Palavras-chave: Produto Semi-Elaborado. Evolução Legislativa. Convênios. Delegação. Lista CONFAZ. Questionamentos Sobre Definição da Lei 65/91: Cumulatividade. Alternatividade.
1. HISTÓRICO LEGISLATIVO
Sob a égide da Constituição emendada de 1967, todas as mercadorias industrializadas remetidas ao exterior eram imunes à incidência de ICMS, período em que, pela legislação em vigor, estabelecia-se a possibilidade do aproveitamento integral do crédito decorrente da aquisição das matérias-primas e produtos intermediários nas operações anteriores. Ademais, os exportadores ainda recebiam créditos presumidos para compensar o valor de outros tributos embutidos no custo do bem exportado.
A Constituição de 1988 alterou o regime de tributação do ICMS, neste ponto, mantendo a imunidade quanto aos produtos industrializados remetidos ao exterior, mas acrescentou uma ressalva quanto aos bens semi-elaborados na regra imunitória, conforme se depreende do seu art. 155, § 2º, X, "a":
"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
X – não incidirá:
a) sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar."
A vigente Carta Magna possibilitou pelo seu art. 34, § 8º, da ADCT aos Estados e ao Distrito Federal, que mediante convênio regulassem provisoriamente o ICMS, caso em 60 (sessenta) dias da sua promulgação, não fosse editada lei complementar para a instituição do referido tributo.
Nestes termos, foi celebrado o convênio MF/Confaz-ICMS/66 de 14.12.1988, o qual, no art. 3o, § 1º, considerou semi-elaborados os produtos não destinados a consumo direto, ou seja, destinados à nova etapa de industrialização, assegurando aos Estados a determinação de níveis adequados de tributação sobre os semi-elaborados.
Com espeque no convênio base, celebrou-se outro, o de no 07/89 que lista, de acordo com a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias, os produtos industriais considerados semi-elaborados.
Sobreveio, no entanto, a Lei Complementar nº 65, de 15.04.1991, após um turbulento processo legislativo. O projeto que deu origem ao referido Diploma Legal tinha um conectivo "e" entre os incisos II e III do seu art. 1º, sendo que o Senado Federal concluiu que a sua supressão aperfeiçoava o texto no campo redacional e, assim, implementou-o mandando a sanção presidencial.
Ressalte-se que a retirada do conectivo "e" do texto do projeto não casou nenhuma modificação na amplitude da norma, sendo uma mera correção gramatical, ainda que tal conclusão tenha afetado o interesse dos Estados, uma vez que diversos produtos foram afastados do seu campo de tributação.
A Lei Complementar 65/91 define o produto semi-elaborado, delegando, contudo, aos Estados, por meio do CONFAZ, o poder de elaborar a lista de tais bens, dentro dos parâmetros da definição que dispõe seu art. 1º:
"Art. 1º. É compreendido no campo de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviço de transporte interestadual e internacional e de comunicação (ICMS) o produto industrializado semi-elaborado destinado ao exterior:
I – que resulte de matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral sujeita ao imposto quando exportada in natura;
II – cuja matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral não tenha sofrido qualquer processo que implique modificação da natureza química originária;
III – cujo custo da matéria-prima, animal vegetal ou mineral represente mais de sessenta por cento do custo do correspondente produto, apurado segundo o nível tecnológico disponível no país."
Inconformados com a Lei Complementar 65/91, tanto que o Estado de Minas Gerais ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, os Estados celebraram o Convênio 15, de 25/04/91. Este estabeleceu no seu art. 1º, II, que seriam semi-elaborados aqueles mesmos produtos que já tinham sido previstos nos Convênios ICMS 66/88 e 07/89.
Posteriormente, com o advento da Lei Kandir (87/96) em seu art. 3º, III, os produtos semi-elaborados foram isentados do recolhimento do ICMS, momento em que se encerrou a calorosa discussão entre contribuintes e fisco para a inclusão ou retirada dos produtos do raio de incidência do mencionado imposto.
Ocorre, porém, que o período compreendido entre o advento da atual Carta Política e o referido diploma legal foi fértil em questionamentos judiciais que ainda tem repercussões atualmente, o que permite este resumido ensaio, a fim de apontar os pontos controvertidos, bem como descortinar a ancia arrecadatória do fisco.
2. ALEGAÇÕES DOS CONTRIBUINTES SOBRE AS ILEGALIDADES / INCONSTITUCIONALIDADES COMETIDAS PELO FISCO.
Os contribuintes, que se sentiram prejudicados com a inclusão de seus produtos na lista de semi-elaborados criada pelo CONFAZ, recorreram à justiça alegando, em síntese:
-
A inconstitucionalidade dos Convênios 66/88 e 07/89, pois o art. 34, § 8º, da ADCT atribuiu competência aos Estados apenas para transitoriamente regular o ICMS, no caso, de ausência de lei complementar. Ocorre que, o Decreto-Lei 406/68 foi recepcionado pela vigente constituição com força de lei complementar, afastando, destarte, a possibilidade dos Estados celebrarem Convênio sobre aspectos previstos em seu texto.
A inconstitucionalidade do Convênio 15/91, editado posteriormente à Lei Complementar 65/91, que apenas ratificou o estabelecido nos Convênios 66/88 e 07/89, desrespeitando, assim, o comando imperativo do seu art. 1º que definia produto semi-elaborado;
A inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar 65/91, que delegou ao CONFAZ a atribuição de elaborar a lista dos produtos semi-elaborados e fixar as regras para apuração do custo industrial, uma vez que tal transferência fere o princípio da indelegabilidade da competência, transgredindo, assim, o art. 155, § 2º, X, "a" da CF; e
A questão da cumulatividade ou alternatividade da interpretação do disposto nos incisos do art. 1º da Lei Complementar 65/91, que estabelecem o que seja um bem semi-elaborado.
Estas questões foram acirradamente discutidas no Poder Judiciário, causando divergência inclusive no Superior Tribunal de Justiça, quanto à questão do disciplinamento da matéria por convênio e a atribuição de arrolar os produtos semi-elaborados para o CONFAZ, como se observa das transcrições a seguir:
"TRIBUTÁRIO – ICMS – EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS SEMI-ELABORADOS – LEI COMPLEMENTAR 65/91 – CONSTITUCIONALIDADE – CONFAZ – DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA – CONVÊNIO ICMS 15/91.
I – ‘Definir’ e ‘relacionar’ constituem atividades distintas.
II – A Lei Complementar 65/91, definindo ‘produto industrial semi-elaborada’, se conteve nos limites da outorga constitucional (Art. 155, I, § 2º, X, a).
III – Quando transferiu ao CONFAZ o encargo de elaborar a lista dos produtos semi-elaborados, a LC 65/91 (Art. 2º) não operou delegação ilícita de competência."
(RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 3.889-0 – RN, RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS)
"TRIBUTÁRIO. ICMS. EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS SEMI-ELABORADO. LEI COMPLEMENTAR Nº 65, DE 15.04.91. CONVÊNIO Nº 15, DE 25.04.91. INCONSTITUCIONALIDADE.
I – O art. 2º da Lei Complementar nº 65, de 15.04.91, bem como o Convênio nº 15, de 25.04.91 que nele se apoia, são inconstitucionais por violarem os arts. 68, § 1º, e 155, § 2º, X, a, da Constituição da República.
(RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5.063-PE (94.0036721-0), RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO)
Inobstante a subsistência dos arrazoados desenvolvidos pelos contribuintes, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento de que a o Convênio 15/91 em nenhum momento feriu dispositivo constitucional, tampouco o art. 2º da Lei Complementar 65/91, pois esta apenas transferiu ao CONFAZ a possibilidade de relacionar os produtos que se enquadravam na definição estabelecida em seu art. 1º.
Já em relação à definição do produto semi-elaborado estabelecido nos incisos I à III do art. 1º da Lei Complementar 65/91, pacificou-se o posicionamento tanto no STF, como no STJ, que não se pode interpretá-los de outra forma que não seja pelo entendimento de sua cumulatividade, ou seja, para o bem ser reputado semi-elaborado deve preencher concorrentemente o disposto no art. 1º da Lei Complementar 65/91.
Este é o entendimento dos próprios legisladores constituintes de 1988, os quais ainda repugnam a forma como a imunidade tributária, incidente sobre os produtos industrializados destinados ao exterior, vem sendo tratada pelas legislações estaduais, como se afere do relato do Ilustre Deputado Constituinte José Serra:
"Advirta-se que, mesmo que um produto seja considerado semi-elaborado na Lei Complementar, isto não quer dizer necessariamente que seja tributado, pois outras disposições constitucionais, pelas quais nos empenhamos à época, permitem que sejam isentos do pagamento do imposto. Por exemplo, apenas o primeiro critério (tributação da matéria-prima exportada "in natura") já seria suficiente para justificar a tributação sobre qualquer caixa exportada. Dificilmente algum produto seria classificado como elaborado. Afinal, desde um automóvel sem pneus até um computador desmontado contém matérias-primas como minério de ferro e este é taxado quando exportado "in natura". Um absurdo completo." 1 (grifos não constam no original)
Como já afirmamos, o entendimento de que os incisos I, II e III do art. 1o da LC 65/91 são cumulativos e não alternativos encontra assente nos tribunais superiores, o que se pode comprovar pelos seguintes julgados :
"(...) Tenho, então, que o produto semi-elaborado será o que resulte de matéria-prima sujeita ao ICMS quando exportada "in natura", desde que não tenha sofrido processo de modificação na natureza química originária e cujo custo, ou seja, configurada a hipótese II, represente mais de 60% do custo do produto exportado.
O minério de ferro sofre processo de alteração química para transformar-se em aço; e o preço da matéria-prima não representa custo superior a 60% do produto exportado.
E como frisou o ilustre Relator, a recorrente provou a transformação química do minério de ferro para a fabricação do aço, bem assim que o custo da matéria-prima não atinge 60% do preço do produto industrializado.
É indubitável que os produtos siderúrgicos não se submetem à hipótese de incidência dos semi-elaborados. São produtos industrializados, posto quimicamente transformada a matéria-prima."
(Recurso Especial nº 149.533-MG, Voto do Exmo. Sr. Ministro Peçanha Martins) (grifou-se)
"TRIBUTÁRIO – ICMS – EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS SEI-ELABORADOS.
1. A CF/88 determinou a incidência do ICMS sobre os produtos semi elaborados incluídos em relação do CONFAZ.
2. A listagem obedecerá, entretanto, ao estabelecido na LC n. 65/91, em cujo art. 1º estão os ítens a serem observados na classificação dos produtos.
3. Na análise da incidência não se pode examinar cada um dos três itens do art. 1º de per si, sendo eles conjugados entre si.
(...)"
(RECURSO ESPECIAL Nº 178.856 – MINAS GERAIS (1998/0044974-4), RELATOR: MIN. ELIANA CALMON)
No mesmo sentido é a lição do Ministro Marco Aurélio, Relator da Adin 600-2/DF, proposta pelo Governador de Minas Gerais:
"É que, não se considerando cumulativa as exigências dos incisos, deixa de haver justificativa para a previsão dos requisitos constantes dos incisos II e III. O simples fato de o produto industrializado semi-elaborado estar sujeito a incidência desde que resulte de matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral sujeita ao imposto quando exportada in natura revela, per si, abrangência, a tornar supérfluo os dois incisos seguintes, no que impõe a necessidade de as citadas matérias primas não terem sofrido qualquer processo que haja implicado modificação da natureza química originária (inciso II) e de apresentarem no custo do produto mais de 60% (inciso III)."
3. CONCLUSÃO
Tendo como pressuposto a análise e a evolução das decisões e entendimentos do STJ, pode-se traçar um panorama da matéria nos seguintes termos:
não existe nenhuma ilegalidade/inconstitucionalidade na celebração dos convênios 66/88, 01/89 e 15/91 pelos Estado Federados;
é válida a atribuição ao CONFAZ de relacionar os produtos semi-elaborados de acordo com a definição legal; e
é necessária a conjugação dos incisos do art. 1º da Lei Complementar 65/91 para que o bem seja reputado semi-elaborado.
Notas
1 Matéria publicada no Jornal Gazeta Mercantil, de 14.04.91.