Mediação de conflitos e o acesso à justiça no Estado Democrático de Direito

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28/06/2015 às 21:06
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4. [ENTENDENDO E] APRENDENDO A LIDAR COM OS CONFLITOS

Geralmente as pessoas confundem conflito com discussões, brigas e violência, vez que muitas situações conflituosas acabam por gerar violência, finalizando com um ato violento.

Oportuno ressaltar que:

Dentre os instrumentos metodológicos desenvolvidos para a prevenção da violência e a construção de uma cultura de paz, destaca-se a mediação de conflitos, que deve ser entendida como um mecanismo mais amplo e eficaz de desconstrução de conflitos, destinado a transformar padrões de comportamento e a estimular o convívio em ambiente cooperativo, no qual os conflitos possam ser tratados sem confrontos e de modo não-adversarial. (SEIDEL, 2007, p.89)

Baseando-nos, pois em Seidel (2007), temos como sendo conflitos “o desentendimento entre duas ou mais pessoas sobre um tema de interesse comum”, ou seja, “representam a dificuldade que as pessoas possuem em lidar com as diferenças nas relações e diálogos associada a um sentimento de impossibilidade de coexistência de interesses, necessidades e pontos de vista”.

Importante colocação de Seidel (apud, 2007) quando retrata que “é a resposta que se dá aos conflitos que os torna negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos, tais como a briga, as discussões, os desentendimentos”, gerando, assim, consequentementemente os embates judiciais entre as partes.

A questão central para o autor é, como lidar com os conflitos?

Conforme Seidel (2007, p.11) Os conflitos devem ser compreendidos como parte da vida humana, sendo seu problema transferido para a forma de como serão enfrentados ou resolvidos. (SEIDEL, 2007, p. 11).

E complementa ser justamente a não aceitação dos conflitos que provoca a violência. Todavia, quando se aprende a lidar com o conflito de forma não violenta, ele deixa de ser encarado como o oposto da paz e passa a ser visto como um dos modos de existir da sociedade. Sendo assim, conclui-se que os conflitos podem beneficiar-nos através do estimulo do pensamento critico e criativo, melhoria da capacidade de tomar decisões, reforçar a consciência da possibilidade de opção, incentivar diferentes formas de encarar problemas e situações, melhorar relacionamentos e promover a auto-compreensão.

Percebemos, pois que, muitas vezes as pessoas estão de tal modo ressentidas que não conseguem visualizar nada de bom no relacionamento entre elas, não mais conseguem sozinhas, e de maneira independente, enxergarem uma solução para seus conflitos, buscando, à sua maneira, uma forma equivocada para a solução de tais controvérsias.

Seidel (apud 2007) nos apresenta quatro pontos de vista sobre conflitos que possibilitam uma importante reflexão sobre tais, segundo ele:

  1. Conflitos não são problemas: É possível perceber uma tendência geral de se ter uma visão negativa do conflito. Os conflitos, porém, são normais e não são em si positivos ou negativos maus ou ruins. ¨Quem não já ou viu falar sobre o dito popular no qual “há males que vem prá bem?¨. É a resposta que se dá aos conflitos que os torna negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos.. A questão central é como se resolvem os conflitos: se por meios violentos ou através do diálogo. Os conflitos devem ser compreendidos como parte da vida humana, sendo seu problema transferido para a forma com que serão enfrentados e resolvidos.

  2. Diferença entre conflito e briga: conflitos não são sinônimos de intolerância ou desentendimento, nem se confundem com briga. A briga já é uma resposta ao conflito. Um conflito pode ser definido como a diferença entre duas metas sustentadas por agentes de um sistema social. Podem ser organizados em três níveis: pessoais, grupais ou entre nações.

  3. Frente ao conflito, podem ser assumidas três atitudes básicas:

    • Ignorar os conflitos da vida;

    • Responder de forma violenta aos conflitos; e

    • Lidar com os conflitos de forma não-violenta, por meio do diálogo.

  4. Os benefícios dos conflitos: É justamente a não aceitação dos conflitos que provocam a violência. Busca resolver o conflito, negando o outro. Todavia, quando se aprende a lidar com o conflito de forma não-violenta, ele deixa de ser encarado como o oposto da paz e passa a ser visto como um dos modos de existir em sociedade. Os conflitos podem trazer os seguintes benefícios:

    • Estimular o pensamento crítico e criativo;

    • Melhorar a capacidade de tomar decisões;

    • Reforçar a consciência da possibilidade de opção;

    • Incentivar diferentes formas de encarar problemas e situações;

    • Melhorar relacionamentos e a apreciação das diferenças; e

    • Promover a auto-compreensão. (SEIDEL, 2007, p.12)

Com base em tais considerações percebemos a importância em visualizar de maneira crítica e construtiva o conflito para sabermos como lidar com eles, atuando de uma forma diferenciada, não como algo impossível de ser solucionado, mas como um desafio ou um obstáculo a ser superado, dando-nos melhores condições de enfrentar diversas situações dando a melhor resposta aos desafios que nos cercam em nosso dia a dia.

Vemos assim, conforme o autor, que o conflito não é um obstáculo à paz, pelo contrário, para construir uma cultura de paz é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos. A paz é um conceito dinâmico que leva as pessoas a provocar, enfrentar e resolver os conflitos de uma forma não-violenta. Uma educação para a paz reconhece o conflito como um trampolim para o desenvolvimento que não busque a eliminação do conflito, mas sim, modos criativos e não-violentos de resolvê-los. Há três caminhos fundamentais conforme Seidel (apud,2007):

1) A prevenção do conflito, desenvolvendo a sensibilidade à presença ou potencial violência e injustiça (sistema de alerta prévio) e a capacidade de análise do conflito;

2) A resolução, ou seja, o enfrentamento do problema e a busca de mecanismos institucionais; e

3) A transformação, em vista de estratégias para mudança, reconciliação e construção de relações positivas. (SEIDEL, 2007, p.11).


5. O ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DA MEDIAÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe: "Art. 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". É perceptível a preocupação do legislador em resguardar este direito fundamental do indivíduo numa época posterior a tantas atrocidades já ocorridas em nossa sociedade.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional deve ser entendido, em concordância aos valores e princípios do nosso tempo, como inspirador da regra de que todos têm o direito a uma tutela efetiva e eficaz. É preciso frisar, porém, que o acesso à justiça não deve ser compreendido apenas como o acesso ao Poder Judiciário. A justiça é um conceito amplo a ser considerado nas suas mais variadas formas e significados.

Conforme Paulo Nader (2006):

“Aristóteles, em Ética a Nicômaco, entedia a justiça como indissociável à vida em comunidade (polis). Para ele, a justiça segue o princípio lógico de estabelecer as características ou propriedades em âmbito geral, para posteriormente se ater aos casos particulares a justiça particular era subdividida por Aristóteles em distributiva e corretiva. A justiça distributiva corresponde à repartição das honras e dos bens entre os indivíduos, de acordo com o mérito de cada um e respeitado o princípio da proporcionalidade. A justiça corretiva, por sua vez, tem por fundamento regular as relações recíprocas, sejam as estabelecidas voluntariamente, que se manifestavam pelos contratos, ou as involuntárias, que eram criadas pelos delitos. Para isso, há a necessidade da participação de uma terceira pessoa que personifica a justiça e a esse fim se destina” (NADER, 2006, p. 109-110).

Com base em tais conceitos de justiça referidos, percebemos que o instituto da mediação tem amplo respaldo, vez que atende ao princípio de aplicar a justiça diante do caso concreto, concedendo a cada um dos conflitantes o que lhe pertencem de direito, de acordo com suas necessidades e particularidades.

Astried Brettas Grunwald (2004), em seu artigo A Mediação como forma efetiva de Participação Social no Estado Democrático de Direito, ao citar Warat (2000) quando dispõe que “as práticas sociais de mediação, configuram num instrumento ao exercício da cidadania, uma vez que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados por um conflito”(WARAT, 2000). É entendido pela autora que autonomia, democracia e cidadania correspondem à capacidade das pessoas de decidir por si mesmas aquilo que precisam e aquilo que entendem por correto para si e para os outros. Portanto, percebemos que a mediação tem sim a propriedade de ampliar o universo cultural do indivíduo, inserindo-o na sociedade, e promovendo a realização da justiça em sentido amplo, e fortalecendo a democracia.

Com base em tais considerações, bem como no que refere Grunwald (apud 2004) não podemos conceber a cidadania e o acesso à justiça como algo separado ou inerente apenas ao universo das leis. O ideal de amplo acesso à justiça deve transpor os limites teóricos e se envolver no mundo prático, permeando o mundo vivido. Como postulou Habermas, o mundo vivido é aquele em que predomina a ação da comunicação, onde, a partir do discurso prático, irá se questionar a legitimidade e, sobretudo, a adequação de normas postas, ao contexto real da sociedade (SALES, 2004, p. 177).

Ainda segundo Grunwald (apud 2004) fato é que o Poder Judiciário veio no decorrer do tempo apresentando algumas barreiras, dificultando o acesso aos seus órgãos pelo cidadão comum, sobretudo das camadas mais pobres da sociedade. Sua estrutura física se apresenta de forma a imprimir imediato receio no litigante.

Ao lado disso, as relações estabelecidas no mundo atual entre as pessoas têm sido pautadas pela ausência de diálogo e individualismo. Em consequência disso, surge um ambiente propício ao surgimento de conflitos, vez que os indivíduos passam a não valorizar o diálogo e o entendimento entre si. A partir de tal perspectiva, tem-se delegado de forma crescente ao Judiciário a solução dos litígios, fazendo com que sua estrutura não suporte a quantidade de demandas. Surgindo assim, em tal quadro de burocracia e sobrecarga de tal Poder outros problemas de cunho moral, denunciados sobremaneira pela imprensa ao longo do tempo.

Junto a tais fatores os custos processuais no Brasil, envolvendo a contratação de advogados, ou a dificuldade no acesso à Defensoria Pública a resolução de um conflito no Judiciário para quem dispõe de poucos recursos financeiros se torna quase impossível. Além da morosidade processual, em razão das protelações via recursos, resulta muitas vezes no abandono do processo pelas partes ou a aceitação de um acordo que não atende às reais necessidades dos querelantes, apenas para por fim a um litígio desgastante, que se arrastou por anos.

Como percebemos ao conflito envolvem-se um conjunto de mágoas remoídas ao longo do tempo, necessitando assim, de mecanismos adequados a tais realidades, capazes de tentar preservar o vínculo entre tais partes de forma respeitosa e não violenta.

Diante de tal quadro, a mediação, conforme analisamos e pudemos perceber, funciona não como um substituto protelador, mas como um instrumento eficaz e descomplicado de fortalecimento do Poder Judiciário e dos órgãos públicos no sentido de com eles se unirem formando um todo para atender seus propósitos: a JUSTIÇA.

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6. CONCLUSÃO

Percebemos que a realidade brasileira inquestionavelmente tem se mostrado incompatível com o atual modelo de Judiciário que busca apenas remediar o conflito: uma sociedade que se caracteriza ainda por fortes desigualdades sociais e regionais, ao mesmo tempo em que assinala uma explosão de litigiosidade, contraditoriamente, também impede o acesso aos Tribunais de grande da população, em pobreza absoluta, comprometendo seriamente a efetividade dos direitos fundamentais.

Assim sendo, percebemos que o melhor modelo é aquele que convence as partes a procurar a solução consensual, com todas as suas forças, antes de ingressar com uma demanda judicial. Não parece ser ideal a solução que leva em consideração apenas um sistema de mediação incidental muito bem aparelhado, eis que já terá havido a movimentação da máquina judiciária, quando, em muitos dos casos, isto poderia ter sido evitado.

É interessante interpretar como os indivíduos reagem ao proporem ações no Judiciário, onde, quando o juiz decide, ele o faz com base em fatos e no direito; essa decisão nem sempre satisfaz a ambas as partes, pois “alguém” diz que um tem direito e o outro não. Resolve-se o problema, a lide processual, sem levar em conta os outros fatores, de ordem relacional, pessoal, emocional, negocial que ali estão envolvidos.

É fato que ocorre uma quebra no vínculo estabelecido entre as pessoas e que este vínculo poderá ou não ser restabelecido depois da disputa.

Vimos, pois que a mediação, de forma diversa, ao trabalhar na solução dos conflitos, leva em conta todos os elementos envolvidos, estuda a fundo os casos e os indivíduos antes de apresentar opções de solução para os conflitos; viabiliza a pacificação com a efetiva participação dos envolvidos que, finalmente, ao participarem da solução exercem verdadeiramente sua cidadania e se tornam responsáveis pela solução e pelo gerenciamento de seus conflitos.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Vanderlei S. de São José

Especialista em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar pelo Centro de Pesquisa e Pós Graduação da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais (2014-2016); Especialista em Direitos Humanos (2013) pelo CPP/APM-PMMG; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS, 2010); Graduação em Licenciatura Plena no Curso de Formação Superior de Professores do Projeto Veredas - SEE/MG - Curso Normal Superior pela Universidade FUMEC (2005); Policial Militar; Professor; Pesquisador e Consultor;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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