O conflito dos princípios da ampla defesa e da soberania do Tribunal do Juri e aplicação da teoria dos princípios pelo STF

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O presente artigo visa fazer um estudo sobre a utilização da Teoria dos direitos fundamentais do filósofo Robert Alexy no Supremo Tribunal Federal, tomando como enfoque o julgamento do Habeas Corpus (HC) nº HC 89544/RN, de relatoria do Min. Cezar Peluso.

O CONFLITO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DA SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JURI E APLICAÇÃO DA TEORIA DOS PRINCÍPIOS PELO STF

Estefânia de Oliveira Gonçalves

Advogada e Docente

RESUMO

 

O presente artigo visa fazer um estudo sobre a utilização da Teoria dos direitos fundamentais do filósofo Robert Alexy no Supremo Tribunal Federal, tomando como enfoque o julgamento do Habeas Corpus (HC) nº HC 89544/RN, de relatoria do Min. Cezar Peluso, julgado em 14/04/2009 (informativo nº 542).

A pesquisa aborda o choque existente entre o princípio constitucional da soberania dos veredictos do tribunal do júri e o do devido processo legal, à luz da proibição da reformatio in pejus indireta num segundo julgamento no Tribunal do júri, realizando uma análise de valores envolvidos.

Será feita uma explanação da teoria dos princípios do filósofo Robert Alexy, com enfoque especial à máxima da proporcionalidade, que será analisada em suas três máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A vista disso, o principal objetivo da pesquisa é verificar se a teoria de Alexy é aplicada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

PALAVRAS-CHAVE: Teoria dos princípios. Tribunal do Júri. Reformatio in pejus indireta.

 

SUMÁRIO

 

1. Introdução. 2. A teoria dos direitos fundamentais e a máxima da proporcionalidade. 3. A proibição da reformatio in pejus indireta face à relativização de princípios constitucionais. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

 

1- INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho busca demonstrar a aplicação da teoria dos princípios de Robert Alexy às decisões emanadas pelo STF.

Pretende-se um estudo acerca do choque existente entre os princípios da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri; da amplitude de defesa e da vedação da reformatio in pejus indireta, objetivando o questionamento acerca do prevalecimento de um princípio em detrimento de outro, fazendo o uso da ponderação dos valores envolvidos no caso concreto.

Desta forma, verificar-se-á a questão do tratamento jurídico da relativização de princípios constitucionais, analisando os princípios como mandamentos de otimização.

2- A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE

 

Inicialmente importante destacar que princípios são normas com alto grau de generalidade, aplicáveis ao caso concreto imediatamente, são mandamentos de otimização que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas.[1] Princípios, são mandamentos de otimização, ou seja, ordenam fazer uma coisa na máxima medida possível.

Diferentemente do choque entre as regras, que possuem soluções previamente determinadas para solução do conflitos entre elas, o choque entre os princípios não é de fácil solução. Isto porque qualquer tipo de colisão entre os princípios constitucionais, demanda a complexa avaliação sobre os valores intrinsecamente existentes nestes mesmos princípios, de modo a ser feita uma minuciosa avaliação de valores, segundo a qual o processo interpretativo procederá a certo ajustamento dos princípios. Desta forma, pode-se afirmar que o que limita a aplicação de um princípio é a necessidade de observância e aplicação de algum outro princípio mais importante.

A constituição da Republica Federativa do Brasil possui um grande leque de direitos fundamentais, que segundo Alexy possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente.[2]

Em decorrencia do grande leque de direitos fundamentais existentes na Carta Magna, é freqüente a ocorrência de colisões entre tais princípios, surge a necessidade de relativização dos direitos fundamentais.

Os princípios nada mais são senão mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas.

Diferentemente das regras, os princípios devem ser aplicados levando em consideração uns aos outros, e pensar o contrário, tornaria impossível definir a correta medida de aplicação que cada um deve receber no caso concreto.

Robert Alexy propõe que a solução para a tensão entre dois princípios seja a utilização da máxima da proporcionalidade (método com estrutura racional), que num primeiro momento avalia a adequação e a necessidade da medida e caso não seja suficiente parte para o segundo momento, fazendo uso da ponderação dos princípios através de um procedimento próprio (máxima parcial da proporcionalidade em sentido estrito).

Segundo o filósofo, a proporcionalidade é informada por três máximas: a adequação, que determina que a solução ao conflito será adequada sempre que realizado o mandamento de amenos dos princípios em choque; a necessidade,  em que a solução ao conflito será necessária sempre que realizada com o menor sacrifício possível dos princípios em choque; a proporcionalidade em sentido estrito, em que a solução leve em consideração o princípio que no caso concreto tem maior relevo.

Uma vez observadas as três máximas, deverá ser observada uma regra de precedência condicionada, donde um princípio deverá prevalecer sobre um outro princípio, em decorrência das circunstâncias do caso concreto.

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito é oriundo dos princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas ao caso em tela. Já as máximas da necessidade e adequação decorrem das possibilidades fáticas.[3] Tais máximas parciais devem ser consideradas regras no uso da ponderação dos princípios.

A máxima parcial da adequação não permite que seja adotado um critério que obstrua a utilização de um princípio sem promover outro princípio. Assim, um princípio deve ser       pelo menos promovido (ou fomentado) para que o meio empregado seja considerado adequado, caso contrário, não se atende à exigência da adequação.[4]

No que tange a observância da máxima da necessidade, destaca-se como condição que o ato atinja de modo menos intenso possível o outro princípio em jogo, sendo escolhido o ato que realize esse objetivo de maneira mais aproximada diante do caso. Ao exame da necessidade, assim como no exame da proporcionalidade em sentido estrito, deve haver sempre o sopesamento entre os princípios.

A regra do sopesamento (proporcionalidade em sentido estrito) é determinada segundo o qual quanto maior o grau de não satisfação ou de detrimento de um princípio, maior a importância de se satisfazer o outro, havendo um balanceamento entre os princípios colidentes.

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento) é decorrente de uma relativização em face das possibilidades jurídicas ao caso concreto.

Tal procedimento utiliza um princípio como condição para aplicação dos demais princípios, e este princípio é o da proporcionalidade.

No choque entre os princípios, não é possível a declaração de invalidade de um princípio, mas tão somente a precedência de um face ao outro. Neste contexto, o magistrado deve fazer uso das ponderações, adaptando tais princípios conflitantes ao caso concreto.

Desta forma, para que seja feito o sopesamento deve ser realizado um escalonamento da importância dos princípios. Esta análise será feita de maneira que seja observado o peso hierárquico (relativo) de cada princípio no caso concreto, fazendo-se o uso da ponderação dos valores            envolvidos na situação. Alexy criou uma escala triática dupla para sopesar as lesões ao princípio violado. Quanto maior o grau de violação de um princípio, maior deverá ser o grau de efetivação do outro,

Vale destacar que a não-incidência (ou aplicação) de um princípio em um determinado caso concreto não exclui a possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto fático-existêncial seja diferente daquele que originou seu afastamento.

Em decorrência do princípio da unidade da constituição, faz-se necessário que haja uma interpretação da Carta Magna de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas, princípio este que obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

Destaca-se que Robert Alexy leciona que a idéia do sopesamento não deve ser pensada como um modelo aberto a um controle racional, aberto ao arbitrio daquele que sopesa (juiz), mas deve ser encarado como um procedimento irracional, fundado na lei do sopesamento donde a não satisfação ou afetação de um principio dependeria diretamente do grau de importancia da satisfação do outro.[5]

A fundamentação na escolha de um princípio em prol de outro de igual valor é necessária para evitar a arbitrariedade do julgador. Segundo Daniel Sarmento muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. A relativização dos princípios constitucionais, neste contexto, transformou-se numa ‘varinhas de condão’ capaz de o julgador de consiga fazer quase tudo o que quiser quando investido em seu poder jurisdicional.[6]

Ou seja, o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.

3- A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA E A SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JÚRI E RELATIVIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 

A Carta magna prevê em seu artigo 5º, XXXVIII, o Tribunal do Júri, sendo certo que consagra também os princípios construtores deste instituto.  

Como princípio basilar, encontra-se o princípio da soberania dos veredictos, que garante às suas decisões a imutabilidade jurídica, possibilitando assim, a democracia da instituição formada não segundo a técnica dos tribunais, mas pela compreensão popular, possuindo a competência de juiz natural para os crimes dolosos contra a vida.

O princípio da soberania dos veredictos, prevista no artigo 5º, XXXVIII, alínea c da CRFB/88, impede que outros juízes ou juízos interfiram ou modifiquem as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, em qualquer instância. Por tal razão, se for reconhecido erro de julgamento por parte dos jurados, em grau recursal, o réu será submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, através de um novo conselho de sentença. A vontade do júri deve sempre prevalecer.

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Por outro lado, e opondo-se a soberania dos veredictos, necessário tecer algumas considerações acerca da proibição contida no artigo 617, do Código de Processo Penal de 1941, o qual veda a reforma para piorar a situação do réu, quando o recurso for interposto unicamente pela defesa. O referido artigo 617, prevê que:

O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos artigos 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. [grifo nosso] [7]

Trata-se da proibição de uma reforma para pior em prejuízo do próprio recorrente, designada pela doutrina de reformatio in pejus indireta.

A proibição de reforma para pior está intimamente ligada ao sistema acusatório, ou seja, na separação das funções de acusar e julgar.

Leciona o mestre Tourinho Filho que "(...)Se não há alguém postulando a exasperação da pena – pelo contrário até –, como poderia o juízo ad quem fazê-lo? Assim, a proibição da reformatio in pejus é conseqüência lógica do sistema acusatório."[8]

Trata-se da consagração de vedação do julgamento ultra e extra petita prevista nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil.[9]

Portanto, se não existir a provocação da acusação, por conseqüência não poderá o tribunal piorar a situação do réu.

Outrossim, destaca-se que tal vedação legal seria uma das manifestações da ampla defesa, garantia constitucional esculpida no artigo 5º, LV da CRFB.

Em se tratando de Tribunal do Júri, a ampla defesa ganha ainda mais importância, em decorrência da previsão contida na alínea “a” do já citado artigo 5º, XXXVIII da CRFB/1988. Isto porque a Carta da República previu a plenitude de defesa ao réu submetido ao Tribunal Popular, garantindo ao acusado o direito se opor com maior resguardo, ao que contra ele se afirma.

Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição, como conteúdo da ampla defesa, deve abranger também a garantia da proibição da reformatio in pejus, visto que o risco inerente à reforma para agravar a situação do réu atuaria como fator de inibição do exercício da ampla defesa garantida na Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV.[10]

 Esse postulado busca, também, garantir o respeito ao princípio constitucional do contraditório, tendo em vista que, se houvesse tal permissão, o recorrente não teria a oportunidade de aduzir argumentos no sentido de impedir a imposição de eventual condenação mais gravosa. Isto porque a cláusula do devido processo legal inserida no artigo 5º, LIV, da Carta Magna, tem por objetivo a realização das garantias individuais do acusado em face do Estado.

Ante o exposto, evidente a existência de um conflito de princípios constitucionais, quais sejam: o princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri e o princípio da ampla defesa (plenitude de defesa).

Se por um lado a Constituição prevê a soberania das decisões prolatadas pelo Tribunal Popular, por outro também garante ao acusado a ampla defesa e o contraditório, com todos os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, na hipótese de anulação de um julgamento realizado pelo tribunal do júri, sendo o acusado submetido a um novo julgamento não poderia este ter a sua situação piorada. Isto porque agravar a situação do réu (através de um novo conselho de sentença) em segundo julgamento decorrente de interposição de recurso da defesa seria o mesmo que limitar ao condenado o manejo de recurso, uma vez que a interposição deste poderia significar a agravação de sua pena, e sendo assim, o réu ficaria receoso em recorrer (ainda que estivesse diante de uma fragrante ilegalidade), e essa intimidação funcionaria como um freio a angustiar a interposição de recursos, ferindo, portanto, a garantia à ampla defesa.

Entretanto, o corpo de jurados (do segundo julgamento), verdadeiro juiz natural dos crimes dolosos contra a vida deve julgar da maneira como lhe convier, e se decidir por agravar a situação do réu, em segundo julgamento, tal decisão deve ser soberana, e entender de modo diverso seria usurpar a competência constitucional do Júri.

Tem ensinado Paulo Rangel, ao analisar a questão: “o júri é soberano, e soberania não é autonomia. Ou seja, soberania significa dizer que não pode haver nenhum outro poder acima do Tribunal do Júri para decidir de forma contrária ao que os jurados decidiram”.[11]

É pacífico o entendimento de que a importância do estudo da Constituição reside na reconhecida superioridade hierárquica de suas normas em relação às demais normas que constam no direito positivo brasileiro ou no sistema jurídico-positivo, conjunto de atos normativos expedidos pelo Estado. Porem, quando estamos diante de um conflito existente entre duas normas constitucionais de igual valor, a solução não é tão simples.

É oportuno fazer menção a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira: "A Constituição ocupa o cimo da escala hierárquica no ordenamento jurídico (...), ela não pode ser subordinada a qualquer outro parâmetro normativo supostamente anterior ou superior e, por outro lado, que todas as outras normas hão-de conformar-se com ela....” [12]

A doutrina e a Jurisprudência dos tribunais divergiram muito acerca deste assunto  até que problema foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do  Habeas Corpus (HC) nº HC 89544/RN.

Vejamos parte do julgado:

“...Esclareceu-se que, em que pese ser pacífica essa orientação na Corte, a proibição da reformatio in pejus indireta tem sido aplicada restritivamente ao tribunal do júri, sob a explícita condição de o conselho de sentença reconhecer a existência dos mesmos fatos e circunstâncias admitidos no julgamento anterior. Entendeu-se que tal restrição aniquilaria, na prática, a ampla defesa, na medida em que, intimidando o condenado, embaraçar-lhe-ia, senão que lhe inibiria o manejo dos recursos. Aduziu-se que o conselho de sentença deve decidir sempre como lhe convier, ao passo que o juiz presidente do tribunal do júri, ao fixar a pena, estaria obrigado a observar o máximo da reprimenda imposta ao réu no julgamento anterior. Registrou-se, no ponto, ser necessário distinguir, na sentença subjetivamente complexa do tribunal do júri, qual matéria seria de competência dos jurados — e, portanto, acobertada pela soberania — e qual a de competência do juiz-presidente — despida, pois, desse atributo. Enfatizou-se que, no âmbito de julgamento de recurso exclusivo da defesa, conferir ao tribunal do júri o poder jurídico de lhe agravar a pena resultaria em dano ao réu, em autêntica revisão da sentença pro societate, favorecendo à acusação, que não recorrera. Destarte, na espécie, concluiu-se não estar o terceiro Júri jungido à decisão anterior, que reconhecera excesso doloso à legítima defesa, de modo que lhe era lícito decidir como conviesse, adstrito às provas dos autos. O juiz-presidente é que, ao dosar a pena, deveria ter observado aquela fixada no julgamento anulado em razão do recurso exclusivo da defesa...”[13]

No caso em análise, o paciente, pronunciado como incurso nos delitos capitulados no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com o artigo 29, ambos do Código Penal, foi absolvido pelo conselho de sentença que acolheu a sua tese de legítima defesa. 

A acusação recorreu e logrou êxito na submissão do réu a um novo julgamento. Neste segundo julgamento o conselho de sentença entendeu que o réu teria, dolosamente, excedido os limites da legitima defesa, o condenando por homicídio simples (artigo 121, caput, do Código Penal) à pena de reclusão de 6 (seis) anos de reclusão.

Neste segundo julgamento, apenas a defesa recorrera e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte cassou a sentença, submetendo o réu a um terceiro julgamento. Neste ultimo, o réu fora condenado, por homicídio qualificado (artigo 121, inciso IV, do § 2º, do Código Penal), à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime integralmente fechado. 

Contra esta ultima decisão, a defesa impetrou Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, e a Corte ao julgar o referido remédio constitucional, salientou que, se, de um lado, a Constituição da República reconhece à instituição do júri a soberania de seus veredictos (art. 5º, XXXVIII, c), de outro, assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).

Observou ainda que ambas as garantias, as quais constituem cláusulas elementares do princípio constitucional do devido processo, devem ser interpretadas sob a luz do critério da chamada concordância prática, que consiste numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência/conflito entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas, ao mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum.

No caso em tela, o STF fez uso da teoria dos princípios do filósofo Robert Alexy, na medida em que ponderou os princípios envolvidos, à luz do princípio da unidade da Constituição, e cuja ratio juris estaria em garantir a coexistência harmônica dos bens nela tutelados, sem predomínio teórico de um sobre o outro, cuja igualdade de valores fundamenta o critério ou princípio da concordância.

Ao entender que o novo conselho de sentença não estaria limitado ao anterior julgamento, foi lhe garantido a soberania dos veredictos (liberdade do novo conselho), ao passo que ao se limitar ao juiz presidente em realizar a dosimetria de forma mais gravosa ao réu, foi observada a proibição da reformatio in pejus indireta, bem como a garantia constitucional da ampla defesa.

Ora, fazendo-se a ponderação de valores para realizar uma interpretação no sentido de que a garantia da soberania seria dirigida tão somente ao conselho de sentença, e não ao juiz presidente, foi possível harmonizar ambos os princípios em tensão.

Permitir que a pena do réu fosse agravada no terceiro julgamento, seria afastar por completo o seu direito constitucional à plenitude de defesa.

Por outro lado, garantir ao réu a não aplicação de uma reforma para pior, não significaria que o novo conselho não pudesse julgar como melhor lhe conviesse.

Conclui-se que no caso em tela, o STF aplicou a teoria dos princípios, realizando um sopesamento entre os direitos envolvidos e afastando um em detrimento de outro, observando o grau de importância de cada um deles no caso concreto.

 

4. CONCLUSÃO

 

O presente trabalho destinou-se a analisar a tensão existente entre a soberania dos veredictos do tribunal do júri e o direito constitucional à ampla defesa.

Através do estudo de um caso concreto julgado no STF foi possível a utilização da máxima da proporcionalidade pela corte constitucional, tomando como enfoque o julgamento do Habeas Corpus (HC) nº HC 89544/RN.

O Tribunal Superior fez ponderações de valores para a solução de um dos temas mais controvertidos no direito processual penal, realizando uma harmonização dos princípios constitucionais em conflito.

A decisão do STF foi acertada na medida em que o Devido Processo Legal é determinação que garante aos cidadãos um processo justo, e acima de qualquer direito deve ser resguardado ao réu a sua vida e a sua liberdade.

Destaca-se que a coordenação e o inter-relacionamento das normas constitucionais sempre deverá ser buscado pela via da interpretação sistemática, em razão deste método da hermenêutica jurídica permitir uma visão grandiosa do Direito, pois não se deve atentar unicamente para regras jurídicas isoladas, mas sim voltar-se os olhos para o sistema constitucional, compreendido como um todo uno, harmônico e coerente, buscando o real objetivo do legislador.       

Conclui-se que o Direito está em constante mutação, e que em se tratando de normas jurídicas, sobretudo de princípios constitucionais, nada pode ser tido como definitivo, pois as normas devem adequar-se às pessoas e às evoluções da sociedade.

Estabelecer como regra a garantia da soberania dos veredictos do júri significaria por violar o direito a plenitude de defesa, e ainda violar o direito a liberdade e a presunção de inocência.

Assim, a conclusão que se chega é que em se tratando de um conflito de princípios constitucionais, é necessário que seja realizado um sopesamento dos direitos envolvidos para fim de se encontrar o principio de maior importância no caso concreto, restando claro que não existem direitos absolutos, ainda que previstos na Carta magna.

 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALEXY, Robert.  Teoria dos Direitos Fundamentais.  Trad. LuisVirgilio A. Silva. 2ª. ed, São Paulo, Malheiros, 2012.

 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum. 8ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2009.

 

CIVIL, Código de processo. Vade Mecum. 08ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2009.

 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, e VITAL, Moreira. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Ed. Coimbra, 1ª ed., 1991.

 

DWORKIN, R. Levando os direitos a sério; trad. Nelson Boeira. 3ª. ed,  São Paulo: Martins Fontes, 2011.

 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11ª ed, RJ: Lumen júris, 2009.

 

PENAL, Código de processo. Vade Mecum. 08ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2009.

 

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17ª ed, RJ: Lumen Júris, 2010.

 

STRECK, Lênio Luiz. Que é Isto-decido com a minha consciência?. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

 

SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 32ª ed, SP: Saraiva, 2010.

 

 

 

 


[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 02ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 90.

[2] ALEXY, op.cit., p. 120.

[3] ALEXY, op.cit., p. 118.

[4] ALEXY, op.cit., p. 120.

[5] ALEXY, op.cit., p. 167.

[6] SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200.

[7] PENAL, Código de processo. Vade Mecum. 15ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2012, p. 427.

 

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 32ª ed, SP: Saraiva, 2010, p. 510.

 

[9] CIVIL, Código de processo. Vade Mecum. 15ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2012, p. 255 e 272.

 

[10] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum. 08ª. ed, atualizada e ampliada. São Paulo: Rideel, 2009, p. 26.

 

[11] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17ª ed, RJ: Lumen Juris, 2010, p. 809.

 

[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, e Vital Moreira. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Ed. Coimbra, 1ª ed., 1991, p.452.

 

[13] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 89544/RN.Relator: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento em: 14-04-2009, publicado no DJ de 04-05-2009.  DJE Nº 80. Informativo Nº 542. Acessado em 17 novembro 2013, Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo542.htm.

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