Tratados internacionais e sua incorporação no ordenamento jurídico

21/07/2015 às 17:48

Resumo:


  • O Brasil rege suas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, prevalência dos direitos humanos e solução pacífica de conflitos, conforme a Constituição Federal.

  • Os tratados internacionais podem ser equiparados a emendas constitucionais, leis ordinárias ou normas supralegais, dependendo de sua natureza e procedimento de aprovação, segundo entendimento doutrinário.

  • A ratificação de convenções da OIT pelo Brasil é necessária para sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional, respeitando os princípios fundamentais do trabalho estabelecidos pela organização.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo discorre sobre a incorporação das Convenções Internacionais no nosso ordenamento jurídico

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E TRATADOS INTERNACIONAIS


Nas relações internacionais do Brasil aplicam-se os princípios determinados no Art. 4º. da Constituição Federal, que constitui principalmente assegurar  a soberania do País, a solução pacífica dos conflitos e o respeito aos direitos humanos.


Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Nos termos do Art. 84, VIII, é de competência do Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. O Art. 49, inciso I, tratando da competência do Congresso Nacional, quando exercida sem a sanção do Presidente da Republica – indica que tais tratados, convenções e atos se submetem à prévia aprovação do Poder Legislativo. (ARAUJO, Luiz Alberto David e ARAUJO, Vidal Serrano Nunes Junior; Curso de Direito Constitucional, 13ª. edição, Ed. Saraiva, 2009, p.103).
A Constituição exigiu para a celebração de um tratado internacional o concurso de vontades dos Poderes Executivo e Legislativo, e por isso, todo tratado internacional deve ser previamente aprovado pelo Congresso Nacional, por um Decreto Legislativo. E mesmo após aprovação, esse Decreto Legislativo não vincula o Presidente da República, pois, em nome da soberania nacional, deve, segundo um critério discricionário, ratificar, ou não, o tratado.
Após a ratificação, o tratado internacional deve ser promulgado por intermédio de um Decreto (que é a forma de ato administrativo) do Presidente da República.

2. TRATADOS INTERNACIONAIS E SUA INCORPORAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO


Quanto ao status com que os tratados internacionais são incorporados à nossa ordem jurídica, o assunto sempre foi muito discutido no âmbito da doutrina.
O entendimento tem sido no sentido de que os tratados e convenções internacionais terão status de norma constitucional, norma supralegal ou lei ordinária, dependendo da sua natureza e procedimento de aprovação. Supralegal entende-se, abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna.
Segundo entendimento de Marcelo Novelino: “os tratados internacionais passaram a ter três hierarquias distintas: Os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (CF, art. 5º, §, 3º); os tratados internacionais de direitos humanos, aprovados pelo procedimento ordinário (CF, art. 47), terão status supralegal, situando-se abaixo da Constituição e acima da legislação ordinária; os tratados e convenções internacionais que não versem sobre direitos humanos ingressarão no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária” (NOVELINO, 2010, p. 472). (http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12081).

Alguns doutrinadores entendiam que os tratados, embora aprovados por decreto legislativo, por maioria simples, era recepcionados com o status de norma constitucional, usando como fundamento a disposição do art. 5º., § 2º:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Entretanto, esse entendimento não era aceito pelo Supremo Tribunal Federal, pois o entendimento era que tais tratados permaneciam com natureza infraconstitucional. Porém, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a questão foi dirimida, com a previsão de que:
Art. 5º [...]
§ 3º “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (Art. 5º., § 3º).
Além disso, a emenda Constitucional inclui a disposição de que o Brasil se submete à Jurisdição de Tribunal Penal Internacional, a cuja criação tenha manifestado adesão:
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

O Prof. Luiz Alberto David Araújo desataca que esse foi um passo significativo no sentido da sedimentação de uma ordem transnacional dos direitos humanos, esclarecendo que essa disposição enuncia claramente que a Constituição encampa a concepção dos direitos humanos como direitos de caráter supraconstitucional, que, no seu entender, superam, inclusive, a soberania do país.
O autor assevera que por força do disposto no § 2º. do art. 5º da Constituição Federal, de que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que o Brasil seja parte, fica claro que o rol do Art. 5º. é apenas exemplificativo, podendo ser aumentado por outros direitos e garantias que sejam extraídos em razão dos princípios constitucionais e do regime democrático adotado, ou, ainda, dos tratados internacionais. (ARAUJO, Luiz Alberto David e ARAUJO, Vidal Serrano Nunes Junior; Curso de Direito Constitucional, 13ª. edição, Ed. Saraiva, 2009, p.215).
Por disposição constitucional, o tratado é assinado pelo Presidente da Republica, por força da competência que lhe foi outorgada no art. 84, VIII. É submetido ao Congresso Nacional, por força do Art. 49, I, que determina que o instrumento seja ratificado. O instrumento jurídico para sua aprovação é o decreto legislativo.
Nesses casos, não há quórum específico para a aprovação do decreto legislativo, aplicando-se a regra geral do processo legislativo previsto no art. 47 da Constituição: “Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”, ou seja, por maioria absoluta.
Alguns doutrinadores entendem que o tratado tem status constitucional, outros que ingressa no ordenamento jurídico no plano ordinário. O prof. Luiz Alberto David Araujo destaca que se entendermos que o decreto legislativo pode alterar a Constituição Federal, incluindo direitos, estaríamos afirmando que se trata de um texto flexível, não rígido, abandonando assim, uma tradição constitucional e não aplicando os princípios do art. 60 e seus parágrafos, que impõe a imutabilidade implícita.
O Prof. Assevera que o fato de o tratado entrar na ordem jurídica brasileira não significa obrigatoriamente que ele ingressará no plano constitucional, pois, nos termos do § 2º. do Art. 5º., possibilita a integração de outros direitos, mas não, que serão normas constitucionais. Além disso, se esses novos direitos ingressarem como norma constitucional, tal direito deverá ser petrificado, por força do Art. 60, § 4º. da Lei Maior, e no caso dos outros países signatários do tratado o denunciarem, no nosso caso, uma vez que estaria incorporado aos direitos fundamentais, e por, conta disso, imutável, não poderia ser alterado nem mesmo por Emenda Constitucional.
Com esse raciocínio o Prof. Luiz Alberto entende que o tratado pode ser veiculador de direitos individuais e coletivos, mas ingressa na ordem jurídica com status de norma ordinária,  a não ser que seja aprovado na forma do § 3º. Do art. 5º.,aprovado por maioria qualificada, ou seja, dois turnos, mediante aprovação de três quintos dos respectivos membros, nesse caso, terão status  de norma constitucional.  (Op. Cit., p.216).
Assim o ilustre professor conclui que há dois tipos de tratamentos dos tratados internacionais e convenções que veiculem direitos humanos. A forma já conhecida, que tinha status de lei ordinária, pois aprovada por decreto legislativo, votado pela maioria simples, presente a maioria absoluta; e a nova fórmula, obedecido o rito, entraria no sistema jurídico como norma constitucional.
Para o Prof. Luiz Alberto o tratado que conter direitos individuais e coletivos, ingressa na ordem jurídica com status de norma ordinária, a não ser que seja aprovado na forma do § 3º. Do art. 5º.,aprovado por maioria qualificada, ou seja, dois turnos, mediante aprovação de três quintos dos respectivos membros, nesse caso, terão status  de norma constitucional.
Para Valerio de Oliveira Mazzuoli  : I – Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ingressem no ordenamento jurídico brasileiro no nível das normas constitucionais, e não no âmbito da legislação ordinária; II- Os demais tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos, não têm natureza de norma constitucional; terão sim, natureza de norma infraconstitucional; III- Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos por nós ratificados, passam a incorporar-se automaticamente em nosso ordenamento e têm aplicação imediata e passam a ser cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos nem mesmo por Emenda à Constituição (CF, art. 60, § 1.º, IV). (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_21/artigos/art_valerio.htm).
 
Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos, após a adesão pelo Brasil, ingressam em lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. Sendo que desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, consoante as ementas ora transcritas:  (Fonte: http://www.stf.jus.br/).
Nesse sentido, sobre o assunto especifico da prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal editou a SÚMULA VINCULANTE 25: É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DO DEPÓSITO.
Tendo em vista os entendimentos divergentes na doutrina a respeito do status em que os tratados ratificados pelo Brasil ingressam no ordenamento jurídico, o critério a ser usado dependerá do entendimento que tem em relação a isso.
No entanto, conforme apontado acima, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos, após a adesão pelo Brasil, ingressam em lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna.
Dessa forma, para a solução dos conflitos de normas internacionais ratificadas internamente e disposições constitucionais e/ou infraconstitucionais em vigor no Brasil, haverá de ser verificada a hierarquia das normas do nosso ordenamento jurídico.

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3. APLICABILIDADE DAS CONVENÇÕES DA OIT E A NECESSIDADE  DA SUA RATIFICAÇÃO PELO BRASIL

O texto da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, declara que, independentemente de ratificação, todos os integrantes devem seguir os princípios relativos aos direitos fundamentais.
(...)
2. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é:

a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

b) – a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

c) - a abolição efetiva do trabalho infantil;

d) – a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Tal obrigatoriedade não resulta na aplicabilidade das Convenções da OIT de forma direta no Estado Brasileiro, independentemente de ratificação.
O fenômeno da globalização certamente tornou as convenções da OIT mais fortes, eis que a internacionalização dos direitos humanos levou ao reconhecimento de direitos universais dos trabalhadores, de modo que muitas das convenções da OIT passaram a ter valor cogente na prática, no sentido de que os Estados devem respeitar tais direitos, sob pena de perderem o respeito da comunidade internacional.
Todavia, deve-se ressaltar que a aplicabilidade de uma determinada convenção da OIT no Brasil depende de sua ratificação, eis que há a necessidade de se submeter a um procedimento legal para sua integração à esfera estatal, a fim de passarem a ter o status de lei interna.
Nas palavras de Arnaldo Sussekind:
“As convenções adotadas pela Conferência devem ser submetidas, obrigatoriamente, ao Congresso Nacional para que sejam ou não aprovadas, transformando-se, na hipótese afirmativa, depois de depositado o instrumento de ratificação e quando vigente no âmbito internacional, em verdadeira lei nacional.” (SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. V 2. São Paulo: LTR, 2005. p. 1570).
Assinado o tratado internacional pelo Presidente da República (Art. 84, VIII da CF), é submetido ao Congresso Nacional,  pós sua aprovação é publicado o Decreto Legislativo, procede-se então a ratificação ou confirmação pelo Poder Executivo. A ratificação significa a subsequente confirmação formal por um Estado de que está obrigado a um tratado, sendo depois promulgada através de Decreto assinado pelo Presidente da República  e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores.

4. CONCLUSÃO

Concluindo, para a inclusão de Convenções Internacionais no nosso ordenamento jurídico, se faz necessária a submissão ao Congresso Nacional, após a sua aprovação, é depositado o instrumento de ratificação pelo Poder Executivo, só então ingressa como verdadeira lei nacional, conforme hierarquia das leis. Destacando que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, nos exatos termos do § 3º do Art. 5º, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004.


5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SILVA, José Afonso, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, Malheiros Editores, 18ª. Edição, 2000;
ARAUJO, Luiz Alberto David e Vidal Serrano Nunes Junior; Curso de Direito Constitucional, 13ª. edição, Ed. Saraiva, 2009;
SUSSEKIND, Arnaldo.  Instituições de Direito do Trabalho. 22ª. edição, 2005; Editora LTR.
Constituição Federal Brasileira. 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituicao/constituicaocompilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_21/artigos/art_valerio.htm
Decreto que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm

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Sobre a autora
Idinéia Perez Bonafina

Advogada Trabalhista/Inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo desde 1992, Especialista em Direito do Trabalho pela COGEAE/PUC-SP, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela ESA/OAB-SP, Sócia do Escritório Simas, Passos & Perez Sociedade de Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo foi elaborado a partir de estudo no Curso de Especialização de Direito do Trabalho da Cogeae Puc/SP

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