Calúnia, difamação e injúria: abordagem teórica e prática sobre os delitos contra honra e a correspondente ação de cunho privado no âmbito do Juizado Especial Criminal

12/07/2015 às 17:48
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Os crimes contra a honra, especialmente os delitos de calúnia, difamação e injúria possuem natureza de ação penal privada, ou seja, o titular da ação é o ofendido. O legislador fez opção para que essa lide fosse resolvida no âmbito dos Juizados Especiais.

1 - INTRODUÇÃO A disciplina dos delitos contra a honra encontra-se no Código Penal, enfatizando, no presente estudo, os delitos de calúnia, difamação e injúria ali contemplados. Já as regras atinentes à ação penal privada é objeto de tratamento pelo Código de Processo Penal. A ação penal privada, cuja titularidade pertence ao ofendido, tramita nos Juizados Especiais Criminais Estaduais, cujo procedimento se inicia pela fase de recebimento das informações pela Polícia Judiciária (Delegacia de Polícia Civil), com encaminhamento posterior dos autos ao juízo. Ainda em fase preliminar, a vítima poderá desistir da ação, resolvendo de logo, o conflito. Os delitos de calúnia, difamação e injúria estão tipificados, respectivamente, pelos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, cujo bem jurídico protegido pelo Estado, é a honra. Apesar de esses delitos não alcançarem grandes proporções quanto à sua lesividade, bem como ao clamor social, é necessário que haja respeitado esse direito, através da efetivação do acesso à justiça. Tendo-se efetivamente garantido o direito de informar esses delitos aos órgãos de persecução penal com a consequente resolução do conflito, o ofendido, permeado pelo princípio da disponibilidade, poderá optar em não oferecer a queixa-crime, podendo renunciar a esse direito, ou até mesmo deixando ocorrer a decadência. Em Itabuna, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, houve a constatação de forma unânime de que as vítimas não querem ainda mais expor suas honras, com a consequente instauração da ação penal, pois preferiram renunciar ao direito de queixa, desistirem, bem como deixando transcorrer a decadência. De posse dos dados pesquisados, a pesquisa científica delimita seu objeto de pesquisa com o estudo de caso do município de Itabuna- BA, a fim de responder a seguinte indagação: Qual a relevância do direito de queixa nos crimes de ação penal privada e sua implicação no direito penal e processual penal, considerando o procedimento, a atuação dos sujeitos envolvidos e a solução dos conflitos. A pesquisa científica no âmbito dos Juizados Especiais Criminais merece relevância, visto se tratar de pequenos delitos que costumeiramente ocorrem em espaços delimitados dentro da sociedade, alcançando, o não oferecimento da queixa-crime por meio da renúncia, a melhor alternativa em solucionar pequenos conflitos. O objetivo principal foi identificar dados condizentes com o procedimento desde a fase inicial da queixa em que ocorre os delitos de calúnia, difamação e injúria e sua abrangência teórica, articulando com a relevância prática em que todos os envolvidos no processo participam. Para isso fez-se necessário: a) Identificar os crimes de ação penal privada, trazendo uma conceituação abrangente no sistema penal brasileiro; b) Discorrer sobre a ação penal privada, especificamente sobre a abrangência dos delitos de calúnia, injúria e difamação, abordando as circunstâncias que levam o ofendido a deixar de oferecer queixa-crime; c) Descrever a atuação dos órgãos incumbidos na persecução penal, bem como o procedimento da ação penal privada e confrontar as informações obtidas com os diversos posicionamentos jurídicos, abordando a relevância da pacificação social. A principal hipótese levantada dentre os dados mapeados percebe-se uma incidência maior do delito de injúria (art. 140 do CP), bem como o alcance de 100% do não oferecimento da queixa-crime quanto ao número de casos pesquisados. A área de estudo da pesquisa compreende o município de Itabuna, situado na Zona Central da Região Cacaueira, Sul do Estado da Bahia, cuja extensão abrange 432,244 km2 e uma população de 204.667 habitantes estimado no último censo de 2010. No que tange ao tipo de pesquisa científica abordada, é a documental, cuja sistematização realizada por meio de coleta de dados no Sistema Judicial Eletrônico – PROJUDI, dos Juizados Especiais. Para esse fim, foi elaborado um roteiro de questões estruturadas, aplicados no mês de agosto do ano corrente, para obter informações precisas a respeito dos procedimentos das ações penais privadas. Dentre os métodos específicos das ciências sociais utilizou-se o método indutivo, como afirma Lakatos (2000, p. 90): “método indutivo – cuja aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão ascendente)”. Das técnicas aplicadas para a realização desta pesquisa científica, encontra-se a revisão de literatura acerca do tema abordado, assim como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Convenções Internacionais, leis extravagantes, bem como posições de doutrinadores da área jurídica. Além de adotar os instrumentos da Estatística Descritiva, a fim de coletar, organizar e mensurar os dados in loco, para uma abordagem dos crimes de ação penal privada no processo penal e sua implicação prática.

2 – CRIMES DE CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA - PRINCIPAIS ASPECTOS No direito brasileiro não há um conceito legal de crime. Há divergências quanto ao conceito de crime de cunho doutrinário; assim, considerando as definições analíticas propostas por importantes penalistas, aborda-se o conceito que apresenta três aspectos fundamentais do crime, quais sejam, ação típica, antijurídica e culpável. Dessa forma, Rogério Greco in Assis Toledo (2013, p. 30) destaca “O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável”. Os crimes contra a honra dispostos no Código Penal Brasileiro são aqueles que atentam contra a honra subjetiva ou a honra objetiva em que há prejuízos à dignidade pessoal ou mesmo a fama profissional do indivíduo, retirando-lhe o direito de ser respeitado; são delitos que também podem ser cometidos por quaisquer meios de comunicação. Enfoca-se com grande relevância, o que dispõe o art. 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade: 1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi promulgada pela República Federativa do Brasil através do Decreto n° 678/92, trazendo importante significado para a proteção do bem jurídico denominado honra, tendo qualquer pessoa o direito de ser respeitado em sua honra, livre de qualquer ofensa. O texto constitucional em seu art. 5°, X também abordou o direito à inviolabilidade da honra, direito fundamental de qualquer cidadão. Dentro do contexto dos crimes contra a honra, o objeto de estudo faz uma abordagem aos crimes de calúnia, difamação e injúria, tipificados pelos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal e processados no Juizado Especial Criminal Estadual. A calúnia está tipificada no artigo 138 do Código Penal, assim dispondo no caput: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. Por esse delito, entende-se que haverá uma imputação que necessariamente será falsa, de um crime, a um indivíduo atingindo assim, a sua honra. É um crime de cunho formal, ou seja, a sua consumação ocorrerá mesmo que a vítima não tenha sido efetivamente, maculada em sua honra objetiva, bastando que o agente divulgue falsamente a terceiro fato definido como crime; é um delito que tem pena de seis meses a dois anos, sendo de iniciativa privada e não pública. É um crime doloso e, sobre esse aspecto já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “O dolo específico (animus caluniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo é indispensável para a configuração do delito de calúnia”. Precedentes. (STJ, Apn 473/DF, Rel. Min. Gilson Dipp, 5° T., Dje 8/9/2008). Há um bem juridicamente protegido pelas normas do direito brasileiro e, sendo esse bem denominado honra, quando desrespeitada, nota-se que houve falha na proteção do conceito que o agente entende que goza em seu meio social e assim, merece acolhida do Estado em seu clamor pessoal. O delito de difamação está capitulado no art. 139 do Código Penal, assim como foi descrito pelo legislador: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua imputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”. Entende conceituada doutrina que para esse delito haverá, para sua configuração, uma imputação de fatos determinados, sejam eles verdadeiros ou não, a uma pessoa que seja determinada ou sendo, várias pessoas, que também sejam determinadas, atingindo sua principal finalidade, macular sua honra objetiva, sua reputação. É relevante salientar que uma característica peculiar a esse delito quanto a sua consumação, é a de exigência de conhecimento do fato por um terceiro que não seja a vítima, assim dispondo Rogério Greco (2013, p. 372): “Tem-se por consumada a infração penal quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos ofensivos à reputação dessa última”. Consiste na imputação de fato que incide na reprovação ético-social. Ressalte-se que não é necessário que a vítima esteja presente para que o delito se consume. É um delito que ocorre somente na forma dolosa, não estando previsto a modalidade culposa, sendo também, comum, ou seja, pode ser qualquer pessoa o sujeito ativo e passivo, não exigindo qualidade especial dos agentes. O art. 140 do CP define o crime de injúria, a saber: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”. Esse delito implica em ofender o sentimento de dignidade da vítima, não existindo imputação de fatos, e sim de atributos pejorativos à pessoa do agente. Dos delitos em estudo, a injúria é considerada menos grave, no entanto, se for uma injúria preconceituosa, utilizando-se elementos referentes à raça, cor etnia, religião, origem, ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, transformar-se-á no delito mais graves dentre os delitos contra a honra. Ao contrário dos delitos de calúnia e difamação que tem o agente atingido sua honra objetiva, o bem juridicamente protegido no delito de injúria é sua honra subjetiva, ou seja, existe um sentimento do agente de que dispõe de valia e prestígio. Haverá a consumação no momento em que a vítima toma conhecimento das palavras ofensivas. O penalista Rogério Greco (2013, p. 370) traçou uma relevante diferença entre os crimes de calúnia e injúria: A primeira diferença entre a calúnia e a injúria reside em que naquela existe uma imputação de fato e nesta o que se atribui à vítima é uma qualidade pejorativa à sua dignidade ou decoro. Com a calúnia, atinge-se a honra objetiva, isto é, o conceito que o agente presume gozar em seu meio social; já a injúria atinge a chamada honra subjetiva, quer dizer, o conceito ou atributos que o agente tem ou acredita ter de si mesmo. Assim, por exemplo, imputar falsamente a alguém a prática de tráfico de entorpecentes configura-se calúnia; chamar alguém de traficante de drogas caracteriza o crime de injúria. São meras diferenças entre os delitos estudados, mas relevantes para uma compreensão salutar, assim expõe julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, diferenciando-se os delitos de calúnia, injúria e difamação: Os crimes de calúnia e difamação ofendem a chamada honra objetiva. A consumação ocorre quando terceiro (excluídos autor e vítima) tomam conhecimento do feito. A injúria, ao contrário, porque relativa à honra subjetiva quando a irrogação for reconhecida do sujeito passivo. A decadência relativa à injúria, tem o termo a quo no dia de seu conhecimento (STJ, RHC 5134/MG, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., RJTAMG 67, p. 503). Nota-se que na calúnia é imputada falsamente a uma pessoa uma conduta definida como crime pela legislação penal. Já na difamação imputa-se a uma pessoa uma determinada conduta que macule sua honra perante a sociedade, não sendo essa conduta considerada ilícito penal. Por sua vez, na injúria, a conduta imputada ao ofendido não macula sua imagem perante a sociedade, ofendendo apenas sua própria honra subjetiva.

3 - ABORDAGENS CONCEITUAIS, PRINCÍPIOS E CONSIDERAÇÕES LEGAIS E DOUTRINÁRIAS DAS AÇÕES PENAIS PRIVADAS Ação penal é vista como aquela em que surge com a finalidade de possibilitar o direito subjetivo de pedir ao Estado através do Juiz a aplicação do direito penal objetivo considerando um determinado caso concreto. É através dessa ação que a sociedade tem sua forma de defesa, buscando apuração de responsabilidades penais, em que, uma vez violadas as normas de convívio comuns, há um interesse em salvaguardar os interesses e a paz social. Nos casos em que o interesse particular em relação ao delito supera o interesse estatal, surge o instituto da ação penal privada. Essa abordagem se justifica em razão de haver um bem jurídico ofendido de cunho essencialmente particular, como ocorre com os crimes contra a honra. Nesse sentido, Nestor Távora esclarece que: Naquelas infrações penais que ofendem sobremaneira a intimidade da vítima, o legislador lhe conferiu o próprio exercício do direito de ação. Nessas hipóteses a persecução criminal é transferida excepcionalmente ao particular que atua em nome próprio na tutela do interesse alheio (jus puniendi do estado). (TÁVORA, 2014. p. 218) O interesse individual em ver cessada a ofensa, surge para o ofendido como meio adequado a exercer o direito de ação perante o sistema processual penal e a consequente punição. Funda-se esse direito na proteção aos bens e interesses tutelados por meio da ação penal privada com natureza de cunho individual. O direito de punir é de titularidade exclusiva do Estado; ressalta-se que, nas ações penais privadas, há uma transferência da iniciativa da ação ao particular, mas não o direito de punição. Destarte, o ofendido defende interesse alheio em nome próprio, através da legitimação extraordinária. No que concerne à legitimidade ativa, é imprescindível a propositura pelo titular do direito, em regra, como esclarece o jurista Eugênio Pacceli de Oliveira (2011, p. 143): “A regra é que a legitimação ativa para a ação privada seja atribuída ao ofendido, quando capaz, a quem caberá avaliar a conveniência e oportunidade da instauração da ação penal”. O direito de ação cabe ao ofendido, no entanto, caso haja impedimentos, caberá a seu representante legal o exercício desse direito. Ocorrendo morte ou declaração de ausência da vítima, esse direito será transferido ao cônjuge, ascendentes, descendentes, irmãos. Sob o prisma da natureza pública e privada da ação, percebe-se que, a titularidade para inauguração da ação privada é do ofendido; ao contrário das ações de natureza pública condicionada à representação ou incondicionada, sendo de titularidade do Ministério Público, esta de iniciativa do parquet e aquela dependente de representação da vítima para a instauração da ação. Em abordagem aos princípios norteadores da ação penal privada, destaque-se o da oportunidade ou conveniência. Por esse princípio, entende-se que cabe à vítima ofertar ou não a ação, por ser titular do direito. Caso o ofendido decida oferecer queixa-crime, esse direito decairá em seis meses; poderá também o ofendido renunciar a esse direito, seja de forma expressa ou tácita. Essa renúncia ocorrerá nos termos do quanto preceitua os artigos 49 e 50 do CPP: Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá. Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais. Os dispositivos legais em comento trazem características peculiares aos delitos em comento, visto que, havendo mais de um autor do fato, a renúncia aproveitará a todos. Ao passo que a renúncia expressa deverá constar de declaração. No que se refere ao instituto decadência, saliente-se que há um prazo para o exercício desse direito de queixa, que corresponde a seis meses. Caso o ofendido não ofereça queixa no prazo estabelecido pela lei, ocorrerá a decadência com a perda do direito de ação. Já a renúncia dar-se-á de forma expressa ou tácita, ocorrendo esta quando a vítima praticar algum ato incompatível com a vontade de dar início à ação penal, enquanto aquela ocorrerá em forma de declaração expressa, seja perante o delegado ou no juízo. Considerando-se o princípio da disponibilidade, há duas situações que poderá incidir o encerramento da ação penal, extinguindo-se a punibilidade do agente infrator, por meio do perdão da vítima ou do instituto da perempção. O perdão poderá ser expresso ou tácito, havendo uma bilateralidade do perdão, ou seja, é necessário que o imputado concorde com o perdão; a justificativa para essa bilateralidade é muito bem colocada por Nestor Távora: A bilateralidade do perdão se justifica pela possibilidade do réu desejar provar a sua inocência, objetivando que o perdão evolua, para sagrar-se absolvido (já que a aceitação do perdão apenas extingue a punibilidade). (TÁVORA, 2014, p. 221) Compreende-se que o instituto da perempção ocorrerá após a propositura da ação, sendo que o querelante já exerceu o direito de ação e consequentemente, sua inércia na condução da ação privada, ocorrendo assim, a extinção da punibilidade pela perempção, conforme preceitua o art. 60 do CPP: “Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.” Observa-se que haverá, por parte do querelante, uma inércia em dar continuidade à ação. Uma vez estabelecida pelos dispositivos legais, essa possibilidade de extinção do feito, não há que se considerar motivos para o andamento do processo, implicando assim, na extinção da punibilidade do autor do fato. No tocante ao princípio da indivisibilidade, o que também dispõe o art. 48 do CPP, ocorrerá esse instituto na medida em que o particular, quando optar pelo processamento dos autores da infração, estar-se-á, atribuindo a todos os envolvidos; caberá, porém o Ministério Público velar por esse princípio, pois atua como custos legis. No entanto, o parquet não poderá aditar a queixa-crime, lançando novos réus ao processo, pois lhe falta legitimidade ativa ad causam. Quanto ao princípio da intranscendência ou da pessoalidade, instituto esse comum também às ações penais públicas, observa-se que a ação só poderá ser proposta contra a pessoa a quem se imputa a prática do delito. No que concerne às espécies de ação penal privada, destaque-se que os delitos em estudo, tem natureza exclusivamente privada ou propriamente dita, visto que pode ser exercida pela vítima ou seu representante legal. O dispositivo da lei que trata de ação privada deverá trazer de forma expressa que a titularidade é do particular e se procede mediante a oferta da queixa crime. Assim dispõe o Código Penal Brasileiro no “art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.”

4 – ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS INCUMBIDOS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL NA AÇÃO PENAL PRIVADA A persecução penal inicia-se com a investigação criminal (fase preliminar) de Inquérito Policial ou Termo Circunstanciado de Ocorrência por parte da polícia judiciária, pelo Ministério Público, ou outros órgãos públicos. Faz-se necessário salientar que com o advento da Lei n° 9.099/95 e alteração da Lei n° 11.313/06, são infrações penais de menor potencial ofensivo tanto as contravenções penais como os crimes que tem pena máxima não superior a dois anos, que serão processados no Juizado Especial Criminal Estadual. Assim, para os delitos de menor potencial ofensivo, não será instaurado inquérito policial, mas sim termo circunstanciado, visando o legislador, imprimir celeridade. Considerando os delitos de ação penal privada, o ofendido poderá levar ao conhecimento da autoridade policial a notícia do crime, lavrando-se o competente apuratório, que, para os crimes de calúnia, injúria e difamação, ocorrerá sob a forma de termo circunstanciado, pois a pena na forma simples não supera dois anos. Sobre o tema, o renomado jurista Aury Lopes Júnior, expõe: Não obstante, cumpre enfrentar o tema. Nos casos em que o ofendido não possuir o mínimo de prova necessário para justificar o exercício da ação penal (queixa), o CPP permite-lhe recorrer à estrutura estatal investigatória, através do requerimento de abertura do inquérito policial. O requerimento pode ser classificado como uma notícia-crime qualificada pelo especial interesse jurídico que possui o ofendido e pelo claro caráter postulatório. (Aury, ?????, p. 336) Encerrada a fase preliminar de investigação policial, os autos serão remetidos ao juízo criminal, aguardando-se a iniciativa da vítima, a fim de que acesse os autos disponíveis em cartório, para eventual oferecimento de queixa-crime. Destarte, quanto ao procedimento dos autos do termo circunstanciado, dispõe o art. 69 da Lei 9.099/95 que: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.” Ressalte-se que, o ofendido terá, a partir do momento em que teve conhecimento da autoria da infração, seis meses para oferecer queixa-crime, sob pena de imputação da decadência. No entanto, considerando as regras procedimentais, nos casos de ação penal privada, as partes serão intimadas a comparecer em audiência preliminar, realizada por conciliador, a fim de possibilitar uma possível conciliação, conforme dispõe o art. 79 da Lei 9099/95: “No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.” Tratando-se de ação de iniciativa privada, dispõe o art. 74, parágrafo único da Lei dos Juizados Especiais que o acordo homologado em juízo implica em renúncia ao direito de queixa do ofendido. Ocorrendo a audiência, o ofendido poderá renunciar expressamente; caso haja atos incompatíveis com a vontade de oferecer queixa, ocorrerá a renúncia tácita; caso ainda, a vítima deixe transcorrer o lapso temporal de seis meses, ter-se-á a decadência, restando configurada a vontade do ofendido em não propor queixa-crime. Imprimindo uma relevância ao bem jurídico protegido pela norma penal, através de seus órgãos incumbidos da persecução penal, o penalista Rogério Greco deu ênfase ao aspecto do consentimento do ofendido, dispondo: Tem-se entendido que a honra é um bem disponível, razão pela qual, se presentes os demais requisitos necessários à validade do consentimento – capacidade para consentir e antecedência ou concomitância do consentimento -, poderá ser afastado o delito de calúnia (GRECO, 2013, p. 370) Observa-se que a persecução criminal é transferida excepcionalmente ao particular, atuando em nome próprio, na tutela de interesse alheio (jus puniendi) do Estado. Considerando todos os elementos expostos, justifica-se essa transferência da persecução criminal, como bem exposto pelo jurista Nestor Távora (2014, p. 218): O fundamento é evitar o constrangimento do processo (strepitus iudicii), podendo a vítima optar entre expor sua intimidade em juízo ou quedar-se inerte, pois muitas vezes, o sofrimento causado pela exposição ao processo é maior do que a própria impunidade do criminoso. Ação penal de iniciativa privada tem assim o fito de proteger o ofendido contra a “vitimização secundária” (ou efeito vitimizador), que muitas vezes é provocada por meio de novos danos e exposições decorrentes das investigações levadas a cabo pelos órgãos da persecução penal estatal. Não obstante, se o desejar, a vítima, pode processar o infrator, apresentando a competente queixa-crime que é a peça inaugural das ações penais de iniciativa privada. O Ministério Público que movimenta o processo nas ações condicionadas e incondicionadas, não poderia ser o autor da ação penal privada, exatamente por se tratar, esses delitos, do desrespeito à honra objetiva ou subjetiva e, como colocado, somente o próprio ofendido teria essa atuação, optando em iniciar a ação penal através da queixa-crime ou desistir através da renúncia ou mesmo decadência. Parece justificável, visto que se fosse o MP autor dessa ação, a exposição da vítima ao processo já estaria configurada, pois o parquet não goza do instituto da disponibilidade.

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5. PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS A pesquisa realizada nos processos em trâmite no Juizado Especial Criminal, através do Sistema Judicial Eletrônico – PROJUDI aponta que os ofendidos nas ações penais privadas deixaram de oferecer queixa-crime, demonstrando assim, que a pacificação social, através de uma conciliação, é mais relevante que a inauguração de uma ação penal e a possibilidade dos conflitos se tornarem ainda maiores. Segundo o levantamento de dados, foram objeto de pesquisa, 20 (vinte) processos em trâmite no primeiro semestre de 2014, alcançando, a renúncia do direito de queixa, o maior número de casos. Dos 20 (vinte) processos pesquisados, 13 correspondiam a apenas o delito de injúria (art. 140 do CP); sendo que 3 (três) se tratavam de difamação (art. 139 do CP); 3 (três) injúria e difamação cumulados no mesmo processo; e, 1 (um) abordando injúria, difamação e calúnia no mesmo processo. Nota-se que o delito de injúria, por ser considerado o delito menos grave entre os crimes contra a honra estudados foi o que predominou, enquanto o considerado mais grave alcançou apenas um caso. Dos casos pesquisados, 9 (nove) autores do fato correspondiam ao gênero masculino, com predomínio das mulheres, alcançando o número de 11 (onze). Sendo que o número de vítimas que alcançaram maior número foi do gênero feminino com cerca de 13 (treze) casos, ficando o gênero masculino com 7 (sete). Considerando os casos, objeto da pesquisa, constatou-se que 8 (oito), foram objeto de renúncia expressa, ocorrida em audiência preliminar, enquanto 4 (quatro) ocorreram de forma expressa por meio da desistência perante à Delegacia. Foram 5 (cinco) situações em que ocorreram a decadência. Houveram 2 (dois) casos de renúncia tácita, em que a vítima devidamente intimada não compareceu à audiência; enquanto apenas 1 (um) caso implicou no oferecimento de proposta de transação penal. Com os resultados obtidos, nota-se que em todos os casos a vítima não manifestou interesse em ofertar a queixa-crime. Tanto a renúncia expressa quanto a tácita, a desistência, o evento da decadência e o oferecimento da transação penal visam alcançar a mesma finalidade, qual seja, a extinção da punibilidade do autor do fato. A ocorrência da extinção da punibilidade está disciplinada no art. 107 do Código Penal: Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...] IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; [...] IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Diante desses dados pode-se constatar que as vítimas em ação penal privada, especificamente nos crimes de calúnia, difamação e injúria, optaram em não promover a queixa-crime, ou seja, iniciar a ação penal, por acreditar que manter um bom convívio na sociedade alcança um maior resultado a continuar o conflito com a instauração de uma ação penal, sendo que muitas vezes, esse conflito é verificado no convívio com a vizinhança; ao passo que a exposição ainda mais da sua honra, no processo, causaria possíveis transtornos. De posse desses dados, considerando o princípio da inafastabilidade da jurisdição, dispondo o art. 5°, XXXV da Carta Magna que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, os ofendidos acreditam que a melhor forma de solução para esses pequenos conflitos devam acontecer perante o órgão incumbido da persecução criminal, depositando toda sua confiança na pessoa que representa o órgão jurisdicional, seja de natureza administrativa ou jurisdicional.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando-se em conta os aspectos observados, bem como estabelece as normas de direito material e processual na esfera penal, a honra é um bem jurídico protegido pelas normas de direito interno e externo, que por sua vez, tendo o ofendido sua honra atingida, fica a seu critério levar as informações do fato ao conhecimento da autoridade competente com a consequente inauguração da ação penal. Faz-se relevante mencionar que o procedimento adotado para os crimes de ação penal privada, especialmente os delitos, objeto de estudo, oportuniza ao ofendido algumas opções, nas quais se destacam a de oferecer a queixa-crime, promover a conciliação, através da renúncia ao direito de queixa ou mesmo quedar-se inerte. É imprescindível que, diante dos argumentos expostos, todos se conscientizem de que a pacificação social, conforme corroborado pelos dados colhidos, é a melhor forma de se manter solucionado o conflito; assim, tendo os ofendidos renunciado ao seu direito de queixa, perante o órgão competente ou mesmo deixado transcorrer a decadência, evidenciam que optaram em estabelecer uma convivência harmoniosa, garantindo a paz social. Resta configurado, que os órgãos incumbidos da persecução penal devem promover todas as tentativas de se obter a conciliação, sendo esta a melhor forma de solução de qualquer conflito; Destarte, o presente trabalho visa alcançar os sujeitos de direito como um todo, os estudantes seja da área jurídica ou não, bem como profissionais atuantes de quaisquer áreas.

REFERÊNCIAS OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988; BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940; LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 3ª Edição. São Paulo, 2000. Editora Atlas S.A; CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012; ______. Direito penal simplificado. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012; GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 7ª Ed, Rio de Janeiro, Impetus, 2013; LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012. 1. Processo penal – Brasil I. Título. II. Série; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: 7 ed. rev. atual. e ampl. 1. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011; BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941; BRASIL. Decreto 678, de 6 de novembro de 1992; BRASIL. Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995; Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). (Pacto de San Jose da Costa Rica. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 14 de setembro de 2014.

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Sobre a autora
Edna Maria

Faculdade de Tecnologia e Ciências no curso de Direito.

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