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A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil

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01/05/2003 às 00:00
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DAS INOVAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL QUANTO À ADOÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Da análise dos artigos da Lei nº 10.406/2002 que tratam da responsabilidade civil, pode-se dizer que as inovações são deveras significativas, mormente no que diz respeito aos elementos caracterizadores ou que fundamentam o dever de reparar o dano causado, conquanto é de fácil constatação que em diversos casos não mais existe a necessidade da demonstração de culpa.

Assim, o fato, e não a culpa, torna-se o elemento mais importante para que surja o dever de reparar o dano causado, o que implica em radical evolução a respeito da responsabilidade civil.

Como será visto, é possível dizer que atualmente a responsabilidade objetiva veio a desfrutar do prestígio que lhe apregoavam SALEILLES e JOSERRAND, bem como arduamente defendido por AGUIAR DIAS.

A despeito das várias inovações trazidas pelo novo diploma legal, persistiu a redação do antigo artigo 159, atual 186, ao disciplinar sem maiores novidades que "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Por certo que existem doutrinadores de escol a defender o entendimento de que ainda persiste em nosso direito a responsabilidade subjetiva como a regra geral, calcada na necessidade de demonstração de culpa por parte do agente causador do dano, justificando esse entendimento da continuidade do artigo 186, que traçaria a regra geral sobre o instituto.

Todavia, a análise dos dispositivos concernentes à responsabilidade civil dão o nítido caráter de mudança nos rumos da verificação dos elementos para que nasça o direito de receber indenização.

O primeiro e mais importante dispositivo que trata dessa alteração de entendimento é o artigo 927, parágrafo único, ao estabelecer que "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem."

Nos dizeres de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, "A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável. Pode-se antever, verbi gratia, a direção de veículos motorizados ser considerada atividade que envolve grande risco para os direitos de outrem. (ob. cit., p. 32).

Com efeito, a alteração introduzida pelo dispositivo em comento é efetivamente aquela que pode ser considerada como uma das mais importantes no campo da responsabilidade civil, porquanto relega ao Judiciário a atividade de interpretar a atividade desenvolvida como de risco ou não, para efeitos de atribuir a responsabilidade como objetiva. Este também é o posicionamento de SÍLVIO RODRIGUES, ao comentar o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil:

"A segunda hipótese é de considerável interesse, pois se inspira diretamente na teoria do risco em sua maior pureza. Segundo esta, como vimos, se alguém (o empresário, por exemplo), na busca de seu interesse, cria um risco de causar dano a terceiros, deve repará-lo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. (...)

Muito aplauso merece o legislador de 2002 pela inovação por ele consagrada.

Em conclusão, poder-se-ia dizer que o preceito do novo Código representa um passo à frente na legislação sobre a responsabilidade civil, pois abre uma porte para ampliar os casos de responsabilidade civil, confiando no prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também, indiretamente, por eqüidade."

(ob. cit., p. 162)

Em se admitindo a tendência atual da doutrina e jurisprudência, pendente em ampliar o acesso à reparabilidade plena, aceitando a teoria do risco, não se pode negar que a atividade do Judiciário, no sentido responsabilizar objetivamente o empresário ou comerciante, pelos danos que causar em função do exercício de sua atividade será um caminho fértil para o enraizamento da responsabilidade objetiva como regra geral.

Portanto, um dos principais méritos que devem ser concedidos aos codificadores civilistas reside justamente no fato de possibilitar uma interpretação extensiva do que se pode entender por atividade que envolva risco para terceiros, aumentando, assim, as hipóteses de responsabilidade sem culpa, que mais se coadunam com os ideais de justiça que inspiram o instituto e o pensamento da sociedade moderna.

Por certo que somente o tempo demonstrará o acerto ou equívoco dessa afirmação, mas não se pode negar que os últimos precedentes jurisprudenciais levam à indelével conclusão de que o Poder Judiciário utilizar-se-á de forma ampla do disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil como forma de aumentar as hipóteses de indenização sem culpa.

No entanto, para se chegar à conclusão de que a teoria do risco foi aceita pela nova sistemática não se pode analisar isoladamente o artigo 927, mas todos os outros dispositivos que tratam do tema.

O artigo 931, a despeito de parecer tratar de relações de consumo, é o retrato do que se vem tentando demonstrar no caso deste estudo, ou seja, o acolhimento em nosso direito da responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco. Diz o dispositivo em enfoque:

"Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação."

A explicação para a inserção do artigo no Código Civil reside justamente para aquelas hipóteses em que, apesar de tratar-se de relação de consumo, não se possa dizer que se trata de assunto afeto ao direito do consumidor.

Neste caso, prevê o Código Civil que o empresário responderá de forma objetiva – isto é, sem que seja necessária a verificação da culpa – pelos danos que forem causados em função do produto ou serviço, bastando tão somente demonstrar a existência do dano.

Pode-se dizer, inclusive, que o artigo 931 é como que um complemento ao parágrafo único do artigo 927, todos do Código Civil, ao delimitar que os riscos inerentes à exploração de determinada atividade econômica são os fatos geradores do dever de indenizar.

De outro tanto, os artigos 932 e 933 vêm a explicitar o posicionamento que a doutrina e a jurisprudência já tinham adotado antes mesmo do advento do novo Código Civil, com relação aos antigos artigos 1521 a 1523 do diploma de 1916.

De efeito, pela interpretação literal do artigo 1523 do Código Civil de 1916 não se poderia chegar a outra conclusão senão de que a responsabilidade por atos de terceiros seria sempre fundamentada na culpa, in vigilando ou in contrahendo.

Ocorre que a insatisfação decorrente desse entendimento, bem como o disparate com a evolução das relações sociais, fez com que se desse nova interpretação aos dispositivos, no sentido de entender que nesses casos a responsabilidade deveria ser objetiva, buscando-se fundamento legal em legislações esparsas. É o que se poderia dizer, a princípio, de julgamentos contra legem.

No entanto, o Código Civil vigente veio a acabar com a controvérsia, disciplinando de forma nova a matéria, como se percebe da leitura do artigo 933:

"Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

Outros dispositivos também trazem a inafastável conclusão de que a responsabilidade civil objetiva realmente foi aceita pelo direito pátrio como regra geral, como sói ocorrer com os artigos 936 a 940 do Código Civil.

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Certamente, aquele que tem animal sob sua guarda responderá objetivamente pelos danos que vierem a ser causados por terceiros, porquanto seria difícil, senão impossível, a demonstração da negligência, imperícia ou imprudência em um caso como este. Ocorre, no caso do artigo 936 do CC, a nítida inversão do ônus da prova, ou seja, o dono do animal somente se isentará do dever de ressarcir se conseguir provar que se tratou de culpa exclusiva da vítima, ou ainda de força maior.

Referido pensamento é completamente justo, pois aquele que possui animal perigoso (oriundo de sua carga genética ou do modo de criação) deve assumir os riscos dos danos que eventualmente possam ser causados, de modo a evitar-se casos de impunidade, como freqüentemente ocorria.

O mesmo se verifica com os proprietários de edifícios ou construção no que diz respeito aos danos provenientes da ruína e de objetos que dele forem atirados, consoante leitura dos artigos 936 e 937 do Código Civil.

Neste caso também a responsabilidade será analisada tão somente pelo fato (existência do dano). Vale dizer, para efeitos de verificação do dever de indenizar, deverá ser demonstrado tão somente o dano para que resulte o direito ao ressarcimento.

Também o credor que demandar por dívida já paga assume a responsabilidade objetiva de indenizar o dobro do valor cobrado, e se ainda não for vencida, a aguardar o tempo que faltava, descontando os juros correspondentes (art. 939 e 940), sem se cogitar da necessidade de demonstração de culpa de sua parte.

Essas, pode-se afirmar, foram as mais importantes alterações introduzidas pelo novo Código Civil de 2002, donde é lícito concluir que a responsabilidade objetiva ganhou notória importância, valendo ainda dizer que pode ser considerada como regra geral no que diz respeito ao instituto.

De efeito, a inclusão da responsabilidade objetiva como regra geral, ou mesmo como forma mais ampla de se conceber o instituto da responsabilidade civil, se coaduna com o moderno posicionamento do processo civil, no tocante à necessidade veemente de se conferir maior efetividade ao provimento jurisdicional.

Essa conclusão torna-se insofismável, porquanto a análise dos dispositivos em comento denotam a inequívoca intenção do legislador em ampliar os casos de indenização sem culpa, como forma de providenciar o acesso à justa reparação, e ao processo civil, que atinja seu escopo precípuo, que é a pacificação social.

É importante, contudo, dizer que o excesso conduz indiscutivelmente a injustiças, valendo ressaltar que em determinados casos, agora excepcionais com o advento do novo Código, deve persistir a responsabilidade subjetiva, tal como ocorre com os médicos e profissionais liberais, dentre outros, sob pena de engessamento do progresso econômico, o que redunda, em outro ponto, na impossibilidade de alcance dos objetivos previstos no artigo 1º da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Gustavo Passarelli da Silva

Advogado e Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul - UFMS, Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal - UNIDERP, em cursos de graduação e pós-graduação, de Direito Civil na Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro - UGF/RJ, Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia/ESA da OAB/MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gustavo Passarelli. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro como regra geral após o advento do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4045. Acesso em: 2 nov. 2024.

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