“Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.
Artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948.
“Na época em que os faraós governavam o Egito, um templo foi erguido acima das cabeceiras do rio Nilo, próximo de onde três afluentes se uniam para formar este rio. O Nilo, com um curso de mais de mil milhas, produzia todo ano a inundação de sua várzea, o que permitia aos fazendeiros cultivarem suas plantações durante o tórrido e seco verão. Toda primavera os sacerdotes do templo reuniam-se na margem do rio para verificar a cor da água. Se estivesse clara, o Nilo branco (...) dominaria o curso e os fazendeiros teriam colheita pequena. Se a corrente estivesse escura, predominariam as águas do Nilo azul, proporcionando cheias adequadas e colheitas abundantes. Finalmente se dominassem as águas verde-escuras do Atbara, as cheias viriam cedo e seriam catastróficas. Todo o ano os sacerdotes enviavam mensagens aos faraós sobre a cor da água. Estes então saberiam como estaria a situação financeira dos fazendeiros e qual seria o aumento dos impostos”.
Pierre Wack .
Prefácio
Dentre as formas de extinção do crédito tributário, possivelmente a transação é a menos explorada pela doutrina. Tal se explica pelas históricas limitações à aplicação daquele instituto na seara do Direito Público em cujo conjunto se insere o Direito Tributário. Os contornos desse conjunto, a indisponibilidade do interesse público, a observância do princípio da legalidade, as características do regime jurídico aplicável às obrigações e créditos tributários levam, invariavelmente, à existência de limitações ao poder de transacionar. Contrariamente à amplitude do instituto no âmbito do direito privado, no campo do direito público há nítidas balizas, como se verifica no Art.171 do Código Tributário Nacional. O autor, ilustre promotor PAULO HENRIQUE FIGUEIREDO, apresenta uma inovadora fundamentação para essas limitações ao poder de transacionar do Estado em matéria tributária. Busca-as na necessidade de preservação de receitas públicas imprescindíveis para a satisfação dos direitos básicos da população. Traz à discussão se a transação ao implicar em “concessões mútuas” não implicaria em perda de capacidade de investimento por parte do Estado e qual o razoável limite dessa redução.
Sabido é da dificuldade de satisfação dos créditos quando exigidos através de execuções fiscais, cujo tempo médio ultrapassa mais de cinco anos, às vezes chegando a dez ou mais anos, sem o ingresso de valores nos cofres públicos. Essa constatação tem feito com que as leis aprovem transações, normalmente com parcelamentos, dispensa parcial, ou total de multas etc. Poder-se-ia citar como exemplos as leis que instituíram os programas de REFIS I e REFIS II. Tal, tem ocorrido, como uma forma de o Poder Público recuperar, em parte seus créditos, sacrificando, por vezes, princípios como o da isonomia, de justiça fiscal, etc. O excesso, entretanto, implica em vantagens para o inadimplente, o refratário ao cumprimento das obrigações, em detrimento dos demais contribuintes e com perda de receitas quando a situação financeira dos entes públicos no Brasil é extremamente precária.
Os limites dessa postura “pragmática” do Estado é que são aqui examinados e por uma ótica diferente. Normalmente, ao se falar em direito do cidadão frente ao Estado tributante o que se defende é a redução de carga tributária sob o argumento de excessiva onerosidade. Aqui se defende o não esvaziamento das receitas públicas como garantia da satisfação das necessidades básicas do cidadão. O trabalho evidencia a qualidade técnica de seu autor, experiente e dedicado membro do Ministério Público do Estado de Pernambuco que alia a essa condição de operador do direito a uma respeitável bagagem como estudioso do Direito Público.
De parabéns os editores por premiarem os leitores com a obra de PAULO HENRIQUE FIGUEIREDO, relevante pelo tema e pela vereda escolhida.
Francisco de Queiroz B.Cavalcanti, Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPE
Preclaro leitor,
O vertente trabalho é fruto de nossa tese apresentada e aprovada pela banca examinadora do curso de pós-graduação em Direito Tributário, ministrado pela Universidade Federal de Pernambuco, cujo título original é: “A não aplicação integral do instituto da transação, no direito tributário brasileiro, como forma de garantia dos direitos humanos”.
O tema cuja análise é proposta neste trabalho é, em razão de sua especificidade, inédito, contudo, o vertente estudo não traz nenhuma revolução no que existe de assentado sobre a matéria, antes pelo contrário, é uma visão específica de um tema vanguardista e recorrente quando se busca a conexão do Direito Tributário com os direitos fundamentais dos cidadãos.
Ricardo Lobo Torres nos apresenta o anexim de que “o tributo é o preço da liberdade”, como elo da aludida vinculação, demonstrando ser o Estado o responsável, por delegação de seus habitantes, pela consecução da “felicidade geral” de seu corpo social, que, aliás, o financia para tanto.
Uma corrente de tributaristas teoriza as questões decorrentes do uso do Direito Tributário como forma de garantia dos Direitos Humanos de modo sistêmico, observando este fenômeno jurídico em seu macro aspecto, ou seja, o estuda sob o prisma de nossa Carta Magna no que pertine às “limitações constitucionais ao poder de tributar”, mostrando que há na Lei Máxima, mecanismos delimitadores de competências tributárias e impeditivos à criação de tributos, isto com o fito de assegurar aos cidadãos um sistema tributário que não invadirá os seus direitos primordiais.
Nossa dissertação parte da análise de um instituto específico de nosso Direito Tributário positivo, qual seja, o da Transação Tributária, para corroborar com a proposição do tributarista citado e avançar em seu estudo.
Ao elaborarem os seus diagnósticos, os doutrinadores que defendem o aforismo de que o Direito Tributário deve ser limitado por instrumentos legais de defesa do cidadão, ou seja, ao estudarem os direitos dos cidadãos, em face da atividade estatal, se valeram de algo como uma “tomografia computadorizada” de todo o organismo normativo tributário e humanitário, enquanto nós apenas fizemos, neste trabalho, um “ultra-som” de um órgão do mesmo corpo, qual seja, a transação tributária, para afirmarmos que este instituto não pode ser plenamente aplicado, como forma de garantia que os direitos fundamentais dos seus habitantes sejam preservados, notadamente os que dizem respeito à moradia, saúde, educação e etc.
Evidenciaremos que transação tributária tem por finalidade a arrecadação dos tributos financiadores do ente público estatal, porém, em sua gênese, é limitada, em razão da vedação ao credor tributário de, na avenca, isentar o seu devedor do pagamento da pecúnia devida, visto que essa será direcionada à prestação de serviço e obras à sua população.
O Desembargador Luiz Sílvio Ramalho, ao prefaciar o livro “Raízes Ibéricas, Mouras e Judaicas do Nordeste”, de Maria de Lurdes Nunes Ramalho, afirma que: “Escrever, enfrentar a opinião pública é um ato de coragem”. Realmente, para lançar uma obra literária, técnica ou não, a coragem é necessária, mas antes de ser uma virtude, a apresentação de teses, arrazoados, pensamentos, etc à humanidade é uma obrigação de cada indivíduo, seja pela via da manifestação corporal, oral, escrita etc .
Como bem disse Adriano Soares da Costa, em sua resposta a Tárek Moysés Moussallem, “o diálogo científico é o único meio de construção do conhecimento. Não há ciência no monólogo, porque todo ato de conhecer é um ato de sair de si em busca do outro, naquela fusão de horizontes em que se encontram o passado, o presente e o futuro, nas múltiplas fragmentações do mundo da vida.
Assim, embasado nestes axiomas, apresento-vos as reflexões que fizemos acerca da transação tributária analisada à luz dos direitos fundamentais dos cidadãos, como forma de iniciar o debate sobre o tema, que não é nenhuma revolução copérnica, mas que se assemelha à “maçã de Newton” ou ao “ovo de Colombo”, não na repercussão para a humanidade, mas sim, por ser um fato que nos deparamos todos os dias e, pela dinâmica de nossa existência, não meditamos sobre ele.
“A palavra tem grande influência: há duas categorias delas, o discurso propriamente dito e o diálogo familiar” este foi um dos ensinamentos do tribuno Cícero, que nos mostrou, na complementação deste pensamento, que o discurso deve ser apresentado nos Tribunais ou no Senado e a conversação em círculos, no seio familiar em festas. A narrativa de nossa tese é feita de forma simples, uma simbiose dos discursos apresentados pelo Jurista Romano, romanceada, como deve ser a linguagem jurídica, recheada de textos legais, jurisprudências, doutrinas e escritos ligados ao tema abordado, para que você, leitor, tenha uma visão abalizada da matéria e possa concordar ou discordar do silogismo apresentado.
Esta obra é uma forma agradecer a todos aqueles que colaboraram para edificação do hodierno sistema legal, homenagear os atuais operários jurídicos e ofertar um legado às próximas gerações de operadores do direito. Afinal de contas, como bem ensinou Alvin e Heidi Toffler :” uma Nova civilização está emergindo em nossas vidas, e os cegos – que existem em toda parte- estão tentando suprimi-la. Essa nova civilização traz consigo novos estilos de família; maneiras diferentes de trabalhar, amar e viver; uma nova economia ; novos conflitos políticos; e acima de tudo uma consciência modificada”, mas, sempre tendo em mente a lição do mestre Rudolf Von Ihering, de que “o fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça - e isso perdurará enquanto o mundo for mundo - ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta; luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos. O direito não é uma simples idéia é uma força viva”.
Paulo Henrique.
Este trabalho é dedicado ao de meu Pai que hoje brilha entre as estrelas do firmamento, lecionando e fazendo projetos econômicos. À minha mãe: Juberlita, a meus irmãos: Flávio, Alexandre e Felipe, a meus tios e tias, primos e sobrinhos. A meus filhos Brunna, Raphaela, João Augusto e Paulo Henrique. E, especialmente, à minha esposa e companheira Luciana Maciel Dantas Figueiredo, pelo carinho e amor que me dedica, e ainda, por sua paciência em debater dialeticamente meus textos.
Agradeço em primeiro lugar ao arquiteto do universo, pela dádiva da vida. Aos mestres e funcionários da Universidade Federal de Pernambuco(pós de Direito Tributário) e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (pós de Direitos Humanos e do Cidadão e Urbanístico e Ambiental) pelo acolhimento e os ensinamentos que me foram revelados. Ao meu sogro, minha sogra, cunhado, aos amigos do Ministério Público e Poder Judiciário de Pernambuco e servidores dos dois Poderes, a Sara, Lucimar, Cátia, Eliane e Edvâniva dedicadas servidoras da Promotoria de Justiça de Nazaré da Mata, aos amigos das comarcas de Canhotinho, Triunfo, Nazaré, Carpina e Gameleira. E, em especial ao Instituto do Ministério Público de Pernambuco, na pessoa de seu presidente, Frederico Oliveira, pelo empenho na publicação desta obra, e ao meu orientador e mestre Professor Doutor Francisco de Queiroz Cavalcanti. Bem como a todos que me incentivaram e contribuíram direta e indiretamente a levar o vertente trabalho à editora Bagaço para publicação.