As Agências Reguladoras e os limites da discricionariedade de suas decisões

23/06/2015 às 09:24
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A atuação do Estado como regulador do setor econômico é essencial para proporcionar um ambiente favorável para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda.

1 - INTRODUÇÃO

De plano, percebe-se que a simbiose entre política e economia é notada historicamente. Sempre houve esforço para harmonizar a tomada de decisões do Estado com os interesses econômicos. Hoje a percepção desses esforços é mais nítida, tendo em vista a necessidade de o Estado proporcionar um ambiente favorável para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda.

Por outro lado, ressaltamos que o fomento econômico não deixa para trás as garantias fundamentais conquistadas pela humanidade, bem como as conquistas sociais, sendo certos que compete ao Estado proteger o interesse público e o bem-estar social. Para tanto, cumpre ao Estado a regulação das atividades econômicas, sociais e garantias fundamentais, no contexto de uma Democracia de Direito.

Especificamente, neste trabalho abordaremos a ideia de atuação do Estado como regulador do sistema econômico. Será tema uma análise da competência normativa e decisória das agências reguladoras.


2.Processo histórico da atuação do estado no domínio econômico

No Estado Moderno, final do século XVIII, havia uma preponderância do liberalismo econômico, ou seja, havia a ideia de que o mercado se auto regulava e o Estado não devia intervir. Carvalho Filho, citando ROUSSEAU, sobre as virtudes naturais do homem, “A este caberia a incumbência de promover e defender seus próprios interesses; pior do que cometer eventuais enganos seria admitir a interferência do governo em atividades que somente a ele interessariam[1].

No entanto, dessa liberdade econômica surtiu efeitos negativos para a sociedade, visto que se agravaram as distâncias entre as classes sociais, transformando-se numa verdadeira escravidão e submissão do povo a uma pequena classe rica dominante. Provou-se que a realidade está mais próxima da máxima de Thomas Hobbes de que o homem é o lobo do homem.

Diante dessa crise social, houve críticas severas a este modelo de Estado e fortes movimentos sociais denotando o inconformismo da população. Assim surgiram novas ideias, como do filósofo KARL MARX que pregava a ideia de governo da sociedade e da radical eliminação do escalonamento das classes sociais.

Diante do cenário acima, o Estado passou para uma posição interventiva participando ativamente dos fatores econômicos sob o prisma do interesse público na regulação das atividades mercantis. Há uma preocupação com a questão do bem-estar social, especialmente das pessoas mais pobres e sem voz na sociedade, contendo a selvageria e inconsciência do capitalismo.

Esse novo sistema de intervenção do Estado exigiu um pacto social, que foi concretizado através da consolidação dessa vontade em norma jurídica reguladora nas constituições dos estados. Em regra, as constituições passaram a reproduzir capítulo próprio sobre a ordem econômica e social, como exemplo, na constituição brasileira há previsão no título VII (arts. 170 a 192).

Todas as normas previstas na constituição pretendem explanar parâmetros e basilares de um sistema geral da ordem econômica e formas de atuação do Estado no domínio econômico.

2.1A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A constituição brasileira possui fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, conforme artigo 170, observando os princípios: “ I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.

Logo, pela leitura dos princípios esculpidos na constituição, que tratam da ordem econômica, percebe-se que a intervenção e regulação desta matéria na constituição são fortes. Qualquer atividade que deixe vulnerável os fundamentos ou princípios acima, poderão ser invalidadas.

A valorização do trabalho humano é o primeiro pilar de sustentação da democracia brasileira, refutando qualquer tipo de trabalho escravo ou de degradação da saúde do trabalhador. Esse fundamento tem finalidade de proteger a sociedade, sendo uma intervenção notoriamente necessária, diante dos abusos que praticados nos séculos passados.

Carvalho Filho destaca de forma bem precisa o sentido da valorização do trabalho, destaca-se:

“Outro aspecto que deriva desse fundamento é o relativo à automação industrial. Se o uso das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvolvimento das empresas do país, não é menos verdadeiro que não podem as máquinas substituir o homem para benefício exclusivo do empresário. Diz o texto constitucional que se impõe a valorização do trabalho humano, o que significa que é o homem que deve ser o alvo da tutela.

Pode-se dizer em síntese, que a valorização do trabalho humano corresponde à necessidade de situar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que o relativo a outros interesses privados, de forma a ajustar seu trabalho aos postulados da justiça social.”[2]

No entanto, percebe-se que há um longo caminho a percorrer para que não só o Brasil, mas grande parte do mundo alcance efetivamente a valorização do trabalho humano e deixe de ser refém do Poder econômico.

O segundo pilar de sustentação é a liberdade de iniciativa das pessoas na produção de bens e serviços no mercado por sua conta e risco. Nesse ínterim, não cabe ao Estado a concorrência com a iniciativa privada, cabendo-lhe a função de fiscalização do comportamento dos particulares e a restrição, excepcionalmente, para atingir o interesse público.

O Supremo Tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria, conforme notícia no Informativo de Jurisprudência nº 412, RE nº 422.941-DF, a saber:

“Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto por destilaria contra acórdão do STJ que, em recurso especial, reformara decisão que condenara a União a indenizar os prejuízos advindos da intervenção do Poder Público no domínio econômico, a qual resultara na fixação de preços, no setor sucro-alcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool. A recorrente alegava ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, sustentando que, não obstante o referido ato tivesse decorrido de legítima atividade estatal, deveria ser indenizada pelo dano patrimonial por ela sofrido — v. Informativo 390. Entendeu-se que a intervenção estatal na economia possui limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e a responsabilidade objetiva do Estado é decorrente da existência de dano atribuível à atuação deste. Nesse sentido, afirmou-se que a fixação, por parte do Estado, de preços a serem praticados pela recorrente em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor constitui-se em óbice ao livre exercício da atividade econômica, em desconsideração ao princípio da liberdade de iniciativa. Assim, não é possível ao Estado intervir no domínio econômico, com base na discricionariedade quanto à adequação das necessidades públicas ao seu contexto econômico, de modo a desrespeitar liberdades públicas e causar prejuízos aos particulares.

Os dois pilares de sustentação da ordem econômica devem estar em harmonia, a fim de que não haja restrição excessiva de um em detrimento do outro e que a justiça social seja alcançada. Nas palavras de José Afonso da Silva, temos definição precisa de Justiça Social:

“Um Regime de Justiça Social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria.”[3]


3.ATUAÇÃO DO ESTADO

O Estado atua de duas formas na ordem econômica, ora como agente regulador e fiscalizador, criando normas, estabelecendo restrições, e, ora, de forma excepcional como executor das atividades econômicas.

Ademais, deve ser registrado que as atividades exercidas pelo Estado, sempre terão como finalidade o interesse da coletividade ou o relevante interesse público.

Na definição de Carvalho Filho, Estado Regulador “é aquele que, através de regime interventivo, se incumbe de estabelecer as regras disciplinadoras da ordem econômica com o objetivo de ajustá-la aos ditames da justiça social.”[4] Confira-se o artigo 174 da Constituição:

“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

A finalidade da regulação na fiscalização é coibir conduta abusiva do particular, principalmente proteger os menos favorecidos. Exemplo clássico é o código de defesa do consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Já no incentivo, o governo age alterando alíquotas de importação e abre crédito para determinados seguimentos da economia. Na área de planejamento é facilmente perceptível perceber na conduta do governo de acompanhamento da equipe econômica agindo na macroeconomia.


4.AGÊNCIAS REGULADORAS

No presente trabalho abordaremos o aspecto da intervenção regulatória do Estado na economia. Para estabelecer as regras, padrões, e fiscalização da prestação dos serviços públicos pela iniciativa privada, o Estado criou as agências reguladoras, como ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações, ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANA (Agência Nacional das Águas), dente outras.

Para o exercício de suas funções com independência, foram revestidas de autonomia administrativa e financeira, ainda que vinculadas aos Ministérios. Estas são classificadas como autarquias em regime especial. O artigo 21, IX e 177 parágrafo 2º, III da Constituição são o fundamento para a criação das agências reguladoras.

O regime especial e outros aspectos que lhes conferem maior independência estão dispostos nas leis de criação das agências reguladoras, conforme abaixo:

Lei nº 9.472/97, Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. (...)

§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.

Lei 10.233/01, art. 21, § 2o O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

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Outros aspectos diretos do exercício das atividades das agências são “ (i) a maior discricionariedade técnica, uma vez que estas entidades fiscalizam, punem, normatizam atividades, dirimem conflitos e (ii) decisões que não se submetem à apreciação de outros órgãos ou entidades da Administração Pública, ou seja, seus atos não podem ser revistos ou alterados pelo Poder Executivo, não havendo, portanto, uma instância recursal administrativa diante dos atos expedidos pelas agências. ”[5]


5.Poder normativo das agências reguladoras e sua discricionariedade técnica

A legitimidade do poder normativo das agências reguladoras é defendida por alguns doutrinadores com fundamento na delegação legislativa, ou seja, a própria lei transfere à competência legislativa as agências de normatizar matéria específica. Este fenômeno também é chamado de deslegalização. Logo, o legislador estabelecerá princípios, diretrizes e parâmetros a fim de que as agências reguladoras possam, dentro das exigências técnicas pormenorizadas que a matéria necessita, estabelecer as normas e suas decisões.

Há quem sustente que a delegação legislativa seria inconstitucional, tendo em vista o princípio da separação dos poderes, legalidade estrita, em que a administração pública só está autorizada a agir diante de lei que autorize e que a outorga legislativa ao executivo expirou 180 (cento e oitenta dias) após a vigência da Constituição, a saber:

CF/88, ADCT, Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

No entanto, o entendimento acima foi superado, destacando-se o posicionamento favorável a delegação legislativa de Diogo dos Santos Moreira Neto:

“Como não se proibiu genericamente a delegação, há de se entender que o legislador constituinte pretendeu reestruturar a partir da nova ordem jurídica do país, todas as hipóteses de deslegalização, o que efetivamente vem ocorrendo a partir de então, tanto em nível constitucional quanto em nível legal. (...) A delegação legal será sempre possível. (D. NETO, 2007, pág. 233)”.

Ademais, deve-se entender que não há violação da separação dos poderes, visto que foi opção do legislador transferir para o executivo a matéria técnica determinada, permanecendo com o legislador a parte geral da matéria, quais sejam, os princípios e diretrizes a serem observados. Por outro lado, a dinâmica da evolução social e econômica não é acompanhada pelo tempo de aprovação e vigência da lei, que rapidamente se tornariam obsoletas se tratassem de matéria técnica específica.

Sustenta-se também que a deslegalização de matéria técnica afasta as pressões políticas e das empresas reguladas. Essa é a ideia de neutralidade das agências. No entanto, Di Pietro lembra da crescente “desconfiança em relação às agências, exatamente pelo fato de, tradicionalmente, atenderem a interesses e pressões de grupos determinados.”[6]

Eros Grau, admite o poder normativo das agências reguladoras, mas sob o fundamento de que este poder normativo é intrínseco à Administração Pública. Argumenta que se existe o princípio da reserva de lei, logicamente, que matéria excluída da reserva terá a possibilidade de ser regulamentada pelo poder executivo, desde que não haja extrapolação do poder regulamentar.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece o alto grau de discricionariedade técnica das Agências Reguladoras na tomada de decisões, a saber:

TELEFONIA. VALOR. USO. REDE MÓVEL. A recorrente e a recorrida são operadoras de telefonia e contendem a respeito do valor de uso de rede móvel (VU-M), que é devido quando realizada ligação entre usuários de diferentes operadoras (interconexão) e de livre negociação entre os interessados (arts. 152 e 153 da Lei n. 9.472/1997). Consta dos autos que a recorrida instaurou diversos processos de arbitragem e outros judiciais contra várias operadoras e, por sua vez, a Anatel, provocada, entendeu constituir comissão de arbitragem de interconexão (CAI) para, juntamente com as operadoras, discutir a questão. Contudo, diante da celeuma acerca dessas arbitragens, a Anatel, em resolução, adiou o marco regulatório referente à fixação do VU-M. Sucede que, mesmo assim, aquela agência, mediante a CAI, em uma dessas arbitragens, exarou o despacho n. 3/2007, que fixa o VU-M entre a recorrida e outra operadora de telefonia. Nesse contexto, constata-se que, sem sombra de dúvida, a Anatel é responsável por resolver as condições de interconexão quando se mostrar impossível a solução entre as operadoras interessadas (art. 153, § 2º, da Lei n. 9.472/1997 e Res. n. 410/2005 da Anatel). Assim, frente ao alto grau de discricionariedade técnica imanente ao tema e em consideração aos princípios da deferência técnico-administrativa, da isonomia e da eficiência, a lógica do sistema de telecomunicações impõe a prudência de estender o VU-M fixado no despacho n. 3/2007 a todos os demais participantes de arbitragens similares, o que abrange a contenda entre a recorrida e a recorrente. Daí que não há como manter a liminar deferida nas instâncias ordinárias com VU-M diferente do fixado por aquela agência reguladora. Há que adequá-la ao despacho n. 3/2007. Anote-se que o periculum in mora foi reconhecido nas instâncias ordinárias com lastro em nota técnica da própria Anatel, que reconhece o fato de as operadoras de telefonia fixa hoje operarem com prejuízo nas ligações que exigem a interconexão. Rever esse fundamento esbarraria no empecilho da Súm. n. 7-STJ. Já quanto ao fumus boni iuris, o próprio despacho n. 3/2007 do CAI reitera a necessidade de revisão do VU-M. REsp 1.171.688-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 1º/6/2010. (grifou-se)

Logo, concluindo que a competência normativa é intrínseca a administração, verifica-se que a atividade regulamentar das agências está ligada à margem da discricionariedade técnica, observando sempre os as normas Lei geral sobre a matéria.

O Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a matéria, reconhecendo a legitimidado poder normativo das agências, através da Medica cautelar na ADI nº 1668-5/DF que questionava diversos dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações.

Ademais, verifica-se que a competência das agências reguladoras descrita na legislação são as necessárias para a fiscalização e controle para que a prestação do serviço público de telecomunicações pelas empresas privadas seja adequado e eficiente:

Lei nº 9472/97, Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente (...)

IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;

V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;

VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;

VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes; (...)

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; (...)

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

XVI - deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos: (...)

Em síntese, como já sinalizava a doutrina, na ADI foi dada interpretação conforme a constituição no sentido de que as normas e atos administrativos expedidos pelas agências reguladoras não poderão contrariar o ordenamento jurídico, sendo certo que deverão ser adequadas as características técnicas de cada área regulada pela agência, ou seja, o conteúdo discricionário técnico de suas competências.

Na oportunidade, percebe-se expressamente este entendimento no voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 858008 / PE – Pernambuco, em que é recorrente Nacional Gás Butano Distribuidora LTDA e recorrida: Agência Nacional do Petróleo – ANP:

Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, no qual se alega violação aos artigos 5º, II e XIII; 37; 170, IV; e 238 do texto constitucional, pelo acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O acórdão recorrido assim assentou: “EXECUÇÃO FISCAL. AUTO DE INFRAÇÃO. FISCALIZAÇÃO DA ANP. REVENDA DE GÁS LIQUEFEITO DE PETRÓLEO POR PREÇO ACIMA DOS LIMITES ESTABELECIDOS PELA PORTARIA INTERMINISTERIAL 212/2000. PODER REGULAMENTAR DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. ARTIGO 69 DA LEI 9.478/1997. LEGALIDADE DA PORTARIA. (...) 2. Apenas mediante a edição da lei federal nº 9.478/1997 é que foi instituída a Agência Nacional do Petróleo, e definidas as suas competências; daí a necessidade de editar normas que alcancem a especificidade das situações jurídicas subsumidas à sua competência, o que é feito, legitimamente, através de portarias. 3. Na hipótese, a fiscalização administrativa constatou que a apelante revendia GLP em valores superiores aos limites máximos estabelecidos pela Portaria Interministerial nº 212/2000, incidindo, dessa forma, na prática de conduta consignada no art. 3º, III, da Lei 9.847/1999. 4. Caso em que a parte autora não logrou infirmar os resultados da fiscalização empreendida, tampouco apontar a ocorrência de qualquer irregularidade no procedimento administrativo - hábeis a ensejar a nulidade da autuação. Deste modo, é de se reconhecer a subsistência do auto de infração lançado, o que impõe o regular processamento da execução fiscal correspondente. 5. Apelação não provida” (fl. 257).  Nos termos do acórdão, a conduta em si se encontra consignada em lei, logo a discussão se pauta unicamente na existência de reserva legal quanto aos limites máximos de preço. Nesse ponto, a portaria não altera o ordenamento jurídico, mas tão somente fixa regras para a fiel execução da lei, sendo que esta estabeleceu standards mínimos, de modo que, na espécie, é constitucional a existência de margem de discricionariedade administrativa atinente ao exercício do poder regulamentar na matéria técnica em tela. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados do Tribunal Pleno desta Corte: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 3.721, DE 8.01.2001, QUE ALTERA OS ARTIGOS 20, II E 31, INCISOS IV E V DO DECRETO Nº 81.240, DE 20.01.78. LEI Nº 6.435, DE 15.07.77, QUE DISCIPLINA O FUNCIONAMENTO DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA FECHADA. DECRETO AUTÔNOMO. INEXISTÊNCIA. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade. No caso, o decreto em exame não possui natureza autônoma, circunscrevendo-se em área que, por força da Lei nº 6.435/77, é passível de regulamentação, relativa à determinação de padrões mínimos adequados de segurança econômico-financeira para os planos de benefícios ou para a preservação da liquidez e da solvência dos planos de benefícios isoladamente e da entidade de previdência privada no seu conjunto. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.” (...) (grifou-se)

No mesmo sentido, acompanha a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 267, § 3º, DO CPC. INOCORRÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TELECOMUNICAÇÕES. INTERCONEXÃO. VALOR DE USO DE REDE MÓVEL (VU-M). DIVERSAS ARBITRAGENS ADMINISTRATIVAS LEVADAS A CABO PELA ANATEL. DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA EM CONFLITO ENTRE PARTES DIFERENTES, MAS COM O MESMO OBJETO. MATÉRIA DE ALTO GRAU DE DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA. EXTENSÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ÀS HIPÓTESES QUE ENVOLVEM OUTRAS OPERADORAS DE TELEFONIA. DEVER DO JUDICIÁRIO. PRINCÍPIOS DA DEFERÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA, DA EFICIÊNCIA E DA ISONOMIA. EVITAÇÃO DE DISTORÇÕES CONCORRENCIAIS. REVISÃO DA EXTENSÃO DA LIMINAR DEFERIDA NO PRESENTE CASO. (...) 5.5. Parece que, tendo em conta o alto grau de discricionariedade técnica que permeia o assunto e também os princípios da deferência técnico-administrativa, da isonomia e da eficiência, não se pode ignorar que, embora em sede de contenda instaurada entre a GVT e a Vivo, a lógica do sistema de telecomunicações impõe que o valor de referência aí fixado seja estendido a todos os demais participantes de arbitragens similares (englobando, pois, a arbitragem entre a GVT e a TIM - parte recorrente). (REsp 1171688 / DF, DJe 23/06/2010 – grifou-se)

Logo, concluímos que a discricionariedade técnica das agências reguladoras são legais, desde que não extrapolem esse poder regulamentar e observem sempre os princípios e diretrizes esculpidos na constituição e demais normas legais.

Diante de todo exposto, mesmo que a passos lentos, caminhamos para a efetividade do Estado Gerencial Brasileiro, idealizado na década de 90, ainda enfrentando resistências, sejam políticas, sejam de burocratas, no entanto avança. Ademais, as pressões do setor econômico ajudam a evolução deste novo estado, pois precisam de segurança jurídica e estabilidade político-econômica para a realização dos investimentos.


Referências

AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo, SP: Malheiros, 2007.

AMARAL GARCIA, Flávio. Licitações e Contratos Administrativos. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2012.

BUZANELLO, Graziele Mariete. Agências reguladoras e seu poder normativo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4101, 23 set. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30131>. Acesso em: 8 maio 2015.

CALIJORNE, Natália Peixoto; ARAÚJO, Lucas de Carvalho et al. Agências reguladoras: poder normativo e discricionariedade técnica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31502>. Acesso em: 8 maio 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo, SP: Atlas – 2012.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo, SP: Dialética, 2012.

LÍRIO DO VALE, Vanice. Parcerias Público-Privadas e Responsabilidade Fiscal: Uma Conciliação Possível. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, SP: Saraiva, 2008.

PEIXINHO, Manoel Messias. Marco Regulatório das Parcerias Público- Privadas no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2010.

PESTANA, Márcio. Licitações Públicas no Brasil. São Paulo, SP: Atlas, 2013.

TORRES, Ricardo Lobo. O Orçamento na Constituição. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1995.

VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2005.


Notas

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, Pg. 910.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, pg. 913.

[3] AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo, SP: Ma-lheiros, 2007, pág 710.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013, pág. 915.

[5] CALIJORNE, Natália Peixoto; ARAÚJO, Lucas de Carvalho et al. Agências reguladoras: poder normativo e discricionariedade técnica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/31502>. Acesso em: 8 maio 2015. pág. 3.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo, SP: Atlas – 2012, pág. 186.

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Sobre o autor
Bruno Fialho Ribeiro

Advogado.<br>Pós-Graduação em Direito Administrativo<br>2014 Universidade Cândido Mendes/Curso Fórum Rio de Janeiro<br>MBA em Gestão Pública<br>2012 - 2014 Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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