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O princípio da plenitude de defesa no Tribunal do Júri

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04/07/2015 às 13:24
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1.4 Plenitude de defesa e a seleção dos jurados

A Constituição Federal não prevê expressamente que o Júri é um Tribunal onde o réu é julgado por seus pares, mas essa é a característica essencial da instituição em estudo. Os artigos 425 e 426 do Código de Processo Penal tratam da organização do Júri e estabelecem que, anualmente, serão alistadas pelo presidente do Tribunal do Júri as pessoas que comporão o corpo de jurados em cada Comarca.

Demais disso, o juiz-presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para o exercício desse múnus.

Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p. 149-150), lecionando sobre a seleção dos jurados, defendendo que os juízes-presidentes devem ter uma maior cautela na seleção dos cidadãos que comporão o Conselho de Sentença, assim aduz:

 É certo que muitas vezes as decisões do Júri deixam a desejar, mas, em compensação, quantas sentenças dos Juízes togados não são reformadas pela Instância Superior, e quantas decisões dos Tribunais não são anuladas pelos órgãos superiores do Poder Judiciário? Saibam os Juízes recrutar cidadãos idôneos para integrar o Tribunal leigo e muitos senões tendem a ser corrigidos. Mas em que consistiria essa idoneidade? Evidente que o cidadão que tem uma vida pública e privada sem mácula goza de idoneidade. O problema de avaliação compete ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri ao proceder ao alistamento de que trata o art. 425 do CPP.

Percebe-se que os jurados são escolhidos ao acaso, retirados das listas dos cartórios eleitorais da região onde funciona o Tribunal do Júri, com a (única) cautela de se analisar os antecedentes criminais de cada um. Há ainda o problema da seleção feita diretamente pelo juiz-presidente, pois, quando este assim procede, termina optando por pessoas de classe média, com um grau de instrução mais elevado.

O critério de julgamento pelos pares significa o julgamento do caso por pessoas da mesma camada social que o réu, o que ocasiona contradições em Tribunais Populares assim formados. Sendo esse o critério utilizado, conclui-se que a plenitude de defesa fica seriamente comprometida. O ideal seria a formação do corpo de jurados com pessoas de todas as camadas sociais.

Contudo, não se quer (aqui) defender a necessidade de que o jurado tenha conhecimento jurídico para a função, uma vez que o Júri é constituído de cidadãos leigos, mas também não se pode afastar ao menos a instrução básica, para que a instituição não se transforme em um cenário eminentemente emocional, arbitrário, cujas decisões espelham-se não no saber, mas nos sentimentos dos julgadores.

Com efeito, os jurados precisam ter um mínimo de conhecimento para compreender a legislação de seu país, verificando, em cada caso, se determinado réu deve ser condenado ou absolvido. Nesse trilhar é a posição de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 159), in verbis:

O ideal seria a possibilidade de se convocar jurados de todas as camadas sociais, de diversos níveis econômicos e culturais, porém assegurando-se um grau de conhecimento mínimo para que o próprio réu não termine prejudicado. Lembremos que a incompreensão de determinadas teses, por mais didáticas que sejam as partes durante a exposição, pode levar a condenações injustificadas ou, também, a absolvições ilógicas.

No entanto, para que tal ideal seja alcançado, isto é, a composição do corpo de jurados por pessoas de todas as camadas sociais, é preciso destacar que a sociedade brasileira necessita ser mais bem preparada, ao menos com educação básica, o que hoje ainda se mostra uma utopia.

Dessa forma, num país como o Brasil, de profundas distorções sociais, ainda formados por uma imensa maioria inculta, parece mais indicado continuar formando o corpo de jurados da maneira atual, mesmo que pareçam Conselhos elitistas e distanciados da realidade social, visando à segurança do próprio acusado.


1.5 A questão das algemas

Inicialmente, saliente-se que a apresentação do réu algemado ao Conselho de Sentença constitui violação ao princípio da plenitude de defesa, podendo interferir prejudicialmente na decisão dos jurados, tendo em conta a enorme influência negativa advinda da imagem do acusado com as mãos ou os pés (em alguns casos, mãos e pés) atados.

Observe-se que, com a reforma do procedimento do Júri, operada no ano de 2008, esse tema passou a ser expressamente disciplinado no Código de Processo Penal, que em seu artigo 474, § 3º, dispõe: "§ 3º. Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".

Nessa vereda, Aury Lopes Jr. (2012, p. 1030-1031) adverte que: "O uso de algemas em plenário foi finalmente disciplinado no júri, pois ali, mais do que em qualquer outro julgamento, o fato de o réu estar algemado gerava um imenso prejuízo para a defesa. Para um jurado, a imagem do réu entrando e permanecendo algemado durante o julgamento, literalmente, valia mais do que mil palavras que pudesse a defesa proferir para tentar desfazer essa estética de culpado. Entrar algemado, no mais das vezes, é o mesmo que entrar condenado".

Dessa forma, é fácil perceber que a lei proíbe terminantemente a utilização de algemas sem que haja absoluta necessidade. Vale dizer, se não estiver presente ao menos um dos requisitos exigidos pela norma, o réu deve ser posto em julgamento sem utilizar as algemas. Além disso, o réu merece ser tratado com respeito, por pior que pareça a imputação que lhe é dirigida ou por mais perigoso que ele seja considerado. A gravidade do delito não é determinante para o uso ou não de algemas. O Estado deve sim garantir a segurança, contanto que não deixe de respeitar a dignidade da pessoa que se encontra sub judice.

Por apreço ao debate, impende transcrever o que leciona Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 177-178):

Manter o réu algemado o tempo todo, especialmente no momento em que é interrogado, quase sem poder expressar-se, gesticulando com dificuldade, nunca nos pareceu a melhor medida. Em primeiro plano, deve-se destacar que o juiz leigo não tem o mesmo preparo do magistrado togado para ignorar solenemente a apresentação do acusado com algemas. É possível destacar-se em sua mente que os grilhões representariam tanto um símbolo de perigo, quanto de culpa.

[...] Sabe-se, por certo, que a imagem da pessoa submetida a julgamento compõe o quadro idealizado pelos jurados acerca do caso, sendo impossível controlar o grau de emotividade gerado, quando o acusado ingressa no recinto algemado e assim permanece o tempo todo. Estando em disputa interesses fundamentais da pessoa humana e havendo um julgamento a ser proferido sem fundamentação, através do voto secreto, torna-se mais lógico evitar, a qualquer custo, a má apresentação do acusado diante de seus julgadores. É a consagração do princípio constitucional da plenitude de defesa. (sem grifos no original).

Diante disso, conclui-se que a utilização das famigeradas algemas deve ser permitida pelo juiz-presidente somente em situações excepcionais, e não quando for desnecessário (como normalmente tem acontecido). A esse respeito, cumpre consignar os ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p. 213), in verbis:

O réu não poderá ficar ou ser algemado. Embora não haja lei disciplinando o uso de algemas (note-se que o art. 199 da LEP não foi regulamentado), podemos voltar ao tempo do Império (Dec. n. 8.824/1871), quando eram permitidas por absoluta questão de segurança. O novo disciplinamento normativo do procedimento do Júri, no § 3º do art. 474 do CPP, falou das algemas como medida de segurança não só para os que estiverem participando da sessão, como também para os que estiverem presentes, ou ao próprio réu, no caso de pretender tumultuar a sessão ou, mesmo, fugir. Mas, para tanto, é preciso fique bem clara a necessidade das algemas. É realmente constrangedor ver o cidadão adentrar o recinto do Tribunal com as mãos atadas, simbolizando a violência, a força e a prepotência da Justiça. E que juízo não formarão os jurados? De logo surgirá certo sentimento de piedade. Se o réu adentra o recinto onde será realizado o julgamento acompanhado de dois militares, para que algemas? A não ser, como diz o próprio texto, se houver absoluta necessidade: ameaça de fuga, tentativa de agressão contra os presentes ou coisa parecida.

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Nessa ótica, destaca-se as palavras do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Ricardo Tucunduva (2008):

[...] Podemos concluir que são estas – e só estas – as hipóteses que permitem a utilização de algemas:

- se o preso for de conhecida periculosidade;

- se o preso oferecer resistência à prisão ou tentar fugir;

- se terceiro oferecer resistência à prisão da pessoa que deva ser legalmente presa;

- se o preso tentar agredir alguém ou lesionar a si próprio.

Essas mesmas regras devem ser obedecidas no caso de remoção de presos, para realização de trabalhos policiais ou judiciais aos quais eles devam estar presentes (como acareações, audiências, julgamento pelo Tribunal do Júri etc.).

[...]

E, realmente, é preciso restringir ao máximo o emprego de algemas, porque a prática possui enorme carga negativa, derivada da ideia de desonra que transmite, coisa incompatível com a dignidade humana, que é direito fundamental de todos, segundo o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Em suma, o emprego de algemas não é regra, é exceção, e só pode ser admitido como forma de garantir a segurança social, a aplicação da Lei Penal e a integridade física dos que circundam a pessoa legalmente presa, ou a dela própria. (sem grifos no original).

Assim, cabe ao juiz-presidente decidir sobre a utilização de algemas ou não, embora seja interessante que as mesmas não estejam presentes na sessão de julgamento, principalmente durante o momento em que o réu é interrogado.

Cumpre consignar, por fim, que a utilização das algemas em contrariedade com o disposto no artigo 474, § 3º, do Código de Processo Penal, e na súmula vinculante 11 do STF, enseja a nulidade do ato processual, devendo ser anulado e refeito, observando-se os requisitos estritamente estabelecidos na lei e na súmula vinculante [6]. Dessa forma, prestigia-se a excepcionalidade da medida, em detrimento da (inadmissível) regra que se constituiu na prática forense brasileira.


CONCLUSÃO

Estudando o princípio da plenitude de defesa, viu-se que o mesmo vem sofrendo vários golpes. Como afirmar que a plenitude de defesa é efetivada ao se permitir a recusa peremptória dos jurados sem qualquer possibilidade de conhecê-los com antecedência? Evidentemente, não é possível efetivar essa garantia, uma vez que o defensor (alusão a só ele por estar-se diante da plenitude de defesa) não tem subsídios para aferir eventual suspeita ou descrédito do jurado. Dessa forma, ao ser indagado pelo juiz-presidente, o defensor deve decidir imediatamente sobre aceitar ou recusar o jurado sorteado para compor o Conselho de Sentença. Quando se recusa um jurado, ocorrem, invariavelmente, muitos enganos, visto que o defensor pode acabar afastando um jurado de bom escalão, quando não existir o motivo que o levou a recusá-lo.

No que tange à possibilidade de inovação de tese defensiva em tréplica, verifica-se que vem ocorrendo uma indevida vedação a tal situação. Dessarte, visando à garantia da plenitude de defesa, deve ser assegurada a possibilidade de a defesa aventar nova tese, não manifestada anteriormente, porquanto inexiste qualquer óbice legal nesse sentido. Com essa possibilidade, não se vislumbra ofensa ao princípio do contraditório, pois uma parte, naturalmente, há de falar por último nos autos. No conflito desses dois princípios constitucionais, claramente deve prevalecer o da plenitude de defesa, visto ser mais favorável ao status libertatis do indivíduo.

Outra celeuma é vislumbrada no que se refere ao tempo para a defesa se manifestar em Plenário. Esse tempo é (só) aparentemente longo. Porém, ao se tratar de uma causa complexa ou com mais de dois acusados, esse ínterim se mostra manifestamente exíguo para que a defesa exponha suas teses ao Conselho de Sentença. Isso porque, quando há um número maior de acusados, a causa tende, indubitavelmente, a ser mais complexa.

Outro ponto que merece destaque é a questão do uso de algemas pelo réu. Como se fosse normal, o acusado é apresentado ao Conselho de Sentença algemado, o que já afeta negativamente o ânimo dos jurados. Ora, o Código de Processo Penal é expresso ao dispor que não se permitirá o uso de algemas no acusado em Plenário, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. Sobreleva dizer que, não estando presente algum desses requisitos, não há que se algemar o réu durante o julgamento, sob pena de grave constrangimento, uma vez que, por mais grave que pareça a imputação, ele deve ser tratado sempre com respeito, haja vista a Constituição Federal assegurar a dignidade a todos, indistintamente.

Enfim, a garantia da plenitude de defesa, em função dos diversos temperamentos que vem recebendo, em especial pela prática forense, tem se tornado apenas uma figura de retórica.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAZERA, Leandro. O princípio da plenitude de defesa no Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4385, 4 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40515. Acesso em: 23 dez. 2024.

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