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A criminologia e a criminalidade

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A criminologia define-se, em regra como sendo o estudo do crime e do criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime e dos criminosos, dentro de um recorte causal — explicativo, informado de elementos naturalísticos (psicofísicos), ‘‘é ciência social ou não será ciência’’

Não é uma ciência independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia, se mostra numa condição de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das mais velhas ciências’’.

Jovem e livre até da rotulação relativamente recente do respectivo vocábulo, um termo híbrido, por Augusto Comte, do latim socius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, uma vez que a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no panorama cultural.

No entanto, não só do pensamento sociológico se sustenta a Criminologia, que, pelo contrário, possui aparência eminentemente multidisciplinar, sempre se enriquecendo com diferentes ciências posicionadas à sua volta e áreas do conhecimento afins ou afluentes.

A maioria vai listada adiante: primus inter pares, o Direito Penal, ramo da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipificam crimes ou contravenções, estabelecendo as respectivas penas; a Medicina Legal (aí compreendida a Psiquiatria Forense), aplicação específica das ciências médicas, paramédicas e biológicas ao Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que assume para si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis dos infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos particulares, hoje um pouco desprovida do crédito que foi desfrutado antigamente; a Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica), fundada por Enrico Ferri, que visualiza o ilícito penal como fenômeno gerado no desenvolvimento do convívio, em escala ampla, dos homens, analisando a importância direta ou indireta do ambiente social na formação da personalidade de cada um; a Psicosociologia Criminal, subordinada a Psicosociologia, suma psicológica dos fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os meios educativos ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado, inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho, em seu papel de, prevenir e reprimir a criminalidade, procurando ela, paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o quantum da sanção a aplicar-lhe, face a face com a situação concreta, a Lógica Jurídica, no seu segmento que se dirige para a fenomenologia e a problemática do crime, lastreada na Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma).

Igualmente, conta a Criminologia com complemento de ciências auxiliares: a Genética, ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional (taxas de natalidade e de mortalidade, distribuição de faixas etárias, expectativa de vida, migrações etc.); a Etologia, investigação de natureza científica do comportamento humano, de acordo com as leis gerais da Psicologia, levando em conta às múltiplas influências e acomodações que as circunstâncias ambientais exercem, de ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da sociedade; a Penalogia (ou Penologia) que Francis Lieber, o criador da palavra (1834), conceituou como ‘‘o ramo das ciências criminais que cuida do castigo do delinqüente’’, a Vitimologia, estudo do comportamento da vítima, com avaliação das causas e dos efeitos da ação delitiva, esquadrinhada sob o prisma e a interação da dupla penal criminoso/vítima, a Estatística, conjunto de métodos matemáticos, centrada em dados reais, de que se serve para construir modelos de probabilidade relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa fonte especializada (Estatística Criminal) retrate fatores ou indutores de criminalidade. "Toda ciência, proclamou Aristóteles, tem por objeto o necessário".

Não é tarefa fácil para a Criminologia lidar com a delinqüência constantemente sofisticada, assim como com a violência, que hoje se banalizou. Para ficar mais a par do itinerário, e dos atalhos, que conduzem ao delito, sobretudo nos agregados sociais urbanos de densa população, a Criminologia precisa traçar uma tática eficaz. A criminologia, não trata unicamente da pessoa humana, porque o homem é o agente do ato anti- social, mas sobre este agente existem várias causas e muitas ainda desconhecidas, que modificarão o caráter essencialmente humano ou antropológico do fenômeno. A criminologia é e deve ser considerada de acordo com a maioria dos estudiosos do assunto, uma ciência pré-jurídica, sua matéria de estudos é o homem, o seu viver social, suas ações, toda sua evolução, como espécie e como indivíduo. Para um estudo completo de criminologia devemos estudar tanto a filosofia, sociologia, psicologia, e a ética. Esta ultima, que vai à base moral da humanidade, daí deve-se entender melhor o que é essa Moral; pois o Código Penal apóia-se sobre a moral.

Esta ciência social que estuda a natureza, a extensão e as causas do crime, possui dois objetivos básicos: a determinação de causas, tanto pessoais como sociais, do comportamento criminoso e o desenvolvimento de princípios válidos para o controle social do delito. Desde o século XVIII, são formuladas várias teorias científicas para explicar as causas do delito. O médico alemão Franz Joseph Gall procurou relacionar a estrutura cerebral com as inclinações criminosas. No final do século XIX, o criminologista Cesare Lombroso afirmava que os delitos são cometidos por aqueles que nascem com certos traços físicos hereditários reconhecíveis, teoria refutada no começo do século XX por Charles Goring, que fez um estudo comparativo entre delinqüentes encarcerados e cidadãos respeitadores das leis, chegando à conclusão de que não existem os chamados "tipos criminais" com disposição inata para o crime. Na França, Montesquieu procurou relacionar o comportamento criminoso com o ambiente natural e físico. Por outro lado, os estudiosos ligados aos movimentos socialistas têm considerado o delito como um efeito derivado das necessidades da pobreza. Outros teóricos relacionam a criminalidade com o estado geral da cultura, sobretudo pelo impacto desencadeado pelas crises econômicas, as guerras, as revoluções e o sentimento generalizado de insegurança e desproteção derivados de tais fenômenos. No século XX, destacam-se as teorias elaboradas por psicólogos e psiquiatras, que indicam que cerca de um quarto da população reclusa é composta por psicóticos, neuróticos ou pessoas instáveis emocionalmente, e outro quarto padece de deficiências mentais. A maioria dos especialistas, porém, está mais inclinada a assumir as teorias do fator múltiplo, de que o delito surge como conseqüência de um conjunto de conflitos e influências biológicas, psicológicas, culturais, econômicas e políticas.

Ao lado do desenvolvimento das teorias sobre as causas do delito, são estudados vários modelos correcionais. Assim, a antiga teoria teológica e moral entendia o castigo como uma retribuição à sociedade pelo mal cometido. Jeremy Bentham procurou que houvesse uma relação mais precisa entre castigo e delito e insistia na fixação de penas definidas e inflexíveis para cada classe de crime, de tal forma que a dor da pena superasse apenas um pouco o prazer do delito. No princípio do século XX, a escola neoclássica rejeitava as penas fixas e propunha que as sentenças variassem em função das circunstâncias concretas do delito, como a idade, o nível intelectual e o estado psicológico do delinqüente. A chamada escola italiana outorgava às medidas preventivas do delito mais importância do que às destinadas a reprimi-lo. As tentativas modernas de tratamento dos delinqüentes devem quase tudo à psiquiatria e aos métodos de estudo aplicados a casos concretos. A atitude dos cientistas contemporâneos é de que os delinqüentes são indivíduos e sua reabilitação só poderá ser alcançada através de tratamentos individuais e específicos.

Entretanto, há na ciência - Criminologia - já um acervo com que se deve contar, para ir em demanda das novas rotas que se nos deparam. E esse acervo já vem sendo colhido em longas décadas de estudo e de meditação, armazenando largos cabedais que constituem uma bibliografia inumerável, na qual, ao lado de muito joio, excelentes contribuições se podem contar. Todavia, alguns menos ansiosos por avançar sempre na procura da solução de múltiplas incógnitas que ainda nos enfrentam, crêem desde logo de assentar a Criminologia em bases suficientemente estáveis.

O crime apresenta uma transformação, ou ampliação, que de uma forma aceitavelmente denominada "normal", se projeta hoje para configurações que poderiam ser consideradas "anormais". Apenas se deve ponderar que essa atual anormalidade assim se nos apresenta por não terem podido estar os gabaritos normativos acompanhando sempre as transformações psico-sociais que a época atual oferece, dada à tumultuosa evolução dos sistemas de vida e das colisões sociais. E daí desde logo se nos apresenta um dos problemas básicos da Criminologia: é que ela se desenvolveu a partir do Direito Criminal, mas, por assim dizer, disciplinada, ou jungida, às condições penais e, ainda, demarcada, em seus horizontes, por uma finalidade que ia mais às situações pós-delituais, e avança preferentemente para os aspectos punitivos e, depois, recuperados do delinqüente.

Desta sorte, há uma Criminologia ainda hoje definida como um ramo subsidiário do Direito Penal, e que serviria mais para a correta aplicação desse mesmo Direito; visaria ela ilustrá-lo com os conhecimentos que se foram adquirindo quanto à pessoa do criminoso, às condições do crime dentro da dinâmica delituosa e da eventual motivação do ato anti-social, inclusive pela incorporação da vitimologia hoje de tanta nomeada nos círculos científicos.

Tratar-se-á de uma Criminologia que se poderá denominar de pragmática e que, na escala do conhecimento, sempre definida como sendo de posição pré-jurídica. A partir dos Códigos, e atendendo ao seu espírito, busca essa Criminologia oferecer ao aplicador da Lei os meios mais efetivos e esclarecidos para que o cumprimento dos dispositivos penais se torne mais cientificamente apoiado e informado.

Nessa mesma ordem de aplicação científica dos conhecimentos criminológicos se situou o nosso sábio legislador de 1940 quando, no já citado artigo 42 do Código Penal, ainda vigente, preceituou que o Juiz, para aplicar a pena, deverá atender "aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime".

Aí estão, pois, as vias da Criminologia pragmática, auxiliar do Direito, para assessorá-lo, em matéria de sua competência, e visando a personalização do tratamento penal. Como nem sempre se pode realizar este exame do delinqüente antes do julgamento, momento esse que seria idealmente o ótimo pra o levar a efeito – e como é determinado pela Lei, segundo ficou registrado – quando menos deve essa análise do criminoso ser posta de triagem suficientemente capaz de apreciar a pluridimensional personalidade do agente anti-social. E dessa análise deverá surgir a orientação a seguir no tratamento, para melhor perspectiva de êxito do mesmo, desde que bem adequado à personalidade do delinqüente e às várias opções que se ofereçam dentro do sistema penitenciário existente.

Além desta Criminologia pragmática, ainda e sempre ao lado do Direito, para servi-lo nas suas indagações sobre a criminogênese dos fatos delituosos, poder-se-á colocar a Criminologia especulativa, causal da genética, que teria uma posição para-jurídica, cuidando da grande ambição de todos os criminólogos, ou seja, de indagar e identificar as causas da criminalidade.

É a grande meta que os estudos criminogenéticos têm como alvo e que - se acaso lá pudéssemos aportar - nos levaria, quiçá, um dia, a poder aplicar, com total sucesso, o velho preceito, que dita: "sublata causa tollitur effectus" ideal fagueiro dos estudos criminológicos, mas que tem sido ainda a miragem fugidia de todas as esperanças causal-explicativas do delito.

Recorde-se, ainda uma vez, que, inicialmente, houve a fase biológica estricta; a Somatologia criminal, com os seus tipos lombrosianos, pretendeu fornecer a primeira chave para abrir a incógnita criminogenética, chegando-se até à abstração do criminoso nato, que não chegou a vingar. Recolhidos os contributos desta fase, prosseguiram as esperanças quando se iniciou a era endocrinológica, de que nos dá informação assaz completa a monumental obra de Mariano Ruiz-Funes, Mestre espanhol que, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, proferiu o curso "Endocrinologia Y criminalidad", de 1929, que marcou época pela amplitude e segurança de seus conceitos. Esta fase funcional das endocrinias, por vez, deu ensejo à concepção biotipológica, já integrada do tipo humano vivente, e que logo se desenvolveu para a Biotipologia criminal. E a cada passo, novas esperanças, mas acompanhadas do reconhecimento de que era mister da Psiquiatria forense, a então recente concepção freudiana, mais euforia dominou o campo da criminogênese - e a Psicanálise criminal dava a entender que tudo estava resolvido a partir de então.

O que estava a se verificar era o entusiasmo que cada "pílula científica", cada nova fresta entreaberta, parecia anunciar-se como fórmula final para a solução da incógnita criminogenética. Mas, a cada nova esperança, depois se verificava que nem tudo estava resolvido, e que só mais um ângulo, de abertura estreita, no caminho cada vez mais longo da via causal do delito. E como já foi dito, novas pílulas foram se acrescendo, até à diencefalose, criminógena, até aos conjuntos cromossômicos aberrantes (XYX, XXY etc.), até às indagações citoquímicas, enzimáticas, até... aonde puderem ser levadas as observações mais agudas de campos cada vez mais miúdos e estreitos.

Mas desde logo se percebe que a solução bio-criminogenética é um dédalo em que se tem perdido a ânsia de resolver o problema apenas por esse lado. E, ademais, desde logo se verificou que só o exame do "uomo delinqüente" não bastava, visto que ele era também produto do meio. E a Sociologia se aplicou também aos estudos criminogenéticos, dando origem á Sociologia Criminal, que se arrogava, por sua vez, a pretensão de Ter em si a solução sempre tão ambicionada. Já vinha, aliás, de Platão, este pensamento precursor, "atribuindo os crimes à falta de educação dos cidadãos e má organização do Estado", como lembrava oportunamente Afrânio Peixoto, em sua "Criminologia". Com Durkhein, Ferri, Lacassagne, Tarde, Turati, Bataglia, Lafargue, Bebel... desenvolveu-se esta escola que opunha, ao falar biológico, a gênese social dos delitos. E houve, incrivelmente, um dissídio que pretendeu, cada um do seu lado, impor a conclusão de que o fator mesológico, ou o fator biológico, é que determinava prevalentemente o crime. Só mais tarde, e agora mais lucidamente, é que veio a prevalecer o princípio de uma globalização de todos os chamados fatores criminogenéticos que, num caso, podem oferecer predomínio da influência mesológica, num outro caso, podem apontar a biologia como sobressalente, e, em muitos outros, se verificava certa equivalência na atuação de tais fatores. Mas sempre se reconhecendo, em todos os casos, a presença de ambos esses fatores, como desde Ferri, já se fazia patente. Daí resultou, até, uma classificação de criminosos, que tem feito sucesso, e que é absolutamente natural em sua formulação.

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Mesmo quando muito se haja batendo neste caudal das possíveis causas do delito, tanto no campo da biologia, quanto no da mesologia, ainda devemos confessar que a gênese delitual continua a oferecer pontos penumbrosos. De onde, as palavras de Roberto Lyra Filho.

É que não há fatores específicos para o crime, que o venham a ocasionar dentro de um determinismo irreversível - nem do ponto de vista endógeno, nem dentro do ângulo exógeno. Essa identificação de causas específicas, como se fossem sintomas patagnomônicos, era a grande ambição do lombrosianismo, para desde logo caracterizar os criminosos. Ao início de sua carreira, tinha o sábio de Turim essa visão: "um periodista francês, Laveleye, que o conheceu neste estágio de sua crítica científica, registrou a seguinte impressão sobre o emérito investigador, tocada de laivos de ironia:" Apresentaram-me esta noite um jovem sábio desconhecido, chamado Lombroso; fala de cenas caracteres pelos quais se poderia reconhecer facilmente o delinqüente. Que útil e cômoda descoberta para os juizes de instrução...

Buscava-se, então, a solução de um problema de conduta humana sem atentar holisticamente para o autor desse tal comportamento. Não só a disputa de primazias bio ou mesológicas, como também, e principalmente, a exclusão do núcleo ético da personalidade, entre os núcleos de geração do ato anti-social, levaram a decepções no campo da caracterização naturalística das causas do delito. E só mais moderadamente se volvem as mentes dos criminólogos para uma conceituação mais globalizadora da gênese delital, incluindo todos os elementos com que se deve contar: os chamados fatores criminogenéticos, e também os fundamentos éticos da personalidade, sobre os quais agem exatamente aqueles fatores. O "cientificismo" (expressão com que se busca denominar a falsa posição de uma ciência daltônica que não sabe ver senão o seu estreito espectro de visada) deve-se curvar à evidência de que, se podemos falar, como dizia Di Túllio e, fatores crimino-impelentes, devemos também reconhecer, por parte daquele núcleo ético, a existência de fatores crimino-repelentes. O ato anti-social só resultará se, à ação dos ditos falares que impelem para o crime, se somar à ação consensual do núcleo ético da pessoa sobre a qual eles agem. Daí que é necessário não nos fixarmos somente na Biologia criminal e na Sociologia criminal, olvidando que, em cada pessoa, o que realmente a caracteriza como ser humano é a existência, ainda e sempre vigente, de um arbítrio. Não é ele livre na existência do homem, como o é era sua essência: mas é sempre, em certa medida capaz de enfrentar a ação dos fatores criminogenéticos, E porque, às vezes, cede é que se faz mister julgar o homem inteligentemente, a fim de saber até onde e como agiram os referidos fatores, e até que medida e de maneira o núcleo moral consentiu, ou se dobrou, à ação dos ditos fatores.

O reconhecimento de uma avaliação globalizante das condições personalíssimas de cada criminoso, em razão desse conjunto ora referido, leva a um neo-ecletismo penal. Assim, só será válida a retornada da gênese criminal se, às causas endo e exógenas, soubermos anexar o núcleo sobre o qual elas agem - ou seja, a essência ética da personalidade - sem cuja consideração a criminogênese clássica, ou ortodoxa, cairá na decepção de que nos falava Afrânio Peixoto. Como entender a ação de fatores criminogenéticos sem os coligar à pessoa humana, e ao núcleo dessa pessoa no qual, enfim, se delibera? Atualmente, tomadas mais humildes - e sábias, por isso - as pretensões criminogenéticas naturalísticas, pode-se passar àquele neo-ecletismo penal, em que, como causas, se escalonam as ambientais, as bio-psíquicas e as éticas (ou volitivas, em termos de deliberação, ou de arbítrio).

Então, só se podendo caracterizar o ratio crime se, aos fatores endo e exógenos, se associar o fato ético, esta tripeça - bio-psiquismo, mesologia e anuência ética - deverá ser considerada como o conjunto indispensável para se poder falar em delito, em seu sentido mais exato, científico e compreensivo de um complexo pessoal que só assim se constitui completamente.

É desse fato fundamental, mas que se tem mantido sem a devida conotação consciente de seus elementos constitutivos, que decorre o neo-ecletismo penal, o qual proclama estas verdades basilares, sem as quais a Criminologia nunca alcançará uma formulação mais inteligente a adequada das suas postulações.

Desde que integremos estas noções, de que, na gênese criminal, devem ser considerados os falares bio e mesológicos, e também o falar ético leva-nos a admitir, todavia, uma separação das capacidades que podem apreciar e decidir sobre a forma de atuação e sobre a ordenação dos seus respectivos valores. É que os fatores bio-mesológicos - que procuram explicar a gênese criminosa - são de apreciação criminológica estrita; ao posso que o fator ético - onde se insere a condição que procura justificar a origem do delito - só pode ser apreciada pela capacidade do Juiz. Daí, surge aquela distinção do Prof. López-Rey Y Arrojo, ao recordar que se deve distinguir precisamente entre o que tende a explicar, daquilo que pode justificar uma conduta anti-social. Se escusável, ou não, só o Juiz pode decidir mas, para tanto, deverá ele atender às causas aferíveis que podem explicar porque a deliberação humana tenha sido mais ou menos comprometida pela influência dos fatores criminogenéticos endo e exógenos; e até que o ponto ético teria sido consensual com a prática criminosa.

Por isso, e para isso mesmo, deve ser considerada também, ao lado da Criminologia pragmática (pré-jurídica) e da Criminologia especulativa (para-jurídica), uma Criminologia crítica ou, melhor, dialética, ao estilo do que o propõe Roberto Lyra Filho, a cuja posição seria de colocação metajurídica. Esta Criminologiadialética deve propor a si mesma um estudo das mutações do conceito social da vida humana. Se voltarmos ao início destas considerações, e nos recordarmos de que há uma criminalidade nova, devemos conseqüentemente ter a decisão de rever os valores sociais, éticos e jurídicos, em face da sociedade tecnocrática em que ingressamos, para buscar as formas adequadas para uma reformulação, inclusive estrutural, das condições anuais da vida humana.

Evidentemente, a tripartição da Criminologia em seções - pragmática (pré-jurídica), especulativa (para-jurídica) e dialética (metajurídica) - não quererá significar, de forma alguma, que haja uma separação estanque entre esses departamentos; antes, eles se entrosam e entre si estabelecem uma linha de plena fusão. Apenas, em graus sucessivos, procura-se ampliar progressivamente o estudo e o conhecimento da dificílima e ampla ciência que é a Criminologia, para chegar até a formulação de princípios que solucionem os intrincados problemas da vida contemporânea e prevejam as possíveis rotas a seguir para uma prevenção mais efetiva dos conflitos humanos, profilaxia essa que, ainda aqui, ou principalmente aqui, é o alvo supremo das nossas cogitações, e que deve pretender chegar até às próprias estruturas e valores fundamentais, a fim de advertir quanto à conveniência ou necessidade de se realizar as mudanças possíveis e indicadas para se avançar no objetivo de uma Justiça Social mais efetiva. E só a partir de uma base que considere realisticamente, mais instruidamente, os fatos fundamentais da vida humana hodierna, com todas as suas especificações mais compreensivas da conduta dos homens, é que podemos fazer prevenção criminal válida - e não ficarmos só na obsessão de saber como lutar mais efetivamente contra o delito já praticado, em termos de penitenciariarismo, supostamente ressocializante. Assim, se fará a macro-criminologia de que nos fala, sábia e oportunamente, usando expressões trazidas das Ciências Econômicas, Roberto Lyra Filho, indo, então, mais além da micro-criminologia que se atém ao âmbito de estudo apenas do crime e do criminoso.

No que se refere à Criminologia especulativa, sem dúvida alguma, necessita-se do seu estudo pormenorizado, fazendo sentir quantas informações úteis se recolhem na análise pluridimensional que busca das causas do delito, não só em sentido casuístico, e em perspectiva globalizadora, em fluxo analítico-sintético, como também em sentido de generalização dos conceitos que daí decorreram, desse conhecimento individualizado, para prudentes considerações gerais. Dentro desse estudo, outrossim, é necessário deixar bem patente que cada delinqüente deve ser considerado em seu contorno situacional, de modo a permitir uma avaliação dos fatores que possam explicara sua conduta, e daqueles que a possam justificar, ou não. Ou seja, sopesar ambos os campos em que se desenvolve a atuação humana - o daquele que sofre a ação dos fatores bio-psicológicos e sociais, e o daquele em que se manifesta o fator deliberativo, em razão do arbítrio, à luz da ética exigível dentro do "mínimo de moral" que se espera para a conduta humana.

Por fim, no que se projeta dentro do campo imenso e intensamente sedutor da Criminologia dialética, há que ensejar um amplo debate em busca, ansiosa e plena de inquietude interrogativa, do quanto se possa vislumbrar dentro da avaliação epistemológica do que, em verdade, possa continuar a ser admitido e respeitado, e do quanto se deva ciente e conscientemente entender objeto de modificação, de reformulação.

É evidente que, por sua mesma posição de ciência auxiliar do Direito, a Criminologia só poderá ir ao ponto de oferecer a sua colaboração, sem pretender dogmatizar, o que seja uma atitude, aliás, contrária ao espírito íntimo dessa disciplina especulativa e de investigação científica. Mas, se for válida esta atitude, estudemos mais afincadamente esta Ciência Criminológica, para podermos oferecer uma cooperação cada vez mais instruída e idônea, e sacar dela prestimosas conclusões.

Recorde-se que a referida definição assim soa: pena é "o tratamento compulsório ressocializante, personalizado e indeterminado".

Retira-se dessa definição um conceito acolhedor da mais atualizada doutrina neo-eclética, iniciando-se por caracterizar a pena como tratamento. A introdução dessa expressão - hoje de livre curso para os próprios jus-penalistas - desde logo dá a demonstração de como a influência médico-psicológica foi levada avante e com plena aceitação, em certos aspectos, pelos cultores do Direito. Nos nossos dias, já não causa espécie o emprego dessa palavra, que traz em seu bojo um conteúdo de índole médica, antropológica, clínica.

Fala-se, pois, em tratamento como um processo a que deve ser submetido o criminoso e que visa corrigir os defeitos, que possa haver apresentado em sua personalidade. É claro que o termo até ultrapassa, de muito, o que em si mesmo quereria traduzir, desde que esse tratamento às vezes em nada será médico, podendo ser apenas pedagógico, ou social. E sempre deverá admitir parâmetros jurídico-penais sob os quais ainda e sempre deve permanecer a aplicação da Justiça, segundo o venho defendendo dentro do neo-ecletismo penal.

Assim, tratamento será a pena, dentro do amplo conceito ora expendido, em que entra a atividade médica propriamente dita, mas em que, ao lado dela, entra também a pedagogia, o cultivo de uma profissão e que a pessoa humana tem de considerar, como "animal gregário" que é, e que lhe impõe o estabelecimento dessa Inter-relação. E isso deve assim ocorrer para que o ser humano, no conjunto complexo da sua personalidade, seja deveras tratado lá onde o exigir a frincha que permitiu a maior influencia crimico-impelente, seja essa debilidade de ordem somático, fisiológico ou cultural, além de ética.

A prática tem demonstrado que a "prisão não cura, corrompe", segundo a frase feita que já corre mundo. Mas se a prisão ainda assim se apresenta, é apenas porque ela não se deixou embeber do seu legítimo sentido e da sua verdadeira meta.

Para que a distorção do tratamento não venha a ocorrer na prisão, levando-a para a perversão moral, é que tanto se está lutando no campo da doutrina para iluminar uma prática mais sadia. E o que aqui se vem dizendo, quanto ao tratamento, visa exatamente uma prisão que não corrompa, que não destrua mais o que deve reconstruir. E este último alvo é, sem dúvida, possível, para os legítimos penalistas, cônscios, em verdade, da ciência a que servem.

E enfim, fale-se em tratamento, sempre como alvo que se sucede ao conhecimento da personalidade e ao reconhecimento das suas possíveis falhas, deficiências ou defeitos.

Ainda dentro desse tratamento, deve-se considerar o seu papel disciplinador, ou seja, criar ou desenvolver no delinqüente a necessidade basilar de integrar, em sua maneira de ser, uma estrutura disciplinatória de todas as suas vivências, tomando-as sintônicas com a convivência - obrigatória - a que somos levados pela própria natureza da nossa vida social.

Disciplina, outrossim, não quer significar despersonalização, amolgamento da vontade, submissão passiva a outrem, e coisas desse tipo. Com disciplina quer-se significar a conjugação daquilo que somos, em todos os nossos atributos e prerrogativas, com a necessidade da convivência, que sempre impõe necessárias limitações e normas. O que define uma sociedade é justamente uma unidade de ordem, que põe sentido, pragmatismo e possibilidade de sobrevivência, de todo um grupo, mas que não pode abolir necessariamente a personalidade de cada um, antes até lhe dá condições de preservação e permanência. Sem essa unidade de ordem, a vida seria insuportável e o caos social só seria de esperar. E aquilo que se poderia entender como liberdade individual - sempre tão ardorosamente defendida, até além dos seus convenientes limites - desapareceria, envolvida a pessoa no turbilhão em que não poderia sequer sobreviver. Daí que a unidade de ordem é indispensável à própria liberdade, garantindo-a, ainda que disciplinando-a.

Disciplinado, em que sentido ? No de união, conjugação, cooperação de esforços e de sacrifícios para o bem comum. Sem esse princípio, a liberdade seria licenciosidade, a pessoa passando a ser uma vítima da solidão que essa própria liberdade então imporia - pois que viver em sociedade é, essencialmente, conviver (com equivale a junto, e conviver significa viver junto).

Essa disciplina social precisa ser ensinada e reestruturada em cada criminoso. o seu crime nada mais é do que um ato, afinal, de indisciplina. É mister que o ensino do respeito e da integração dessa disciplina social seja ministrado subjetiva e objetivamente ao delinqüente. E até com um cuidado muito zeloso, eis que o criminoso, ao deixar a prisão, certamente vai encontrar uma sociedade diversa daquela que ele deixou ao iniciar o cumprimento da pena, e isso devido ao vertiginoso desenvolvimento da era presente. Desta forma, acompanhando esse desenvolvimento, é indispensável que o regime penitenciário coloque com o devido cuidado e com a necessária sapiência um sistema disciplinar que prepare o delinqüente a compreender que, sem aquelas limitações indispensáveis para a manutenção desse regime de convivência, sem essa obrigatória disciplina, ao voltar ao convívio social, este lhe imporá, como resultante da sua própria essência, aquelas e até novas limitações.

Esse regime disciplinar começa por impor ao criminoso um tratamento compulsório, isto é, um regime que não é adotado espontaneamente, mas que se é obrigado a aceitar e a seguir. Haverá aí um certo ressabio aflitivo, e até retribuitivo. Mas não há mal algum em que se mantenha, na dose adequada, esse caráter também, desde que, enfim, o criminoso é submetido a esse tratamento a partir de um ato anti-social que praticou, em que foram feridos interesses, valores, normas, de importância para a manutenção da comunidade. E até hoje existe uma corrente que tende para uma revisão do excesso de liberalidade em termos de regime penitenciário, com uma também excessiva preocupação com o welfare of the offender, como se só o bem-estar do delinqüente importasse e fosse o motivo e a razão de ser dos sistemas penitenciários. Esta preocupação mereceu um justo reparo por parte do Prof.López-Rey Y Arrojo, que não deixou de criticar esse erro em colocar tanta ênfase naquilo que deve ser apenas um dos aspectos a considerar no regime prisional - mas não o principal, nem o essencial. E que não pode fazer descuidar o que é primordial, que será sempre a recomposição de uma personalidade, inclusive pela compreensão que ela deva integrar quanto ao erro cometido, pelo qual deve responder moralmente também. E então, neste neo-ecletismo penal que deve prevalecer nas modernas perspectivas da Criminologia, não se pode descartar uma retomada de posição quanto a estas implicações éticas do tratamento penitenciário, no qual se deve menosprezar o campo moral do problema, em termos de tratamento.

Há aqui toda uma infinita problemática penitenciária, que dependerá das possibilidades efetivas de cada país e região; mas sempre se devendo manter uma certa segurança e atenção para com o tipo especial de população com que se vai lidar, sem nos deixar seduzir por facilitações generosas, mas imprudentes, e sem deixarmos de considerar que, no início de tudo, sempre se parte de uma ação anti-social praticada, cuja responsabilidade moral cabe a - quem a efetivou, sem excusa bastante para ela, como o julgamento o deve haver definido. Nunca os regimes penitenciários devem assumir liberalidades excessivas, e até às vezes anunciadas quase com excesso, que toca as raias de uma espécie de propaganda. Recentemente, o noticiário dos canais de televisão deu conhecimento de suas penitenciárias que se projetam em cidades do Interior de São Paulo, com tantas vantagens para o welfare of the offender (piscinas, quadras de vários esportes, enxadrismo, cinema, TV, etc.) que o locutor de um dos canais, causticamente, comentou: o problema que está surgindo é o número excessivo de telefonemas para essas cidades, de numerosos interessados em saber o que é necessário realizar para se ingressar e obter vagas nessas instituições...

A justiça, que hoje vê bem e julga melhor, deve cercar-se de serenidade, competência e profundo conhecimento, para saber o que deve ser feito de melhor - mas sempre com a extrema seriedade, que a superioridade da sua posição de suprema sabedoria e equanimidade deve saber atender e impor. Não é conveniente esse caráter que, às vezes, assume uma inautêntica ciência penitenciária, de uma pieguice falsa e quase consensual com o delito e o delinqüente. O tratamento deve visar o reforço da intimidade anímica do criminoso, robustecendo caracteres, e não alagando os autores de condutas que já foram agressivas para a sociedade - e que se necessita evitar que reincidam na cedência da vontade. E, para tanto, use-se a compreensão, o auxílio, a filantropia, o real interesse em tudo fazer para recuperar o criminoso - mas não se desvirtue a rota a seguir por falsas imagens que se afastem da realidade crua da disciplina social e de suas correspondentes responsabilidade. O tratamento deveria buscar a reeducação (correção do caminho a seguir).

A personalização da pena foi uma das conquistas mais efetivas do positivismo penal e decorre diretamente da Antropologia Criminal. Foi a demonstração, feita a partir de Lombroso, de que se deve enfocar o criminoso em seus caracteres pessoais, diversos em cada indivíduo, quer do ponto de vista biológico, quer ainda das influências mesológicas que haja recebido, o que levou a tentar um tratamento adequado a cada um desses tipos personalizados de criminosos.

É bem claro que não deve ser permitido exagero nesse campo, aliás como em nenhum outro. Não é rigorosamente necessário que se pormenorize um só tratamento, e exclusivo, para cada um dos criminosos. De fato - ainda como para os doentes - a terapêutica dispõe de meios que abrangem grupos humanos com caracteres afins. Há grupos que podem receber um tratamento basicamente comum a todos os seus integrantes. Daí que sempre se cogitou de estabelecer classificações penitenciadas dos criminosos, para ensejar um agrupamento de delinqüentes de características assimiláveis, para serem enviadas a estabelecimentos de determinado tipo.

Na prática, é admissível, porque necessário, que se façam estes grupos de tipos afins. Mas não se creia que essa seja a maneira ideal de enfrentar e resolver o problema terapêutico penal, desde que, bem no âmago dos fatos, está o ser humano, único em seu perfil e na sua colocação perante a circunstância ambiental.

Como, todavia, será impraticável uma distribuição dos delinqüentes indo até uma personalização assim tão exclusiva, é admitida a divisão dos estabelecimentos penais em diversos tipos, dentro dos quais se enquadrarão, mais ou menos de acordo com os seus perfis individuais, os diversos tipos de personalizados de criminosos.

Mas não se deixe de dizer que, feita a triagem de acordo com as várias possibilidades que se ofereçam á administração penitenciária, e enviados os criminosos para os vários tipos de estabelecimentos mais adequados às suas características pessoais, em cada um desses estabelecimentos poder-se-á, e se deverá, ir mais longe na personalização, a partir dos grandes grupos considerados.

De um ponto de vista ético, todavia, não deve se afastar esse tratamento: deve ele dar ao criminoso - sem que assim ele se sinta deprimido, ou deformado, ou mesmo sensibilizado - a noção da necessidade da sua recuperação moral, desde que o ponto de partida da sua ação agressiva contra a sociedade se reconheceu sempre no animus que pôs ao serviço da mentalidade criminosa de que se deixou assenhorear o seu espírito. Tudo o mais que se possa fazer do ponto de vista médico, psicológico, pedagógico em um enfoque holístico, enfim, ressocializante, deve-se apoiar na base de uma sólida, tão sólida quanto possível, reconstrução ética da sua personalidade. Se não houver a mudança da mente (a metanoia, dos gregos), se não houver a sideração da vontade no sentido de se robustecer a âmago anímico da personalidade, tudo o mais pode entrar em falência, pode a qualquer momento ser, de novo, submetido às forças crímino-impelentes e por elas dominado - e a reincidência se manifestar.

Portanto, dê-se a ênfase maior na reeducação e no fortalecimento do núcleo moral da personalidade; ou seja, daquele núcleo que é o que define exatamente a natureza humana de que somos participantes. A partir daí, então, dê-se ao tratamento todo o conteúdo de um processo reeducativo, recuperador, ressocializante, indo alcançar todos os ângulos da personalidade e mirando a volta de delinqüente ao convívio social, com todas as implicações que daí decorrem, inclusive, e principalmente, a atenção que deva ser dada aos deveres sociais e à integração de uma pessoa na comunidade; o que importa era receber logo estímulos vários para agir de maneira agressiva, anti-social e criminosa, aos quais é dever resistir.

Ora, uma corrente de penalistas e criminologistas há muito vem reclamando de situação semelhante para a aplicação das penas, naquilo que se denomina de pena indeterminada. De fato, um tratamento penal deverá ser aplicado até o momento em que um mínimo de recuperação haja sido obtido, compatível com a volta do criminoso ao convívio social. Passar daí, é arriscar-se em perder o que se haja alcançado. A doutrina tem repetido, com carradas de razão, que, tanto as penas de curta duração, quanto aquelas de longa duração, são prejudiciais para a pessoa do delinqüente. Ora, desde logo se deduz que essa duração deverá ser idealmente aquela que leve o indivíduo a obter aquele ótimo de recuperação, nem antes, e nem depois. E, assim, estabelecer-se-ia condições para um melhor resultado final.

Dois óbices têm sido levantados contra esse ideal da pena indeterminada: um decorrente ainda de um remanescente espírito retributivo, que deseja para uma espécie de crimes, uma pena mais severa que para outras espécies de delitos; o outro óbice provém de uma idéia - a ser corrigida - de que a execução penal passada, das mãos do Juiz, para as mãos do técnico.

Quanto ao primeiro desses argumentos contrários à pena indeterminada, deve-se informar que o tipo de delito praticado nem sempre corresponde à deformação da personalidade ocorrida no criminoso; às vezes, sim, desde logo se tem uma noção de gravidade do comprometimento dessa personalidade, como ocorre na hediondez de certos crimes; mas pode acontecer o contrário, isto é, de um pequeno delito seja, todavia, a primeira manifestação de uma personalidade bastante agressiva.

Justifica-se plenamente que a pena indeterminada seja dotada nas nossas leis penais, desde que atendidos os pontos fundamentais anteriormente referidos, ou seja: que a sua indeterminação não fique fora da competência judicante, a qual deliberará sobre a extinção da medida punitiva, desde que proposta pelos auxiliares técnicos do Juiz.

Na realidade, a pena fixa é contrária à boa recuperação dos criminosos, ao marcar limites artificiais à mesma, e apenas decorrentes da quantidade do delito praticado. E deixando de lado a personalidade do réu, e sua capacidade de recuperação ético-social, mesmo quando esteja em vigência o artigo 42 do Código Penal, até hoje não atendido adequadamente quanto "aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime".

Não fique sem dizer que, também na apreciação criminológico-clínica do delinqüente, deve entrar em cogitação a natureza do delito praticado; é um dos elementos centrais que informa a observação do criminoso.

Mesmo que fossem aceitos e praticados estes preceitos, sempre caberá plenamente a manutenção da liberdade condicional, para os que hajam estado segregados do convívio social. E isto porque ela representa, nos dizeres de Flamínio Fávero, a convalescença penal, isto é, aquele período de prova em que se verifica se o delinqüente já se encontra efetivamente em condições de conviver em sociedade de maneira sintônica, e não agressiva.

O neo-ecletismo penal pretende dar todo o valor, que é inconstante, à evolução da Criminologia Clínica e na investigação científica das causas da criminalidade, até onde elas possam ser rastreadas e reconhecidas. Mas quer reivindicar a necessidade de se valorizar a atenção para os aspectos morais do ente humano, que devem ser devidamente computados:

a) para a indispensável avaliação da responsabilidade moral pelo ato praticado, em termos de uma justificação, ou não, de tal ato;

b) para o reaparelhamento do núcleo moral do delinqüente, a fim de aumentar-lhe as resistências futuras aos falares crímino-impelentes que no porvir venham a agir de novo sobre o indivíduo.

Deixar de dar, entretanto, toda a ênfase que merece este núcleo Moral do ser humano é incidir num erro fundamental, visto que a explicação científica da gênese do delito não afasta a necessidade de se enfocar este outro aspecto da questão, que, no homem, é primordial.

A forma de atender às necessidades morais da criatura humana tem sido apanágio do ensino religioso; e este ensino tem sido facultado nas instituições penitenciárias com ampla liberdade de crença. Ao lado dele, entretanto, complementando-o e abrindo a visão para campos mais amplos, deve-se dar toda a oportunidade à instrução moral e cívica, de largo horizonte, o que não exclui, como disse, a prática do culto religioso, mas que abrange inclusive os que não se declaram religiosos, ou tenham apenas parcas noções sobre as suas crenças.

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Sobre o autor
Leonardo Rabelo de Matos Silva

advogado, mestrando em Direito pela UNIG/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leonardo Rabelo Matos. A criminologia e a criminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4137. Acesso em: 22 dez. 2024.

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