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Coautoria e domínio do fato

07/08/2015 às 09:02
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A figura do organizador está inscrita no art. 62, inciso I, do Código Penal, aplicável ao autor que "promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes".

A Policia Federal afirmou que José Dirceu criou esquema na Petrobras.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi preso pela Polícia Federal nesta segunda-feira (3) em nova fase da Operação Lava Jato. A PF também levou o computador pessoal de Dirceu e seu telefone celular.

Dirceu virou alvo dos procuradores da Operação Lava Jato porque várias empreiteiras sob investigação fizeram pagamentos à empresa de consultoria que ele abriu depois de deixar o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, no auge do escândalo do mensalão.

O ex-ministro faturou como consultor R$ 39 milhões entre 2006 e 2013. Empresas investigadas pela Lava Jato pagaram a ele R$ 9,5 milhões, num período em que o diretor de Serviços da Petrobras era Renato Duque, apontado como afilhado político de Dirceu –o que ele nega– e atualmente preso em Curitiba.

Os procuradores desconfiam que alguns desses pagamentos eram propina para facilitar negócios das empreiteiras com a Petrobras. Dirceu diz que sua empresa de consultoria prestou serviços, ajudando seus clientes a prospectar negócios e resolver problemas no exterior.

O ex-ministro foi citado pelo ex-executivo da Toyo Setal Julio Camargo durante depoimento dele à Justiça Federal do Paraná. Camargo afirmou que entregou R$ 4 milhões em dinheiro vivo a Dirceu a pedido do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, presos em Curitiba (PR).

Para os investigadores, o ex-ministro José Dirceu foi um dos responsáveis por criar e comandar o esquema na estatal, ainda quando esteve à frente da Casa Civil, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo os investigadores "Dirceu era aquele que tinha responsabilidade de indicar nomes. Ele aceitou a indicação de Renato Duque para a diretoria de Serviços na Petrobras, e essa diretoria iniciou todo um trabalho de cooptação de empreiteiras, dando início ao esquema de corrupção na estatal”. Disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima: “Chegamos a um dos líderes principais, que instituiu o esquema”. Ele tinha o poder, como Ministro da Casa Civil, de indicar nomes a cargos estratégicos no governo do ex-presidente Lula.

Utilizou-se o mesmo procedimento que foi objeto de investigação no chamado “mensalão”: a compra de parlamentares para formação de apoio ao governo.

Chega-se a figura do organizador. Aquele que está no poder de direção da organização criminosa.

Virá a pergunta: Como será considerada a figura do mandante desses crimes?

O Código Penal, no artigo 29, quando dispõe sobre o concurso de agentes, discutindo sobre a coautoria,  não adota o critério formal-objetivo, quando se diz que seria autor aquele que realizasse a ação executiva, a ação típica. Ora, e o mandante? Por esse critério, o organizador do projeto delituoso, que não seja executado diretamente por ele, não pode ser considerado autor.

Tal entendimento, que foge da realidade, é contestado pela teoria final-objetiva, que adotamos, à luz da chamada teoria finalista, de origem germânica, fruto das lições de Roxin, Wessels, dentre outros. 

Assim autor será aquele que, na concreta realização do fato típico, domina-o mediante o poder de determinar o seu modo e, inclusive, se for o caso, de interrompê-lo.

Com o domínio do fato, temos a comum resolução para ele, da parte dos criminosos que dela participaram em conjunto, tudo em regime de divisão de trabalho ilícito.

Não é razoável punir apenas o último elo da cadeia criminosa, deixando o organizador fora.

Sabe-se que a figura do organizador está inscrita no artigo 62,  inciso I, do Código Penal, aplicável ao autor que ¨promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.¨

O organizador é coautor, embora não tenha qualquer envolvimento pessoal na execução do delito. Sua coautoria está fundada no domínio funcional do fato e existe enquanto o detiver.

O organizador tem o domínio do projeto, tem a qualidade de liderança na empresa criminosa, é, pois, o chefe, detendo o poder sobre os demais, dentro do domínio funcional que tem do fato.

Necessário aguardar os próximos passos da investigação.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Coautoria e domínio do fato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4419, 7 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41473. Acesso em: 29 mar. 2024.

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