RESUMO: O presente trabalho tem por escopo discorrer sobre o instituto da condução coercitiva à luz do processo penal e da constituição federal. Trata-se de um tema que tem gerado diversas controvérsias acerca da sua admissibilidade. Isso porque, não obstante a previsibilidade legal de condução coercitiva daquele que, notificado, se recusa a comparecer perante autoridade, ou ainda nos casos de urgência, há discussão se não haveria nessa medida uma espécie de prisão que, consequentemente, violaria preceitos constitucionais. O procedimento de abordagem desse trabalho será o histórico e hermenêutico, tendo a investigação bibliográfica como técnica de pesquisa.
ABSTRACT:This work is to discuss the scope of the conduct of the institute coercive birth of criminal procedure and the federal constitution. This is a topic that has generated several controversies about its admissibility. That's because , despite the legal predictability forceful presentation of one who notified , refuses to appear before the authority , or in emergency cases, there is discussion whether there would be to that extent a kind of prison that consequently violate constitutional provisions . The approach of this work procedure is the historical and hermeneutic, and the bibliographical research as a research technique.
PALAVRAS-CHAVE:Condução coercitiva. Admissibilidade. Processo Penal.
KEYWORDS:Forceful. Admissibility. Criminal Procedure.
SUMÁRIO:1. Introdução. 2. Conceito de Autoridade no Código de Processo Penal. 3. As figuras do indiciado, investigado, testemunha e ofendido no processo penal. 4. Prisão e suas modalidades. 5. Fundamentação jurídica da condução coercitiva. 6. A condução coercitiva sem intimação na fase do inquérito policial (posicionamentos favoráveis à medida). 7. A condução coercitiva sem intimação na fase do inquérito policial (posicionamentos desfavoráveis à medida). 9. Considerações finais. 10. Referências.
1. Introdução
Não obstante a importância de se debater acerca da constitucionalidade ou não da condução coercitiva, parece-nos que é um tema ainda longe de consenso, ainda que haja uma pacificação jurisprudencial e legal.
Essa situação se dá, como veremos no decorrer desse artigo, em razão de, os argumentos que fundamentam os posicionamentos diversos, serem relevantes. O Código de Processo Penal, que traz a hipótese de condução coercitiva, é de 1941 e a Constituição Federal, que não menciona o referido instituto, é de 1988. Não teria sido o dispositivo legal recepcionado pela Carta Magna? A condução coercitiva trata-se de uma modalidade de prisão ou é apenas uma medida de polícia para que o indivíduo colabore com a justiça?
Diante dessa situação, perceberemos que existe um dilema entre: a) não violar a liberdade do indivíduo, em respeito a diversos direito fundamentais e; b) garantir a devida preservação da ordem pública e tutela da sociedade por meio da condução coercitiva, necessária à instrução extraprocessual.
Desse modo, percebe-se uma nítida coalisão de princípios fundamentais, situação que não excluirá um em detrimento de outro, mas que exigirá a ponderação para se chegar a uma solução mais adequada.
O presente artigo trará, inicialmente, aspectos conceituais que se mostram imprescindíveis para melhor esclarecimento da problemática central, que será tratada em seguida.
2. Conceito de Autoridade no Código de Processo Penal
Autoridade, no Código de Processo Penal, pode ser autoridade judiciária ou autoridade policial.
Primeiramente, é necessário esclarecer que as polícias civil e militar possuem atribuições diferentes. Ambas são instituições que visem garantir a defesa do Estado Democrático de Direito, mas a primeira tem função de polícia judiciária, apurando infrações penais por meio do inquérito que servirá de base para o Parquet promover a ação criminal, enquanto a segunda atua no policiamento preventivo e ostensivo.
A polícia judiciária é coordenada por Delegado de Polícia de carreira. Este tem a incumbência de presidir o inquérito policial a fim de reunir os elementos de autoria e materialidade que darão, eventualmente, ensejo à fase judicial de persecução criminal.
No exercício da função de polícia judiciária, o Delegado de Polícia tem a prerrogativa de representar pela prisão temporária, preventiva, mandado de busca domiciliar, quebra de sigilo bancário e telefônico, podendo também indiciar, lavrar auto de prisão em flagrante, expedir nota de culpa, realizar oitivas etc.
O artigo 4° do Código de Processo Penal, dispõe que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.”
Por todo o exposto, entende-se que, quando o CPP utiliza o termo “autoridade policial”, ele se refere tão somente ao Delegado de Polícia, sem abarcar outros agentes de polícia como investigadores, escrivães, policiais militares, peritos etc. Inclusive, se outros agentes policiais, em certas situações, realizar atribuições típicas do Delegado, como as elencadas anteriormente, poder-se-á configurar até o crime de usurpação de função pública, previsto no art. 328 do Código Penal.
Lado outro, quando o CPP utiliza o termo “autoridade judiciária”, faz referência aos magistrados, ou seja, ao juiz de direito que exerce essa função conforme a Lei de Organização Judiciária local.
Importante destacar que o art. 260 do CPP faz referência apenas ao termo “autoridade”, sem especificar se se trata de autoridade policial ou judiciária, ao estabelecer que “se o acusado não atender a intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.” Porém, a hermenêutica do dispositivo nos possibilita concluir que o legislador se refere apenas à autoridade judiciária.
Porém, já antecipamos que, se a autoridade policial expedir notificação para que o acusado compareça à Delegacia e este não o faz, aquela, ao nosso entendimento, poderá requerer ao juiz a condução coercitiva, situação em que o termo do código também se aplica à autoridade policial. Trataremos melhor do assunto adiante.
3. As figuras do indiciado, investigado, testemunha e ofendido no processo penal
É importante que esclareçamos as posições jurídicas de determinados atores no processo penal.
O indiciado é aquele que, após a apuração da autoria e materialidade pela autoridade policial, é apontando por esta como provável responsável pela infração. Importante também frisar que, nos crimes onde ocorre a prisão em flagrante do autor, este estará automaticamente indiciado.
Já o investigado é aquele no qual ainda está sendo colhido os elementos probatórios que o apontem ou não como autor da infração. Desse modo, a investigação é conduzida de modo que, ao final, o Delegado de Polícia decidirá, com fundamentação jurídica, se imputa ao investigado a prática criminosa.
Não obstante o CPP quedar silente quando a diferenciação do investigado e indiciado, o art. 405, §1° da Lei 11.719/2008 possibilita interpretar que são termos distintos ao dispor que “sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.”
A testemunha é um indivíduo que, apesar de não ter não estar sendo investigado nas apurações da autoria e materialidade da infração penal, se mostra figura importante por ter conhecimento do fato, em razão de estar presente no momento da sua ocorrência. A sua relevância é tamanha que o seu depoimento é um meio de prova no CPP.
Por fim, o ofendido (vítima) é o sujeito passivo da relação processual penal. Ou seja, é a pessoa física ou jurídica sobre o qual recaiu os danos da conduta criminosa. Porém, é importante lembrar também que o Estado será sempre sujeito passivo genérico e imediato das infrações penais.
4. Prisão e suas modalidades
A prisão é o meio pela qual o Estado retira o indivíduo infrator da sociedade, como pena imposta pela sua conduta reprovável. Cesare Beccaria (2011, pag. 106), em sua obra Dos Delitos e Das Penas, aduz que “prisão é pena que, por necessidade, deve, diversamente de todas as outras, ser precedida da declaração do delito, mas este caráter distintivo não lhe tira o outro traço essencial, a saber, que somente a lei determina os casos em que o homem merece a pena.”
Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, traz a origem e finalidade da segregação social:
Ela se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixa-los e distribuí-los espacialmente, classifica-los, tirar deles o máximo de tempo e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. (FOUCAULT, 2013, pag. 217).
No Código de Processo Penal brasileiros, estão elencadas as seguintes hipóteses de prisão cautelar: a) prisão preventiva; b) prisão temporária; c) prisão em flagrante; d) prisão em decorrência de sentença condenatória que ainda cabe recurso e; e) prisão em virtude de pronúncia.
Prisão cautelar não se trata de uma medida de segregação definitiva, mas, como se infere do próprio termo, é uma forma de cautela, ou seja, serve para assegurar a instrução processual, bem como a futura execução da pena, em caso de o réu ser condenado.
A prisão preventiva é prevista no art. 312 do CPP e, de acordo com a redação do supracitado artigo, “poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
A prisão temporária é regulada pela Lei 7.960/89 e será decretada no curso do inquérito policial a fim de que as circunstância da infração possam ser melhor apuradas. Tem um prazo de 5 (cinco) dias que pode ser prorrogado por igual período.
A prisão em flagrante, conforme art. 302 e 303 do CPP, ocorre quando o agente é pego cometendo a infração, quando acaba de cometê-la, quando é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração, quando é encontrado, logo depois, com instrumentos armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor da infração e, por fim, nas infrações permanentes, enquanto não cessar a permanência.
As prisões em decorrência de sentença recorrível e em razão de pronúncia também seriam cabíveis tendo em vista que, a persuasão racional do magistrado ao elaborá-las, mesmo ainda não havendo coisa julgada, reforçaria os indícios de autoria sobre o réu. No entanto, conforme esclarece Nestor Távora (2014, pag. 702), essas duas formas de prisão estão estruturalmente revogadas.
Alguns doutrinadores, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci, defendem que a condução coercitiva também seria uma modalidade de prisão. Os motivos desse raciocínio doutrinário serão tratados mais adiante.
5. Fundamentação jurídica da condução coercitiva
A condução coercitiva é um meio pelo qual o indivíduo tem a sua liberdade restringida ao ser levado contra a sua vontade para comparecer perante autoridade policial ou judiciária a fim de prestar esclarecimentos acerca de determinada conduta criminosa.
A natureza desse instituto jurídico já se mostrava evidente nas Ordenações Filipinas (estrutura jurídica resultante da reforma do Código Manuelino), pois, as testemunhas e réus recalcitrantes, poderiam ser conduzidos à força pelos Oficiais de Justiça.
Outrossim, o art. 95, do Código de Processo Criminal do Império, datado de 1932, também estabelecia que “as testemunhas que não comparecerem sem motivo justificado, tendo sido citadas, serão conduzidas debaixo de vara e sofrerão a pena da desobediência.”
Importante ressaltar que a expressão “vara” diz respeito ao objeto que era a insígnia dos juízes ordinário e dos juízes de fora.
O art. 201, §1°, do CPP vigente, inserido no título V que trata sobre o ofendido, discorre sobre a oitiva deste, estabelecendo que “se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença de autoridade.”
Em relação à testemunha, o CPP, em seu art. 218, anota que “se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.”
Quanto ao acusado, o art. 260 do CPP aduz que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.”
De igual modo, o art. 278 do CPP estabelece que “no caso de não comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, no seu art. 187 também discorre sobre a medida ao dispor que “se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente, à audiência de apresentação à autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva.”
A Lei 1.579/62, que trata das Comissões Parlamentares de Inquérito, traz na redação do parágrafo único do art. 3°, que “em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juízo criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal.”
Por fim, a Lei Orgânica do Ministério Público, também prevê a possibilidade de condução coercitiva (apenas do ofendido e da testemunha) à presença do Parquet, em caso de não comparecimento injustificado.
6. A condução coercitiva sem intimação na fase do inquérito policial (posicionamentos favoráveis a medida)
Conforme acima exposto, a condução coercitiva tem previsão legal para o ofendido, testemunha e acusado. Entretanto, não há dispositivo que menciona a possibilidade de utilização desse instituto àqueles que estão sendo investigados pela autoridade policial. O art. 260 do CPP, que trata da condução coercitiva do acusado, dá essa possibilidade apenas à autoridade judiciária.
Utilizar a aplicação analógica desse dispositivo para conduzir coercitivamente o investigado configuraria situação de analogia in malan partem, que não é admitida pelo direito processual penal constitucional vigente.
Porém, o art. 144, §4° da CF, dispõe que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” O exercício dessa competência daria ao órgão de polícia judiciária legitimidade para utilizar os meios necessários à satisfação dos fins que lhe foi incumbido. Essa linha argumentativa estaria em consonância com a teoria dos poderes implícitos de origem norte americana que foi adotada pela Suprema Corte brasileira. Conforme Pedro Lenza (2013, pag. 169) “podemos acrescentar que os meios implicitamente decorrentes das atribuições estabelecidas de modo explícito devem passar por uma análise de razoabilidade e proporcionalidade.”
Nesse mesmo sentido, há de se reconhecer que um dos atributos dos atos administrativos é a sua auto executoriedade, ou seja, a possibilidade de que os atos administrativos sejam executados sem que para isso seja necessária uma ordem judicial prévia.
Além disso, os incisos V e VIII do CPP determinam que, logo após ter conhecimento da prática do delito, a autoridade policial deverá ouvir o indiciado, bem como determinar a sua identificação pelo processo datiloscópico, quando possível.
Para muitos, o não comparecimento injustificado perante a autoridade configuraria até o crime de desobediência, previsto no ar. 330 do CP, com a seguinte redação: “Caput- desobedecer a ordem legal de funcionário público. Pena- detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.” A condução coercitiva do acusado não configuraria, desse modo, o crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898/65, art. 4°, a.
Não se estaria também diante da chamada prisão para averiguação, pois aquele que é conduzido coercitivamente à Delegacia de Polícia não ficaria encarcerado com os outros presos provisórios, no caso de o Delegado mantê-lo na repartição para representar pela prisão temporária ao juiz. O lugar em que o conduzido permaneceria poderia ser no cartório, por exemplo. A prisão tem finalidade específicas, quais sejam, a de prevenção, ressocialização e punição, não sendo o caso da condução coercitiva, pois seria esta apenas uma medida de polícia para que o conduzido colabore com a justiça, para preservação da ordem pública e para a tutela da sociedade.
A medida de condução coercitiva também deveria resguardar a dignidade humana do conduzido, em relação ao disposto na Súmula Vinculante n° 11, que diz que “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Em relação à crítica sobre a condução coercitiva sem mandado ou notificação na fase do inquérito policial, um exemplo para a justificação de tal medida seria nos casos em que, passado o período de flagrância em um crime de roubo, a vítima reconhece o agente na rua e imediatamente comunica à polícia. Percebe-se que não teria sentido deslegitimar a ação da polícia ao conduzir esse indivíduo à Delegacia para, logo depois, se for o caso, representar pela sua prisão temporária.
O STF já se manifestou sobre o tema, conforme se extrai da ementa abaixo:
“Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. V – A custódia do paciente ocorreu por decisão judicial fundamentada, depois de ele confessar o crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não havendo, assim, qualquer ofensa à clausula constitucional da reserva de jurisdição que deve estar presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art. 5º da Constituição Federal. VI – O uso de algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que envolveram o caso, diante da possibilidade de o paciente atentar contra a própria integridade física ou de terceiros. VII – Não restou constatada a confissão mediante tortura, nem a violação do art. 5º, LXII e LXIII, da Carta Magna, nem tampouco as formalidade previstas no art. 6º, V, do Código de Processo Penal. VIII – Inexistência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da oitiva das testemunhas arroladas pelo paciente e do pedido de diligências, aliás requeridas a destempo, haja vista a inércia da defesa e a consequente preclusão dos pleitos. IX – A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para levar à absolvição do paciente. X – É desprovido de fundamento jurídico o argumento de que houve inversão na ordem de apresentação das alegação finais, haja vista que, diante da juntada de outros documentos pela defesa nas alegações, a magistrada processante determinou nova vista dos autos ao Ministério Público e ao assistente de acusação, não havendo, nesse ato, qualquer irregularidade processual. Pelo contrário, o que se deu na espécie foi a estrita observância aos princípios do devido processo legal e do contraditório. XI – A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a garantia da instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente, verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Ademais, o paciente evadiu-se do distrito da culpa após a condenação. XII – Ordem denegada.”(HC 107644, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC 18-10-2011) (grifei)
Também não se pode deixar de ressaltar que, se o Delegado de Polícia entender já estarem presentes os requisitos para a representação pela prisão temporária, deverá assim fazê-lo, sem a necessidade de antes conduzir coercitivamente o investigado.