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Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade

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01/06/2003 às 00:00
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3) CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A título de considerações finais podemos afirmar que a isonomia ou igualdade não é apenas um princípio de Estado de Direito, mas também um princípio de Estado Social; é o mais vasto dos princípios constitucionais, sendo impositivo em todos os recantos, constituindo-se num princípio jurídico informador de toda a ordem constitucional. Está inserido na Constituição não com função meramente estética, ou servindo como adorno dela, mas constitui-se princípio que tem plena eficácia e deve ser respeitado, pois caso contrário, estaremos diante de uma inconstitucionalidade e ao Poder Judiciário cabe o dever de sufragar inconstitucionalidades para que não venhamos a chegar ao nível da banalização dos princípios constitucionais. Sendo que a prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofendem não só a Constituição (princípio), mas também ofendem a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.

A interpretação desse princípio deve levar em consideração a existência de desigualdades de um lado, e de outro, as injustiças causadas por tal situação, para, assim, promover-se uma igualização. É dispositivo constitucional que por um lado representa promessa legislativa de busca da igualdade material e, por outro, mostra a necessidade da conscientização de que promover a igualdade é, também, levar-se em consideração as particularidades que desigualam os indivíduos. [42] Sua razão de existir certamente é a de propiciar condições para que se busque realizar pelo menos certa igualização das condições desiguais. Acreditamos também, que a efetiva igualdade entre os cidadãos não advirá de medidas paliativas, mas sim de mudanças sociais profundas que, ainda que necessitem de um longo prazo para a sua implementação, sejam revestidas de solidez inabalável e representem o ideal do estado democrático de direito, que provê aos cidadãos as mesmas oportunidades.

O referido princípio é norma voltada quer para o legislador, quer para o aplicador da lei, pois não é só diante da norma posta que se devem nivelar os indivíduos, mas também no momento de elaboração desta norma. Seu conteúdo é de máxima amplitude, abrangendo todas as normas do ordenamento jurídico, inclusive aquelas que dizem respeito a igualdade material. Por fim, a igualdade deve dar-se não só perante a lei, mas também perante o Direito, perante a justiça, perante os escopos sociais e políticos, perante enfim às dimensões valorativas do Direito. [43][44] Destarte, o princípio da igualdade sob o ponto de vista jurídico-constitucional, assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidades e de condições reais de vida. [45]


NOTAS

01. "princípio derivado do latim principium (origem, começo) em sentido vulgar quer exprimir o começo da vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começaram a existir. É, amplamente, indicativo do começo ou origem de qualquer coisa. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em axiomas". (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.III. Rio de Janeiro: Forense. 1989. p.433.)

02. DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 1995. p 59/60.

03. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.III. Rio de Janeiro: Forense. 1989. p.447.

04. apud. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Safe. p.14.

05. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. p.230.

06. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina. 1995. p.166.

07. Cf. Eros Roberto Grau embasado em Dworkin aparta princípios de regras desde a demonstração de que "as regras jurídicas, não comportando exceções, são aplicadas de modo completo ou não o são, de modo absoluto, não se passando o mesmo com os princípios; os princípios jurídicos possuem uma dimensão – a dimensão de peso ou importância – que não comparece nas regras jurídicas". (in. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: RT. 1991. p.114)

08. CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995. p.1088.

09. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Safe. p.81.

10. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros: São Paulo. p.56.

11. CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1988. p.1123.

12. ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Madri: Trotta. 1999. p. 110.

13. Com as revoluções burguesas, particularmente à Revolução Francesa "estabelecem-se as Cartas Constitucionais, que se opõem ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade feudal e às normas arbitrárias do regime monárquico ditatorial, anunciando uma relação jurídica centralizada, o chamado Estado de Direito. Este surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda que perante a lei, e acenar com o fim da desigualdade a que os homens sempre foram relegados. Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da humanidade. Esse fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesa e norte americana, e reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal Dos Direitos do Homem (1948)". (COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania. São Paulo: Braziliense.1993. p. 17)

14. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1993, p.195.

15. "Já dizia o Juiz Holmes: ‘Uma palavra não é um cristal transparente e imutável; ela é a pele de um pensamento vivo e pode variar intensamente em cor e conteúdo de acordo com as circunstâncias e o tempo em que são usadas’ (Towne V. Eisner, 245 US, p. 425)". (SCHNAID, David. A Interpretação Jurídica Constitucional (e Legal), in RT. 733:35)

16. Em relação ao ato de interpretar, cabe aqui destacarmos os ensinamentos do notório Prof. Juarez Freitas de que "Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou indiretamente, uma aplicação de princípios gerais, de normas e valores constituintes da totalidade do sistema jurídico". E prossegue o ilustre autor afirmando de que "ou se compreende o enunciado jurídico no plexo de suas relações com o conjunto dos demais enunciados, ou não se pode compreendê-lo adequadamente. Nesse sentido, e de se afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática, ou não é interpretação". (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros: São Paulo. p.53/53.

17. SCHANAID, David. Obra citada. p.32/22.

18. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Forense: Rio de Janeiro. p.166.

19. "Relativamente ao processo civil, verificamos que o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico. Assim, a norma do art. 125, n. I, do CPC teve recepção integral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades". (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT. p.43.

20. PORTANOVA, Rui. Princípio Igualizador. AJURIS 62:280

21. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1978, p.225.

22. O inciso III do art. 3º da CF/88, refere como sendo um dos objetivos da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e reduzir desigualdades sociais e regionais.

23. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu artigo VII temos a seguinte prescrição: "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação".

24. De acordo com Willis Santiago Guerra Filho o princípio da isonomia é um princípio constitucional geral, deve ser considerado de forma abstrata na medida em que não disciplina nenhuma situação específica, sendo que com base em tal princípio, "no seu sentido estrito, enquanto afirmação da igualdade formal de todos perante a lei, se atribui direitos civis e políticos, enquanto a distribuição dos deveres e ônus correlatos deve se dar obedecendo a ‘igualdade relativa ou proporcionalidade.’ " (FILHO, Willis Santiago Guerra. Sobre Princípios Constitucionais Gerais : Isonomia e Proporcionalidade. in RT nº.719:58/59.)

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25. para Pinto Ferreira esta igualdade perante a lei "deve ser entendida como igualdade diante da lei vigente e da lei a ser feita, deve ser interpretada como um impedimento à legislação de privilégios de classe, deve ser entendida como igualdade diante dos administradores e dos juízes". .(PINTO FERREIRA. Luís. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Saraiva. 1983. p.770)

26. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 89.

27. MARTINEZ, Fernando Rey. El Principio de Igualdad y el Derecho Fundamental a no ser Discriminado por Razón de Sexo. In: LA LEY, Ano XXI, nº.4984, febrero 2000. p.3.

28. BASTOS, Celso Ribeiro.Obra citada. p.229.

29. MANGABEIRA, João. Apud. PINTO FERREIRA. Luís. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Saraiva. 1983. p.771.

30. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1974, p.203.

31. "(...) a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem sentido que, no estrangeiro, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como o aplicador da lei". (SILVA, José Afonso. Obra citada. p.196/197.)

32. MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1993,p.11.

33. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p.63.

34. Revista Forense, nº201. p.118.

35. MELLO, Celso A. Bandeira de. Obra citada. p.13.

36. MELLO, Celso A. Bandeira de. Obra citada. p.21.

37. "o discrímen adotado deve se revelar em harmonia com a totalidade da ordem constitucional. Estabeleceu-se que a constitucionalidade da distinção deve ser aferida através de um juízo de proporcionalidade que caracterizará o discrímen eleito como justificado (ou não)". (SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2001. p.100)

38. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p.12.

39. CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995. p.401

40. SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro : Lúmen Júris. 2001. p.95.

41. MELLO, Celso A. Bandeira de. in. Revista de Direito Administrativo. nº 183, p.146.

42. PORTANOVA, Rui.Obra citada. p.282.

43. PORTANOVA, Rui.Obra citada. p.283.

44. Mauro Cappelletti, citado por José Afonso da Silva, já dizia que "está bem claro hoje que tratar ‘como igual’ a sujeitos que economicamente e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça". José Afonso da Silva, não esquece de que os pobres têm um acesso precário à justiça, visto não terem recursos para contratarem bons advogados. (Obra citada. p. 200)

45. CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995. p.403.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1978.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra : Livraria Almedina. 1995.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra : Almedina. 1988.

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania. São Paulo : Braziliense.1993.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989.

PINTO FERREIRA. Luís. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo : Saraiva. 1983.

FILHO, Willis Santiago Guerra. Sobre Princípios Constitucionais Gerais : Isonomia e Proporcionalidade. in RT nº.719:57/63.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. trad. 3. ed., Coimbra: Arménio Amado, 1974.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros: São Paulo. 1998.

MARTINEZ, Fernando Rey. El Principio de Igualdad y el Derecho Fundamental a no ser Discriminado por Razón de Sexo. In: LA LEY, Ano XXI, nº.4984, febrero 2000

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Forense: Rio de Janeiro. 1984.

MELLO, Celso A. Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1993. 48p.

___________________. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. nº2. 620p.

___________________. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo : Malheiros. 1990.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo : RT. 2000.

PORTANOVA, Rui. Princípio Igualizador. AJURIS 62:278/289.

ROTHENBURG. Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Safe : Porto Alegre. 1999.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.III. Rio de Janeiro : Forense. 1989.

SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro : Lúmen Júris. 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre : Livraria do Advogado. 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

SCHNAID, David. A Interpretação Jurídica Constitucional (e Legal). RT. Vol.733. nov. 1996. p.24-52.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Madri : Trotta. 1999.

Periódicos:

Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, nº.183, Trim.

Revista Forense, nº201, p.118.

Legislação:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4143. Acesso em: 19 abr. 2024.

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