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A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça e incentivo à cidadania

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26/10/2010 às 15:21
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Resumo: O presente trabalho se propõe a demonstrar de que forma o instituto da mediação promove o direito fundamental de acesso à justiça, representando um importante instrumento de efetivação da cidadania e da pacificação social. A finalidade primordial é oferecer um panorama sobre a aplicabilidade da mediação no Brasil, ressaltando seu conceito, princípios, vantagens e objetivos, dentre os quais se destaca a promoção do acesso à justiça, na medida em que seus participantes têm a oportunidade de resolver pacificamente seus conflitos, de acordo com seus próprios interesses, estabelecendo, deste modo, uma ordem justa. Nesse sentido, a mediação se apresenta ainda como um mecanismo de inclusão social, tendo em vista que confere autonomia aos mediados e oportuniza, sobretudo às pessoas excluídas, o conhecimento dos seus direitos e deveres no contexto do Estado Democrático de Direito. Com o intuito de atestar a eficácia da mediação de conflitos na prática, apresenta-se uma breve referência acerca do Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania" criado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia em 2003, o qual vem apresentando notáveis resultados.

Palavras-chave: mediação de conflitos; acesso à justiça; projeto "Balcão de Justiça e Cidadania".

Sumário: 1. Introdução; 2. A Mediação; 2.1 Conceito e evolução; 2.2 A mediação no Brasil; 2.3 Princípios da mediação de conflitos; 3. Acesso à justiça pela mediação; 4. O Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania do Estado da Bahia" como instrumento de acesso à justiça; 4.1 O procedimento da mediação nos balcões; 5. Conclusão; 6. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

A escolha do presente tema se justifica em virtude da crescente importância que a mediação vem apresentando enquanto instituto que se propõe a dirimir os conflitos advindos de relações continuadas. A mediação proporciona aos indivíduos a oportunidade de dispor de forma pacífica sobre seus problemas, inserindo-os na cultura do diálogo, essencial em um mundo permeado por constantes conflitos e transformações.

Baseada no bom senso e na busca pela solução efetiva e adequada de tais conflitos, a mediação desponta como auxiliar do Poder Judiciário na medida em que atinge o objetivo comum de promover justiça. É notável a distância existente entre este Poder e a maior parte da sociedade, excluída e marginalizada. De fato, o Brasil se revela com discrepâncias sociais gritantes, e, nesse contexto, os conceitos de participação democrática e cidadania ativa se apresentam vagos.

A medição consiste em instrumento complementar de solução de conflitos que incentiva os cidadãos a participar efetivamente na sociedade em que vivem, criando de forma autônoma e organizada, soluções pacíficas e sensatas para os problemas de convivência que afloram.

Na primeira parte deste trabalho, estuda-se o instituto da mediação, seu conceito e sua evolução no tempo, destacando sua gênese e proliferação no Brasil. Discorre-se acerca de seus princípios norteadores, caracterizando o procedimento e apontando suas bases de realização. Apresenta-se ainda o projeto de regulamentação nº 4.827/98 em tramitação no Congresso Nacional.

Posteriormente, explica-se como o instituto da mediação confere o acesso à justiça, sobretudo das pessoas com menor inserção nas áreas da educação e trabalho. Oferece-se um breve panorama do conceito de Justiça nas visões de Aristóteles e Hans Kelsen, demonstrando o respaldo da mediação desde a perspectiva desses dois pensadores.

É imperioso salientar que a tradicional Justiça brasileira, auferida por meio do Poder Judiciário, vem sofrendo de uma crise recorrente que afeta a prestação jurisdicional do Estado e, em virtude de fatores variados, tais como sua estrutura formal e faraônica, dificulta a efetivação dos direitos dos cidadãos no Estado Democrático.

Por fim, analisa-se a aplicabilidade prática da mediação a partir do Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania" do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, estudando sua constituição, seus objetivos e propósitos, assim como sua sistemática procedimental, com base na experiência desenvolvida no Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Ruy Barbosa, sede Paralela, o qual engloba o Balcão de Justiça e Cidadania do Imbuí.

A metodologia utilizada na presente pesquisa consiste na compilação e revisão bibliográfica das obras existentes sobre o tema. Além da investigação bibliográfica, foi agregada uma análise empírica sobre a utilização da mediação de conflitos nos Balcões de Justiça e Cidadania do Estado da Bahia, demonstrando de que forma o Projeto atende à necessidade crescente de aproximar a sociedade da justiça, constituindo-se em um referencial de grande importância, dada a sua eficácia em conferir o direito fundamental de acesso à justiça aos cidadãos de comunidades carentes.


2. A MEDIAÇÃO

2.1. CONCEITO E EVOLUÇÃO

De acordo com Lília Maia de Morais Sales, o termo mediação procede do latim mediare, que corresponde a mediar, colocar-se ao meio. Trata-se do emprego de procedimentos dialogais que, de forma colaborativa e amigável, incentivam a solução de controvérsias de forma que melhor atendam aos anseios das partes (SALES, 2004, p. 23).

Conforme o psicólogo americano John M. Haynes, autor da obraThe Fundamentals of Family Mediation, a mediação funciona como um meio no qual uma terceira pessoa, denominada mediador, presta auxílio aos participantes na resolução de uma disputa. O acordo atingido soluciona o antagonismo, ou seja, o problema com uma solução aceita de forma satisfatória para ambas as partes, estruturado de modo a conservar as relações dos envolvidos no conflito.A proposta é considerar o conflito como algo positivo, como uma oportunidade de crescimento e ampliação de horizontes, para que da divergência brote a convergência, fazendo com que todos saiam vencedores(SALES e CARVALHO, 2006, p. 71).

De acordo com o Projeto de Lei (4.827/98) que tramita no Congresso Nacional, a mediação é definida como: "A atividade técnica exercida por terceira pessoa, que escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos."

O mediador, portanto, não impõe uma solução para o conflito. Seu papel consiste em promover o diálogo amigável, auxiliando as partes a encontrar um acordo que a ambas satisfaça, fomentando o surgimento de uma nova realidade, a partir da relação continuada existente entre os mediados (SALES e CARVALHO, 2006 p. 72).

O autor Juan Carlos Vezzula, em sua obra Mediação: Guia para Usuários e Profissionais, dispõe que a gênese da mediação remete aos "povos antigos, que procuravam uma harmonia interna que preservasse a necessária união para se defenderem dos ataques de outros povos" (VEZZULA apud SALES e CARVALHO, 2006 p. 72).

A mediação surge espontaneamente nas comunidades, haja vista que, de forma instintiva, seus integrantes buscam alcançar a paz social e harmonia, de acordo com sua cultura e costumes, tendo como fulcro o ideal de justiça em sentido amplo.

O pioneirismo da mediação é creditado à Universidade de Harvard (EUA), na década de setenta, que determinou sua metodologia negocial no âmbito das empresas como modelo de mediação. Nessa perspectiva, o crescimento da mediação ocorreu de forma muito rápida, sendo logo incorporada ao sistema legal, acontecendo obrigatoriamente antes do processo, em alguns estados (CAETANO apud SALES e CARVALHO, 2006 p. 73).

A prática da mediação, no decorrer dos últimos anos, tem alcançado uma presença cada vez mais notável no contexto social e jurídico brasileiro. A partir da complexidade que as relações vêm apresentando, atrelada a um judiciário sobrecarregado, pouco eficaz e quase inviável, o indivíduo passa a considerar que, em muitos casos, a solução para os conflitos de sua vida tem como melhor caminho, a tomada de decisões pacíficas, formadas a partir do bom senso e fora do âmbito instrumentalizado da Justiça.

2.2. A MEDIAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, o desenvolvimento da mediação de conflitos vem ocorrendo de forma gradual, tanto na esfera privada como pública. Não obstante tal desenvolvimento, a mediação ainda não foi regulada no país (apenas na área trabalhista há legislação específica, que se refere às negociações individuais e coletivas1), porém, já existem várias instituições que a realizam de forma extrajudicial.

Além disso, diversos juízes e tribunais, conhecedores das vantagens do processo de mediação, tem posto em prática sua metodologia, incentivado as partes em litígio a celebrar um acordo, com o objetivo de oferecer maior celeridade processual e proporcionar uma justiça mais humana e eficaz. Tal fator, ainda que discretamente, reflete o reconhecimento da eficácia da mediação pelo Judiciário enquanto meio complementar de resolução de controvérsias.

Desde 1998, tramita no Congresso Nacional brasileiro um Projeto de Lei da ex-deputada federal Zulaiê Cobra Ribeiro, sob o nº 4.827/98, alterado pela versão consensuada em 2003 e pouco depois alterado pelo voto do Relator atual do Projeto, senador Pedro Simon, que institucionaliza e disciplina a mediação como forma de se prevenir e solucionar litígios de forma amigável e positiva para as partes. O referido projeto propõe duas formas de mediação: a mediação prévia (pré-processual) e incidental (depois de iniciado o processo), ambas de cunho facultativo, podendo ser realizadas por mediadores judiciais (advogados com três anos de experiência jurídica) ou extrajudiciais (profissionais de outras áreas que atuam com mediação) (SALES e CARVALHO, 2006, p. 74).

2.3. PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

O procedimento da mediação de conflitos não possui uma forma pré-estabelecida do mesmo modo que os processos judiciais. Ele é passível de adaptações de acordo com o tipo de conflito, o interesse das partes e o ambiente onde acontece. No entanto, existem princípios norteadores consolidados que se mostram indispensáveis, já que na ausência de qualquer deles, o procedimento da mediação se torna ineficaz. São eles: liberdade das partes, não-competitividade, poder de decisão das partes, participação de um terceiro imparcial, competência do mediador, informalidade processual e confidencialidade no processo.

O princípio da liberdade das partes postula que a mediação acontece a partir da vontade expressa dos mediados, não podendo eles sofrer qualquer tipo de coação ou ameaça. O poder de decisão dos conflitantes é garantido pelo procedimento da mediação. O mediador funciona como um facilitador da resolução dos conflitos, viabilizando a comunicação entre as partes com o objetivo de considerar opções e conseqüências de suas posturas e atitudes, incentivando uma solução possível e equivalente para elas.

A partir do princípio da não-competitividade, a mediação propõe aos mediados uma nova perspectiva acerca do conflito. A não-competitividade visa eliminar a cultura do litígio, apresentando uma perspectiva positiva e de construção de soluções criativas para os seus problemas, em que todos chegam ao fim, vencedores.

O mediador deve manter a imparcialidade no procedimento, sendo independente. Certamente traz consigo seus valores, sua cultura e seus referenciais, porém, deve estar sempre atento a não transpô-los para o contexto da mediação, relegando-a a ineficácia e ao descrédito.

O mediador deve atender ao princípio da competência. Deve ele estar sempre atualizado, participando de cursos de capacitação, haja vista que a mediação tem em seu âmago, seres humanos, cujas relações sofrem transformações a todo instante.

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O procedimento da mediação é informal. Objetivando a celeridade, distancia-se dos rígidos e muitas vezes obsoletos procedimentos instrumentalizados. Além disso, tal informalidade facilita a comunicação direta entre as partes, verdadeiras conhecedoras de seus problemas e interesses.

A mediação atende ainda ao princípio da confidencialidade, por isso, o mediador deve respeitar tudo que for exposto pelas partes na sessão, sendo diligente no sentido de manter o sigilo processual. A ele é vedado ser testemunha em um caso que se tenha tentado a mediação. A confidencialidade tem como limite a ordem pública, ou seja, o mediador não pode ser conivente de um crime, e guardar silêncio sobre ele (CONIMA 2005 apud SALES e CARVALHO 2006, p. 85-86).

Considerando estes princípios, vislumbra-se a mediação como um instrumento eficaz que apresenta diversas vantagens tanto para os assistidos como para a sociedade de uma maneira geral.

Confere oportunidade expressa aos mediados de exporem aquilo que pensam, sentem e o que esperam dali para frente. É uma oportunidade única de comunicação, sem imposições de nenhuma natureza. Entre suas vantagens está o fato de promover a paz e incluir o indivíduo na sociedade, ampliando sua dimensão cultural, fazendo-o conhecer seus direitos e deveres dentro do Estado Democrático de Direito, conferindo-o autonomia e responsabilidade, na medida em que passa a ter voz ativa no meio social, para deliberar sobre os problemas advindos.

O Brasil é constituído por uma sociedade extremamente desigual, permeada por ignorância e com sua estrutura educacional deficitária. A título de exemplo, os mais recentes dados sobre educação no Brasil (2008), de acordo com informação divulgada pelo Jornal Folha de São Paulo Online, apresentam o país com uma taxa de analfabetismo de 10% entre pessoas com mais de 15 anos. Considerando o número de brasileiros, (em torno de 190 milhões) esse percentual se mostra alarmante (Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u721225.shtml> Acesso em: 20 abr. 2010).

Associado a esses fatores, encontramos um judiciário faraônico e obsoleto, que, factualmente, não confere de forma plena o acesso à justiça por parte dos mais necessitados. A mediação advém então como uma justiça mais simples, humana e mais próxima da realidade dos excluídos, como se explicará mais adiante no presente artigo.

No entanto, é importante esclarecer que a mediação também possui suas limitações. Ela não representa um remédio para todos os males que afetam as relações sociais. Existem limitações de natureza formal, já que o ordenamento jurídico brasileiro determina o Poder Judiciário como solucionador de determinados conflitos, como por exemplo, aqueles com alto potencial ofensivo na esfera penal. Nas questões na esfera do Direito Previdenciário, Administrativo e Tributário, a mediação também não pode oferecer suporte uma vez que há o requisito de uma sentença judicial para dirimir as controvérsias existentes.

Por fim, a cultura beligerante existente no Brasil ainda impera, além do que, as partes inseridas no processo de mediação devem pautar-se na boa-fé, o que se revela difícil na totalidade dos casos, podendo tal fator levar a um comprometimento da lisura da mediação (SALES e CARVALHO 2006, p. 95-96).


3. ACESSO À JUSTIÇA PELA MEDIAÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe: "Art. 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". É notória a preocupação do legislador em resguardar este direito fundamental do indivíduo numa época posterior a tantas atrocidades inomináveis.

É preciso frisar, porém, que o acesso à justiça não deve ser compreendido apenas como o acesso ao Poder Judiciário. A justiça é um conceito amplo a ser considerado nas suas mais variadas formas e acepções.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, entedia a justiça como indissociável à vida em comunidade (polis). Para ele, a justiça segue o princípio lógico de estabelecer as características ou propriedades em âmbito geral, para posteriormente se ater aos casos particulares. A justiça particular era subdividida por Aristóteles em distributiva e corretiva, esta também denominada igualadora ou sinalagmática. A justiça distributiva corresponde à repartição das honras e dos bens entre os indivíduos, de acordo com o mérito de cada um e respeitado o princípio da proporcionalidade. Em resumo, dar a cada qual o que lhe é de direito. A justiça corretiva, por sua vez, tem por fundamento regular as relações recíprocas, sejam as estabelecidas voluntariamente, que se manifestavam pelos contratos, ou as involuntárias, que eram criadas pelos delitos. Para isso, há a necessidade da participação de uma terceira pessoa que personifica a justiça e a esse fim se destina (NADER, 2006, p. 109-110).

A partir do modelo do austríaco Hans Kelsen, a justiça será sempre relativa e nunca um conceito absoluto. A justiça absoluta era para Kelsen uma utopia. Para os seguidores dessa linha de pensamento (entre eles Alf Ross, que tinha Kelsen como um dos seus mais admirados mestres) a justiça é algo inteiramente subjetivo e as medidas do justo seriam variáveis de grupo para grupo ou até mesmo de pessoa para pessoa (NADER, 2006, p. 106).

Com fulcro nos conceitos de justiça dos referidos pensadores, percebe-se que o instituto da mediação tem amplo respaldo, uma vez que atende ao princípio de aplicar a justiça diante do caso concreto, concedendo a cada um o que lhe é de direito, de acordo com suas necessidades e particularidades.

O problema do acesso à justiça nos países do ocidente tem sido alvo de estudos, sobretudo os desenvolvidos por Cappelletti e Garth. Os referidos autores classificaram como "ondas renovatórias" do Direito as soluções criadas para dirimir tal problema (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, apud AMARAL, 2009, p. 51)

Nesse sentido, a primeira onda objetivava quebrar o bloqueio de natureza econômica para se atender ao direito de acesso à justiça a pessoas hipossuficientes. Na França, em 1972, houve a criação de um sistema de seguridade social em que os honorários advocatícios eram suportados pelo Estado. Isso refletiu em grande parte do mundo, trazendo considerável melhora aos sistemas de assistência judiciária gratuita.

A segunda onda renovatória objetivava assegurar os interesses difusos e coletivos. A sua proposta consistia em uma solução plural para a questão, que envolvia ações coletivas, movidas por associações organizadas e devidamente registradas, que tinham à frente o seu representante, com o propósito de ajuizar pleitos judiciais.

A terceira onda renovatória representa um olhar diferenciado acerca da justiça. Propõe-se a identificar seus problemas institucionais e implantar reformas que melhor atendam às necessidades dos indivíduos, levando a um aprimoramento de sua sistemática. Nesse prisma, os meios alternativos de solução de conflitos (MASC), entre os quais se inclui o instituto da mediação, encontram terreno fértil para germinar.

Astried Brettas Grunvald, em seu artigo A Mediação como forma efetiva de Participação Social no Estado Democrático de Direito, dispõe que as práticas sociais levadas a cabo com a mediação, constituem um instrumento ao exercício da cidadania uma vez que educam, viabilizam e ajudam a conciliar diferenças e criação de soluções sem a intervenção externa de um terceiro. Entende a autora que autonomia, democracia e cidadania correspondem à capacidade das pessoas para decidir por si mesmas aquilo que precisam e aquilo que entendem por correto para si e para os outros. Ainda na visão da autora, o Estado organizou o homem em sociedade, porém, de forma paradoxal, representou seu maior obstáculo para o acesso à justiça uma vez que revelou em sua estrutura uma burocracia superveniente, defasada e excessivamente instrumentalizada. A mediação, portanto, tem a propriedade de ampliar o universo cultural do indivíduo, inserindo-o na sociedade, promovendo a realização da justiça latu sensu e, conseqüentemente, fortalecendo a democracia (Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/5117/a-mediacao-como-forma-efetiva-de-pacificacao-social-no-estado-democratico-de-direito>. Acesso em: 13 mar. 2010).

Não se pode conceber a cidadania e o acesso à justiça como algo separado ou inerente apenas ao universo dos textos positivados das legislações. O ideal de acesso amplo à justiça deve transpor os limites livrescos e permear o mundo vivido. Como postulou Habermas, o mundo vivido é aquele em que predomina a ação da comunicação, onde, a partir do discurso prático, irá se questionar a legitimidade e, sobretudo, a adequação de normas postas, ao contexto real da sociedade (SALES, 2004, p. 177).

O fato é que o Poder Judiciário solidificou no decorrer do tempo algumas barreiras, dificultando o acesso aos seus órgãos pelo cidadão comum, sobretudo das camadas mais pobres da sociedade. Sua estrutura física se apresenta de forma a imprimir imediato receio no litigante. Uma mesa elevada em que se faz presente um juiz por vezes vestido com sua imponente toga e a parte adversa situada logo à frente após outra mesa em nível inferior à do julgador, legitima a cultura do belicismo e instiga o sentido de disputa de questões que certamente poderiam ser melhor apreciadas e dirimidas.

As relações estabelecidas em um mundo em permanentes transformações têm sido pautadas pela ausência de diálogo e individualismo. Numa relação continuada, tal postura se revela propícia ao surgimento de conflitos. Os indivíduos passam a não valorizar o diálogo e o entendimento entre si. A partir desta perspectiva, tem-se delegado de forma crescente ao Judiciário a solução dos litígios, fazendo com que sua estrutura não suporte a quantidade de demandas.

Nesse quadro de burocracia e sobrecarga, surgem outros problemas de cunho moral, conforme denunciados pela imprensa ao longo do tempo.

Soma-se a tais fatores a realidade de que os custos processuais no Brasil são excessivamente altos. A resolução de um conflito no Judiciário para quem dispõe de poucos recursos financeiros se torna quase inatingível. Além do que, a morosidade processual resulta muitas vezes em abandono do processo pelas partes ou a aceitação de um acordo que não lhe atende às reais necessidades, apenas para por fim a um litígio emocionalmente desgastante, que se arrasta por anos.

Em uma relação continuada, o conflito não eclode por uma única razão. Na verdade, é um conjunto de mágoas que se somam ao longo do convívio e envolvem profundas emoções. Nesse sentido, necessitam de mecanismos adequados a estas realidades, capazes de preservar o vínculo entre as partes de forma respeitosa, não violenta.

Diante desse quadro, a mediação funciona não como um substituto, mas como um instrumento de fortalecimento do Poder Judiciário no sentido de com ele se coadunar para atender o seu propósito: a Justiça.

Com fundamento nessa perspectiva, ocorreu a importante iniciativa da criação do Balcão de Justiça e Cidadania do estado da Bahia.

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Sobre o autor
Daniel Carneiro Carneiro

Bacharel em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa (BA). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes (RJ). Mediador Judicial. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Daniel. A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça e incentivo à cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2673, 26 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17698. Acesso em: 25 nov. 2024.

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