Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO. 3. NOÇÕES HISTÓRICAS. 4. A MUDANÇA PROCEDIMENTAL DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA COM O ADVENTO DA LEI 11.232/2005. 5. LEGITIMIDADE. 6. COMPETENCIA. 7. MOMENTO. 8. ESPECIES DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. 9. CALCULO ARITMETICO E MEMORIA DISCRIMINADA E ATUALIZADA DE CALCULO. 10. PROCEDIMENTO ATUAL DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. 11. INEXISTENCIA DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA NO JUIZADO ESPECIAL. 12. CONCLUSÃO
1. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo expor do que se trata a liquidação de sentença, seus aspectos gerais, suas hipóteses de cabimento, suas espécies, algumas noções históricas no Direito brasileiro e estrangeiro bem como outros aspectos inerentes ao instituto. Vamos abordar também a mudança procedimental ocorrida com a lei 11.232/05 e comentaremos os artigos que atualmente regulam a liquidação de sentença dentro do Processo Civil.
Para melhor desenvolvimento do tema escolhido por nosso grupo e melhor compreensão da matéria estudada faremos uma breve revisão das classificações das sentenças de acordo com seu conteúdo e também relacionada à sua eficácia.
1.1. Tipos de sentença de acordo com o conteúdo
a) Mérito (definitiva)
A sentença é o ato em que, por excelência, se manifesta o poder do Estado, legitimado para substituir os titulares dos interesses em conflito e aplicar ao caso concreto trazido pelo autor as soluções albergadas pelo sistema jurídico. A resposta do poder jurisdicional do Estado deve ser soberana e imperativa promovendo a pacificação social.
Faz coisa julgada material enfrentando o pedido formulado pelo autor.
Requisitos essenciais da sentença: relatório, fundamentação e dispositivo.
b) Terminativa (processual)
A sentença terminativa extingue o processo sem a resolução do mérito, frustrando assim o propósito maior do magistrado que é de reconhecer a matéria de fundo, a lide discutida, deferindo ou negando à parte a tutela do bem que se pleiteia. Essa sentença demonstra que o magistrado esbarrou em uma questão processual, não tendo o processo condições de enfrentamento das suas considerações do mérito, isto é, considerações próprias ao direito e aos fatos articulados pelos litigantes.
Quanto a sua natureza jurídica, a sentença é um ato intelectivo, absolutamente formal.
1.2. Tipos de sentença quanto a sua eficácia
Nessas sentenças são consideradas o resultado que apresentam, ou seja, a congruência entre o que o autor pediu na Petição Inicial e o que lhe foi concedido na Sentença de mérito.
a) Declaratória
Limita a declarar a existência ou inexistência de um direito, não ensejando uma execução.
b) Constitutiva
Cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica.
c) Condenatória
Decide sobre o direito, concomitantemente, possibilita ao vencedor a execução do julgado. Pode ser uma sentença líquida ou ilíquida.
d) Mandamental
Na própria sentença o juiz determina a realização das medidas necessárias ao seu cumprimento. Tem por objetivo principal a busca de uma ordem do juízo para que se faça ou deixe de fazer alguma coisa.
e) Executiva
Cunho executório, coercitivo. Sempre liquida e exigível. Representa a possibilidade de ações que tragam embutidas no processo de conhecimento capacidade executória, possibilitando ao juízo determinar, desde logo, e independentemente de qualquer outra providencia, a entrega do bem da vida objeto da lide, isto porque o provimento jurisdicional tem caráter executório.
A liquidação de sentença cabe tanto no rito sumário quanto no ordinário.
A sentença civil condenatória tem como um dos seus principais efeitos precisamente a executoriedade.
Não são só as sentenças de natureza condenatória que servem de título executivo judicial, na verdade o que caracteriza essa vocação à executoriedade é a carga, ou a eficácia condenatória contida no provimento jurisdicional.
Segundo Candido Range Dinamarco a sentença condenatória civil, enquanto remanesça portadora de obrigação genérica, isto é, a respeito de que não exista, ainda, definição do quantum, não tem aptidão, por si só, de gerar válido processamento da pretensão executiva. A obrigação remanesce inexeqüível até que a ele se agregue a determinação do quantum debeatur.
Para que se dê por presente a eficácia executiva nos casos em que a sentença tenha deixado de trazer em si os requisitos necessários para que o credor possa manejar o processo de execução, há necessidade da prévia liquidação, de molde que se agregue à condenação o seu valor quantitativo ou a sua extensão.
Em relação às sentenças genéricas, estas se consubstanciam no que se pode chamar de juízo hipotético ou num juízo de probabilidades, que se pode ou não confirmar na sentença do processo de liquidação. Sendo assim fica declarado que houve um fato, que provavelmente é considerado juridicamente como um dano, no entanto o juiz só saberá se o dano se constitui concretamente num fato causador de menos valia no patrimônio de outrem no processo de liquidação da sentença.
No processo de conhecimento o juiz condena o réu a pagar por danos a serem apurados em liquidação, danos estes na forma em que for provado na liquidação posterior, se houver realmente estes danos.
Sendo assim o processo de conhecimento apenas garante o direito ao ressarcimento se houver prejuízos conforme o que for apurado na liquidação.
Prepondera na Doutrina Brasileira a orientação segundo a qual as medidas coercitivas integram o quadro geral das medidas executivas.
2. Conceito
Liquidação deriva do vocábulo, liquidar, originado do verbo latino liquere, isto é, ser manifesto[1]. Em outras palavras, é fazer líquido, reduzir à quantidade certa.
Para Alexandre Freitas Câmara a liquidação de sentença é o Instituto processual destinado a tornar adequada a tutela jurisdicional executiva, mediante outorga do predicado de liquidez à obrigação, haja vista que a sentença genérica não foi capaz de outorgar. Determina-se assim, o que se denomina quantum debeatur, conferindo ao título o requisito faltante: a liquidez.
Segundo Alessandro ROSTAGNO a liquidação é o ato de executar uma determinação judicial exteriorizada em sentença. O cumprimento de sentença é a fase em que o que foi estabelecido pelo juízo seja realizado no mundo real[2].
O Ministro Marcio Bastos, que formulou o anteprojeto da Lei 11.232/05 afirma que a liquidação de sentença é um procedimento incidental, que decide o quantum debeatur, impugnável por agravo de instrumento, sendo permitida também a liquidação provisória[3].
Fabiano Carvalho entende por liquidação de sentença a fixação ou a determinação em quantidade certa do valor da condenação assentada em decisão judicial que não se mostra líquida.[4]
Para Pontes de Miranda e outros que seguem seu pensamento a liquidação é ação de conhecimento e tem natureza constitutiva.[5]
3. Noções históricas Direito Brasileiro
Tem origem remota, no ano de 1512, nas Ordenações Manuelinas com o objetivo de que a sentenças que versassem objeto incerto ou ilíquido pudessem ser executadas.
No ano de 1577, nova lei deu origem a liquidação por artigos, que se somou a modalidade de liquidação por arbitramento que era a única existente até então. Foram reproduzidas essas normas em 1603 nas Ordenações de D. Felipe, e no regulamento 737 de 1850. Desde então quase nada se modificou na estrutura da liquidação de sentença, à exceção da liquidação por cálculos do contador que foi extinta pela reforma do CPC em 1994.
A liquidação por artigos mantém essa denominação mesmo que hoje esta não seja mais apropriada, esta se refere a uma antiga forma de apresentação das petições, em desuso atualmente. Sendo assim esta expressão ganhou outra interpretação, segundo nossa doutrina, esta quer dizer que o autor deve expor articuladamente na fase do processo sincrético, tudo aquilo que pretende liquidar de forma clara e precisa sob a forma de artigos distintos (tópicos), os fatos que deverão ser provador e as provas de que se servirá o autor.
No Direito Brasileiro, a liquidação de sentença passou das Ordenações para os Códigos estaduais e pelo Código de 1939 até chegar ao vigente de 1973, sempre assemelhado em sua estrutura, ou seja, com as três modalidades de liquidação (por cálculo, por arbitramento, e por artigos). No entanto, a reforma operada em 1992 alterou a sistemática extinguindo a liquidação por cálculos do contador em 1994, tendo o legislador brasileiro buscado inspiração no Código de Processo Civil Português.
Em 1995, outra lei em vigor, que criou os Juizados Especiais, que possui competência para causas com menor complexidade extinguiu a liquidação nesses feitos, mesmo que o autor formule o pedido de modo genérico a sentença deverá ser necessariamente líquida.
Com a Lei 11.232/05 a liquidação passou a ser no mesmo processo em que proferida a sentença liquidanda, tal como seu cumprimento. O procedimento de liquidação de sentença passou a ser regulado pelos arts. 475-A a 475-H do Código.
Direito Italiano
Não há normas expressas sobre como deve acontecer a liquidação devido ao sistema jurídico do país que incumbe ao magistrado o dever de se pronunciar na totalidade sobre o pedido, sendo a liquidação caso excepcional.
No entanto, admite-se o pedido genérico, com a possibilidade de em outro juízo buscar a determinação do quanto debeatur.
Pode ocorrer também que devido ao pedido genérico, seja prolatada uma sentença genérica, mas deve haver uma sentença complementar que liquide a quantia; sendo assim dois momentos distintos e consecutivos que em conjunto compõe a decisão da causa.
Tanto no Direito Italiano quanto no Brasileiro há situações em que há a comprovação do dano causado na prolação da sentença, no entanto quando liquidado o valor desse dano, este resta-se tão pequeno que a execução torna-se inviável.
Atualmente, permite-se que o autor mova uma ação condenatória genérica, reservando assim que a quantificação seja feita em outro processo, eventual, autônomo e separado.
O direito italiano permite também que seja feita a fixação por equidade do valor do dano, sempre que o valor não puder ser obtido de forma conclusiva, ou quando as provas dos autos não forem suficientes para fixar o montante, ocorrendo então a analise de equidade apenas quando o juiz não chegar a um valor preciso.
Direito Alemão
No sistema germânico as sentenças só são proferidas após a fixação do valor, do quantum da obrigação. Sendo assim não há sentença genérica, sendo assim, também não há necessidade da liquidação da sentença.
Esse sistema guarda grande semelhança com o nosso sistema no que se refere às causas de competência dos Juizados Especiais.
O juiz resolve se efetivamente ocorreu um dano, se o resultou prejuízo para a vítima e qual a extensão desse prejuízo, só então o juiz profere a sentença, esta é a regra geral.
O que pode acontecer, nesse sistema, é que o procedimento se desdobre em duas fases, uma de determinação do fundamento do pedido e outra referente a fixação do aspecto quantitativo. Sendo a assim, o juiz analisa primeiramente os fundamentos do pedido, e assim profere sentenças incidentais, que facilitam a sentença definitiva. Após essa fase, inicia outra distinta, mas conecta a primeira, que se limita a buscar a determinação do montante devido pelo réu ao autor. Só depois disso é que se profere a sentença definitiva.
Direito Português
A liquidação de sentença é tratada no conjunto de dispositivos relativos à liquidação em geral.
O juízo competente para a ação é o mesmo para a liquidação da sentença. Se se tratar de titulo executivo extrajudicial não constitutivo de obrigação de pagamento de soma em dinheiro, com montante determinável por cálculo aritmético, o juízo competente será o da execução. Mas se houver necessidade de simples atualização de valor a função é da secretaria do juízo.
Dentro da sistemática processual civil portuguesa considera-se título executivo de maneira mais ampla que no ordenamento jurídico brasileiro, visto que são abrangidos desde sentenças condenatórias até documentos particulares de idoneidade comprovada.
O autor pode formular pedido genérico excepcionalmente quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade de fato, quando as conseqüências do ato ilícito não possam ser determinadas na propositura da ação, ou quando o valor depender de ato a ser praticado pelo réu. Sendo assim o pedido é formulado sob a forma de pedido de liquidação.
No entanto, no próprio Código há a recomendação para que antes de começar a discussão da causa, que torne líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou conseqüência de fato ilícito.
No Código Civil Português há maior aceitação dos meios eletrônicos, tanto que é aceito o pedido de liquidação formulado por esse meio e também a resposta do réu.
Ao autor é permitido também o incidente de liquidação, que é o pedido de liquidação antes do inicio da discussão da lide, sendo assim a liquidação é tida como integrante da ação principal. Dessa forma a liquidação é discutida e julgada como causa principal, sendo assim otimiza o procedimento. Ou, após proferida a sentença de condenação genérica, mas neste caso nomeia-se árbitros conforme previsão legal.
Quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade da prestação, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte líquida.
Devido a discussão doutrinária que durou muito tempo, o legislador chegou a conclusão na Reforma de 1967, que a certeza e a exigibilidade eram efetivamente os requisitos necessários anteriores à execução, e passando assim a execução a ter a necessidade de tornar líquida a obrigação, se esta liquidez não resultar de título executivo.
Quando a quantia for ilíquida o próprio autor deve fixar o valor na petição inicial da execução. Muito parecido com a apresentação da memória do cálculo do Dir.Brasileiro.
Se a fixação do valor do titulo exeqüendo independer de meros cálculos o Código Civil Português apresenta duas hipóteses:
1ª a liquidação por tribunal – o exeqüente especifica na petição inicial o valor que entende devido, ou seja, formula pedido líquido. O executado ao ser citado deve contestação, se não o fizer no prazo, considera-se a fixada a obrigação, nos termos requeridos pelo exeqüente. Se a liquidação for contestada, instaura-se processo sumario de declaração, que correrá paralelo aos embargos do executado.
2ª quando há uma parcela líquida e outra ilíquida – a parcela que independe de liquidação deve ser imediatamente executada enquanto se processa a liquidação da outra parte.
Direito Argentino
Nesse sistema, a regra é que o pedido formulado pelo autor seja certo, exceto quando isso não for possível. Exige-se ainda que a sentença fixe o montante devido resultando assim das provas produzidas.
A sentença poderá ser executada sempre que não cumprida espontaneamente no prazo estipulado para tal. Se a sentença for ilíquida, deverá o exeqüente fornecer o cálculo de liquidação no prazo de 10 dias, contados do início do período efetivo para executar o julgado. No silencio do credor, o próprio devedor poderá apresentar o cálculo, abrindo em ambas as hipóteses oportunidade para a parte contrária manifestar. Se houver impugnação ao cálculo apresentado, instaura-se o incidente que permite a produção de prova, inclusive pericial.
A impugnação do cálculo deve ser pormenorizada, com descrição minuciosa das razões pela quais é formulada, contendo assim as deficiências do cálculo apresentado.
No sistema argentino, permite-se a execução da parte líquida enquanto se desenvolve a liquidação da parte não fixada na sentença.
Direito Espanhol
A Lei de Enjuiciamiento Civil veda a prolação de sentença ilíquida.
Sendo assim, o autor na formulação do pedido deve especificar o seu importe, ou fixar claramente as bases para a liquidação do valor devido. É uma medida adotada, que segundo a doutrina é uma solução para a economia processual.
Na petição inicial deverá constar a quantidade que se reclama na demanda, acompanhada por documento que expresse a liquidação realizada pelo exeqüente. Embora essa seja a regra, há situações excepcionais em que a própria lei requeira o procedimento de liquidação da sentença.
Quando há divergências entre as partes, o órgão jurisdicional poderá nomear perito. E assim que produzidas as provas, proferida a sentença, que é impugnável por recurso destituído de efeito suspensivo.
4. A mudança procedimental da Liquidação de Sentença com o advento da Lei 11.232/2005
Antes da Lei 11.232/2005 a liquidação de sentença ocorria em processo autônomo, distinto do processo de Conhecimento e também do Processo de Execução.
Com a reforma legislativa as três fases passaram a integrar o mesmo processo. Mesmo com essa união não quer dizer que foi o fim da autonomia substancial entre elas, isso por que para iniciar a execução da sentença condenatória é necessário o requerimento do credor.
Com a implantação da Lei de 2005 a liquidação de sentença não mais tem início com o requerimento seguido de citação, mas sim do requerimento de liquidação seguido da intimação do réu na pessoa de seu advogado. E também o pronunciamento de que a liquidação não é sentença apelável, mas decisão agravável.
Ao se proceder a liquidação, já terá sido proferida a sentença condenatória, sendo assim a liquidação não integra a sentença, não podendo desta forma, alterar a sentença, nem discutir novamente a lide durante a liquidação.
A sentença condenatória genérica que é a que precisa ser liquidada, só é proferida quando o pedido feito na inicial é igualmente genérico.
Mesmo com a unificação da liquidação, esta não perdeu sua autonomia, devendo ser considerada uma ação com objeto distinto daqueles veiculados nas ações que com a liquidação se relacionam.
Segundo Enrico Tullio Liebman, a condenação genérica e a liquidação são decididas em momentos diferentes, através de duas sentenças consecutivas, sendo a segunda apenas complementar, e juntas constituirão a decisão da causa.
Vemos que na liquidação de sentença, quando há vários réus o credor não está obrigado a executar a sentença em relação a todos, podendo assim o autor requerer a execução contra apenas um deles.
5. Legitimidade
Segundo o dicionário jurídico de Plácido e Silva, legitimidade é: “A legitimidade, pois, pode referir-se às pessoas, às coisas ou aos atos, em virtude da qual se apresentam todos segundo as prestações legais ou consoante requisitos impostos legalmente, para que consigam os objetivos desejados ou obtenham os efeitos, que se assinalam em lei.”
Desta forma, trazendo para o presente contexto da legitimidade na liquidação de sentença, temos que ocorre aí uma divisão. Dividi-se em legitimidade ativa e legitimidade passiva.
A pessoa que terá a capacidade para ser ativo será o credor, que poderá instaurar a liquidação de sentença. Disto decorrerá seja como processo autônomo, como fase ou como incidente. Assim será instaurado contra aquele apontado como devedor no mesmo titulo.