui para solapar a eficácia do novo diploma.


6- CONCLUSÕES

            A interpretação e aplicação do direito devem se fazer através da utilização de um método multidisciplinar, e, sobretudo, pela consideração dos efeitos concretos dos comandos sentenciais no mundo empírico. A inteligente interpretação e aplicação da lei é aquela que conduz aos resultados práticos que se espera dela.

            Concluir que ainda seja necessária uma defesa prévia que irá somente procrastinar o procedimento de aplicação das penalidade de trânsito, implica aumentar a burocracia e a morosidade que o CTB quis banir.

            O direito à ampla defesa e ao contraditório não são direitos ilimitados. Comportam limitações na medida em que deixem de atender sua função institucional. É preciso fazer uma opção entre prestigiar a utilidade prática da lei ou resguardar uma aplicação duvidosa dos cânones constitucionais. Duvidosa porque não me parece que periclite o direito a uma defesa ampla em sentido material com a supressão da defesa prévia neste caso.

            Tudo o que pode ser argüido por ocasião de uma impugnação a um auto de infração pode ser alegado em recurso perante a JARI. Sem prejuízo não há nulidade a ser decretada.

            Desta forma, embora seja recomendável por comodidade que se defira a defesa prévia até para que se acabe com este argumento em prol do infrator, o fato é que não há base legal, dentro de uma interpretação razoável, para se nulificar procedimentos por falta de defesa prévia, pois se fosse sempre imprescindível a manifestação do atingido, então as liminares antecipatórias e cautelares concedidas inaudita alter pars seriam todas inconstitucionais. Logo, é possível o diferimento do contraditório.

            Assim, em que pesem as iminentes vozes em sentido contrário, creio prescindível a defesa prévia no procedimento de trânsito.


Notas

            01. A expressão é de Warat, citado por Lênio Streck.

            02. No presente caso, ad exmplum, a tese do autor de que ainda quando há assinatura do auto de infração seria necessária mais contra texto de lei, sua notificação formal, como e a assinatura não valesse como tal

            03. Ou regularizar os documentos acrescentemos nós.

            04. Que o autor não utilizou.

            05. O conceito é de Fallazari e vem referido profundamente na preciosa monografia de Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, editada pela Malheiros. Ver, ainda Teoria Geral do Processo, 13ª ed, Malheiros, do mesmo Dinamarco em parceria com Ada Pelegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra, p. 227.

            06. Op ult cit, p. 349.

            07. Ovídio Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes, Teoria Geral do Processo Civil, RT,1997, p. 230.

            08. Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed, 1992, p. 587

            09. Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1997, p. 227.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A defesa prévia no processo administrativo de trânsito:: feições e limites. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4011. Acesso em: 25 abr. 2024.

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