A evolução histórica do acesso à justiça

Resumo:


  • Estudo da evolução do acesso à justiça e análise das três "ondas" reformistas propostas por países ocidentais após o Projeto de Florença em 1965, visando resolver problemas de efetividade do acesso à justiça.

  • Primeira onda: assistência jurídica aos pobres; segunda onda: reformas para representação jurídica de direitos difusos; terceira onda: busca por métodos alternativos de solução de conflitos, além das duas primeiras.

  • Conclusão: as duas primeiras ondas trouxeram avanços significativos para a tutela de interesses individuais e coletivos, enquanto a terceira onda foca em meios alternativos para resolver conflitos, contribuindo para a dinâmica e efetividade da defesa de interesses na sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O trabalho é um estudo a respeito da evolução histórica do acesso à justiça através da análise das três "ondas" de acesso à justiça.

RESUMO

 

O presente trabalho é um estudo acerca da evolução histórica do acesso à justiça, através da análise das três “ondas”, que são os métodos propostos pelos países do ocidente, criados de forma cronológica, com a finalidade de resolver os problemas de efetividade do acesso que foram constatados a partir do Projeto de Florença em 1965; sendo que a primeira onda diz respeito à assistência jurídica àqueles que não possuem condições de arcar com as despesas, a segunda se relaciona com as reformas tendentes à representação jurídica para os direitos difusos e a terceira, mais atual, representa uma junção das outras duas, no sentido de procurar dar mais dinâmica à solução de conflitos.

 

Palavras chaves: acesso à justiça, históric

 

1. INTRODUÇÃO

  O Poder Judiciário é palco de uma séria crise de efetividade. Atualmente, o Estado Moderno possui a função de dirimir conflitos interindividuais, isto é, abrange a capacidade de solucionar os conflitos que envolvem pessoas, cuja decisão se dá sobre as demandas apresentadas, e ao final, impõe sua decisão. Trata-se, pois, do instituto da jurisdição, cuja finalidade é a pacificação do Estado.

Hoje, portanto, prevalece o conceito de Estado Social, isto é, a função essencial dada ao Estado é a promoção da realização dos valores humanos, trata-se do bem-comum da pacificação com justiça.

Com o advento da integração global econômica, social, cultural e política, as demandas judiciais foram apresentando um grau de complexidade cada vez mais significativo, e a cultura jurídica padeceu sobre uma crise de superlotação. Frise-se que os países subdesenvolvidos são os mais afetados.

O Poder Judiciário é um dos três clássicos poderes do Estado, com o intuito primeiro de proporcionar a efetivação do Estado Democrático de Direito. Trata-se daquele cuja função é a proteção da Constituição da República Federativa do Brasil, que alberga em sua redação valores e princípios fundamentais.

Trata-se de uma crise de eficiência do Poder Judiciário, observado seu viés positivista e inflexível, que por vezes pode refletir na própria descrença do cidadão comum que o procura diante de um litígio.

A conflitualidade é, ainda, a essência dos instrumentos tradicionais de resolução de conflitos, de modo que os conflitos por eles tratados geram para as partes um sentimento de inconformismo perpétuo, onde, mesmo que o resultado seja alcançado através de um meio dito conciliatório, este não se parece a essência, vez que os próprios operadores de tis instrumentos não possuem, por vezes, intimidade e preparo para a aplicação de métodos alternativos. A homologação de decisões assim pode significar tristeza para as parte e sensação de perda.

Sob o problema acima esclarecido a respeito do cenário atual de crise pelo qual passa o sistema judiciário, surgiram muitas propostas de soluções foram apresentadas, resultando no que se convencionou em chamar de “acesso à justiça”.

Sobre o conceito de acesso à justiça, cabe a acertada lição de Cappelletti e Garth (1998, p.8):

A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

O conceito de acesso à justiça transmuda-se de acordo com os aspectos históricos e culturais de cada tempo.  Na antiguidade clássica, já havia medidas de ampliação do acesso dos cidadãos à justiça, observadas suas limitações. Em Atenas, na Grécia, nomeavam-se, anualmente, dez advogados para realizarem a defesa em juízo dos pobres.

A Idade Média também foi palco de iniciativas com o fim de assegurar a assistência jurídica aos mais necessitados, mas essa com um contão mais cristão e caridoso. Na França medieval, a exemplo, possuía um sistema no qual determinava-se o patrocínio gratuito das pessoas pobres em juízo.

Nos estados liberais dos séculos XVIII e XIX, por exemplo, tratavam do acesso à justiça por um condão individualista dos direitos, isto é, o significado restrito e formal de propor e contestar uma ação.

Sob essa óptica, o Estado permanecia inerte, no sentido de que, por se tratar de direitos naturais, ou seja, direitos preexistentes ao próprio Estado, cuja preservação não exigia do Estado qualquer ação ativa, e este, por suas vez, não se inteirava sobre a desigualdade fática entre as pessoas quando no momento de defender seus direitos.

A então chamada justiça só podia ser exercida por aquele que possuíam capacidade financeira para arcar com seus custos, e eram os únicos responsáveis pelos seus resultados. Tratava-se, portanto, de uma mercadoria.

No entanto, já no século XX, essa sociedade burguesa desenvolveu-se, cresceu e tornou-se complexa. As relações sociais começaram a revestir-se de um perfil mais coletivo, o significado dos direitos humanos começou a ser alvo de mudanças, configurou-se, mais especificadamente, o chamado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social). Elencados exemplificadamente no preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, os direitos e deveres sociais do governo foram reconhecidos como necessários ao efetivo e igual acesso à justiça para todos.

Trata-se aqui de direitos relativos à saúde, ao trabalho, segurança e educação. Isto é, para que o acesso à justiça deixasse de ser desigual em razão da disponibilidade econômica das partes, tornou-se pacífica a necessidade de atuação positiva do Estado. Cabe esclarecer a importância de tal evolução nas palavras de Cappelletti e Garth (1998, p.12):

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

De fato, as teorias socialistas insurgentes do pós I Guerra Mundial, a crise de 1929 nos Estados Unidos da América, além das lutas setoriais de categorias tradicionalmente oprimidas, fizeram com que o Estado passasse a intervir com o fito de assegurar a qualidade de vida da população e a efetivação de seus direitos.

A partir de então, a Europa e a América do Norte debruçaram-se sobre uma série de medidas a fim de propiciarem meios eficazes que fossem capazes de possibilitar aos pobres a assistência jurídica de forma gratuita.

Neste momento cabe uma ressalva no sentido de que, apesar dos esforços supra mencionados, vale esclarecer que se tratou aqui de uma garantia de acesso à justiça apenas formal, uma vez que os serviços de assistência eram prestados por advogados partícula de tal sistema.res e sob uma roupagem caritativa, resultando na ineficiência do sistema.

Sobre isso, em 1919, na Alemanha, o governo elaborou um programa mediante o qual o Estado pagava os advogados que prestassem assistência jurídica aos pobres. A Inglaterra, a seu turno, criou em 1949 o Legal Aid Advice Scheme, onde os advogados prestavam assistência e aconselhamento jurídico gratuitos.

Essa busca pelo acesso à justiça eficaz e igualitário tomou maior envergadura somente na década de sessenta, que passou a abranger todo o mundo Ocidental, tendo como um dos principais movimentos de ampliação o Projeto Florença, que analisou os principais obstáculos ao acesso igualitário à justiça, além das práticas que já vinham sendo adotadas até então.

Além desse e a partir dele, Mauro Cappelletti e Bryant Garth elaboraram a conhecida classificação das soluções para os obstáculos do acesso à justiça em “ondas”, bem como propuseram uma maior abrangência para seu conceito, menos formalista, levando em consideração questões para além da preocupação com a representação em juízo.

Essa obra, vanguardista por excelência, tornou-se um marco teórico para o estudo das questões que versem sobre o acesso à justiça, com influência sobre legisladores no mundo inteiro. Pelo exposto, adotar-se-á no presente trabalho as categorias de Cappelletti e Garth (1998) para o tratamento das soluções práticas aos problemas de acesso à justiça.

Ao final deste trabalho é necessário esclarecer que o contexto sócio-político brasileiro no períodos dos movimentos de acesso à  justiça no mundo impediram o país de produzir estudos ou medidas a esse respeito, com tímidas exceções, como é o caso da Lei nº 1.060/50.

Melhor dizendo, enquanto os países vanguardistas europeus e norte-americanos debruçavam-se na busca de métodos eficazes de acesso igualitário à justiça, o Brasil estava acometido pela sobra ditatorial, palco de exclusões político-sociais dos cidadãos, que tiveram, por consequência, seus direitos ignorados. Prova disso é que, a obra de Cappelletti e Garth, já conhecida no mundo pela sua importância no tema, só teve sua versão resumida e traduzida publicada no Brasil em 1988.

Por isso, as medidas adotadas pelo Direito Brasileiro de acesso à justiça só serão abordadas neste trabalho (de modo exemplificativo) a partir do tópico posterior, que tratará sobre as “ondas”.

2.  AS “ONDAS” DO ACESSO À JUSTIÇA

 

Trata-se dos métodos de solução propostos pelos países ocidentais, a partir de 1965 com o propósito de resolver os problemas de efetividade do acesso verificados a partir do Projeto de Florença, citado anteriormente. Pode-se afirmar que a adoção de tais soluções se deu basicamente de forma cronológica.

A primeira onda diz respeito à assistência jurídica direcionada aos pobres, tais como os métodos de contratação de advogados para prestarem assistência judiciária gratuita, explanados acima. A segunda onda, por sua vez, diz respeito às reformas tendentes à representação jurídica para os direitos difusos. A última onda, a seu turno, é uma junção das duas primeiras, e sugere uma nova perspectiva.

Passaremos agora a uma análise mais detalhada de cada uma das ondas, analisando os obstáculos identificados por Cappelletti e Garth, e, posteriormente, sobre as principais métodos no Ocidente e no Brasil.

 

2.1 A primeira “onda” do acesso à justiça: a assistência judiciária para os pobres

As primeiras providências tomadas pela maioria dos países ocidentais giraram em torno da proporção do acesso à justiça aos desafortunados. Para tanto, é esclarecedora uma breve análise da necessidade do advogado para o êxito de tal finalidade. O advogado é dono de um papel muito importante para com a sociedade, haja vista a prestação de verdadeira função social, assegurar os direitos das pessoas que a ele creditam suas pretensões, agindo em consonância com os demais órgãos encarregados dessa prestação.

Nas sociedades modernas, devido à complexidade das questões que se apresentam em juízo, o papel do advogado configura-se como essencial diante de tão complexas interpretações de lei e burocracias para a própria propositura de uma ação. Desse modo, métodos elaborados para a facilitação responsável do acesso à justiça aos mais necessitados é matéria pertinente.

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Reconhecida a necessidade de métodos de acesso à justiça em prol da igualdade de possibilidades, os instrumentos propostos nesse começo, e não apenas nele, apresentaram falhas.

Isto porque, em sua maioria, a assistência judiciária gratuita era prestada por advogados particulares sem previsão de qualquer contraprestação pecuniária, em verdade, na sociedade baseada pela economia, os profissionais mais competentes dedicavam-se àquelas causas cuja contraprestação lhes fosse garantida.

A ineficiência desses métodos, portanto, foi inevitável, isto é, o Estado reconheceu que precisava intervir para garantis o direito dos mais pobres, mas não tomou as medidas acertadas para isso.

Além do caráter de atividade de caridade, a promoção de acesso à justiça na primeira onda enfrentou também o problema do estabelecimento de muitas regras e limites para a efetiva habilitação das pessoas a serem assistidas.

Essas lacunas nos modelos de assistência judiciária gratuita nos países ocidentais foram paulatinamente percebidas, e sofreram reforma até imediatas, pelo menos como é o caso da Alemanha e na Inglaterra.

A primeira elaborou um sistema remuneratório para os advogados em troca da prestação de assistência judiciária, assistência essa abrangente a todo aquele que a procurasse.

Na Inglaterra, a reforma começou em 1949, com um estatuto que criou a Legal Aid and Advice Scheme. Esse esquema de assistência compensava tanto o aconselhamento jurídico quanto assistência judiciária. Nesse caso, havia algumas limitações, mas já era o início dos movimentos para superar os programas caridosos.

Nos últimos 12 (doze) anos a questão da assistência judiciária ocupou prioridade na agenda de reformas judiciárias. Nas palavras de Cappelletti e Garth (1998, p.35):

Os sistemas de assistência judiciária da maior parte do mundo moderno foram, destarte, grandemente melhorados. Um movimento foi desencadeado e continuou a crescer e, como veremos, excedeu até mesmo as categorias da reforma da assistência judiciária. Antes de explorar outras dimensões do movimento – e sem dúvida para ajudar a esclarecer a lógica dessas dimensões ulteriores – precisamos acompanhar as principais realizações, assim como os limites dessa primeira grande onda da reforma.

A essência desse tópico diz respeito aos obstáculos encontrados pelas pessoas pobres ao procurarem a guarida judiciária para resolverem suas lides, e essa foi a razão dos esforços empreendidos pelo movimento de acesso à justiça. No início, adotaram-se dois sistemas básicos de atuação: o sistema Judicare e o sistema de advogados remunerados pelos cofres públicos (salaried staff lawyers).

O primeiro sistema consistia na remuneração de advogados particulares a cargo do Estado, afim da proporção igualitária do acesso à justiça. Desse modos, os litigantes de poucas condições financeiras pudessem valer-se da mesma representação judicial que as pessoas com mais vantagens financeiras teriam ao acionarem a Justiça.

O sistema acima sublinhado foi adotado por países como a Alemanha, Áustria, França, Inglaterra e Holanda. Foi um avanço significativo, entretanto, padeceu de limitações quando da sua aplicação.

O Judicare não abrangeu aspectos preventivos, logo, as entravas culturais não foram ultrapassadas, isto é, nada mudou com relação à falta de conhecimento dos indivíduos, que continuaram a desconhecer quando deviam acionar a Justiça em prol da efetivação ou segurança de seus direitos.

Além disso, esse sistema também não fora projetado para lidar com conflitos coletivos, tratando apenas de causas relativas a direitos individuais.

O segundo sistema, advogados remunerados pelos cofres públicos, surgiu nos Estados Unidos. Foi um avanço, se comparado com o sistema anterior, mas era completamente dependente do governo, institucional e financeiramente. Logo, os conflitos cujo polo passivo era o próprio Estado, o acesso à justiça aos pobres demonstrava-se incompatível.

Em razão dos objetivos e das falhas apresentadas nos dois sistemas acima explanados, alguns países passaram a adotar um sistema misto, com ambas as características, tendo o cidadão a opção de escolher. A Suécia, Canadá, Austrália, Holanda e Grã-Bretanha adoram essa postura.

No Brasil o efetivo acesso à justiça por parte das pessoas pobres também foi alvo de importantes providências, uma das mais significativas foi a edição da Lei da Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº 1.060/50), recepcionada, inclusive, pela Constituição Federal do Brasil de 1988. Esta Lei representou um avanço significativo da seara aqui abordada para Brasil. A redação dada ao seu art. 4º dada por outra lei (7.510/86) é vanguardista:

Art. 4º. A parte gozará d´s benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Além da Lei de Assistência Judiciária Gratuita, no Brasil, no que tange ao contexto da primeira “onda” do acesso à justiça, foi a criação dos Juizados de Pequenas Causas, advindo da Lei nº 7.244/84, que atualmente são regulados pela Lei nº 9.099/95, e são denominados Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Estes foram elaborados com a finalidade de atender, de forma rápida e pouco onerosa, conflitos cujas soluções podem ser alcançadas por qualquer cidadão, independentemente de sua condição financeira. Tudo isso sob a ótica de uma justiça para todos.

No Brasil, apesar e após os dois instrumentos citados anteriormente – Lei de Assistência Judiciária Gratuita e Juizado de Pequenas Causas – foi a promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil em 1988, que trouxe em seu bojo um espaço significativo em prol do acesso à justiça, adotando inclusive o conceito de “assistência jurídica integral e gratuita”, com abrangência maior que as denominações trazidas pelas Constituições anteriores.

Além dessa, a CRFB/88 previu a criação das Defensorias Públicas (art. 134), que também denota um importante avanço sobre o tema, na medida em que possibilitou, de fato, ao cidadão hipossuficiente a possibilidade de contar com consultas jurídicas, bem como representação judicial junto ao Poder Judiciário, sem o comprometimento de seu sustento ou de sua família.

2.2.  A segunda “onda” do acesso à justiça: representação dos interesses difusos

O segundo foco, não completamente ultrapassado o primeiro, foi direcionado à atenção dos interesses difusos. Estes são transindividuais, isto é, estão para além da esfera dos problemas individuais de cada um. Aqui, a satisfação tem que abranger toda uma coletividade indeterminada, mas ligada de alguma forma por um fato ou uma circunstância.

Esta onda trouxe o enfoque sobre óticas tradicionais básicas relativas ao processo civil, e sobre a própria função dos Tribunais. Sob este segundo contexto percebeu-se um movimento mundial a respeito do que ficou conhecido como “direito público”, decorrente do surgimento de políticas públicas direcionadas a um grande número de pessoas.

Essa situação trouxe novas reflexões à institutos do direito civil, tais como a citação e o próprio direito de defesa. Isso porque, por tratar de um número significativos de agentes e de direito indivisíveis pela própria natureza. Isto porque, não há, por exemplo, sensatez na exigência do comparecimento em juízo de todas as pessoas interessadas na qualidade do ar que respiram.

De modo que a decisão seja capaz de satisfazer os interesses efetivos de todos os membros de um grupo, independentemente de serem ou não ouvidos em sua totalidade.

O próprio conceito de coisa julgado careceu de reinterpretação, uma vez que seus efeitos, em sede de direitos difusos, não poderiam restringir-se apenas àqueles que compareceram em juízo.

Trata-se aqui do chamado efeito erga omnes, isto é, abrangendo a todos, inclusive aos que não participaram diretamente do processo.

No que coube ao Ministério Público a respeito das medidas de ampliação da legitimidade ativa em prol da tutela dos direitos difusos, percebeu-se o obstáculo da complexidade do assunto, o que inviabilizou seu êxito, na medida em que o pleito de novos direitos carece, para seu êxito, de conhecimentos que extrapolam o horizonte jurídico.

Vale dizer que o Ministério Público, atualmente, vem se especializando com zelo para o eficaz tratamento das inovações sociais. Outros métodos, entretanto, diante da ausência de conhecimento técnico por parte do Ministério Público sublinhada anteriormente, surgiram com o fito de atender representar a reivindicação desses direito caracterizadores da segunda “onda”.

Nos Estados Unidos, por exemplo, foram criadas verdadeiras agências públicas especializadas no assunto aqui abordado, mas que também padeceram em razão de serem advindas e mantidas pelo próprio Estado, com o resultado previsível de abalo à efetiva defesa dos direitos difusos e coletivos.

A legislação de diversos países também passou por série de adaptações no que tange à possibilidade de entidades não estatais possuírem a legitimidade de compor em juízo, e em nome de uma categoria, o polo ativo das ações que versassem sobre direito coletivo.

No Brasil, podemos apontar a denominada Ação Popular, apresentada pela Constituição Federal de 1934, e regulada pela Lei nº 4.717/65, com alcances ampliados pela Constituição Social Federal de 1988.

A Ação Popular, em breves palavras, e sem nenhuma pretensão de exaurir o tema, não vislumbra apenas a garantia de direitos fundamentais, ela vai além, trata-se de um valioso instrumento de efetiva participação política por parte dos cidadãos em defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico-cultural.

Depois dela, em 1985, outro instrumento valioso surgiu na legislação brasileira, foi a Ação Civil Pública, através da Lei nº 347/85, também recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Esta ação, chamada pelos doutrinadores de “remédios constitucionais” possui caráter público, e visa amparar o meio ambiente, o consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como qualquer outro interesse indivisível, seja ele difuso ou coletivo.

Aproveita-se o momento para explicar que, ao referirmo-nos a direitos difusos, estamos lidando com interesses cujos titulares são indetermináveis. Os interesses coletivos, por outro lado, referem-se a um determinado grupo ou categoria, determinável. Ambos, destarte, indivisíveis.

 Apesar de todos esses avanços, foi a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, que incluiu o Brasil no cenário de países comprometidos com a tutela dos interesses difusos e coletivos dos cidadãos.

Prova disso é o Mandado de Segurança Coletivo, que possui as mesmas finalidades dos individuais, mas permitem a tutela coletiva do direito líquido e certo que por ventura esteja padecendo. O instituto da substituição processual também é um grande exemplo, editada no art. 8º, inciso III da Carta Magna Brasileira.

Dessa forma, até aqui, analisou-se que, nos séculos XVIII e XIX vislumbrou-se um Estado Liberal de Direito, isto é, um Estado desprovido de atitudes positivas, passivo, baseado em direitos exclusivamente individuais.

Essas condições provocaram, já no século XX, o que se convencionou em chamar de Estado Social de Direito, firmado na intervenção estatal sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, ainda com resquícios individualistas, entretanto.

Sob esse quadro, esses direitos precisavam de expansão, carecia de uma abrangência cada vez maior, para mais categorias, até culminarem no reconhecimento dos direitos coletivos e difusos.

2.3. A terceira onda: uma nova concepção de acesso à justiça

As duas ondas anteriores versaram sobre a proporção da assistência judiciária aos pobres e à tutela de direitos coletivos e difusos, ambas com o objetivo do tão almejado acesso à justiça.

Os avanços advindos dos movimentos debelados naquelas fases são de importância inegável, haja vista os valiosos instrumentos de albergue de interesses para além da esfera individual, bem como das alternativas institucionalizadas de possibilitar ao desafortunado o patrocínio de seus litígios em juízo, sem comprometer seu sustento ou de sua família.

Ocorre que a terceira onda vai mais além, é um novo olhar sobre o acesso à justiça. Nas palavras de Cappelletti e Garth (1998, p.67):

Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras onda de reforma, mas em trata-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso.

Desse modo, deu-se o fortalecimento dos chamados meios alternativos de solução de conflitos, e desses, a mediação é uma espécie muito especial, uma vez que se por um lado reduz a quantidade de demandas que chegam aos tribunais, bem como os instrumentos peculiares que são utilizados diante de questões que possuem características e dinâmicas próprias.

No Brasil, pode-se tratar, quando se fala de métodos alternativos de solução de conflitos, da Lei nº 9.099/95, que instituiu no país os Juizados Especiais, sob uma essência principiológica direcionada à resolução de litígios de maneira mais célere e informal. O art. 2º desta Lei é claro:

O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

O acesso à justiça denota a provocação do Estado em busca de seu exercício jurisdicional, diante da necessidade de solucionar uma lide, em tempo hábil, sem prejuízo aos litigantes. Entretanto, a real situação do Poder Judiciário e suas demandas é incompatível com tal ideologia.

Dito isto, conclui-se pela existência de um verdadeiro contraste no interior do Ordenamento Jurídico. Isto porque, de um lado, a Constituição Federal aprecia que nenhuma lesão ou ameaça de lesão deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.

Nesse diapasão, a concepção dos Juizados Especiais possui a finalidade genuína de assegurar direitos envolvidos em questões de menos complexidade, dando-lhes solução jurisdicional rápida, e garantindo o acesso à justiça.

Os problemas procedimentais, técnico, materiais e subjetivos tratados até aqui são muito preocupantes no sentido de desenvolverem um solo fértil para demandas intermináveis. Essa situação gera reflexos nocivos desde o postulante, passando pelo requerido, no que tange ao desgaste material e psicológico, mas também, e principalmente, tem potencial de gerar descrença dos cidadãos nessa tão buscada tutela jurisdicionais de direitos a eles garantidos.

Fala-se aqui, portanto, não apenas da mera possibilidade de levar uma determinada demanda em juízo, mas sim de, além de conseguir levá-la, acreditar e ter a garantia de um resultado eficaz, célere, e pacífico.

Outro instrumento forte em prol da efetivação do acesso à justiça foi a Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

Essa Emenda é razão de mudanças significativas em sede do Poder Judiciário, especificamente no ramo do Direito do Trabalho, ampliando, por exemplo, sua competência. Tal presunção se extrai do art. 114 da CFRF/88, conforme redação abaixo.

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Mais especificamente sobre o tema aqui tratado, a Emenda supra, que ficou conhecida como a “Reforma do Judiciário”, trouxe o chamado “princípio da celeridade processual”, com a implementação do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, que determina:

5º [...]:

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Além da previsão o dispositivo supra mencionado, o legislador elaborou métodos importantes em prol do cumprimento dos preceitos fundamentais através da via infraconstitucional, a exemplo do conteúdo do art. 7º da Emenda ora sob comento, que tratou da criação de uma comissão especial mista, instalada pelo Congresso Nacional.

3.CONCLUSÃO

As duas primeiras “ondas”, que versam respectivamente sobre a assistência judiciária aos mais necessitados e à tutela dos direitos difusos e coletivos representaram grandes avanços, devido à criação de instrumentos importantíssimos tanto para a tutela de interesses individuais como coletivos.

A terceira “onda”, ao contrário das outras duas, não busca defender interesses em si, mas procura meios alternativos de solucionar conflitos, dando maior dinâmica à busca da defesa desses interesses, o que a torna tão importante para a sociedade quanto as outras duas.

ABSTRACT

 

This work is a study of the historical evolution of access to justice, through the analysis of the three "waves" , which are the methods proposed by Western countries , created chronologically, in order to solve the problems of effectiveness of access which were found from the Florence Project in 1965 ; and the first wave concerns the legal assistance to those who have not able to afford the costs , the second relates to the reforms aimed at legal representation to diffuse rights and the third , more current , is a portmanteau of the other two , in seeking to give more impetus to conflict resolution .

 

Keywords: access to justice, historic.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição Federal. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília, 05 out. 1988. 

 

BRASIL. Lei 1.060, de 05 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de assistência jurídica aos necessitados. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília.

 

BRASIL. Lei 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília.

 

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília.

 

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

 

 


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Sobre os autores
Guilherme Vieira Portela

Aluno de graduação do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Layane Dias Santos

Aluna do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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