Comércio Eletrônico e o Direito de Arrependimento à Luz do Código de Defesa do Consumidor – Por Abdo Khaled Tohmé

01/08/2015 às 15:26
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O presente artigo trata sobre a possibilidade do direito de arrependimento de compra realizada por meio de comércio eletrônico e da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nesses casos.

INTRODUÇÃO

A internet surgiu através de interesses militares, devido a necessidade de interligar toda a estrutura operacional militar, assim facilitando a comunicação entre as bases, tal desenvolvimento se atribui aos estudos científicos realizados pelo Ministério de Defesa dos Estados Unidos da América.

Com o passar do tempo a exclusividade militar foi deixada de lado, sendo adotada pelo meio acadêmico, a transformação deve-se a uniformização proporcionada pelo advento do Word Wide Web o famoso "www", sendo Timothy John Berners-Lee considerado o pai da internet.

No ano de 1993 foi disponibilizado a internet para uso particular, e posteriormente o comércio eletrônico como uma promissora ferramenta para o desenvolvimento mundial do comércio e sua respectiva globalização, encurtando distâncias, apresentando soluções, maiores ofertas de produtos e condições de pagamentos mais atrativas ao consumidor.

Tal sucesso foi um grande estopim para várias lojas no mundo, muitas delas não possuindo uma sede física, ou seja, todas as vendas são feitas através da internet, com um trabalho de logística a fim de suprir a demanda de compras que acontece a todo segundo. Mas por óbvio, o comércio eletrônico não trouxe apenas benefícios ao consumidor, problemas na relação entre fornecedor e consumidor acontecem por diversos fatores, a inexistência de uma lei que trate especificamente da internet e por consequência do comércio eletrônico, por vezes gera conflitos na relação de consumo.

Esse impasse será discutido através da legislação vigente, com foco na possibilidade, ou não, de arrependimento da compra por parte do consumidor.

1. A CARACTERIZAçÃO DA RELAçÃO DE CONSUMO

A relação de consumo pode ser caracterizada por pequenos elementos, que devem estar presentes tanto nas transações tradicionais, quanto nas transações realizadas através da internet, sendo os elementos: o sujeito, o objeto e o vínculo.

O sujeito diz respeito as partes na relação de consumo, ou seja todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a relação de consumo, o objeto pode ser o bem da relação ou então um serviço, a causa refere-se a finalidade do consumo e o vínculo corresponde ao elo que une as partes na relação de consumo.

Para melhor entendimento do tema se faz mister deixar claro a definição de comércio eletrônico que é definido como modalidade de compra à distância, consiste na aquisição de bens e/ou serviços, através de equipamentos eletrônicos de tratamento e armazenamento de dados, nos quais, são transmitidas e recebidas informações.

Por tanto, devemos identificar os sujeitos do comércio eletrônico, quais sejam, consumidor e fornecedor.

2. DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR

O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor traz expressamente a definição de quem é considerado consumidor:

"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

Como é de se observar, para ser considerado consumidor não importa se estamos falando de pessoa física ou jurídica, desde que fique claramente caracterizado como destinatário final propriamente dito.

O Conceito de consumidor como destinatário final é dúbio na Doutrina, destinatário final para alguns é aquele que o retira do mercado, ou seja, a pessoa que comprou um sorvete em um super mercado.

Entretanto o conceito de consumidor não é tão singelo quanto parece. Não é apenas o destinatário final, mas sim toda e qualquer pessoa que participar, direta ou indiretamente, da cadeia de consumo. José Reinaldo de Lima Lopes, em sua obra nos ensina:

[..] "aquele que entra diretamente numa relação jurídica para obter um bem ou produto pode não ser necessariamente o usuário final. Há os que adquirirem alguma coisa para fazer um presente. A posse ou o uso é que definem propriamente o consumidor. Nesse caso, fica evidente que a relação de consumo independe da participação em contratos." Responsabilidade civil do fabricante e a Defesa do Consumidor (p. 81).

Por sua vez, fornecedor tem sua definição no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.”

Entende-se por tanto, que a caracterização do fornecedor de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é o simples fato de desenvolver atividades tipicamente profissionais, como comercialização, produção, importação, devendo existir habitualidade na conduta.

3. A CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAção específica

Infelizmente não existe uma norma que regule especificamente a internet e consequentemente tudo que se deriva desta ferramenta como o próprio comércio eletrônico, existe um grande questionamento a respeito da necessidade de uma lei para regular a relação consumerista.

Data venia para discordar da necessidade da criação de uma lei, ou diploma especifico, entendo que uma legislação específica sobre o setor é desnecessária tendo em vista que a internet vive em constante evolução tecnológica, sob pena de se ter uma inevitável desatualização da lei, já que a internet e o comércio eletrônico estão evoluindo tão rapidamente que não é possível prever os passos futuros. Razão pela qual bastaria a criação de normas que apenas orientasse o comércio.

4. O DIREITO DE ARREPENDIMENTO

O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor prevê o direito de arrependimento nos seguintes termos legais:

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”

Para que tal direito seja exercido se faz necessário a existência do denominado "marketing agressivo", que nada mais é aquela promoção que atrai o consumidor, como por exemplo: "oferta relâmpago" e "black friday", não possibilitando ao consumidor uma reflexão se realmente este é o produto que almeja ou então da sua necessidade, o mesmo vale para as compras coletivas em que quase sempre existe a presença de um relógio em contagem regressiva, induzindo de forma um tanto atípica a compra.

Outra possibilidade para o exercício do direito de arrependimento são as compras realizadas à distância, ou seja fora do estabelecimento comercial, como compras realizadas pela internet, por telefone ou qualquer meio que não possibilite ao consumidor ter contato imediato com o produto, tal requisito é imprescindível para o direito de arrependimento tendo em vista que consta expressamente no art. 49 do Código de defesa do Consumidor, isso porque o consumidor neste caso não teve contato com o produto ou serviço que pretende adquirir.

Convém ressaltar que na aquisição de serviços, cujas as prestações sejam de trato sucessivo, o consumidor também pode exercer seu direito de arrependimento. Tomemos por exemplo, o caso em que a TV por assinatura liga para o consumidor oferecendo-lhe um pacote de filmes inéditos por três meses. Verificando que esse pacote só lhe oferece filmes infantis inéditos, o consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento.

Observe-se que este direito de arrependimento é incondicionado, pois o consumidor não encontra limitações para exercê-lo, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor, não exige que este arrependimento se dê de forma motivada. A única condição que lhe é imposta é que a contratação do produto ou serviço se dê fora do estabelecimento comercial.

5. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO

Como já descrito, para o exercício efetivo do direito de arrependimento o mesmo deve ser feito em até sete dias, a contar do recebimento do produto ou serviço ou da assinatura do contrato, sendo aceito a opção mais benéfica para o consumidor, pois este não teve a oportunidade de ter acesso ao bem ou serviço pessoalmente, sendo assim, não sabe se o produto atenderá suas expectativas e necessidades.

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Salienta-se, que é de suma importância que o exercício de tal direito observe a boa-fé objetiva por ambas as partes, que deve sustentar-se em um dever de agir de acordo com o que se espera de uma conduta socialmente ética, correta pautada de transparência e honestidade.

O consumidor que queira exercer o direito de arrependimento deve manifestar tal vontade ao fornecedor dentro do prazo legal de sete dias, não se fazendo necessária a apresentação de qualquer justificativa pelo consumidor, o produto ou serviço deve ser devolvido em perfeitas condições para que não caracterize prejuízo ao fornecedor.

Por fim, ressalta-se que os valores efetivamente pagos, estes deverão ser integralmente devolvidos com a devida correção monetária, o que o fornecedor por ventura tiver gasto com transporte ou frete não poderá ser abatido a ser restituído, por se tratar de risco do negócio que é implícito nas vendas efetuadas fora do estabelecimento comercial. Caso no contrato haja alguma cláusula no sentido de que o consumidor deve arcar com as despesas ou encargos em virtude do arrependimento, esta cláusula  deverá ser considerada nula de pleno direito, por orientação do artigo 51, inciso II do CDC.

6. CONCLUSÃO

O direito de arrependimento, com previsão legal no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, tem aplicabilidade eficiente aos contratos de consumos celebrados fora do estabelecimento comercial, inclusive por intermédio do comércio eletrônico, embora o referido diploma não mencione tal hipótese, pois a lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor data do ano de 1990, e como foi exposto a ferramenta da internet para uso particular é datada do ano de 1993, no entando não configura prejuízo, pois, tratando-se de relação de consumo e presente todos os requisitos exigidos pelo mesmo diploma, é perfeitamente aplicável o diploma consumerista.

REFERÊNCIAS

FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. – Porto Alegre: Editora Síntese, 2004.

GRINOVER, Ada Pelegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. Ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2001.

LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico; tradução de Fabiano Menke; com notas de Cláudia Lima Marques. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

FILHO, Alberto (Coord.) Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. – Bauru, SP: Editora Edipro, 2000.

ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. – Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2005.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. – 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

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Sobre o autor
Abdo Khaled Tohmé

Advogado, Sócio-proprietário do escritório Tohmé & Braga Advogados, Pós-graduado em Direito Público, Direito Penal e Processo Penal, Assessor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB 29ª Subseção de Presidente Prudente/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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