A justiça ambiental de acordo com a igualdade de recursos de Dworkin

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17/07/2015 às 11:23
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A teoria de justiça baseada na igualdade de recursos de Ronald Dworkin pode servir de diretriz para a solução, na perspectiva da justiça ambiental, dos chamados conflitos ecológicos distributivos tratados por Joan Martinez Alier.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a pretensão de expor, em apertada síntese, a teoria de justiça baseada na igualdade de recursos de Ronald Dworkin para, após isso, verificar se é possível utilizá-la como diretriz para a solução, na perspectiva da justiça ambiental, dos chamados conflitos ecológicos distributivos, teoricamente tratados por Joan Martinez Alier. Uma vez constatada essa compatibilidade, busca-se perfazer um esboço de como poderia se dar essa aplicação.


A CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA DE RONALD DWORKIN

Antes de adentrar na concepção “dworkiniana” de Justiça é imprescindível tecer alguns comentários introdutórios a respeito da corrente teórica na qual este autor usualmente é incluído.

Trata-se do chamado liberalismo igualitário ou liberalismo de princípios, corrente teórica que aborda a justiça distributiva através da perspectiva da liberdade, mas, diversamente do libertarismo1, possui um viés igualitário, na medida em que reconhece que a liberdade sem limites pode resultar em situações de injustiça social e econômica. Portanto, para o liberalismo igualitário a justiça exige meios que possibilitem a todos iguais oportunidades de alcançar êxito em suas vidas, o que só ocorre mediante instituições sociais estruturadas de forma justa.

Adeptos do liberalismo igualitário refutam as concepções utilitaristas de justiça, baseadas no bem estar. O maior expoente do liberalismo igualitário é John Rawls cujo título pilar de sua obra é Uma teoria de Justiça, no qual o autor expõe a sua concepção de justiça, caracterizada por ser liberal (preocupada com a garantia do direito à liberdade), contratualista (pressupõe um contrato social hipotético) e deontológica (propõe a prioridade do justo sobre o bem)2.

DE VITA, ao comentar a teoria rawlsiana, observa que a preocupação liberal igualitária não deve ser com a efetiva concretização de seus ideais, mas sim “em saber se é possível conceber instituições substancialmente mais igualitárias do que as que conhecemos hoje e que, ainda assim, não façam exigências motivacionais que não é razoável esperar que os indivíduos possam honrar”3.

Conforme FLEISCHACKER4, duas questões predominam nas discussões dos teóricos, a partir de Rawls:

1) Que bens devem ser distribuídos; e

2) quanto desses bens todos devem ter?

Ronald Dworkin tem por escopo responder a esses questionamentos, através da concepção de justiça que elabora em A virtude soberana: teoria e a prática da igualdade.

Para BRITO FILHO5, Dworkin tem como objetivo encontrar uma concepção de igualdade alternativa às teorias da igualdade de bem-estar, indicadas por este como as que afirmam “que o esquema distributivo trata as pessoas como iguais quando distribui ou transfere recursos entre elas até que nenhuma transferência adcional possa deixa-las mais iguais em bem-estar”6.

Na introdução de sua obra, Dworkin ressalta a importância que a igualdade tem para legitimar um governo democrático, defendendo que o Estado tem o dever de demonstrar igual consideração para com todos os cidadãos que estão sob o seu domínio, aos quais invoca lealdade7. Segundo o autor “nenhum governo é legítimo a menos que demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos”8.

A igual consideração é, para o autor, a virtude soberana da comunidade política, sem a qual o governo não passa de tirania e, quando as riquezas da nação são distribuídas de maneira muito desigual, isso denota que a igual consideração é suspeita9. Igual consideração, enquanto pré-requisito de legitimidade política, requer que o governo tenha como objetivo uma forma de igualdade material que Dworkin denomina de igualdade de recursos.10

A teoria de igualdade dworkiniana funda-se em dois princípios do indivudualismo ético que lhe dão forma e apoio. São eles: o princípio da igual importância, que exige que os indivíduos ajam com igual consideração em relação a alguns grupos de pessoas em certas circunstâncias11; e o princípio da responsabilidade especial, segundo o qual, cada pessoa é responsável por suas próprias escolhas, no que se refere ao tipo de vida que se leva, dentro de qualquer escala de opões que lhe sejam permitidas pelos recursos ou pela cultura12.

Em resposta sobre o quê se deve distribuir (primeira pergunta acima mencionada), o autor apresenta diversas teorias de igualdade baseadas no bem-estar, e após isso, questiona se a igualdade em bem-estar deve ser um objetivo a ser alcançado por um governo comprometido com a igualdade. As doutrinas da igualdade de bem-estar concebem o princípio igualitário a partir de uma racionalidade econômica, contemplando os recursos sociais de acordo com sua capacidade de produção de bem-estar para os indivíduos13.

Dworkin rejeita todas estas teorias e chega à conclusão de que uma teoria de igualdade mais adequada é aquela em que considera a igualdade de recursos como a que deve ser perseguida pelo governo. BRITO FILHO considera que isso ocorre em virtude da impossibilidade das teorias do bem-estar em compatibilizar a igualdade com uma correta ideia de justiça, uma vez que o Estado não ministraria igualdade, mas sim administraria, possivelmente, sem sucesso, desigualdades14.

Nesse contexto, Dworkin propõe uma teoria de igualdade fundada na distribuição justa de recursos passíveis de apropriação privada, que tem como pressuposto uma forma de mercado econômico, como ferramenta analítica e como instituição política real15.

Nesse sentido, visando encontrar um critério não arbitrário para a divisão equitativa de recursos16, Dworkin cria uma situação fictícia, a partir de um leilão hipotético que seria realizado por imigrantes náufragos que teriam chegado a uma ilha deserta e desabitada a fim de distribuir os recursos lá existentes. Esses imigrantes aceitam que ninguém possui direitos prévios a recursos, que estes devem ser distribuídos igualitariamente, e que esta divisão igualitária só ocorrerá plenamente quando for obedecido o teste da cobiça, segundo o qual não há igualdade se, depois de feita a divisão, qualquer imigrante preferir o quinhão adquirido por outrem a seu próprio quinhão17.

Assim, os imigrantes utilizariam conchas que serviriam como moeda de troca pelos bens a serem leiloados. O leilão seria presidido por um leiloeiro, escolhido entre os habitantes da ilha, e os bens da ilha formariam lotes com preços fixos. Os participantes do leilão, então, fariam lances pelos lotes de recursos, até que houvesse apenas um comprador para cada lote, de modo a satisfazer o teste da cobiça.

Dworkin não desconsidera que, após o leilão hipotético, que os diferentes modos de vida, a sorte e o talento dos indivíduos resultaria em destinos diversos a seus recursos, resultando em patrimônios diferentes, fato que por si só não é condenado pela igualdade de recursos, uma vez que as pessoas devem pagar o preço justo pela vida que escolheram levar.

Nesse aspecto, o autor prevê a possibilidade de ajustes das diferenças decorrentes da sorte (fatos que independem das escolhas e do talento dos indivíduos), mediante adoção de seguros (compulsório ou facultativos) e tributação.

Do mesmo modo, devem ser compensadas deficiências físicas ou mentais, não por que os indivíduos que as possuem tem uma diminuição de seu bem-estar, mas apenas porque ele se encontra em uma posição desprivilegiada para a fruição de recursos18.

Frise-se que essas compensações se dão em um mercado hipotético de seguros e somente após o leilão hipotético.

Segundo Dworkin, o leilão hipotético poderia proporcionar um padrão que sirva de paradigma para se julgar até que ponto uma distribuição real, qualquer que tenha sido o modo de se chegar a ela, aproxima-se da igualdade de recursos em dado momento19.

A teoria da igualdade de recursos pode ser compreendida pragmaticamente a partir de uma perspectiva que considera como recursos bens e oportunidades concretizados através dos direitos fundamentais20.

Em Virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade, Dworkin rejeita a ideia de que o valor igualdade, por vezes, conflita com o valor liberdade. Pressupondo igualdade como sendo a igualdade de recursos, e liberdade como passível de restrições legítimas e justificadas, o autor afirma que são ideais complementares, virtudes políticas fundamentais, de modo que a igualdade só pode ser definida quando se presume a liberdade e não pode ser aprimorada, nem no mundo real, por políticas que comprometam o valor da liberdade21.

Dworkin também analisa os argumentos comunitaristas contrários à tolerância liberal, criticando a possibilidade de imposição coercitiva estatal, com vistas à implementação de uma homogeneidade de valores referentes convicções sobre o tipo de vida que as pessoas devem levar. 22

Ele acaba por rejeitar quatro argumentos comunitaristas que são: o argumento democrático que relaciona comunidade com a maioria e que esta deveria impor seus valores sobre as minorias existentes; o argumento baseado no paternalismo, que afirma que na genuína comunidade política cada cidadão tem responsabilidade pelo bem-estar dos demais e deve, por isso, empregar o poder político para corrigir aqueles cujas práticas desviantes arruinarão suas vidas; o do interesse próprio, segundo o qual a tolerância liberal solapa a capacidade da comunidade de atender suas necessidades; e o argumento da integração que afirma que indivíduo e comunidade são integrantes de um mesmo todo, situação que a tolerância liberal não reconhece.

Diante do que foi visto, percebe-se que liberalismo igualitário de Ronald Dworkin baseia-se em três conceitos fundamentais: i) na igualdade de recursos; ii) na concepção da liberdade como valor complementar à igualdade; e iii) no conceito de comunidade liberal fundada na tolerância aos diversos modos de viver.


OS CONFLITOS ECOLÓGICOS E A JUSTIÇA AMBIENTAL.

Segundo ALIER23, conflitos ecológicos distributivos são conflitos sociais decorrentes da disputa por recursos ou serviços ambientais, comercializados ou não. Entendendo-se por distribuição ecológica os padrões sociais, espaciais e temporais de acesso aos benefícios obtidos dos recursos naturais e aos serviços proporcionados pelo ambiente como um sistema de suporte da vida24.

Segundo o autor25, os aspectos determinantes da distribuição ecológica são em alguns casos naturais, como o clima, topografia, padrões pluviométricos, jazidas minerais e a qualidade do solo, como também são sociais, culturais, econômicos, políticos e tecnológicos.

A análise dos conflitos ecológicos distributivos, realizada pela ecologia política, corresponde, na tradição da economia clássica, ao estudo dos conflitos relacionados à distribuição econômica, tendo como exemplos, a luta de grupos do meio urbano, tão pobres e detentores de tão pouco poder, que não dispõem de condições para adquirir ou dispor de agua potável, ou ainda, o embate entre populações tradicionais ou indígenas que buscam defender suas terras da exploração econômica por parte de empresas transnacionais.

ALIER afirma também que os conflitos ecológicos podem ocorrer fora da esfera do mercado, como os sumidouros e depósitos temporários de dióxido de carbono, a contaminação por dióxido de enxofre, as águas de flotação descartadas nos rios e a “biopirataria”. Podem ocorrer, inclusive, fora dos mercados fictícios, a partir dos quais são fixadas ou negociadas compensações ambientais.26

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Os principais conflitos de distribuição ecológica, na classificação de Alier, relacionam-se com: (1) o racismo ambiental, fator determinante de uma carga desproporcional de contaminação sobre certas comunidades por motivos raciais; (2) a contaminação tóxica de origem industrial sobre certas localidades pobres do planeta; (3) a dívida ecológica reclamada pelos países em desenvolvimento; (4) a biopirataria, geradora de apropriação de recursos genéticos silvestres ou agrícolas sem remuneração adequada ou sem reconhecimento de direitos sobre tais recursos às comunidades tradicionais ou indígenas; (5) os monocultivos de pinus, eucalipto e acácia, geradores de profundas alterações nos ecossistemas naturais e impactos sobre comunidades tradicionais; (6) a destruição dos manguezais pela carcinicultura, atingindo as comunidades que subsistem do mangue; (7) a construção de grandes represas, barragens e usinas hidrelétricas, fonte de alterações ecossistêmicas elevadas e desapropriações de terras de comunidades tradicionais e indígenas; (8) a mineração, fonte de impactos ambientais graves e danos à saúde dos trabalhadores e comunidades vizinhas às minas; (9) as reivindicações indígenas por reconhecimento de direitos territoriais; (10) os conflitos ambientais urbanos, relacionados com a questão da poluição do ar e das águas e do lixo urbano; (11) as mudanças climáticas e suas consequências sobre as populações e países pobres; (12) a expansão do agronegócio e os impactos sobre o meio ambiente e sobre os pequenos produtores rurais27.

Ressalte-se que estes conflitos de distribuição ecológica não estão apenas relacionados a questões de distribuição econômica ou de renda. É o que afirma LEFF, para quem o “[...] campo conflitivo da ecologia política extrapola uma análise de distribuição ecológica que acaba remetendo a um cálculo econômico”28.

RAMMÊ entende que Leff encontra na perspectiva da justiça ambiental uma forma de reinterpretar os conflitos de distribuição ecológica, não limitada a uma simples negociação em torno de um conflito econômico-ecológico, com critérios técnicos de impacto ambiental e de custo-benefício29.

Os movimentos sociais que clamam por justiça ambiental, portanto, são movimentos de resistência cultural, de estilos de vida e de defesa do meio ambiente, que almejam a construção de projetos produtivos e sociais alternativos, nos quais a luta por justiça e equidade é travada a partir de princípios de diversidade e diferença, de identidade e autonomia, e não das transações e compensações estabelecidas pelas regras de valorização, negociação, complementação e distribuição da globalização econômico-ecológica30.

Nesse contexto, ALIER considera que os conflitos ecológicos distributivos correspondem aos conflitos sobre os princípios de justiça aplicáveis às cargas de contaminação e ao acesso aos recursos e serviços ambientais31. É a partir desse sentido que o autor passa a utilizar o termo justiça ambiental.

A expressão justiça ambiental tem sua origem no cenário de luta contra a distribuição desproporcional de dejetos tóxicos ou a exposição diante de diferentes formas de risco ambiental em áreas predominantemente povoadas por populações afro-americanas, latinas ou indígenas, nos Estados Unidos32.

De fato, foi o movimento norte-americano contra o racismo ambiental que, efetivamente, popularizou e consagrou a expressão justiça ambiental33.

As raízes históricas da referida expressão remontam as lutas, reivindicações e campanhas de movimentos sociais norte-americanos, em defesa dos direitos de populações discriminadas por questões raciais e de comunidades expostas a riscos de contaminação tóxica, por habitarem regiões próximas aos grandes depósitos de lixo tóxico ou às grandes indústrias emissoras de efluentes químicos34.

Para ALIER, este movimento inventou uma potente combinação de palavras, “justiça ambiental”, desviando no cenário americano o debate ecológico da preservação e conservação da natureza para a justiça social35.

Com essa mudança de perspectiva, os conflitos ecológicos, explicitados como espécies de racismo ambiental, conquistam uma natureza diferente, que pressupõe a violação da dignidade humana, ao lançar mão de uma agressão perpetrada em virtude de discriminação racial.

ALIER afirma que, embora o movimento por justiça ambiental tenha se estruturado a partir de um grupo de ativistas contra o preconceito de cor, o movimento abarca também conflitos sobre riscos ambientais que afetam os pobres em geral, independentemente de sua cor36. Contudo, o autor alerta que existem conflitos ambientais distributivos no mundo, para cuja análise e resolução a metáfora do “racismo ambiental” faria pouco sentido37.

No cenário global de governabilidade e política ambiental atual, tem destaque o papel do Estado, das empresas transnacionais, das ONG´s, e dos movimentos ambientais.

ALIER afirma que o Estado é normalmente um ator antiambiental. Segundo o autor, existe nos países do Sul uma pauta de cooperação entre as altas posições estatais e empresas privadas estrangeiras quanto à utilização dos recursos naturais no interior do território nacional. Esse fato encontra resistência por parte de grupos vinculados à bandeira dos direitos indígenas, direitos humanos e do ambientalismo38. Em Estados de vastos territórios como Brasil, Índia e China, os principais choques ambientais, mais do que com as transnacionais, ocorrem contra o governo e as empresas estatais.

O autor destaca o papel das empresas transnacionais que influencia a formulação de políticas ambientais. Além disso, essas empresas têm buscado organizar uma posição comum ante o conflito entre economia e meio ambiente, promovendo uma concepção de que a ecoeficiência resolverá todos os problemas. Contudo, apesar dos esforços publicitários, companhias transnacionais que lucram com a degradação socioambiental apresentam grandes dificuldades para conquistar uma imagem verde.

Apesar de não serem tão poderosas quanto os Estados e as Transnacionais, as ONG’s participam consideravelmente na governabilidade ambiental internacional. Não enfrentam diretamente o capitalismo; não contam com um grande plano ou esquema para o futuro da humanidade e da natureza; voltando-se para aspectos particulares, mobilizando-se contra empresas cujo comportamento é singularmente ofensivo ao meio ambiente. Procuram minar o apoio financeiro a projetos degradadores. Essas redes de grupos ambientais exercem o poder de mobilizar coletividades e indivíduos, recrutando membros (na escala dos milhões), arrecadando fundos e lançando mão do poder da mídia. Entretanto nem sempre esses grupos internacionais estão de acordo quanto à posição a ser tomada, tendendo a impor sua agenda sobre outros grupos de base do Sul ao invés de procurar aprender com eles39.

Em geral os Estados subdesenvolvidos mantêm a crença na velha doutrina do crescimento econômico a qualquer custo. Nessa perspectiva, o ambientalismo termina entendido como um luxo dos ricos, mais do que como uma necessidade dos pobres.

Em alguns países, e em determinados períodos, as políticas são implementadas de modo ditatorial, frequentemente inspiradas por uma doutrina de crescimento econômico, tal como a que justifica os represamentos a qualquer custo.

A estrutura do Estado tem nos dias de hoje se distanciado da estratégia de legitimação da tomada de decisões na qual a ciência servia à política objetivando uma estratégia de governabilidade, no sentido de aproveitar uma gama de opiniões de especialistas, de modo que as decisões sejam mais bem referendadas. Ao invés de soluções ótimas, aceita-se decisões acordadas.

Tanto a reivindicação dos direitos aos recursos naturais, por parte das comunidades pobres, quanto as críticas relacionadas com a contaminação, constituem parte indissociável do movimento de justiça ambiental.

Os Estados são os principais empresários militares e, a despeito das privatizações, são também empresários industriais e de construção de obras públicas. Por todo o mundo, movimentos socais se opõem às represas, oleodutos, gasodutos e minas construídas pelos próprios Estados ou por empresas aliadas a eles40.

Para que existam grupos ambientalistas, torna-se necessário um mínimo de democracia ou então um momento político de transição nesse sentido. Nas democracias, é possível que alguns órgãos do governo sejam permeáveis aos movimentos ambientais ou possam atuar na cobertura das suas atividades41. Pode ser a simpatia ou, ao menos, a neutralidade ou não-ingerência do Estado para que se torne viável a conquista de melhorias ambientais locais.

O movimento pela justiça ambiental tem enfatizado a desproporcionalidade com que o peso da contaminação social recai sobre grupos humanos específicos. Portanto, incorpora explicitamente uma noção distributiva de justiça. A justiça ambiental intui um aspecto existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para assegurarem sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se em um direito humano42.

Contudo, segundo ALIER as violações a direitos humanos não são eventos excepcionais. Devido ao crescimento econômico, mesmo com governos esforçando-se para criar um quadro favorável aos direito humanos, espera-se pelo aprofundamento dos impactos ambientais e, consequentemente, por mais agressões aos direitos humanos do que antes. Existem duas tendências opostas: uma na direção de um maior respeito aos direitos humanos e, simultaneamente, outra de expansão dos ataques aos direitos humanos, em razão do incremento dos impactos ambientais sobre a vida das pessoas43.

No tocante à resistência como caminho para sustentabilidade, os movimentos ambientais do Sul tendem a confrontar o Estado opondo-se às leis consideradas destrutivas ou injustas, desconfiando da medição do Estado nos seus conflitos com os interesses estrangeiros.

Os conflitos cotidianos a respeito dos impactos na saúde constituem uma variável comum ao ambientalismo, tanto no Norte quanto no Sul. A oposição à agressões ambientais concretiza uma defesa da vida humana, como um movimento ambiental no sentido essencial da palavra. Existe um direito prévio sobre o recurso em questão – terra, áreas úmidas, floresta, pesca, água, ar limpo – que é extirpado pela ação estatal ou pelo setor empresarial em aliança com o Estado. A sociedade civil existia antes do Estado, portanto percebe-se uma traição deste para com os pobres para tomar partido dos ricos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.44

Joan Martinez Alier afirma que teóricos têm defendido práticas específicas para determinados setores como alternativas ao desenvolvimento econômico tradicional como por exemplo a coleta da chuva ao invés de grandes represas; o controle comunitário de gestão de recursos ambientais; a pesca artesanal45. Trata-se de uma racionalidade produtiva evidente em vários sistemas de manejo comunitário de populações, geralmente minorias sociais, como indígenas, quilombolas, etc. ao redor do mundo.

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Sobre o autor
Mauricio Nunes da Silva

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2006). Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade da Amazônia (2008). Mestre em Direito do Programa de Pós-graduação em Direito - PPGD da UFPA. Defensor Público do Estado do Pará. Professor de Direito Constitucional e Processo Constitucional do Curso de Direito da Faculdade Maurício de Nassau em Belém/PA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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