Dano existencial nas relações de trabalho

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Há um papel inegável das instituições e institutos do Direito Trabalhista que zelam pelos ditames da relação havida entre empregado e empregador, sendo que tais instituições são de importância extrema, eis que no capitalismo - que é o atual modelo econômi

Há um papel inegável das instituições e institutos do Direito Trabalhista que zelam pelos ditames da relação havida entre empregado e empregador, sendo que tais instituições são de importância extrema, eis que no capitalismo - que é o atual modelo econômico adotado por uma maioria absoluta dos países – os direitos e deveres das partes envolvidas (empregado e empregador), devem ser preservados. Neste sistema, o lucro é o principal objetivo o qual é muitas vezes buscado a qualquer custo, momento em que normalmente se quebra a correição das regras laborais, notadamente a sinalagma e a bilateralidade que rege o contrato de trabalho, ocorrendo a ruptura de valores imprescindíveis ao ser humano e a sua dignidade.

Neste sentindo, o Direito do Trabalho tem buscando mecanismos que possam coibir o abuso patronal, surgindo assim institutos como o dano existencial que é aquele que está intimamente ligado à existência do trabalhador e a supressão do convívio social, familiar, cultural. Tal dano ocorre quando implementadas jornadas de trabalho extenuantes que geram mal-estar psíquico, infelicidade e por conseqüência, minam o desenvolvimento no trabalho realizado. Neste Artigo, tentaremos demonstrar a Constitucionalidade deste instituto que é de origem italiana, através do nosso texto constitucional e revisão de decisões judiciais, bem como, se houve recepção de tal instituto ou não por nossa Constituição Cidadã.

There is an undeniable role of institutions and institutes of the Labour Law which shall ensure regarded by the dictates of relationship between employee and employer, and these institutions are extremely important, behold in capitalism - that is the current economic model adopted by an absolute majority of countries - the rights and duties of the parties (employer and employee), should be preserved. In this system, profit is the main objective of which is often sought at any cost, at which usually breaks the eyre of labor standards, notably sinalagma and bilateral governing the employment contract, occurring at break of essential values the human being and his dignity.

This feeling, labor law has seeking mechanisms to curb employer abuse, thus resulting institutes such as the existential damage that is one that is closely linked to the existence of the worker and the elimination from society, family, cultural. Such damage occurs when implemented strenuous working hours that generate psychic discomfort, unhappiness and consequently, undermine development in their work. In this article, we will argue the constitutionality of the institute who is of Italian origin, through our Constitution and review of judicial decisions as well, if there was receipt of such institute or not our Citizen Constitution.

Keywords: Existential damage. Human Dignity. Labor Law. Fundamental Rights.

  1. Introdução

O papel das instituições e institutos de direito do trabalho, que cuidam da relação empregado/empregador nos países capitalistas, é inegável.

Em que pese toda a busca por um equilíbrio entre avanço da economia e os direitos trabalhistas, tem-se que para viabilizar esse equilíbrio o arcabouço legal aplicável aos trabalhadores visam proporcionar e assegurar direitos notadamente aqueles afetos aos períodos de descanso, como o repouso semanal e as férias; às diversas formas de interrupção e suspensão do contrato de trabalho, como as licenças para tratamento médico e para formação profissional, além das faltas legalmente abonadas como no caso da doação de sangue, e, poderíamos acrescer, a interrupção do contrato de trabalho para prestar exame vestibular.

A Consolidação das Leis do Trabalho visa amparar e resguardar o maior número de situações, contudo, não são sempre respeitados por aqueles que detêm o poder econômico, causando aos trabalhadores prejuízos biológicos, sociais e econômicos.

O que observa com grande frequência é que ainda nos dias atuais ainda existe um descumprimento grave, de violação contumaz da norma, motivada pela expectativa de ganho com o descumprimento da norma, e facilitada pelo frágil sistema brasileiro de fiscalização governamental das relações de trabalho, que carece de servidores suficientes para fiscalizar todas as empresas existentes nesse país.

O descumprimento estratégico das normas trabalhistas por determinadas empresas que se sujeitam às sanções legais por constatarem que a eventual aplicação delas acaba sendo menos onerosa do que o fiel cumprimento do ordenamento jurídico, tal como ocorre em empresas que se valem da jornada extraordinária de forma renitente, no entanto, sem a correta remuneração do Obreiro.

Situações de descumprimento deliberado e contumaz da legislação trabalhista, como a narrada, notadamente no que tange a extrapolação de jornada são verificadas na prática com extrema regularidade.

É preciso, contudo, ressaltar, e de forma enfática, que não é apenas a inadimplência das parcelas correspondentes à sobrejornada que torna o seu uso indiscriminado e abusivo, como uma estratégia gerencial, um mal para o empregado. Ainda que as horas suplementares sejam corretamente quitadas, o prejuízo que essa política causa ao trabalhador, impedindo-o de desfrutar do convívio com seus amigos, fazendo-lhe perder a oportunidade de ver seus filhos crescer e, por vezes, privando-o até mesmo do direito de exercer seu credo religioso, subsistirá.

É possível perceber prejuízo ao desfrute pelo trabalhador dos prazeres de sua própria existência tanto quando dele se exige a realização de horas extras em tempo superior ao determinado pela lei como quando dele se exige um número tão grande de atribuições que precise permanecer em atividade durante seus períodos de descanso, ainda que longe da empresa, ou fique esgotado ao ponto de não encontrar forças para desfrutar de seu tempo livre.

A constatação se torna ainda mais grave quando se tem claro que essa forma de exploração da mão de obra do trabalhador ocorre, por vezes, à revelia da vontade do empregado, seja por precisar do acréscimo salarial correspondente, seja por temer sua demissão. Seja qual for a hipótese, o trabalhador estará abdicando de seu lazer, do deleite que poderia ter, para aumentar os ganhos do empregador.

Essa hiperexploração da mão de obra humana, acompanhada ou não de contraprestação em pecúnia, causa ao trabalhador um tipo de prejuízo que vem sendo doutrinariamente chamado de dano existencial. O presente artigo objetiva analisar a figura em questão cuidando, dentre outras coisas, da sua distinção em relação à figura do dano moral (também previsto no arcabouço do Direito do Trabalho).

Nesse sentido, nossos Tribunais tem entendido:[1]

EMENTA: DANO EXISTENCIAL. NECESSIDADE DE PROVA DO DANO. O dano existencial, segundo doutrina abalizada, "decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso; que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por conseqüência, felicidade; ou o que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal. (...) O impacto por ele gerado provoca um vazio existencial na pessoa que perde a fonte de gratificação vital" (BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o Direito do Trabalho. Revista TST, São Paulo, SP, v. 79, no. 2, abr/jun 2013, pag. 243). Contudo, necessária se faz a prova de que a rotina de trabalho do empregado tenha prejudicado seu projeto de vida e suas relações afetivas e sociais. Não há espaço para a simples presunção no caso em tela tendo em vista a contínua prestação de horas extras, ainda mais diante da constatação de que o empregado fruía folgas ao longo do mês.

(TRT da 3.ª Região; Processo: 0000978-09.2014.5.03.0056 RO; Data de Publicação: 20/04/2015; Disponibilização: 17/04/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 142; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Marcio Flavio Salem Vidigal; Revisor: Milton V.Thibau de Almeida).

2. Evolução histórica do Direito do Trabalho e dos direitos trabalhistas

Para dar início a discussão do tema proposto, se faz necessário transcorrermos brevemente sobre alguns institutos presentes no Direito do Trabalho. O Direito, mais especificamente no ramo trabalhista, é formado por toda a realidade social, politica e econômica da sociedade.

Segundo Sérgio Pinto Martins, em sua obra, Direito do Trabalho (2012, p. 4), a melhor compreensão da atual realidade do Direito Trabalhista ocorrerá com a análise do passado e do presente, para que seja possível fazer projeções futuras, será objeto de análise neste tópico a sua evolução no mundo e no Brasil.

Os primeiros relatos a respeito do trabalho apareceram na Bíblia, quando Adão, expulso do jardim do Éden como castigo por ter comido o fruto proibido, foi obrigado a trabalhar para alimentar-se.

A primeira espécie de trabalho foi à escravidão, nos primórdios da humanidade, o trabalho braçal era considerado indigno, portanto, não poderia ser realizado pelas pessoas livres, estas pessoas tratavam dos assuntos tidos como mais “importantes”, como é o caso da política.

Em um momento posterior, surge a servidão como meio de trabalho. A época do feudalismo foi marcada pelos senhores feudais, que davam proteção militar e política aos seus servos e estes em troca, prestavam serviços. Os servos deveriam entregar uma percentagem da sua produção rural para os senhores feudais, em troca da proteção oferecida pelos muros do feudo e o uso das terras.

Com o passar dos tempos, surgiram às corporações de oficio que possuíam três tipos de colaboradores, Sérgio Pinto Martins, em seu livro, Direito do Trabalho, destaca quais eram: os mestres, os companheiros e os aprendizes. (2012, p. 4)

Os mestres eram os proprietários de oficinas, os companheiros eram subordinados aos mestres e percebiam salário destes, os aprendizes eram os menores, que recebiam dos mestres o ensino da profissão. Neste momento da história, havia uma significativa liberdade aos trabalhadores, que deixaram de lado a escravidão e passaram a se organizar em corporações, porém, ainda estaria longe do ideal.

Os aprendizes começavam a trabalhar dos 12 aos 14 anos, há alguns relatos históricos que confirmam aprendizes em idade inferior em alguns países. Os aprendizes estavam sob a responsabilidade dos mestres, que tinham o dever de lhes ensinar o oficio, sendo que se julgasse necessário, poderia até mesmo aplicar agressões físicas como punição.

Neste ponto da história, a jornada de trabalho era demasiadamente longa, podendo chegar até a 18 horas no verão, quando os dias eram mais longos, no entanto, terminava na maior parte das vezes ao pôr-do-sol, não por ser uma preocupação com os trabalhadores, mas, para garantir maior qualidade dos produtos. Quando houve o surgimento do lampião a gás, por volta de 1792, as jornadas passaram a ser de 12 e 14 horas por dia.

Com a Revolução Francesa, houve uma supressão das corporações de ofícios, por ser esta incompatível com um dos seus ideais, qual seja, o de liberdade, pois, não poderia haver entre o individuo e o ente Estatal um intermediário, ferindo a liberdade individual. Foi então com o Decreto d’Allarde que as corporações de oficio foram extintas definitivamente, eliminando o corporativismo social.

A Revolução Francesa provocou grandes mudanças no Direito do Trabalho, em 1848 a Constituição da França trouxe o primeiro direito de cunho econômico e social: o direito ao trabalho. Desde então, o Estado deveria prover meios de sustento para o desempregado.

A Revolução Industrial teve como consequência a transformação do trabalho em emprego. Em regra, os trabalhadores passaram perceber salários em troca da sua mão de obra.

Com estes novos fatos, o Direito do Trabalho e os contratos de trabalho passaram a desenvolver-se de maneira mais eficaz. Constatou-se um dos grandes motivos da Revolução Industrial foi o surgimento da máquina a vapor, pois, foi a força humana substituída pela máquina, causando grande desemprego, com as mudanças nos processos de produção agrícola, houve nesta área também um acentuado desemprego.

O liberalismo econômico acabou por afastar o estado das questões trabalhistas, ocorre que com a constatação de maus tratos a trabalhadores, com jornadas de trabalhos excessivas, locais de trabalho extremamente insalubres, fez-se necessária a intervenção estatal.

Percebeu-se que o trabalhador deveria sofrer uma equiparação jurídica, uma vez que o seu poder econômico em relação ao detentor do sistema de produção era bastante inferior, a partir daí surgiram legislações que garantiram condições mínimas de trabalho.

Sérgio Pinto Martins cita em sua obra Direito do Trabalho, uma das primeiras leis que garantiram condições mais favoráveis aos trabalhadores:

A lei de Peel, de 1802, na Inglaterra, pretendeu dar amparo aos trabalhadores, disciplinando o trabalho dos aprendizes paroquianos nos moinhos e que eram entregues aos donos das fábricas. A jornada de trabalho foi limitada em 12 horas, excluindo-se os intervalos para refeição. O trabalho não poderia se iniciar antes das 6 e terminar após as 21 horas. (2012, p. 7).

Inicialmente o Direito do Trabalho foi considerado como uma política social, uma vez que o trabalho era tido como pertencente às relações privadas, ou seja, a exploração do homem pelo próprio homem.

No dia 1º de maio, após uma greves e manifestações nos Estado Unidos, a explosão de uma bomba causou a morte de quatro trabalhadores e três policiais, oito lideres trabalhistas acabaram atrás das grades. Em outro momento, o Estado e os sindicatos, criaram o dia do trabalho, que seria comemorado na primeira segunda-feira do mês de setembro nos Estados Unidos e Austrália.

Em determinado momento, a Igreja passa também a se preocupar com as questões sociais, publicando encíclicas que tratavam sobre direitos trabalhistas, com o intuito de influenciar na conquista de maior respeito aos trabalhadores.

Após a primeira guerra mundial, começaram a surgir o constitucionalismo social, ou seja, os direitos sociais passaram a vir elencados nos textos constitucionais. A primeira constituição a tratar de tal temática, foi a constituição mexicana de 1917, em seu artigo 123, trouxe alguns direitos trabalhistas, entre eles a proibição do trabalho de menores de 12 anos e a proteção a maternidade.

Posteriormente, houve a promulgação da Constituição de Weimar, em 1919, disciplinando também sobre direitos sociais e trabalhistas, acabando por se tornar um movimento contínuo entre as novas constituições em diferentes países.

A Constituição italiana, também conhecida como Cata del Lavoro, de 1927, influenciou outros sistemas, como o espanhol, português e em especial, o brasileiro. Este corporativismo influenciado pelo fascismo visava à economia organizada pelo Estado, promovendo o interesse estatal e impondo regra aos seus nacionais.

Posteriormente houve a criação da Declaração Universal dos Direitos do homem, em 1948, que trazia em seu bojo, direitos aos trabalhadores, como por exemplo, limitação da jornada de trabalho, férias, etc.

No Brasil, a evolução dos direitos trabalhistas teve inicio com a abolição da escravatura, em 1.888, por meio da Lei Áurea (Lei 3.353) assinada pela Princesa Isabel, até então as Constituições brasileiras não versavam sobre direito do trabalho, a Constituição de 1824 trouxe de maneira tímida apenas a abolição das corporações de oficio, tornando o trabalho livre.

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A partir da Constituição de 1891, temos uma maior proteção dos direitos trabalhistas, dando maior liberdade a livre associação e reunião. Foram criadas leis ordinárias que tratavam dos mais diversos tipos de direitos, porém estavam esparsas, a Constituição de 1934 tratou de maneira mais especifica do Direito do Trabalho.

A Constituição de 1937 mostrou-se corporativista, como dito acima, extremamente influenciada pela Carta del Lavoro da Itália. Foi a partir dessa grande produção de leis trabalhistas, que em 1943 foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho, Amauri Mascavo do Nascimento no trás os motivos que levaram a criação desta consolidação:

As leis trabalhistas cresceram de forma desordenada; eram esparsas, de modo que cada profissão tinha uma norma específica, critério que, além de prejudicar muitas outras profissões que ficaram fora da proteção legal, pecava pela falta de sistema e pelos inconvenientes naturais dessa fragmentação. (2011, p. 102)

O Brasil passou ainda pela Constituição de 1967, até chegarmos à atual, a de 1988, que trouxe a mais completa proteção legal aos trabalhadores até então, sendo considerada uma constituição extremamente garantista.

3. Jornada de trabalho: limites necessários

3.1 A previsão constitucional

A jornada de trabalho é considerada um tema de suma importância, para tanto, consta no rol de direitos sociais tutelados no artigo 7º, inciso XIII, XIV, XVI e XXXIII da Constituição brasileira de 1988, veja[2]:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;           

A previsão de 44 horas semanais como limite máximo de horas trabalhadas semanalmente representou uma importante inovação, tendo em vista que anteriormente o limite encontrava-se em 48 horas.

O que se vê no mundo e principalmente na Europa é uma tendência na redução no número de horas trabalhadas na semana, essa medida tem como intenções a criação de mais postos de trabalho e uma significativa melhora na qualidade de vida dos trabalhadores.  

3.2 Jornadas de trabalho na CLT

A jornada de trabalho encontra-se conceituada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em seu artigo 4º ³: Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.

O artigo 58 da Consolidação das Leis Trabalhistas, limita a jornada de trabalho a 8 horas diárias[3]: A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.”

Não é possível por parte do trabalhador a renúncia dos direitos inerentes à jornada de trabalho, é o que diz Vicente Paulo em sua obra Manual de Direito do Trabalho:

O Empregado não pode renunciar às garantias referentes à jornada de trabalho, tais como o adicional de horas extras e a limitação máxima constitucional. Seria nula tal manifestação de vontade, em face do disposto no art. 9º da CLT, que considera nulo todo ato destinado a desvirtuar, impedir ou fraudar aplicação da legislação trabalhista. (PAULO, 2010, p. 162)

A Súmula 338 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe que[4]:

É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

Portanto, como se vê na Súmula supramencionada é de ônus do empregador que conta com mais de 10 empregados a comprovação da frequência dos mesmos e a não apresentação dos registros de jornada de trabalho irá gerar presunção de veracidade do alegado.

O artigo 62 [5] da Consolidação das Leis Trabalhistas prevê determinadas espécies de empregados que são excluídos do regime geral de jornada de trabalho estabelecida na legislação trabalhista, são os gerentes e os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho.

Desta forma, estes empregados não são beneficiados com alguns direitos elencados em relação à jornada de trabalho na legislação trabalhista, Vicente Paulo, em sua obra Manual de Direito do Trabalho nos trás alguns exemplos: “percepção de horas extras, o adicional noturno, a obrigatoriedade de concessão de intervalos intra e interjornadas etc.” (PAULO, 2010, p. 163).

Para que possa ser excluído dos direitos inerentes à jornada de trabalho, deve o gerente receber uma gratificação de função de 40% sobre o seu salário, caso não seja beneficiado com tal gratificação, será considerado o empregado beneficiário dos direitos relativos à jornada de trabalho.

Sobre os empregados que exercem atividades externas incompatíveis com a fixação de horário de trabalho, Vicente Paulo trás em sua obra Manual de Direito do Trabalho situações que descartariam a possibilidade de excluir esse tipo de trabalhadores da proteção da jornada de trabalho:

Se há fiscalização sobre o seu trabalho, exigência de cumprimento de horário, bem assim a imposição de carga de trabalho incompatível com a sua jornada normal de trabalho, o trabalhador estará sujeito a todas as regras relacionadas à proteção da duração do trabalho, como a percepção de horas extras, adicional noturno, intervalos intra e interjornadas etc. (PAULO, 2010, p. 163)

Caso o empregado seja submetido às regras acima dispostas, não estará ele caracterizado como função incompatível com a fixação de horário de trabalho e por isso fará jus a proteção da jornada de trabalho.

Desta forma, a jornada de trabalho recebe por parte da doutrina diferentes classificações, uma vez que os trabalhadores estão submetidos a diversos tipos de jornadas de trabalhos, pelos diferentes ramos de negócio espalhados pelo Brasil.

Vicente Paulo em sua obra Manual do Direito do Trabalho trás as mais importantes classificações feitas sobre a jornada de trabalho:

Quanto à duração, a jornada de trabalho pode ser:

  • ordinária ou normal, quando se desenvolve dentro dos limites legais;
  • extraordinária ou suplementar, sempre que ultrapassa os limites normais fixados pelas normas jurídicas.
  • contínua, quando é corrida, sem intervalos, como no caso dos vigias;
  • descontínua, quando tem intervalos, que é a regra geral;
  • intermitente, quando há sucessivas paralisações, como a dos motoristas rodoviários;
  • Quanto ao período do dia em que é prestada a jornada será:
  • diurna, quando entre 5 e 22 horas, nos centros urbanos;
  • noturna, quando entre 22 e 5 horas do dia seguinte, e suas prorrogações nos centros urbanos;
  • mista, quando transcorre tanto no período diurno quanto no noturno (uma jornada de 18 h às 24 h, por exemplo);
  • em revezamento, quando num período há trabalho durante o dia, em outro o trabalho é prestado à noite, sendo mais encontrado o revezamento semanal; (PAULO, 2010, p. 166).

O trabalhador que exerce as suas funções na zona rural, possui outro critério quando ao período em a sua jornada de trabalho é classificada como noturna, o trabalho realizado das 21:00 às 05:00 do outro dia, na lavoura e entre às 20:00 e às 04:00 do outro dia na pecuária. Caso ocorra a realização de horas extraordinárias pelo trabalhador rural, estas ainda sim serão consideradas como hora noturna, para fins de remuneração.

4. Dano Existencial

4.1 Conceito de Dano Existencial

De maneira prática, o dano existencial se concretiza, quando pela ação ou omissão de outrem, a pessoa lesada pelo dano tem retirada de sua rotina algo que lhe era comum, tendo que agir de outra forma ou não podendo realizar mais suas atividades com outrora.

Em sua obra, Responsabilidade civil por dano existencial, a autoria Flaviana Rampazzo Soares, assim conceitua tal instituto jurídico:

O dano existencial é a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina.

(SOARES, 2009, p. 44)

Importante se faz salientar, que esta espécie de dano não acoberta os prejuízos causados a esfera patrimonial e biológica especificamente, mas, trata de bens que merecem a tutela jurídica, por serem considerados relevantes para que a pessoa possa se desenvolver nos campos pessoal e social de maneira satisfatória.

O dano existencial trás uma grande perda nas atividades cotidianas realizadas pela pessoa, sendo ocasionada uma mudança repentina na relação diária da vítima dos danos, sendo essa mudança forçada por uma situação totalmente inesperada e causada por ação ou omissão de terceiros.

Deve ser destacado, que as perdas causadas pelo dano, devem ser analisadas de maneira objetiva, sendo que, trata-se da rotina vivida pela pessoa antes dela ser inesperadamente rompida, com uma interferência no seu ser e agir. Desta forma, está caracterizada a “certeza” de que o dano realmente ocorreu, uma exigência existente no direito civil, para a que reste caracterizado o dano.

De outro giro, outra característica pertencente ao dano existencial é a sua “potencialidade”, uma vez eu ele não cuida somente da rotina interrompida no momento em que ocorreu o dano, mas, tudo aquilo, de maneira razoável, poderia ser efetivamente incorporado a rotina da pessoa no futuro, segundo a lógica social.

A autora Flaviana Rampazzo Soares, trata sobre a característica acima mencionada em sua obra, Responsabilidade civil por dano existencial:

As atividades englobadas no dano existencial, portanto, não são apenas as já exercidas na época da lesão, incorporadas ao cotidiano da pessoa, no âmbito das relações sociais, da família, dos afetos, da cultura ou da arte, do tempo vago, etc. O dano existencial comporta a denominada “perda de uma chance”, modalidade na qual a vítima se vê frustrada de uma justa expectativa de exercer certas atividades, que foram prostradas pela conduta do ofensor, o qual lhe retirou a oportunidade de exercê-las ou que perturbou o processo dinâmico do seu cotidiano.

(SOARES, 2009, p 46)

O dano existencial é diferente do dano moral em sua essência, pois, enquanto esse é ligado a esfera emocional, no campo do “sentir”, aquele ataca as questões práticas, deixando a pessoa de fazer algo ou devendo agir de forma diferente, encarar seus relacionamentos de forma diversa.

Enquanto o dano moral tem seus prejuízos causados de maneira imediata, o dano existencial é sentido posteriormente, uma vez que ele trás alterações negativas no dia-a-dia da pessoal, portanto, só o lapso temporal pode caracterizá-lo.

O dano existencial pode atingir diferentes setores indo desde atividades biológicas, sociais, até atividades culturais, religiosas e ambiente familiar, pois, é direito de qualquer pessoa o direito a convivência familiar, a um ambiente de trabalho saudável e a tranquilidade no desenvolvimento de suas atividades de cunho profissional.

4.2 Reconhecimento do Dano existencial

O dano existencial tem sua origem no direito italiano, é resultado de uma preocupação cada vez maior dos legisladores e juristas em dar proteção específica aos diferentes danos extrapatrimoniais que podem atingir o ser humano.

O Direito Civil italiano preocupou-se inicialmente em dar proteção genérica a responsabilidade civil, dividindo-se os danos em materiais e imateriais, sobre estes, cabe fazer uma importante ressalva, eles somente seriam indenizados nos casos expressamente previstos em lei, a esfera penal, previa a punição por danos imateriais quando a conduta que gerou o dano for considerada criminosa.

Por volta da metade do século XX, os tribunais italianos passaram a indenizar outros tipos de danos, é o que nos mostra a autoria Flaviana Rampazzo Soares, em sua obra:

Mesmo assim, na década iniciada em 1950, houve o reconhecimento do que se chamou de “dano à vida de relação”, o qual deveria ser indenizado, independentemente da indenização devida pelo dano material sofrido pelo lesado.

A partir da década de 1970, começaram a ser emitidos mais pronunciamentos judiciais, determinando a necessidade de proteger a pessoa contra atos que, em maior ou menor grau, atingissem o terreno de sua atividade realizadora, fundamentados, principalmente, nos artigos 2º (que tutela os direitos invioláveis da pessoa humana), 3 e 32 da Constituição, e no artigo 2.043 do Código Civil Italiano. (SOARES, 2009, p. 42)

Como muito bem evidenciado pela autora supramencionada, a evolução da responsabilidade civil em relação proteção dos danos extrapatrimoniais aconteceu gradativamente, pois, cada vez mais, os tribunais decidiam de forma mais abrangente, alcançando novas áreas da vida humana.

A partir de então, a doutrina e jurisprudência passaram a lançar mão de um novo tipo de dano, o chamado “dano biológico”, como ressalta Flaviana Rampazzo Soares em sua obra Responsabilidade Civil por Dano existencial (2009, p.42), o direito a saúde não poderia mais ser protegido de forma tão genérica, merecendo uma proteção mais específica.

Porém, percebe-se que no que diz respeito a nomenclatura, foram os doutrinadores e magistrados italianos  de certa forma infelizes, uma vez que o dano biológico, não era o nome mais adequado a proteção que ser imaginava, de modo que, houveram mudanças, até se chegasse ao nome de “dano existencial”.

Assim, começaram a serem traçados os primeiros contornos de uma nova formulação da responsabilidade civil, para incluir tais danos no âmbito de uma categoria intitulada “dano existencial”, baseada nas atividades remuneradas ou não remuneradas da pessoa, referente a interesses diversos da integridade psicofísica, tai como as relações de estudo sociais, familiares, afetivas, culturais, artísticas, ecológicas, etc. (SOARES, 2009, p. 43)

Desta forma, a relevância desta análise histórica, consiste na demonstração de que os italianos entenderam a importância da proteção de um rol cada vez maior das atividades humanas que podem ser prejudicadas de forma negativa e estes danos afetam a essência humana.

4.3 Fundamento Constitucional para aplicação do dano existencial

Quando um assunto novo e de origem internacional como o dano existencial, é importado ao nosso direito pátrio, é sempre gerada a discussão: Será que este instituo é recepcionado pela Constituição Brasileira de 1988?

Neste tópico será discutida com base no texto da própria Carta Magna, a viabilidade constitucional do dano existencial.

Assim reza o Artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Como se pode observar, em seu Artigo 1º a Constituição deixa como fundamento basilar do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, o ser humano é o centro do Direito, sendo as normas elaboradas para melhor atender as necessidades de uma sociedade.

O homem é um ser dotado de inteligência e personalidade, tendo vontades próprias, conceitos individuais sobre felicidade e bem estar, não pode aqui ser determinado um conceito de felicidade que atingirá a todos os homens médios do planeta Terra. Nem sempre os mesmos componentes que tornam um individuo feliz, trarão os mesmos resultados na vida de outrem.

O ser humano não é um mero objeto, que pode ser valorado somente em questões onde ocorre um dano ao seu patrimônio, devendo a sua dignidade e o seu bem estar serem protegidos de maneira eficaz, para que quando alguém venha a danificar a existência do outro, possa repará-lo deste mal.

Assim assevera Flaviana Rampazzo:

A dignidade da pessoa é um valor interior e próprio, de intensa e contínua manifestação e exteriorização, porque, ao mesmo tempo em que une e iguala as pessoas, pois todas tem um núcleo comum, as difere, já que dignidade serve para assegurar a preservação das diferenças que tornam cada ser único e especial e que são necessárias para o próprio desenvolvimento sadio da sociedade, bem como age como fundamento para evitar que tais diferenças possam servir para inferiorizar uns gente aos outros.

(SOARES, 2009, p. 53)

Como já discutido em tópico anterior, o dano existencial trás prejuízos a existência de quem o sofre, privando o individuo de uma vida plena e saudável. Pode ser citado como exemplo, uma mulher que é vítima de acidente automobilístico, onde o motorista causador do acidente encontrava-se embriagado, esta vítima acabou por sofrer danos irreparáveis, sendo diagnosticada por tetraplegia, sendo condenada a ficar sobre uma cama o resto de sua vida.

A pergunta a ser feita neste momento é a seguinte: Esta pessoa esta sendo privada de um convívio social, familiar, educacional, etc.?  Evidentemente que sim. O fato de nunca mais poder levar uma vida comum, ter a sua existência prejudicada, demonstra a necessidade de uma reparação de danos. Está ela privada de ir a uma reunião escolar da sua filha, de um almoço de domingo em um restaurante ou de frequentar as aulas na faculdade.

Nossa Constituição Federal, em seu Artigo 6º[6], dá um enfoque total aos direitos sociais, estando disposto da seguinte maneira:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

Ao observarmos o Artigo 6º, da Constituição Federal, observamos a clara proteção aos direitos fundamentais e à existência de um individuo, destaco aqui o direito a educação, a saúde, ao trabalho e ao lazer.

Sigo com outro exemplo, o funcionário X, da Empresa Y, é submetido a jornadas de trabalho extensas, que chegam a 14 horas diárias, tendo somente um dia de folga na semana, sendo este dia a segunda-feira.  O funcionário X recebe um salário de R$800,00 é pai de uma família composta por mais 4 pessoas, este funcionário nunca percebeu uma única hora extra, também nunca reclamou, pois, sabe que ao fazer isto, seu emprego estaria ameaçado.

Tem o Funcionário X, o pleno exercício dos direitos supracitados dos artigos 5º e 6º da Constituição Federal? Obviamente que não, uma pessoa que exerce uma jornada de trabalho de cerca de 10 horas diárias, 6 vezes por semana, tem seu convívio social e familiar totalmente prejudicados, são aproximadamente 336 horas mensais dedicadas ao trabalho, sendo que um trabalhador que cumpre a jornada comum tem apenas 176 horas mensais dedicadas ao mesmo.

Não há, portanto, dúvidas, que a vida desta pessoa, está resumida somente ao âmbito do trabalho, não podendo este conviver entre os seus entes queridos, realizar projetos pessoais, como o de realizar um curso superior, constituir família, a sua saúde é prejudicada, tendo em vista o curto período de descanso.

Caracterizando-se após esta análise, a lesão aos direitos elencados pela Constituição Federal, pois, a vítima é privada de fato de sua saúde plena, do convívio família, de uma educação de qualidade, entre tantos outros prejuízos, que poderíamos aqui citar e discutir.

4.4 Exemplos de dano existencial

O dano existencial não está adstrito somente a esfera trabalhista, sua aplicação poderá ser feita nos diversos ramos do direito. Os casos mais evidentes, principalmente os ligados a jurisprudência italiana, estão ligados a saúde do ser humano, porém, é necessário evidenciar, que o dano existencial não está limitado somente a tal área.

Pacientes que necessitaram de transfusão de sangue e adquiriram o vírus HIV ou hepatite, são exemplos encontrados na jurisprudência, estas pessoas acabam tendo o resto de sua vida afetado por um erro ou negligência do hospital em que se encontravam em tratamento, sendo obrigadas a ter uma rotina totalmente diferente da que teriam normalmente, se não tivessem contraído a doença.

No primeiro caso aqui citado, uma menina de 10 anos, foi contaminada com o vírus HIV, em uma transfusão de sangue feita em um hospital, localizado no Rio Grande do Sul, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o dano existencial, em julgamento do Recurso Especial n. 606.671/RS:[7]

O fato da autora não ser economicamente ativa não implica redução do quantum ressarcitório, como pretende o primeiro apelante. Também, inviável a redução sob fundamento de que o Estado fornece medicamentos ou de que se ela vier a falecer, ou se for curada, deverá cessar a indenização. Ao contrário, tenho que de se relevar, na espécie, o fato da contaminação ter ocorrido em tenra idade (aos 10 anos da autora restou descoberta a existência do vírus), que, por óbvio, frustra as expectativas de vida da criança, implicando grave modificação da vida que manteria se sem portar o vírus HIV. De se ponderar se tratar de doença estigmatizada no seio da sociedade e que notoriamente provoca redução do tempo de vida da portadora. Ademais, manifesta a dor, angústia, e desespero, tanto da autora como da família, que, ao buscar auxílio médico, pretendendo melhoria de qualidade de vida em razão de doença geneticamente transmitida, vêem sua filha submetida a mal bem maior e letal.

A autora Flavina Rampazzo Soares (2009, 66), em sua obra dano existencial por responsabilidade civil, cita outro exemplo: Resulta, também, um dano existencial o aborto traumático de uma mulher, vítima de um acidente de trânsito, ou a perda definitiva, em consequência do acidente da possibilidade de ter filhos.

Há também exemplo de dano existencial também no direito de família, quando duas pessoas escolhem unir-se há objetivos claros, alguns exemplos (SOARES, 2009, 69):

[...] A atividade sexual, nesse contexto, é um elemento natural da intimidade e consequência, se não causa direita, da relação entre cônjuges.

Se um dos cônjuges está, involuntariamente, impossibilitado de manter relações sexuais com outro, em razão da conduta ilícita de terceiro, restam violados não apenas os interesses daquele que foi diretamente atingido pelo ofensor, como também daquele que comunga, no casamento, e que, não obstante o fato de não ter sido diretamente atingido pelo fato lesivo, não pôde exercer a faculdade de ter relações sexuais com seu parceiro ou parceira.

A jurisprudência italiana já tem aceitado esta possibilidade de dano existencial, uma vez que a pessoa indenizada encontra-se privada de manter relações sexuais com o seu parceiro, em decorrência de um ato ilícito que acabou por ofender a sua saúde, por consequência desta impossibilidade, acarretará um descumprimento de um dever conjugal e desta forma ser declarada a nulidade do casamento.

Em seu artigo 225, a Constituição Federal garante um meio ambiente equilibrado, que beneficie a sociedade como um todo [8]:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, tem o Estado e nós cidadãos, o dever de promover a preservação do meio ambiente, que garanta a todos nós saúde, sem a presença de riscos, devem ser realizadas atividade de recuperação ou aumento de nossa flora e fauna.

Flaviana Rampazzo Soares assim trata sobre esta possibilidade de dano existencial, em sua obra Responsabilidade civil por dano existencial:

Assim, no âmbito do direito ambiental, o dano existencial encontra terreno fértil, pois um desastre ao meio ambiente atinge, negativamente, não apenas o ecossistema, mas, também quem dele depende, como é ocaso do pescador, por exemplo, que tem a sua rotina gravemente afetada após um derramamento de óleo no mar, nas proximidades do local onde exerce a sua atividade.

Quando o leito de um rio é contaminado pelos refugos tóxicos de uma indústria, comprometendo o abastecimento de água de uma cidade, não foi apenas atingida a natureza, mas as pessoas que dependem, diretamente, da água para sobrevier e realizar tarefas comezinhas. Quem impede o exercício de atividade lícitas corriqueiras, que seriam automáticas em condições normais, gera um dano existencial, o qual deve ser indenizado.  

Portanto, como muito bem evidenciado pela autora supracitada, o dano existencial pode estar presente no direito ambiental, quando a ação ilícita de terceiros sobre o meio ambiente, prejudica de forma direta a vida das pessoas que dele dependem.

5. A indenização por dano existencial na relação trabalhista

5.1 A responsabilidade civil e os danos extrapatrimoniais

A responsabilidade civil impõe a pessoa que causa o dano o dever de indenizar a vítima da ação que sofreu os prejuízos impetrados por quem a causou, a doutrina menciona que o objetivo da responsabilidade civil é estabelecer a pessoa lesada o mais próximo possível do seu estado anterior ao dano sofrido.

Para que reste caracterizada a responsabilidade civil, é importante que sejam verificados três importantes pressupostos, o primeiro a ser destacado é a qual espécie de responsabilidade civil pertence o dano causado, em um segundo momento será analisado a conduta e se há nexo de causalidade entre a conduta praticada e o dano ocorrido, no terceiro e último momento, deverá ser ainda analisada a extensão do dano sobre a vida da pessoa.

Assim, está o dano existencial como espécie de dano extrapatrimonial:

Ele é uma espécie de lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina. (SOARES, 2009, p. 44).

É importante salientar, que o dano existencial possui dois pilares importantes: o dano a vida futura e o dano aos relacionamentos pessoais[9]:

O dano existencial constitui espécie de dano imaterial que acarreta à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras) e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência familiar, profissional ou social

Posto isto, é impossível verificar a possibilidade do dano existencial e não aplica-la as relações trabalhistas, mais especificamente no que diz respeito a jornada de trabalho, uma vez que, quando esta é desrespeitada, sendo aplicada de maneira extensa quase que diariamente, afasta o trabalhador de todo o seu convívio social e familiar, causando uma série de danos a sua existência.

5.2 O trabalho como mercadoria e o tempo existencial

O trabalho é analisado como mercadoria há muito tempo. Doutrinadoras já apontavam este importante tema, antes mesmo de sua legalização por meio das leis trabalhistas, que deram uma proteção mais eficaz aos trabalhadores. Como tratado anteriormente, houve grande preocupação por parte dos estudiosos, para que a mão de obra não fosse tratada como mercadoria, inclusive aqui foi tratado – jornada de trabalho – sobre esta importante questão.

A doutrina nos trás esta importante reflexão sobre a importância de se estabelecer limites necessários sobre a jornada de trabalho, muitos trabalhadores são submetidos a jornadas extenuantes, as vezes privados da convivência com as pessoas que se relacionam e impedidos de realizar projetos pessoais.

Marx (2002, p. 270) faz uma análise importante sobre este assunto em sua obra:

(...) possui a jornada de trabalho um limite máximo. Não pode ser prolongada além de certo ponto. Esse limite máximo é determinado duplamente. Há, primeiro, o limite físico da força do trabalho. Durante um dia de 24 horas, só pode um homem despender determinada quantidade de força de trabalho. (...) Durante uma parte do dia, o trabalhador deve descansar, dormir; durante outra tem de satisfazer necessidades físicas, alimentar-se, lavar-se, vestir-se etc. Além de encontrar esse limite puramente físico, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra fronteiras morais. O trabalhador precisa de tempo para satisfazer necessidades espirituais e sociais (...).

Dar ao trabalhador esse conforto existencial é muito importante, observando-se é claro as questões atinentes ao lado patronal, que também tem suas expectativas ao contratar um empregado, sem deixar de garantir ao trabalhador a vivência de suas relações pessoais e a realização dos seus planos pessoais.

Considerações Finais

A inclusão de novos dispositivos de proteção as relações trabalhistas sempre causam grande discussão doutrinária e jurisprudencial, há hoje uma grande malha legislativa com o objetivo de proteger o empregado em razão de sua clara desigualdade quando comparado ao empregador.

O dano existencial como responsabilidade civil, tem sido cada vez mais aplicado em nosso ordenamento jurídico, a jurisprudência tem se mostrado inclinada a reconhecer esta indenização quando o empregado for submetido a jornadas de trabalho fora do padrão estabelecido.

Ocorre este tipo de dano cada vez que uma lesão causar a pessoa, danos que afetem a sua formação pessoal ou mesmo social, como é o caso de empregados que são submetidos por meses ou até mesmo anos a jornadas de trabalho diárias de 12 horas, onde o empregado tem prejudicados seu convívio pessoal, social e frustrados seus planos e objetivos particulares, uma vez que sua execução é prejudicada.

O dano existencial tem sua origem no direito italiano, cada vez que se importa do direito alienígena um novo instituto, surge o questionamento sobre a sua recepção no ordenamento jurídico pátrio.

Data vênia, entendimentos diversos, a aplicação do dano existencial é plenamente possível, uma vez que a Constituição Federal vigente, protege a dignidade da pessoa humana como fundamento basilar da nossa república federativa, os direitos trabalhistas, estão dispostos em seu artigo 7º, com um rol extensivo, incluindo é claro a proteção a jornada de trabalho.

Esta nova espécie de responsabilidade civil, traz uma nova roupagem jurídica a reparação de lesões causadas ao trabalhador, à especialidade traz maior segurança jurídica, uma vez que é possível se determinar com maior precisão o alcance do dano e dar maior exatidão as indenizações reconhecidas por nossos tribunais e juízes singulares.

Assim, a chegada e aplicação desta nova modalidade de reparação civil, traz um instituto jurídico importante para ordem normativa pátria, a inclusão de novos meios de proteção ao trabalhador devem ser estudados e quando aceitos de acordo com os preceitos constitucionais, devem ser aplicados.

Referencias:

NASCIMENTO, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho. 26 ed. – São Paulo: Atlas, 2010.

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito       Constitucional. 15 ed. – São Paulo: Malheiros, 2004.

BRASIL, Decreto Lei N.º 5.452 de 1º de Maio de 1943. Dispõe sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas. Rio de Janeiro, RJ, Presidência da Republica, 1943.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 de Outubro de 1988.

www.trt3.jus.br

www.tst.jus.br

TRT-4 - RO: 00001369320125040016 RS 0000136-93.2012.5.04.0016, Relator: BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS TOSCHI, Data de Julgamento: 20/03/2014, 16ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

TRT-4 - RO: 00001369320125040016 RS 0000136-93.2012.5.04.0016, Relator: BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS TOSCHI, Data de Julgamento: 20/03/2014, 16ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de direito constitucional. 5 ed. Ver e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre dano existencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3046, 3 nov. 2011. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/20349>. Acesso em 30 maio. 2015

MARX, Karl. O capital: Crítica da economia política. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


[1]https://as1.trt3.jus.br/juris/consultaBaseCompleta.htm;jsessionid=778DF8C6104A0CEBD04AF6842FDA8205
 

[2] http://www.planalto.gov.br

[3] http://www.planalto.gov.br

[4] www.tst.jus.br

[5]  http://www.planalto.gov.br

[6] www.planalto.gov.br

[7] https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=2182910&tipo=51&nreg=200301906155&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20060327&formato=PDF&salvar=false

[8] http://www.planalto.gov.br/

[9] http://jus.com.br/artigos/20349/nocoes-fundamentais-sobre-o-dano-existencial

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Sobre os autores
Cleidilene Freire Souza

Professora do Curso de Direito da UNIPAC de Teófilo Otoni; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Breno de Oliveira Pereira

Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni – FUPACTO. e-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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