Relativização da coisa julgada: confronto entre a justiça e a segurança jurídica

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CAPÍTULO III- RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Quanto ao fenômeno da relativização da coisa julgada é importante enfocar que este deve ser analisado sob a ótica de três princípios: o da proporcionalidade; o da legalidade e o da instrumentalidade.

Neste norte sustenta Marinone que a coisa julgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo grau hierárquico. O emérito processualista exemplifica com a situação de uma ação de investigação de paternidade que posteriormente surgi novo meio técnico para se aferir com maior precisão a paternidade deste demandado. Questiona-se neste confronto de bens tutelados pelo ordenamento jurídico o que deve predominar a sentença prolatada que está sob o manto da res iudicata ou a perseguição da verdade e, por conseguinte, da justiça, buscando investigar a veracidade desta paternidade, valendo-se de meio técnico novo surgido após o decisum? Todavia, esta questão será melhor abordada adiante.

No que pertine o princípio da legalidade o próprio ordenamento jurídico estatuiu possibilidades instrumentais de se alcançar revisão, desconstituição da coisa julgada material por intermédio da ação rescisória (art. 485 do CPC) e da ação declaratória de inexistência da relação jurídica processual (querella nulitatis insanabilis). Desse modo em consonância com o principio em tela, a decisão transitada em julgado poderá ser reapreciada, desde que se encaixe nas hipóteses legais ventiladas nos dispositivos de lei.

Quanto ao princípio da instrumentalidade merece relevo a lição do insigne Fredie Didier que assinala: a dimensão instrumental do processo somente tem sentido quando o julgado estiver pautado nos ideais de justiça e adequado a realidade do caso em testilha.

Feito este breve intróito sobre o palpitante tema da relativização da coisa julgada cumpre, a partir de então, adentrar nos aspectos peculiares e controversos sobre o assunto em testilha.        

3.1 Sentença fundada em lei declarada inconstitucional pelo STF

Questão tormentosa enfrentada pela doutrina é a possibilidade de se utilizar a ação rescisória com fulcro no art 485, inciso V, do pergaminho processual civil para unificar entendimento sobre  regramento Constitucional para relativizar a coisa julgada.

A redação do art. 485, V, do CPC dispõe: “A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando (...) - violar literal disposição de lei”. O comando legal pertine a hipótese que, em uma interpretação ajustada àquela que não se conforma com a declaração transitada em julgada, pode eliminar a garantia constitucional da coisa julgada material, invocando que a decisão violou literal disposição de lei.

O STF enfrentando tal questionamento editou a súmula 343 que reza “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida no tribunais”.

Dessa forma a Egrégia Corte temperou a extensão da aplicabilidade do consectário legal do art. 485, inciso V do CPC, para que imperasse um mínimo de equilíbrio na sua utilização e interpretação da incidência de seu comando.

Todavia, ressalte-se que o posicionamento do STF exarado através da súmula 343 somente se aplica à interpretação de lei infraconstitucional, haja vista que pela relevância da matéria Constitucional a sua supremacia jurídica não pode ficar sujeita a perplexidade.

É imperioso enfatizar, que a violação a que se refere o art. 485, inciso V do pergaminho processual civil que ensejou a edição da súmula 343 pelo STF alhures comentada “precisa ser literal”. O que se quer dizer com isso, segundo a jurisprudência, é o seguinte: se há violação de uma lei, que tem sido objeto de mais de uma interpretação, todas “aceitáveis”, essa sentença não pode ser objeto de ação rescisória. Se se trata de uma lei, cuja interpretação é controvertida, não se poderia intentar rescisória. Deve tratar-se, portanto de uma lei que dê origem a uma interpretação só, ou pelo menos a uma interpretação predominantemente aceita, e que tenha sido afastada pela decisão rescindenda.[9]

Erigiu-se, no plano normativo, a sustentação da coisa julgada inconstitucional, resultante de sentenças juridicamente impossíveis, injustas, atentatórias à normalidade e aos princípios constitucionais.

Todavia, melhor doutrina, destaca e se inclina para o posicionamento de que a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo o STF não o induz a realizar um controle de constitucionalidade voltado para o passado para regular todas as relações jurídicas que se lastrearam naquele ditame Constitucional que, posteriormente, foi declarado inconstitucional. Essa conjectura levaria ao absurdo jurídico da instituição de um “controle de constitucionalidade da decisão transitada em julgado” ou ainda, que a ação rescisória seria o instrumento processual cabível para se perpetrar a uniformização da Carta Magna.

Assente-se, ainda, que a dicção legal do art. 27 da lei 9.868/99 dispõe que o STF ao proceder o Controle de Constitucionalidade pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela apenas tenha eficácia após o seu trânsito em julgado ou a partir de outro momento que venha a ser fixado.

Destaque que a coisa julgada sempre foi imune aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade.

Em consonância com a reforma trazida à baila pela lei 11.232/05 que introduziu um sincretismo entre o processo de conhecimento e execução, passando este a ser uma fase incidental daquele e, ainda, estabeleceu mudanças substancias quanto aos instrumentos cabíveis para se atacar a sentença, perfazendo assim, uma dicotomia entre as sentenças baseadas em títulos executivos judiciais (questionáveis por impugnação ao cumprimento de sentença) e as respaldadas em título executivo extrajudicial (sujeitos a embargos a execução).

Neste norte, a reforma trazida pelo lei em comento, introduziu ainda o ditame legal do art. 475-L §1º do CPC que preconiza:

Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

(...)

II – inexigibilidade do título;

§ 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (crifo nosso)

 Em comentário ao dispositivo legal em debate o emérito doutrinador Luiz Rodrigues Wambier acena que “não se trata, segundo o que nos parece, de atribuir à impugnação função “rescindente”, já que, como regra, nos casos em que a decisão funda-se em norma declarada incosntitucional pelo STF, nada haverá a rescindir, pois a decisão que se baseia em lei que não era lei ( pelo fato de ser incompatível com a Constituição Federal) não terá transitado em julgado porque, em princípio, terá faltado à ação uma de suas condições: a possibilidade jurídica do pedido”.

Para o insigne doutrinador se a sentença é juridicamente inexistente, à execução faltará, ipso facto, título executivo, uma vez que preponderando a carência da possibilidade jurídica do pedido, logo, o ordenamento jurídico não poderá conferir a esta sentença executividade.

Impende observar que só será possível ao executado fazer a alegação na impugnação ao cumprimento de sentença com arrimo no art. 475-L §1º do CPC, se a decisão que julgou a ação declaratória de inconstitucionalidade tiver imprimido efeitos ex tunc, consoante ao comando legal exposto no art. 27 da lei 9.868/99, ou seja, o efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade só será declarado quando estiver presente os pressupostos autorizadores que são: salvaguardar a segurança jurídica ou o excepcional interesse social.

A título de elucubração é curial reduzir a redação do art.741, § único, trazida pela lei 11.232 de 2005 que reza: “Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”.

Neste espeque, cumpre mencionar que a dicção do art. 741 §único do CPC que disciplina comando legal semelhante à disposta no art. 475-L §1º, entretanto mantida atualmente apenas para os embargos a execução contra a Fazenda Pública. Legitimando a oposição a execução de sentença, asseverando a inexigibilidade do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou respaldado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.            

É curial destacar a posição da corrente que sustenta a tese da coisa julgada inconstitucional, resultante de sentenças juridicamente impossíveis, injustas, atentatórias à normalidade e aos princípios constitucionais.

Para estes, deve haver o reconhecimento da inconstitucionalidade da coisa julgada em casos extremos pode e deve ser o redimensionamento da ação rescisória e os limites de sua admissibilidade.

Nestes termos, a interpretação do art. 485, V do CPC deve ser ampliada, de maneira a abarcar as situações em que o dispositivo de lei infringido pertença à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Sobre o assunto, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina entendem que um dos caminhos mais adequados para que se consiga evitar a perpetuação de situações indesejáveis, ou seja, a subsistência, para "todo o sempre" de decisões que afrontam o sistema, é entender-se que estão abrangidas pelo art. 485, inc. V do CPC[10].

Ocorre que para maioria da doutrina processualista a ação rescisória não é instrumento hábil para perfazer o controle de constitucionalidade difuso, nem tão pouco, tem o condão de provocar o judiciário para perpetrar o “controle de constitucionalidade da decisão transitada em julgado” nem seria o instrumento processual cabível para se perfazer a uniformização da Carta Magna.

 Para dar maior robustidão ao posicionamento da maioria da doutrina, acima comentado, o qual nos filiamos, impende destacar, ainda, que o rol do art. 485 do CPC que estatui as hipóteses de admissibilidade da ação rescisória é numerus clausus, e conforme se depreende da concepção dos tribunais brasileiros que se esmeram em afunilar a interpretação de cada um dos incisos que tipificam as hipóteses admissibilidade da ação rescisória, sempre assumindo a premissa da prevalência do valor da segurança jurídica. Assim, a ação rescisória não é instrumento processual adequado para realizar o controle de constitucionalidade da decisão transitada em julgado, uma vez que, a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo o STF não o induz a realizar um controle de constitucionalidade voltado para o passado para regular todas as relações jurídicas que se lastrearam naquele ditame Constitucional.

Acrescente-se ainda que, como é cediço, as sentenças inconstitucionais nada mais são que sentenças inexistentes que não dispõem de aptidão para gerar coisa julgada. E, não ocorrendo a coisa julgada, não há que se falar em ação rescisória.

Neste norte, é salutar ressaltar o raciocínio dos insignes processualistas que, compartilham do mesmo entendimento, entre eles: José Carlos Barbosa Moreira, realçando que "a rescindibilidade da sentença pressupõe a existência de coisa julgada". Pontes de Miranda, por sua vez, observa que "a Ação rescisória é remédio jurídico processual extraordinário, razão porque, se a sentença não existe, ou é nula, cabe ao juiz declarar-lhe a inexistência, ou decretar-lhe a nulidade em vez de rescindi-la".

 Impende advertir, que tais posicionamentos não querem dizer que no bojo da ação rescisória seja vedado ao juiz reconhecer a inexistência do julgado. Se foi na pendência da ação rescisória que se revelou ou se demonstrou a inexistência da sentença, ali caberá ao julgador reconhecer tal vício. O que não se considera correto é pronunciar julgamento com o sentido de rescisão de sentença inexistente. O dispositivo do julgado haverá de ser de declaração de inexistência.

 Resta demonstrado que não há que se cogitar de propositura de ação rescisória para sanar situações na qual se verifique a violação da Carta Magna por decisão judicial aparentemente transitada em julgado, uma vez que ausente um dos pressupostos da ação, qual seja, o próprio trânsito em julgado da sentença, a ação rescisória não é o instrumento processual pertinente para perfazer tal ataque.

Assim mais apropriado será se valer da ação declaratória de inexistência (Querela Nullitatis Insanabilis). Ponto que se passa a analisar.

3.2 Ação Declaratória de Inexistência (Querela Nullitatis Insanabilis) e a suposta Coisa Julgada Inconstitucional

Preambularmente, urge esclarecer que, ultrapassada a discussão acerca da natureza jurídica de decisão judicial que viole a Constituição – que, como se viu, é de sentença inexistente, mister perquirir quais os meios adequados para eliminar do ordenamento jurídico pátrio referidos inconvenientes.

Como tudo o que diz respeito ao tema em estudo gera grandes debates, também não poderia deixar de ser diferente com o ponto em questão, principalmente porque o ordenamento jurídico pátrio não prevê nenhum meio processual cuja finalidade seja suprimir a suposta coisa julgada inconstitucional.

Ab initio, perfazendo um brevíssimo retrospecto histórico, percebe-se que a querela nullistatis adveio de meio de impugnação a sentença no direito canônico não era tão estável quanto à laica, sendo os meios próprios para impugná-la mais abrangentes do que os previstos nos ordenamentos jurídicos civis, especialmente no que concerne às hipóteses de cabimento e aos prazos.

Assim, de forma resumida, essa é a origem da querela nullitatis, a qual comportava duas modalidades: a querela nullitatis sanabilis, adequada à impugnação dos vícios sanáveis, tal qual os recursos e a querela nullitatis insanabilis, a ser proposta para impugnar os vícios mais graves. A primeira fundiu-se com o recurso em vários ordenamentos europeus, transformando-se os motivos de nulidades menos graves em motivos de apelação. A insanabilis, por sua vez, podia ser alegada como remédio extremo contra os vícios mais graves, considerados insanáveis, motivo pelo qual sobreviviam ao decurso dos prazos e à formação da coisa julgada (grifo nosso).

Com efeito, é bastante comum entre os doutrinadores o uso de ambos os termos como se fossem equivalentes ou iguais. Conseqüentemente, o instrumento processual em estudo é denominado por muitos de ação declaratória de nulidade.

Essa dificuldade de distinção é causada, em parte, pela etimologia da expressão "querela nullitatis", que induz ao entendimento equivocado de se tratar de remédio aplicável ao ataque de sentenças nulas (nulidade). Ocorre que a distinção entre nulidade e inexistência é fato recente para o direito e, em virtude dessa atual diferenciação, conclui-se que a querela nullitatis é adequada para atacar, na verdade, sentenças inexistentes.

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Isto porque, conforme já foi anteriormente demonstrado, no caso de sentenças nulas, aplica-se a Ação Rescisória, com observância ao prazo de dois anos (art. 495 do CPC), enquanto que as sentenças inexistentes devem ser declaradas como tal, não existindo prazo para tanto.

Também é comumente encontrado nos Tribunais o tratamento indiferente à nulidade e à inexistência jurídica, conforme se verifica no julgado abaixo:

Citação – Nulidade – Querela Nullitatis.

 A falta ou nulidade de citação para o processo de conhecimento contamina de nulidade todos os seus atos, inclusive a sentença nele proferida. E por impedir a regular formação da relação jurídica processual, tal nulidade frustra a formação da coisa julgada, pelo que pode ser alegada em embargos à execução ou em ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo biênio da ação rescisória, porque o que nunca extistiu não passa, com o tempo, a existir. (destacou-se). Desprovimento do recurso.  (TJRJ – Ap. 7001/95 – rel. Des. Sérgio Cavalieri – DJ 14.11.1995)

Sendo assim, verifica-se que a querela nullitatis, embora seja denominada por muitos de ação declaratória de nulidade, refere-se à inexistência, não se podendo aceitar o uso das expressões nulidade e inexistência jurídica como se fossem iguais – fato que ocorre corriqueiramente entre os doutrinadores e os próprios Tribunais.

Toda a doutrina reconhece circunstâncias em que a sentença dada deve ser considerada inexistente juridicamente. Estas circunstâncias se resumem na situação de um processo que, por alguma razão, não se constituiu juridicamente.

Parte considerável dos doutrinadores menciona uma série de requisitos, que, se inexistentes, impedem a formação do processo. Como é cediço o processo possui pressupostos de existência jurídica.

Os requisitos para que se considere um processo como sendo juridicamente existente são correlatos à definição clássica de processo, que praticamente o identifica com a relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu. Portanto, sem que haja um pedido, formulado diante de um juiz, em face de um réu (potencialmente presente, ou seja, citado) não há, sob o ângulo jurídico, propriamente um processo. Evidente que uma sentença de mérito proferida nestas condições e neste contexto, externa-se como uma sentença juridicamente inexistente, tal a gravidade dos vícios que inquinaram a formação da relação jurídica processual anterior. Assim estas sentenças inexistentes jamais transitam em julgado, são vulneráveis, não se sujeitam ao limite temporal imposto pela lei à duração da possibilidade de se entrar com ação rescisória.

Imprescindível que se reconheça que o ato juridicamente inexistente não corresponde a um “nada” fático[11].

Vê-se que esta postura retira do elenco de sentenças que, para serem impugnadas, reclamam o uso da ação rescisória, as sentenças proferidas sem que haja a citação (sem que haja a integração ao processo) de réus (ou autores) em casos de litisconsórcio necessário. Em se tratando de litisconsórcio necessário-unitário, se não forem citados todos aqueles que, necessariamente, devem integrar o feito, a sentença é inutiliter datur, não podendo produzir efeitos, quer quanto àqueles que participaram do processo, quer quanto aos que não participaram. Trata-se de orientação amplamente aceita, na doutrina e na jurisprudência.[12]

Tal situação é visualizada nas sentenças tidas tradicionalmente como sendo ultra petita, quando o órgão judicante decide de forma afrontosa ao princípio da congruência estatuído nos arts. 128 e 460 do pergaminho processual civil. Assim, se o Tribunal ou juízo monocrático prolatarem decisum acatando três pedidos,quando em verdade na demanda, só havia sido feitos dois, jamais pesará coisa julgada sobre a decisão a respeito do “terceiro pedido”, que, na verdade, não foi formulado.

Parte da doutrina também considera como sendo juridicamente inexistentes às sentenças proferidas em processos gerados pela propositura de “ações”, sem que tenham sido preenchidas as condições de seu exercício. Em outras palavras, se o autor não preenche as condições da ação, a sentença de mérito proferida neste contexto é juridicamente inexistente.[13]

Por outro lado, diversamente, se a sentença pronuncia a ausência de uma condição da ação, haverá fenômeno assimilável à coisa julgada, porquanto somente se poderá propor nova ação se corrigido o vício – e não mais se poderá falar, no caso, que se está diante da mesma ação.

A sentença que, equivocadamente, julga o “mérito” quando, a rigor, encontram-se ausentes as condições da ação, é um arremedo de sentença, pois a questão submetida ao juiz sequer poderia ter sido apreciada (v.g., no caso de sentença proferida entre partes ilegítimas, ou diante de pedido juridicamente impossível).[14]

Inexiste, contudo, ação tipicamente criada para a alegação de tal vício.[15]

Assim, a declaração de inexistência da sentença não precisa necessariamente ocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontece com as lides que são objeto das ações declaratórias. Na verdade, a inexistência, no processo, e especificamente a inexistência das sentenças, pode ser alegada a qualquer tempo, por meio ou no bojo de qualquer ação, inclusive a ação de execução (embora exista a possibilidade de se intentar ação própria, com fito de declarar tal inexistência). Assim, nada haverá a “rescindir”, propriamente, pois sentenças inexistentes não ficam acobertadas pela autoridade da coisa julgada (diferentemente do que ocorre com sentenças nulas, estas sim, eventualmente – se for o caso – passíveis de rescisão, pois, o que se rescinde não é a sentença, mas a coisa julgada).

Isto se justifica porque a finalidade das ações declaratórias é a de suprimir, do universo jurídico, uma determinada incerteza jurídica. Segue-se daí que, enquanto existir ou subsistir, e precisamente porque está presente uma determinada incerteza jurídica, não há lugar para a prescrição da ação declaratória, cujo objetivo é precipuamente o de pôr fim a essa incerteza.

Desta feita, no que pese o tema em debate, enquanto não for declarado o ato inquinado de flagrante vício, como um ato inexistente, pela autoridade competente – que haverá de ser membro do Poder Judiciário, esse ato inexistente pode ter a aparência de um ato suscetível de ser tido como existente e válido e, portanto, ao qual se empreste a aptidão para provocar validamente efeitos, existe interesse jurídico em suprimi-lo do mundo do direito.

Diante disso, tem-se admitido, corretamente, a alegação de inexistência decorrente de ausência de citação em embargos à execução de sentença[16] (ou, a partir da entrada em vigor das alterações oriundas da Lei 11.232/2005, através de impugnação à execução, cf. art. 475-L do CPC) ou exceção de pré-executividade.[17]

Admitiu-se que a querela nullitatis insanabilis é compatível até mesmo com a ação civil pública.

As observações feitas se aplicam a todos os pressupostos processuais de existência. Assim, se ausentes os pressupostos processuais de existência, inexistente, juridicamente, serão processo e sentença, sendo por conseguinte passíveis do manejo da querela nullitatis insanabilis.

3.2.1 Cabimento da Querela Nullitatis

Ultrapassada a discussão acerca da natureza jurídica de decisão judicial que viole a Constituição – que, como se viu, é de sentença inexistente - mister perquirir quais os meios adequados de elidir do ordenamento jurídico pátrio os referidos inconvenientes.

Como tudo o que diz respeito ao tema em estudo gera grandes debates, também não poderia deixar de ser diferente com o ponto em questão, principalmente porque o ordenamento jurídico pátrio não prevê nenhum meio processual cuja finalidade seja suprimir a suposta coisa julgada inconstitucional.

Conforme anteriormente explicitado, dentre as correntes que aceitam a relativização do dogma da coisa julgada, nota-se a existência de duas tendências majoritárias na moderna doutrina: uma que sustenta que as decisões eivadas de inconstitucionalidade devem ser rescindidas, aceitando-se a idéia de uma aplicação mais abrangente da Ação Rescisória; e a segunda que defende que devem as decisões judiciais que afrontem a Constituição serem declaradas como tal, valendo-se para tanto de qualquer meio processual adequado, dando-se ênfase ao cabimento da querela nullitatis. São essas duas tendências doutrinárias que se passa a analisar.

Em face da variedade de meios aptos a se eleger como meio de defesa previstos no ordenamento jurídico, verifica-se que a parte prejudicada por sentença inquinada de vício de tal magnitude, possui, não obstante, diversos remédios processuais para atacar decisão inconstitucional aparentemente transitada em julgado. Pontes de Miranda, por exemplo, sugere a propositura de nova demanda igual à primeira; a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes no próprio processo executivo; a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas. Outros instrumentos cabíveis seriam: o mandado de segurança; os embargos à execução com supedâneo no art. 741, parágrafo único do CPC e a querela nullitatis.

 Mister enfatizar que, para o presente estudo, se examinará a ação declaratória de inexistência, isto é, a querela nullitatis como meio adequado para excluir do ordenamento jurídico a suposta coisa julgada inconstitucional, razão pela qual não será objeto de análise os demais instrumentos processuais suso referidos.

Com efeito, por se tratar de ação declaratória, a querela nullitatis não se sujeita a prazo para sua propositura, conforme se infere dos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa que afirma que as ações declaratórias, que só buscam obter certeza jurídica, não estão sujeitas nem à decadência nem à prescrição[18]. Diante disso, seria o meio mais indicado para retirar definitivamente do mundo jurídico sentenças inexistentes.

Corroborando tal entendimento urge trazer a baila o entendimento de Teresa Arruda Alvim Wambier que advoga: "na esteira do que entende a doutrina mais qualificada e felizmente boa parte da jurisprudência, estas sentenças não têm aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem ser objeto de ação rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento daquela ação: sentença de mérito transitada em julgado. Em nosso entender, pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de rito ordinário, cuja propositura não se sujeita à limitação temporal". (grifo nosso)

Diante do exposto, não restam dúvidas a respeito de que, por ser sentença inexistente que sequer transita em julgado, deve a suposta coisa julgada inconstitucional ser extirpada de nosso ordenamento jurídico por meio do instrumento apto que é a querela nullitatis.

3.2.2 Competência para Julgamento da Querela Nullitatis

Questão de relevo que não pode ser olvidada é a referente à competência para o julgamento da querela nullitatis. Todavia não obstante o expurgo de sentença inexistente seja matéria de interesse público, no sentido de pacificar a relação jurídica na qual esta foi proferida e, por conseguinte, propiciar os imperativos da segurança jurídica das decisões judiciais.

Os debates em torno da competência para julgar a ação em testilha não aprofundam o posicionamento, no sentido de analisar a quem compete retirar do ordenamento jurídico a suposta coisa julgada inconstitucional.

Leonardo de Faria Beraldo, por exemplo, sustenta que o mais coerente seria que a competência para o julgamento desses casos fosse originária do Supremo Tribunal Federal, por se tratar de matéria constitucional, dessa forma, apesar do grande volume de processos julgados anualmente por aquele órgão e da maioria doutrinária defender que o mesmo deveria fazer tão somente o papel de Corte Constitucional, ele seria o órgão mais indicado para o exercício desta função, devido à grande relevância e gravidade de relativizar o dogma da coisa julgada. Entretanto, reconhece que até uma eventual emenda constitucional, a competência para apreciar a querela nullitatis é, na verdade, do juiz de direito.

Neste norte, não há como refutar o posicionamento acima exposto. De fato, a competência para julgar a ação declaratória de inexistência – querela nullitatis – é da instância ordinária, uma vez que se trata de uma nova ação de conhecimento.

Questão extremamente debatida é a que indaga se seria também competente a primeira instância para julgar a ação em análise quando a decisão judicial a ser declarada inexistente houvesse sido proferida por tribunal, alegando-se que poderia ocorrer violação da hierarquia entre os órgãos do Poder Judiciário.

Entende, a maioria da doutrina processualista, que não há que se cogitar de violação à hierarquia dos órgãos judiciais, uma vez que a ação declaratória nada mais é do que uma nova ação de conhecimento, com causa de pedir diversa daquela que originou o acórdão eivado de inconstitucionalidade.

Desta feita, o juízo ordinário não vai reapreciar questão já decidida por órgão superior – o que implicaria realmente em afronta a hierarquia dos órgãos do judiciário –, mas apenas examinar possível afronta à Carta Magna.

Em outros termos, não será objeto da querela nullitatis um novo pronunciamento acerca do pedido na primeira ação que teve como termo final acórdão que viola a Constituição, já que a questão da inconstitucionalidade da decisão judicial se apresentará como questão principal do processo instaurado, ou seja, o objeto do processo será o exame da inconstitucionalidade do acórdão anteriormente proferido, podendo ser o pedido do demandante julgado procedente ou improcedente[19].

  Logo, entende-se que a competência para apreciar a querela nullitatis dever ser do juiz de direito (juízo monocrático), ou seja, da instância ordinária, uma vez que se trata de nova ação de conhecimento, cujo objeto é o exame da inconstitucionalidade de decisão judicial prolatada.

3.2.3 Efeitos da Declaração de Inexistência

Aspecto relevante e que merece a consideração dos juristas é o que se refere aos efeitos da declaração de inexistência da suposta coisa julgada inconstitucional. Questiona-se se os efeitos dessa declaração seriam ex nunc (a partir do momento que foi proferida a decisão) ou ex tunc (retroativo).

É imperativo enaltecer que a declaração de inexistência de coisa julgada inconstitucional está em muito relacionada à idéia de controle de constitucionalidade, que, por sua vez, está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, bem como à de rigidez e proteção dos direitos fundamentais, como forma de se repelir injustiças e afronta a preceitos fundamentais do indivíduo.

Neste diapasão, resta cristalino que a declaração de inexistência da coisa julgada seria, na verdade, o controle de constitucionalidade dos atos judiciais, aplicado ao caso concreto, fazendo-se necessário analisar os efeitos decorrentes de tal declaração.

Parte minoritária da doutrina entende que os efeitos da declaração devem ser ex nunc, já que a adoção pura e irrestrita da retroatividade dos efeitos de decisão prolatada pelo juízo declaratório acarretaria na negação de vários princípios e garantias consagrados no direito.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria são adeptos dessa corrente, sustentando que deve prevalecer sempre a estabilidade das relações jurídicas, o que somente será alcançado por meio da atribuição de eficácia ex nunc às decisões que declaram a inexistência da suposta coisa julgada inconstitucional, ou seja, a decisão declaratória apenas irradiará efeitos para atingir os atos supervenientes, jamais os pretéritos [20].

Já os adeptos da segunda corrente doutrinária, ou seja, a que entende que os efeitos da declaração de inexistência devem ser ex tunc, sustentam que "aquilo que é inconstitucional é natimorto, não teve vida e, por isso, não produz efeitos, e aqueles que porventura ocorreram ficam desconstituídos desde as suas raízes, como se não tivessem existido". Este é o posicionamento da maioria da doutrina a qual nos filiamos.

Valendo-se da analogia, é sabido que o STF ao julgar a ação declaratória de inconstitucionalidade profere decisão que opera, a princípio, efeito erga omnes (quanto à amplitude da decisão) e ex tunc (retroativo). Assim dado à magnitude do gravame da coisa julgada inconstitucional, não seria prudente e apropriado dar ao julgado da ação querela nullitatis apenas efeito ex nunc, haja vista que, uma vez reconhecido o supremo vício jurídico, este desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – devido à sua inaptidão - a produção de efeitos jurídicos válidos e, ainda, a possibilidade de invocação de qualquer direito pertinente a decisão vergastada. 

Em outros palavras, a sentença que declarar a inconstitucionalidade de uma lei não diz, via de regra, que esta deixará de produzir efeitos daí em diante (eficácia ex nunc da decisão), e sim reconhece que aquela lei, desde o seu nascimento, desde a sua origem, antagonizou a Constituição, sendo portadora de defeito irreparável. Logo o mais apropriado é conceder o mesmo tratamento à sentença que declare inexistente decisão judicial que afronte a Carta Magna e que aparentemente transitou em julgado, ou seja, a sua desconstituição deve operar efeitos retroativos atingindo a relação desde antes a propositura da demanda inicial.

Cumpre alertar que a aplicação de eficácia ex tunc ao tema em estudo não deve ser irrestrita e absoluta, isto porque, até mesmo nas ações em que se exerce o controle concentrado de constitucionalidade pelo STF, encontra-se exceções quanto a este efeito. Assim, via de regra, ao se proferir decisão sobre a ação de querela nullitatis esta deve apresentar com efeito ex tunc, todavia, as peculiaridades do caso em concreto podem ensejar - por questão de primor pela justiça da decisão- uma analise mais amiúde do juízo monocrático, fato que pode conduzi-lo,em caráter excepcional, a conceder efeito distinto, ou seja, efeito ex nunc ao decisum.

Para conferir maior robustidão ao posicionamento retro, impende trazer a baila as previsões do o art. 27 da Lei 9.868/99 que estabelece que a regra da declaração de inconstitucionalidade continua a ser o efeito ex tunc, mas em casos excepcionais, devidamente justificados – inclusive pela manifestação de dois terços dos ministros – pode o Tribunal optar por uma das fórmulas restritivas dos efeitos da declaração.

Posicionamento emblemático é o de Zeno Veloso que afirma que o dispositivo legal suso mencionado é de grande valia, pois possibilita uma fuga do rigorismo técnico-jurídico, das posições inflexíveis e dogmáticas, considerando as conseqüências práticas e políticas, a justiça do caso concreto, podendo o Tribunal – com prudência e cautela – exercer um poder normativo, determinando a eficácia da decisão a respeito da inconstitucionalidade[21].

Assim em situações absolutamente excepcionais deve ser permitida a ruptura do dogma dos efeitos ex tunc, facultando-se ao juiz ordinário que é o competente para julgar a querela nullitatis protrair decisão dispare que excepcione a regra do efeito retroativo de tal provimento jurisdicional, dando assim, eficácia ex nunc.

Como é cediço, a ciência do Direito não faz parte do rol das ciências exatas, como a matemática, física, entre outras, motivo pelo qual não deve o estudioso daquela ciência adotar conclusões baseadas apenas em regras gerais, como se estas fossem adequadas a qualquer situação. É necessária uma reflexão e minuciosa análise de cada caso concreto, a fim de se aplicar a decisão mais adequada e equânime.

 Para tanto, imprescindível valer-se do princípio da proporcionalidade, a fim de que se realize um juízo de ponderação, levando em consideração as possíveis consequências da declaração, ou seja, deve o juiz ordinário agir com prudência e sopesar a regra geral - efeitos ex tunc - e a possibilidade de restrição de tais efeitos quando estes puderem ameaçar a segurança jurídica ou quando se tratar de relevante interesse público, de maneira a adequá-los à necessidade de cada situação em concreto.

Assim consoante ao exposto, acredita-se que a melhor solução para o deslinde da questão é aplicar o mesmo procedimento usado nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratória de constitucionalidade, isto é, a regra é o efeito ex tunc. Entretanto, a decisão poderá, com base num juízo de ponderação, restringir os efeitos daquela declaração – se for para garantir a segurança jurídica ou relevante interesse social –, decidindo pela sua (da declaração) eficácia a partir de seu trânsito em julgado, ou de outro momento que venha a ser fixado.

3.3 Ação de investigação de paternidade e alimentos e a relativização da coisa julgada

Ab initio, cumpre ponderar que a flexibilização da res iuducata no tocante as ações de investigação de paternidade e de alimentos é ponto curial, haja vista que dado o advento de novos meios técnicos que permitem aferir com maior precisão a questão da paternidade, é imperioso que como forma de se estabelecer a justiça ao caso em concreto seja garantido o exercício do contraditório, na medida em que, confira meio hábil  para que a parte interessada possa provocar o judiciário para reapreciar com maior propriedade determinada decisão que está acobertada pelo manto da coisa em julgado, mas que há indícios que esta não se coadune com a realidade fática.

É cediço que as leis brasileiras exercem proteção aos direitos à filiação. É obrigatório o reconhecimento do filho e, demonstradas necessidade e possibilidade, obrigatória, também, a prestação dos alimentos.

 A ação de investigação de paternidade é o meio bastante e adequado à declaração judicial de que determinada pessoa é realmente filha de outra, através de meios de provas tendentes ao esclarecimento da filiação.

 Esta ação tem como finalidade promover o acertamento do estado de filiação da pessoa, em face da origem natural contestada, decorrendo-se efeitos de ordem patrimonial e não-patrimonial.

 Lembremo-nos de que nada impede o ajuizamento de uma ação de investigação de maternidade. Entretanto, por motivos óbvios, a estatística forense mostra que raros são os casos em que isto ocorre. Analisaremos e falaremos, pois, apenas em investigação de paternidade.

 Esta ação é necessária àqueles casos em que não houve o registro voluntário do filho, para que a mãe possa cobrar a prestação dos alimentos do pai.

Tanto que determina o art. 5º da Lei 883/49 que "na hipótese de ação de investigação de paternidade, terá direito o autor a alimentos provisionais, desde que lhe seja favorável a sentença de 1ª instância, embora se haja, desta, interposto recurso".

Confirma isto a Lei nº 8.560 de 1992, que traz, em seu art. 7º, a previsão de que "sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite".

 A ação de investigação de paternidade, apesar de, pelo seu título, por vezes suscitar confusões, visa à proteção ao direito de filiação, e não de paternidade.

 Quando a parte ingressa em juízo com uma ação investigatória deseja obter do órgão jurisdicional um provimento no qual se declara aquela relação jurídica preexistente. Trata-se, portanto, de ação declaratória de conhecimento .

  Neste sentido, urge citar exemplo clássico duma relação jurídica posta em juízo via ação de investigação de paternidade que foi encerrada pela improcedência do pedido inaugural, mediante a constatação de que o autor não conseguiu reunir o conjunto probatório necessário a demonstração da paternidade, vem a jurisprudência relativizando os contornos da coisa julgada, para permitir uma nova propositura de demanda judicial com os mesmos elementos (Resp 226436- PR- 4ª turma do STJ)[22]

Neste ponto é importante assinalar as conseqüências que o reconhecimento da paternidade enseja. Assim, imperando prova que ateste o reconhecimento da paternidade ou a sua negativa, esta situação precisa ser revista pelo Poder Judiciário, haja vista que em um ou outro caso, a ausência de provimento jurisdicional adequado para regular e reconhecer a situação de fato, geraria um sensação de frustração, desamparo e injustiça para o detentor do direito preterido.

Depreende-se, que o ponto central em testilha, reside no aspecto da flexibilização da decisão transitada em julgado que regulamentou o caso concreto e que, posteriormente, ficou demonstrada a incompatibilidade entre a tutela jurisdicional prestada e a realidade dos fatos comprovados por prova robusta em contrário. Desta forma indaga-se: qual o valor que deve predominar a verdade ou a imutabilidade da coisa julgada?

Há a necessidade de fazer uma ponderação entre qual é o bem tutelado mais relevante, se é o prevalecimento da imutabilidade da coisa julgada (demonstrando um apego exacerbado à forma) ou se a preponderância da verdade apurada e a, conseqüente, flexibilização e modificação do provimento jurisdicional anterior, para adequá-lo aos ditames da lídima justiça da verdade do caso em concreto.

Ressalte-se, consoante à dicção dos arts. 130 e 131 do pergaminho processual civil, que o poder de instrução do juiz, permite a este apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, cabendo ao juiz de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou protelatórias.

  Todavia, deve ser registrado que o poder de tutela do juiz não o legitima a dispensar a prova pericial de DNA, haja vista a imprescindibilidade desta para a aferição da investigação de paternidade, nem tão pouco, permitir que em face do livre convencimento motivado o juiz venha desconsiderar o laudo final do exame de DNA, para julgar a demanda de forma contraria ao resultado deste.

     Neste espeque, urge salientar as sábias palavras do festejado doutrinador Marinone, sobre o aspecto do convencimento do juiz e a verdade processual: “a impossibilidade de o juiz descobrir a essência da verdade dos fatos não lhe dá o direito de julgar o mérito sem a convicção da verdade. Estar convicto da verdade não é o mesmo que encontrar a verdade, até porque, quando se requer a convicção da verdade, não se nega a possibilidade de que as coisas não tenham ocorrido assim”.

     Assim, não há como negar a obviedade de que o juiz, para julgar adequadamente precisa se convencer da verdade. Ora, supor que o juiz, em regra, deve proferir sentença com base na verossimilhança que predomina é simplesmente cogitar que o juiz não precisa se convencer para julgar. O que é um absurdo e uma arbitrariedade!

     Desta forma, há a imprescindibilidade da produção da prova pericial do exame de DNA para averiguar e constatar de forma cabal a verdade no âmbito de uma ação de investigação de paternidade, pois se há meio técnico mais preciso para a aferição do convencimento do juízo este deve ser produzido. Assim, a prudência deve conduzir o espírito do julgador, este não deve deixar se levar por paixões ou emoções, para julgar pela teoria da aparência ou da verossimilhança, quando a modernidade o permite produzir prova de maior precisão e segurança para a demonstração da verdade processual.

Um problema que, de fato, existe quanto aos testes de paternidade consiste nas fraudes ocorridas na realização do exame. Quanto a isto, porém, o direito brasileiro já tem seus mecanismos de apuração para solucionar o caso e, sempre que o juiz achar prudente, pode determinar que seja repetido o teste em laboratório diferente, como corolário de seu poder de instrução no processo.

 Sedimentando o posicionamento, enfatize-se que a ação de investigação de paternidade não tem natureza patrimonial, mas, sim, é uma ação de estado, que envolve direitos indisponíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis.

 Desta feita, em conformidade com a concepção moderna processual, que se atrela aos princípios da finalidade, da adequação, da instrumentalidade das formas e da busca da verdade que envolve a divergência estabelecida entre as partes, parece-nos que deve predominar a justiça do caso em concreto e, portanto, deve haver a relativização da coisa julgada.

Portanto, fia evidenciado que, o problema da ação de investigação de paternidade tem relação com o fenômeno da evolução tecnológica. O que vem asseverar que não se trata de balancear a coisa julgada material com o direito já levado ao juiz, mas sim de admitir que a parte, diante de limitação técnica da época em que o processo foi instaurado, não teve a oportunidade de demonstrar seu direito por insuficiência dos meios probatórios da época.

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Sobre o autor
Alberto Mendonça de Melo Filho

Bacharel em Direito pelo UNIPÊ. Universidade situada na cidade de João Pessoa-PB. Graduando-se no ano de 2004.Especialista em Processo Civil pela UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) em parceria com o Instituto Brasileiro de Processualista Civis (IBPC).Servidor Público efetivo no cargo de Analista Judiciário do STM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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trata-se de trabalho monográfico.

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