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A tributação do provimento de acesso à Internet

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01/06/2003 às 00:00
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"Á medida em que categorizamos, esperamos caracterizar novas propriedades (certamente na forma da enciclopédia desordenada); à medida que encontramos propriedades, tentamos uma reorganização da instalação categorial. Mas cada hipótese sobre o quadro categorial a ser assumida influencia o modo de fazer e de reconhecer como válidos os enunciados obervativos (por isso quem deseja o ornitorrinco como um mamífero não procura os ovos ou recusa-se a reconhecê-los quando entram em cena, enquanto que quem deseja o ornitorrinco como ovíparo procura desconhecer as mamas e o leite). Esta é a dialética do exame e do conhecimento, ou do conhecimento e do saber".

UMBERTO ECO, "Kant e o ornitorrinco".

SUMÁRIO: 01. INTRODUÇÃO E PLANO DE TRABALHO – 02. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIA PARA INSTITUIÇÃO DE IMPOSTOS – 03. INTERNET E PROVIMENTO DE ACESSO – 03.1. A Internet e sua estrutura operacional - 03.2. Características do provimento de acesso à Internet - 04. O IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - 05. O IMPOSTO ESTADUAL SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS DE TRANSPORTE TRANSMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO - 05.1. Conceito de "prestação de serviços de comunicação" - 05.2. Provimento de acesso à Internet e serviço de comunicação - 05.3. Críticas ao enquadramento do provimento de acesso à Internet como serviço de comunicação - 06. CONCLUSÕES.


01. INTRODUÇÃO E PLANO DE TRABALHO.

O provimento de acesso à Internet é a atividade exercida por agentes privados que, mediante remuneração, possibilitam que seus clientes se conectem à rede mundial de computadores e nela obtenham informações e contatos [1]. A tributação destas operações, quanto aos chamados "impostos sobre circulação" [2], se encontra envolta em extrema controvérsia, havendo posição dissonante, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre qual o imposto que deve incidir sobre elas, se o ISSQN municipal [3], o ICMS estadual [4], ou, ainda, nenhum deles [5], em virtude da ocorrência de uma situação em que nenhum dos dois espectros de incidência pode autorizar a subsunção do conceito do evento econômico.

O presente trabalho visa apresentar a nossa resposta a esta questão, partindo do estabelecimento de bases de raciocínio que sejam sólidas o suficientes para sustentar o ponto de vista a ser demonstrado. Iremos, portanto, analisar, inicialmente, as noções básicas sobre competência tributária. Procuraremos, em seguida, utilizando as regras usuais de representação da experiência sensível, formular um conceito que corresponda, em linguagem jurídica, à atividade de provimento de acesso à Internet.

Partindo destas premissas, analisaremos a possibilidade de subsunção deste conceito ao conceito constitucionalmente estabelecido como delimitador do espectro de incidência do ISSQN municipal, bem como a possibilidade de sua identificação com algum dos "itens" da Lista de Serviços fixada pela Lei Complementar 56/87, anexa ao Decreto-lei 406/68. Analisaremos, então, a possibilidade de sua inclusão no campo de incidência do ICMS estadual, formulando, por fim, nossas conclusões sobre o tema.

Elaborando o presente trabalho, procuramos adotar uma postura neutra, dentro do que é possível ao ser cognoscente. Lutamos contra a propensão de, partindo de uma resposta pré concebida, concentrar nosso foco de observação apenas nos elementos que levariam a esta conclusão. O ser cognoscente, muitas vezes, ao buscar classificar um objeto, tende a "direcionar" os seus dados empíricos, desprezando aqueles que negam a conclusão que, já previamente à análise, pretende adotar.

Isto se agrava, no presente caso, por lidarmos com um objeto de conhecimento cultural e, ainda, um objeto relativamente "novo" na nossa experiência cotidiana. A atividade de provimento de acesso, como a própria Internet, só se popularizou nos últimos dez anos, sendo que grande parte dos indivíduos apenas a utilizam, sem grande conhecimento sobre sua estrutura e características. Deste modo, buscamos analisar todos os elementos que a compõem, justificando o seu enquadramento nesta ou naquela competência tributária, sem deixar, no entanto, de confrontar os caracteres que parecem apontar em sentido contrário.

Analisaremos, primordialmente, o regime de fixação das competências tributárias pelo Direito Positivo vigente, especialmente no que se refere ao mecanismo constitucional de discriminação de competências para a instituição de impostos pelos entes tributantes.


02. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS PARA INSTITUIÇÃO DE IMPOSTOS.

O Direito Positivo, formado pelo conjunto de normas jurídicas que buscam instrumentalizar a utilização da violência legítima pelo Estado de Direito, é estruturado sob a forma de sistema, o que permite a sua utilização, pelos indivíduos, como tecnologia de regulação das condutas por interferência intersubjetiva. Sistema é um conjunto de elementos que estabelecem entre si um complexo de relações, guardando uma unidade relativa em função de um vetor referencial unitário, ao qual todo o sistema está submetido, e que lhe confere certa harmonia. Os elementos do sistema são chamados de repertório. As relações estabelecidas, de estrutura. O vetor de unidade é o ponto ordenador do sistema, sendo, no caso dos sistemas jurídicos, a norma hipotética fundamental.

O sistema do Direito Positivo é um sistema proposicional nomoempírico prescritivo [6], que busca direcionar condutas em interferência intersubjetiva, enunciado em linguagem técnica. As relações neste sistema se estabelecem, entre normas de mesma hierarquia, por coordenação, e, entre normas de diferente hierarquia, por subordinação. Isto significa que, para ser aceita pelo sistema como sua integrante, e, assim, ter validade, determinada norma deve obedecer às prescrições das normas superiores, tanto no seu conteúdo quanto no processo de sua enunciação. Uma norma só é válida se estiver devidamente "imunizada" por aquela que, em uma relação sintática, lhe dá fundamento de validade, justificando sua aplicação em caso de desconfirmação pelo destinatário [7].

As normas tributárias, portanto, para serem instituídas, devem obedecer às prescrições contidas nas normas constitucionais, de máxima hierarquia, que dizem respeito ao seu processo de veiculação e ao seu conteúdo semântico. A criação de um tributo por um ente público deve, inicialmente, estar devidamente autorizada pelas normas contidas na Constituição da República que fixam a competência tributária.

Competência tributária, por sua vez, é a faculdade concedida a uma pessoa política de Direito Público Interno, por uma regra de estrutura constitucional, para emitir, pelo seu órgão competente, dentro do procedimento previsto e pelo veículo pertinente, linguagem prescritiva com a qual se possa construir a regra-matriz de incidência tributária do tributo especificado pela própria regra de estrutura que lhe deferiu a competência. O exercício da competência tributária é fato jurídico apto a criar uma norma jurídica, em função de sua previsão no antecedente normativo da norma de estrutura, que prescreve em seu conseqüente o surgimento de nova linguagem normativa válida. É, deste modo, uma fonte material do direito, ou seja, fato jurisdicizado por norma, que gera como efeito jurídico a edição de nova norma de inferior hierarquia.

A competência tributária é rigidamente discriminada pela CF/88, que delimita exatamente que tributos podem ser criados por cada ente tributante. Ela se expressa como faculdade, concedida pela CF/88, para obrigar, sendo, portanto, deonticamente simbolizada como P -> O. Relativamente aos impostos [8], esta rigidez se expressa pela discriminação, no próprio texto constitucional, das condutas que deverão constituir o critério material da hipótese de incidência de cada imposto. Aponta LUCIANO DA SILVA AMARO que "quanto aos tributos que não dependem de determinada atuação do Estado (como se dá, em geral, com os impostos), o critério de partilha se apóia na tipificação de situações materiais (''fatos geradores'') que servirão de suporte para a incidência: ''renda'', ''importação de produtos'', ''transmissão causa mortis de bens'', ''prestação de serviços de qualquer natureza'' são alguns dos tipos identificados pela Constituição e partilhados entre os vários entes políticos. [9]"

A raiz material de cada imposto, assim, remonta a uma previsão constitucional que elenca um determinado índice de capacidade contributiva como passível de taxação por dado ente público. O provimento de acesso à Internet, deste modo, deve ser enquadrado em uma destas previsões, o que revelará qual o imposto incidente sobre esta atividade.

Uma circunstância que merece ser ressaltada é a situação peculiar da atividade econômica de prestação de serviços, em relação à partilha constitucional de competências tributárias. Os serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, são da competência tributária dos Municípios (art. 156, III, da CF/88), enquanto que os serviços de comunicação e de transporte transmunicipal são tributáveis pelos Estados (art. 155, II, da CF/88). Este "fracionamento" da competência tributária sobre a prestação de serviços, sem dúvida representativa de uma má técnica política de divisão de fontes de custeio das máquinas estatais, se deve, em grande parte, à circunstâncias de sede histórica. Os serviços que foram incorporados, pela Constituição de 1988, ao antigo ICM estadual, criando o ICMS, eram, no regime constitucional pretérito, taxados pelos chamados "impostos únicos" [10]. Com a extinção destes pela Carta de 1988, foram incorporados à competência dos Estados, criando esta circunstância singular para a incidência tributária sobre os serviços.

Esta divisão gera importantíssimas conseqüências de ordem prática, sendo, inclusive, o principal motivo da controvérsia que originou o presente trabalho. O fracionamento da competência impositiva sobre os serviços possibilita o conflito entre Estados e Municípios pela taxação de uma atividade ainda não definitivamente classificada dentre as espécies de atuação econômica, como é o caso do provimento de acesso à Internet. Permite, além disso, que dada atividade se situe em uma espécie de "vácuo de incidência", ou seja, que se possa cogitar a possibilidade do provimento de acesso à Internet não estar inserido em qualquer destas competências, não podendo ser taxado nem pelo ISSQN, nem pelo ICMS.

A análise do enquadramento desta atividade para fins tributários, portanto, passa necessariamente pelo estudo das suas características, seguido do confronto destas com os caracteres delineados nos conceitos que definem cada esfera de competência tributária. Isto porque a incidência tributária se dá pelo processo de subsunção do conceito do fato ao conceito da norma, e esta subsunção tem que se basear em uma identidade semântica, ou seja, os dois conceitos devem expressar significados pertinentes. Leciona PAULO DE BARROS CARVALHO que "antes, (a regra-matriz de incidência tributária) alude a uma classe de eventos, na qual se encaixarão infinitos acontecimentos concretos. E a operação lógica de inclusão de um elemento numa classe é chamada de ''subsunção''. Satisfazendo aos requisitos de pertinencialidade a certa classe ''C'', um objeto determinado (''o'') nela se subsome. [11]"

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A subsunção, deste modo, é a verificação da inserção do espectro de significação do conceito sobre o fato no âmbito maior de significação do conceito contido na regra de competência e, por conseqüência, na norma jurídica tributária.

O conceito a ser construído sobre o evento "atividade de provimento de acesso à Internet", por sua vez, deve se basear em parâmetros de representação que estejam de acordo com a linguagem jurídica, que possui um mecanismo mais rígido de fixação de sentido que a linguagem coloquial. Assinala novamente PAULO DE BARROS CARVALHO que "no hemisfério do direito, usar competentemente a linguagem significa manipular de maneira adequada os seus signos e, em especial, a simbologia que diz respeito às provas, isto é, às técnicas que o direito positivo elegeu para articular os enunciados fácticos com que opera [12]".

O próximo passo, portanto, é formular este conceito, extraído do evento da realidade sensível, mediante a utilização dos padrões de representação lingüísticos consensualmente aceitos e estabelecidos pelos parâmetros da linguagem jurídica [13].


03. INTERNET E PROVIMENTO DE ACESSO.

03.1. A Internet e sua estrutura operacional.

A Internet se originou, como hoje é notório, de um plano de contingência do exército dos EUA para que fossem mantidas condições mínimas de funcionamento de sua rede de inteligência em caso de um ataque maciço aos alvos militares americanos. Originalmente denominada Arpanet (sigla derivada de Advanced Research Project Agency), o sistema de interligação de computadores evoluiu e se libertou de sua origem militar, ganhando os meios universitários e, posteriormente, toda a sociedade, representando, hoje, um dos principais mecanismos de informação e fluxo de dados do mundo moderno [14]. A sua estrutura é altamente complexa, envolvendo uma base física e toda uma construção lógica sobre esta que possibilita a instauração de um "ambiente" adequado à relação entre os computadores conectados.

Percebe-se, de logo, que a Internet é um sistema de computadores, interligados em forma de rede. Isto significa que se trata de uma coletividade de máquinas que estão reunidas segundo regras de inter-relação que as ordenam e possibilitam que elas atuem em conjunto. A Internet é definida por MÁRCIA DE FREITAS NEME e AMAL NASRALLAH como "uma rede de computadores, por onde trafegam dados e conhecimentos, de âmbito mundial, que visa à total liberdade de troca de informações, o que torna possível a ocorrência de uma integração universal. [15]"

É costume se qualificar a Internet como uma "rede das redes", querendo significar que ela não é uma rede unitária, mas a união de diversas redes menores. Estas duas visões podem ser consideradas corretas, a depender do enfoque que se dá e da significação contextual que se confere a cada uma destas expressões.

Analisando pelo aspecto da interligação física, chegaremos à conclusão de que, efetivamente, lidamos com uma série de computadores interligados por algum meio físico (telefonia, cabo, rádio ou outro qualquer) que, na maioria das vezes, se desdobram em grupos menores de máquinas conectadas fisicamente a uma máquina de maior porte, capaz de suportar e ordenar um grande fluxo de dados. Estas máquinas de maior porte, que possuem, cada uma delas, conexão com uma série de computadores menores, por sua vez, igualmente se interligam por algum mecanismo físico, formando uma rede maior, e assim sucessivamente, acabando por gerar uma reunião ampla de máquinas capazes de trocar informações, o que configura o sistema da Internet.

Podem, ainda, se conectar a estas redes computadores isolados que possuam, autonomamente, os requisitos físicos e lógicos necessários ao estabelecimento da ligação. Normalmente, porém, cada computador de menor porte é "dependente" de uma máquina maior, se estabelecendo a conexão, sob o ponto de vista físico, de modo indireto, ou seja, o computador menor se conecta ao maior e este a outro, em regra um backbone [16], que irá se conectar a outro e assim por diante, mediante um dos meios físicos de conexão existentes e disponíveis. Desta maneira, ao se analisar o aspecto do suporte físico à Internet, podemos dizer que se trata de uma "rede das redes", com conexões "em cascata" [17].

Já segundo o critério da possibilidade de relação direta, sem qualquer espécie de intermediação, a nível lógico, temos que a Internet é composta de uma série de computadores que se relacionam entre si mediante o envio, recebimento e visualização de informações diretamente do endereço lógico de uma máquina ao endereço lógico de outra. Não há uma intermediação, sob este aspecto, do computador que ordena o fluxo de dados ou do computador que funciona como backbone. A troca de dados se dá de modo direto, estejam os computadores em salas vizinhas de um mesmo prédio ou em lados opostos do mundo.

É precisamente esta possibilidade a grande revolução tecnológica da Internet, aquilo que autoriza seja a rede considerada a inovação tecnológica que redefiniu o conceito de distância e aumentou a autonomia do indivíduo isolado [18]. Concorda JÚLIO MARIA DE OLIVEIRA que "a evolução advinda com o IP implementou a comunicação direta entre as máquinas pertencentes a uma mesma rede, em contraposição àquela comunicação vinculada a uma máquina inteligente que distribuía a informação para as demais máquinas (mainframe). Nasceu, assim, a Internet, alicerçada no esperanto não utópico denominado TCP-IP, que possibilitou e possibilita a conversa entre todos os computadores ligados à rede" [19].

A Internet, neste aspecto, portanto, é um único e imenso sistema de computadores, que compõem o seu repertório, sendo sua estrutura ditada pelas regras gerais de funcionamento que o regulam. Este sistema de computadores é articulado sobre dois princípios básicos de funcionamento, que são: a transmissão de dados pelo sistema de packet switching e a identificação de cada unidade conectada em função de um protocolo que designa sua posição lógica relativa em relação ao restante do sistema.

O sistema de transmissão de dados por packet switching, ou, em tradução livre, "fases de pacotes" se origina do próprio conceito primitivo da Arpanet, ou seja, da necessidade de garantir o fluxo de dados mesmo com comprometimento de parte do sistema. Os dados não são transmitidos de modo contínuo, unidirecional e em conjunto, mas, ao contrário, são fracionados em "pacotes" e enviados sem um caminho físico pré definido, para que os mecanismos de ordenamento do fluxo de dados definam qual o melhor caminho possível para que os dados cheguem ao seu endereço lógico de destino.

Explica MARCO AURÉLIO GRECO que "ao invés de enviar a mensagem em bloco (como se fosse uma carta) os equipamentos eletrônicos fracionam a mensagem em pedaços (os ''pacotes'') enviando cada um deles pelo caminho dentro da rede que estiver disponível, vale dizer que não esteja comprometido. Dentre outras instruções, nestes pacotes há a indicação do número de pacotes de que é formada a mensagem como um todo, bem como a seqüência em que cada um dos pacotes deve ser colocado para ''montar o quebra-cabeça''" [20]. Este mecanismo garante que, ao chegar ao menos um bloco da mensagem ao seu destino, o destinatário saiba que existe uma transmissão de dados para si e possa verificar se esta chegará de modo integral ou não, possibilitando um mecanismo de controle de erro.

O sistema de transmissão por fases em pacotes garante, deste modo, que o fluxo de dados não se dê de modo direto, pela simples ligação física, mas sim seja ordenado de acordo com os critérios lógicos de viabilidade de transmissão. Isto não significa, entretanto, que se possa prescindir da base física, mas sim que, sobre esta base física, se constrói um novo mecanismo de fluxo de informações.

Efetivamente, não existe uma singular opinião que negue a imprescindibilidade dos meios de conexão físicos para a formação do sistema Internet. Alguma espécie de suporte físico deve amparar as relações lógicas que se dão entre os computadores/usuários, seja este suporte a rede de telefonia, cabos, fibra ótica, rádio, satélite direto ou qualquer outro. Os componentes que integram o repertório da rede devem ser ligados por um meio físico. A discussão, como iremos adiante esclarecer, é se, sobre este meio físico, se cria novo ambiente de comunicação ou não. O meio físico, porém, é condição indispensável para que exista o sistema Internet. Neste meio físico, assume especial importância, em relação ao sistema de transmissão de dados por fases em pacotes, os roteadores.

Os roteadores são equipamentos que visam garantir o fluxo contínuo de dados, evitando sobrecargas que venham a prejudicar o desempenho do sistema. Eles se especializam na escolha do "melhor caminho possível", ou seja, regulam o envio, ao endereço lógico de destino, dos diversos pacotes remetidos, "ordenando o tráfego". Perceba-se que os roteadores não interferem na ligação telefônica que o usuário realiza para seu provedor, nem na conexão deste com o backbone, ou seja, os roteadores não interferem nas ligações físicas. Eles atuam no fluxo lógico de dados, não alterando a camada física de conexão.

Equívoco comum é se presumir que o provedor de acesso à Internet ou qualquer outro usuário de roteadores realiza o "redirecionamento" da ligação telefônica que lhe faz o cliente para o backbone, e deste para os demais elementos da rede. Não há qualquer interferência na ligação telefônica, mesmo porque isto teria implicações até quanto ao valor do pulso cobrado. Os roteadores garantem o fluxo de dados pelo melhor caminho possível, em nível lógico, direcionando o fluxo de informações por toda uma série de ligações físicas autônomas (usuário/provedor, provedor/backbone, backbone/provedor, provedor/usuário), mas não a própria ligação original usuário/provedor.

Não é a ligação física que é "roteada", mas sim os dados em trânsito em função da ligação lógica. A ligação telefônica física do usuário é até o seu provedor. Este realiza, por sua conta, uma nova ligação física (telefônica ou qualquer outra) até o backbone, e assim por diante. O usuário, como já exposto, não tem ligação física direta com a rede, mas apenas ligação lógica direta, o que nos leva à segunda característica básica da Internet: a identificação de cada computador componente do sistema por um protocolo que lhe fornece um "endereço lógico", que revela sua posição relativa aos demais componentes da rede.

Os computadores que estão conectados à Internet, para que possam trocar dados, ou seja, para que possam se relacionar, obviamente necessitam de algum referencial que permita identificar cada um deles; caso contrário, seria impossível que a relação pudesse ser procedida diretamente entre os usuários. A possibilidade de relação direta pressupõe a possibilidade de se identificar, localizar e reconhecer cada um dos componentes. Esta identificação é feita pela posição lógica (não física) relativa de cada computador em relação ao sistema, representada pelo endereço lógico (IP [21], de Internet Protocol) que cada um deve ter para se conectar à rede.

Afirma MARCO AURÉLIO GRECO que "Dizer que a rede é formada por endereços lógicos significa que a posição de cada operador ou usuário da rede é definida como uma posição interna à própria rede sem haver vinculação necessária com determinado local físico" [22]. Cada componente da rede, de fato, deve ser identificado com um endereço lógico específico. O IP é que permite que cada elemento seja reconhecido e localizado dentro do sistema. Concorda JÚLIO MARIA DE OLIVEIRA:

"O principal protocolo de comunicação usado na Internet é o chamado Protocolo da Internet. Normalmente abreviado como IP, este protocolo especifica detalhadamente a linguagem de interação dos computadores. Ele determina como um ''pacote'' deve ser formado e como um roteador deve enviá-lo para o destino. O IP também define um esquema de endereços que designa a cada computador um número único que será usado em todas as operações.

...

Para tornar possível o envio e a entrega de ''pacotes'', cada computador conectado à Internet deve ter um endereço. Como os endereços usados por redes convencionais, os endereços usados pela Internet são numéricos. Internamente, o computador armazena o endereço IP em quatro unidades binárias chamadas bytes." [23]

Percebe-se, assim, que, além da conexão física que "liga" os computadores, existem outros elementos, de ordem lógica, que integram o processo de interação de computadores na Internet. Seguindo-se na análise, a partir desta interação lógica, existirão uma série de processos de informática que visarão a utilização desta interação para os mais variados propósitos. Procuraremos, agora, separar estes elementos em camadas ou fases que compõem o acesso à Internet, os chamados layers [24], evidenciando as peculiaridades e a autonomia de cada um deles.

A primeira camada é a FÍSICA, base essencial, como já exposto, à formação do sistema de computadores denominado Internet. Esta base pode ser, como é em regra, a rede de telefonia fixa, celular (WAP), cabos óticos, rádio ou qualquer outra tecnologia. Esta camada compreende, inegavelmente, um ambiente autônomo de fluxo de dados, se caracterizando como uma mídia ou veículo para realização de comunicação.

Questão importante, a qual retornaremos ao tratar do conceito de "prestação de serviços de comunicação", é se o conceito de mídia é restrito ao de meio físico ou se abarca todo e qualquer ambiente criado para o fluxo de dados, desde que distinto da situação fática que lhe precede e dele prescinde. Adiantamos que consideramos mais adequado ao Texto Constitucional, que adotou uma conceituação abrangente de comunicação [25], se considerar como mídia autônoma cada novo ambiente em que se possa realizar a interação de dados. O fato desta nova mídia ser construída sobre outra é irrelevante, mesmo porque não existe qualquer vedação em se considerar como atividade econômica distinta uma utilidade que é realizada com subsídios concedidos por uma utilidade pré existente.

Esta primeira camada física, no processo de conexão do usuário à Internet, se dá pela sua ligação telefônica ao provedor de acesso [26], ou seja, se esgota com a conexão física, envolvendo também, como já explicado, as demais conexões físicas entre o provedor, o backbone, os outros provedores e demais usuários.

A segunda camada seria a camada LÓGICA. A conexão lógica se dá pela adoção, reconhecimento e identificação dos endereços lógicos (IP) de cada máquina conectada fisicamente. Instaura-se, aqui, uma relação de outro nível, que possibilita a identificação mútua entre as máquinas, criando um ambiente de rede. Aqui, a interação entre as máquinas/usuários suplanta as limitações da conexão física, já que, mesmo tendo praticado uma ligação telefônica direta e contínua para um provedor local, o usuário pode se relacionar com qualquer outro usuário de qualquer outro local do mundo, desde que esta outra máquina também possua um endereço lógico que a identifique perante os demais componentes do sistema.

A conexão lógica permite a localização e o reconhecimento entre os computadores, sendo, então, a ela adicionada uma terceira camada, a de APLICAÇÃO, onde se executarão programas que fixarão uma linguagem comum e possibilitarão a realização de diversas atividades distintas, tais como visualização de conteúdo disponibilizado em linguagem HTML (browsers) ou a troca de informações escritas em tempo real (chat). Uma única conexão lógica permite a execução simultânea de diversos aplicativos que utilizem seu ambiente para satisfazer as necessidades do usuário.

Estas três camadas, assim, guardam certa autonomia, tendo características próprias e podendo ser fracionadas para facilitar a análise do processo de conexão à Internet. A exposição efetuada induz que o que gera o ambiente lógico, ou seja, a conexão entre as máquinas dentro da Internet, criando, portanto, o "ambiente de rede", é o IP, o endereço lógico. É ele que possibilita a relação lógica direta entre os computadores, assumindo capital importância na criação do sistema de computadores denominado Internet. Sem o IP, o repertório de computadores não constituiria um sistema, já que não haveriam meios de se garantir uma relação coordenada entre eles.

Analisaremos agora, portanto, o que confere a cada computador o seu endereço lógico, o seu "número IP", análise esta que se relaciona diretamente com a atividade de provimento de acesso à Internet.

03.2. Características do provimento de acesso à Internet.

O provimento de acesso à Internet é uma atividade que visa fornecer aos seus usuários condições de conexão à Internet. Preliminarmente, já se pode conceituar tal atividade como prestação de serviço, já que esta pressupõe, segundo AIRES BARRETO, "esforço de pessoas em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de Direito Privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial" [27]. No presente caso, temos uma atividade (esforço) do provedor, remunerado (negócio privado oneroso), que gera um benefício (utilidade) ao seu cliente, que é a possibilidade de integrar a rede de computadores da Internet. Assim, o provimento de acesso é serviço, que tem como resultado uma utilidade imaterial.

A realidade empírica deste serviço reside exatamente na instauração da camada lógica de conexão à rede. O provedor, ao receber a ligação telefônica do usuário, fornece a este um endereço lógico que permite que este seja identificado e localizado pelos demais componentes da rede. A razão de ser desta atividade é melhor compreendida se analisando como se dá o mecanismo de distribuição de endereços eletrônicos para aqueles que desejam se conectar à rede. Informa, em síntese, MARCO AURÉLIO GRECO:

"Todo aquele que pretende se conectar à Internet, para ser reconhecido na rede e poder enviar e receber mensagens, precisa se utilizar de um endereço lógico. Até mesmo cada usuário individual que se conecta diretamente com seu respectivo provedor de acesso utiliza um endereço lógico.

...

... em função de convenções de âmbito internacional, definiu-se um padrão de endereços (os 4 conjuntos de números) e atribuiu-se a cada país um grupo de endereços. Por sua vez, uma entidade responsável em cada país (no Brasil, a FAPESP) atribui faixas de endereços lógicos a cada entidade que pretenda ser provedor de acesso à Internet. (...) Por sua vez, estes provedores, ao receberem ligações telefônicas de seus respectivos usuários conectam cada um deles num endereço lógico que esteja disponível (= não ocupado) naquele momento." [28]

A função primordial do provedor de acesso, desta maneira, é fornecer ao usuário um endereço eletrônico, dentre aqueles que possui disponível, possibilitando sua integração momentânea à rede mundial. Ressalte-se que não é o provedor que realiza o ato de integração, mas sim quem disponibiliza os meios necessários (endereço eletrônico) para que isto ocorra, ou seja, quem promove o ambiente de rede para que o usuário nela se integre. Resume ALDEMÁRIO ARAÚJO CASTRO:

"No acesso à Internet, o provedor fornece ao seu usuário, por intermédio de equipamentos, um endereço IP (Internet Protocol) temporário (válido para uma sessão de acesso à rede) que viabiliza a chamada navegação pelos sites, as páginas existentes na Internet, garantindo que os pacotes de informações particionados pelo TCP (Transmission Control Protocol) sejam enviados aos destinos certos." [29]

É óbvio que o usuário, em determinadas circunstâncias, pode possuir um endereço próprio para conexão e realizá-la de modo autônomo, se conectando fisicamente até mesmo a integrantes da rede que não sejam provedores de acesso. Estes casos, porém, além de relativamente raros, não são relevantes para o presente estudo, já que não há qualquer serviço envolvido, pois prestação de serviços tem por pressuposto um desenvolvimento de esforço em prol de terceiros e não para si mesmo. Aqui não há serviço, logo não há qualquer espécie de fato jurídico tributário.

O provedor de acesso, como disciplinado no item 4 da Portaria 148/95 do Ministério das Telecomunicações [30], não realiza apenas o fornecimento do endereço lógico (previsto no sub item 4.1, alínea b), mas também mantém uma série de equipamentos para assegurar o fluxo de dados e sustentar o sistema de transmissão por fases em pacotes. Perceba-se, porém, que, não obstante, todas estas outras características são acessórias, visando garantir o bom funcionamento da conexão lógica, o que evidencia que é esta a principal utilidade disponibilizada pelo provedor de acesso, nos induzindo a essência material do serviço prestado, que é: a viabilização do ambiente de conexão lógica pelo fornecimento de um endereço eletrônico (IP) ao usuário, para que este possa se integrar à Internet e ser localizado e reconhecido pelos demais componentes da rede.

Definida a realidade empírica do serviço de provimento de acesso à Internet, passamos a confrontar o conceito obtido com os conceitos definidores das competências municipal e estadual para tributar os serviços.

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Sobre o autor
Pedro Leonardo Summers Caymmi

advogado em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAYMMI, Pedro Leonardo Summers. A tributação do provimento de acesso à Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4109. Acesso em: 18 abr. 2024.

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