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Irretroatividade da lei

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01/06/2003 às 00:00
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Considerações gerais

Miguel Reale ensina que a experiência jurídica pressupõe determinadas constantes valorativas ou axiológicas, sem as quais a história do Direito seria despida de sentido. (1)

Sempre que o legislador deles descurar, produzirá uma obra injusta, má e iníquae receberá severa reprimenda da sociedade. A trajetória da história humana demonstra que o Estado não pode superpor-se a interesses vitais do ser humano, porque não subsistirá aos impactos de violenta reação em cadeia. Os ditadores acabam sempre perdendo a batalha.

Inúmeros são os exemplos de tiranos e governantes déspotas e impérios construídos para a eternidade, os quais não sobreviveram sequer umas dezenas ou centenas de anos ou pouco mais, tendo sido apagados da face da Terra, até sem derramamento de uma gota de sangue sequer, porque o ser humano carrega dentro de si as energias vitais em busca da liberdade e do resguardo de valores eternos e universais, como corolário e em homenagem e respeito à segurança jurídica e da sociedade.

Entre esses valores, há que distinguir o princípio da irretroatividade das leis que lembra imediatamente a noção de ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido, em respeito às suas realizações e aos seus feitos.

Este princípio acompanha o homem desde o início de sua história jurídica e está profundamente incrustado na consciência de todos os povos, desde a mais remota antiguidade como um monumento perene e universal.


Direito Comparado

Desde os tempos imemoriais, os povos têm-se desdobrado em assegurar certos princípios que servem de indicativo jurídico para a melhor convivência em sociedade.

O Código de Hammurabi, (2) no § 40, disciplina a venda de campo, pomar ou casa, por sacerdotisa (nadîtum), mercador ou outro feudatário, devendo o comprador assumir o serviço ligado à casa, campo ou pomar que adquiriu. (3) Esse código, segundo Bouzon, não é a lei mais antiga do Oriente, pois anteriormente se editaram outros textos, como as Leis de Eshnunna, o Código de Lipit-Istar de Isin, (4) Coleção de Leis do Rei Ur-Nammu. (5)

Emile Szlechter (6) vê, porém, nessa disposição, a existência de direito adquirido anterior ao Código.

O Direito Egípcio antigo não ficou alheio a essa diretriz. Limongi França ensina que o Código de Bocchoris manifestou inequivocamente a conservação do direito adquirido. (7)

O Código de Manu, da Índia, dita que o rei deve levar em conta o lugar e o tempo. Limongi França admite que essa referência é uma condenação à retroatividade da lei. (8)

Na China, a coletânea dos Tsings, que vigorou até a proclamação da República, no ano de 1912, continha disposição incisiva, dispondo que as leis teriam plena eficácia e efeito, a partir de sua publicação, e qualquer transação se regeria pelas leis mais recentes, mesmo que tenha sido contratada antes de sua promulgação. Ainda, é a lição de Limongi França, com fonte em Ho Tchong-Chan, recordando que a República chinesa guardou, rigorosamente, o princípio da irretroatividade. (9)

O Direito antigo da Grécia conheceu embrionariamente o princípio da irretroatividade, de acordo com ensinamentos de Carlos Maximiliano e Lassale.

Roma, desde sua origem, em 754 a.C., passa, por largo desenvolvimento, e não desconheceu esse princípio, estando profundamente arraigado, em seu espírito, graças aos Veteres e a mestres como Cícero.

Limonge França, corroborando este entendimento, alude à correspondência entre Plínio, o Moço, e o imperador Trajano, em que este afirma que a Lei Pompéia só será observada para o futuro, pois se se quisesse dispor para o passado, isto implicaria em trazer muitas perturbações. (10)

Ainda, Limonge França narra que nas Ordenações Manuelinas percebe-se em algumas disposições a determinação do efeito imediato das normas e as Ordenações Filipinas, de D. Filipe II, de Portugal, contém o principio da aplicação das leis novas para o futuro. (11)

Entre os Códigos medievais, menciona a lei promulgada pelo imperador Lotário, dispondo apenas para o futuro, admitindo a irretroatividade como princípio plenamente assente.

O Direito Canônico reprova veementemente a retroatividade. O Código de Direito Canônico (12), no cânone 9, comanda que as leis visam o futuro, não o passado, a não ser que explicitamente nelas se disponha algo sobre o passado.

O cânone 16 indica que interpreta autenticamente as leis o legislador e aquele ao qual for ele concedido o poder de interpretar autenticamente. O § 2 aclara que a interpretação autêntica, apresentada a modo de lei, tem a mesma força que a própria lei e deve ser promulgada; se unicamente esclarece as palavras da lei já por si certas, tem valor retroativo; se restringe ou estende a lei ou se esclarece uma lei duvidosa, não retroage.

O Padre Jesús Hortal (13), estudando esses preceitos, comenta que a irretroatividade das leis é uma exigência para a segurança jurídica dos membros de qualquer comunidade, mas, em caso de disposições penais, admite a retroatividade, se estas forem mais favoráveis ao réu. (14) É a retroatividade benigna também adotada pelo nosso Direito.

Os povos têm-se esmerado em respeitar o princípio da irretroatividade, tanto no campo judicial quanto no legislativo.

O Direito francês previa, no artigo 2º do Código de Napoleão, que a lei disporá para o futuro e não terá efeito retroativo.

A Constituição da Noruega, de 1814, abjurava a retroação de qualquer lei e também assim a Constituição do México, de 1947 e 1948, proibia o efeito retroativo da lei, em detrimento de qualquer pessoa (15).

A Constituição Espanhola, de 1978, garante o princípio da irretroatividade das disposições sancionatórias não favoráveis ou restritivas de direitos individuais. (16)A seu turno, as "leis de base" não poderão, em nenhuma hipótese, autorizar a edição de normas de caráter retroativo. (17)

A República Portuguesa consagra, no artigo 18, 3 – Força Jurídica – a irretroatividade das leis, que dizem respeito às restrições das liberdades, direitos e garantias. (18)

A Constituição dos Estados Unidos da América, absorvendo doutrina arraigada, profundamente, na consciência do povo, adotou o princípio da irretroatividade e do direito adquirido. (19)

A Constituição da República da Venezuela, de 1961, com a Emenda nº 1, de 1973, no artigo 44, garantia a irretroatividade da lei, exceto quando imponha pena menor. (20)

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, no artigo 8º, assegura a toda pessoa o recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Entre os direitos fundamentais da maioria das Leis Maiores dos diversos Estados, inclusive do Brasil, distingue-se o resguardo ao direito adquirido. (21)

A Carta da Organização dos Estados Americanos, assinada em 30 de abril de 1948, prevê, no artigo 111, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja função precípua é promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada pela Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e aderida pelo Brasil, em 25 de setembro de 1992, mediante o decreto 678, de 6 de novembro deste mesmo ano, dispõe que "toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (22)"

Como o Brasil inscreve, entre os direitos fundamentais, o direito adquirido e subscreveu esse Documento, não pode ficar alheio a ele.


A doutrina

As alterações legislativas não podem simplesmente prejudicar os direitos das pessoas, pois, se assim for, a estabilidade estará sofrendo um golpe mortal e a incerteza nas relações jurídicas produzirá o caos e a mais ferrenha ditadura, qualquer que seja o disfarce.

Cite-se, por oportuno, o pensamento de Walker, trazido à colação por Franzen de Lima, no sentido de que, as leis retroativas, somente tiranos as criam e só escravos a elas se submetem, (23) o que traduz com muita propriedade essa realidade desprezível.

A doutrina alienígena e nacional é pacífica na defesa intransigente do princípio da irretroatividade.

Esta não constitui mero apanágio jurídico ou enfeite que se pode usar ou não, dependendo do momento e dos humores do legislador ou de eventual governante. Razões de Estado também não podem ser invocados, sob pena de se massacrar a democracia e por em risco os súditos. Infelizes e nefastas experiências, neste sentido, não faltam, com conseqüências de todos conhecidas. Não há meia democracia. Ou ela existe plenamente ou será mero farrapo ou pernicioso e perverso engodo.

A sucessão de normas no tempo e o conflito entre elas mereceram dos estudiosos as mais belas e preciosas páginas, em todas as épocas, mercê de sua importância.

Maria Helena Diniz cita um critério de ouro que não pode ficar esquecido, ou seja: o princípio da irretroatividade tanto se aplica ao julgador quanto ao legislador e esta é a regra, no silêncio da lei; entretanto poderá retroagir, se estiver expressa e não ferir direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. (24)

Vicente Ráo estuda as diversas correntes, acerca da teoria dos direitos adquiridos, e, citando De Ruggiero, reduz a duas. A primeira, ele não considera, por distinguir entre regras de direito público e de direito privado. Para a outra, não importa se se trata de direito público ou de direito privado, pois a lei governa todos os fatos, sob seu comando.

Para a segunda corrente, citada por De Ruggiero, a irretroatividade é uma constante, não importa tratar-se de direito público ou privado ou de ordem pública, nem se o fato deriva da manifestação da vontade da pessoa ou dela independe.

Vicente Ráo noticia que o passado é inviolável, fundado na própria natureza humana, e invocando Portalis, citado por Lomonaco, acorda que "na ordem da natureza só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade, querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças". (25)

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É um pensamento poético que, entretanto, deve tocar fundo a alma do jurista e dos estadistas, notadamente no exato estágio em que a vida humana e seus valores são postos em xeque. De fato, quando a vida humana, bem mais precioso entre todos os demais, nada mais vale, é sinal de que o homem deve parar e fazer profunda reflexão, porque chegou ao fundo do abismo e há que se repensar o sentido de todas as coisas!

Alguns países adotavam a irretroatividade, em razão da matéria, v.g., o direito germânico, o direito italiano, o direito francês e o direito suíço.

O direito transitório (ou intertemporal, assim denominado, de início, por Affolter), vem a responder a crucial indagação decorrente do conflito de competência da nova ordem jurídica com a anterior.

Carlos Mário da Silveira Pereira, comentando a Lei de Introdução ao Código Civil, assevera que a noção de direito adquirido tem aplicação tanto no direito privado quanto no direito público.

Contra o argumento de que as leis de ordem pública podem retroagir, disserta, com veemência e suma autoridade, que a lei nova não pode ferir direito subjetivo, seja de ordem privada, seja de ordem pública, desde que originado de fato, apto a produzi-lo, de conformidade com as normas vigentes, no momento de sua ocorrência e incorporado ao seu patrimônio individual. (26)

Neste sentido, também se pronunciam Reynaldo Porchat (27), com fonte em Gabba, Carlos Maximiliano, Wilson de Souza Campos Batalha (28) e Antônio José Miguel Feu Rosa. (29)

Serpa Lopes distingue entre os fatos exauridos inteiramente, sob a vigência da lei antiga, e aqueles surgidos no regime da lei anterior e prosseguem até serem atingidos pela lei nova. No primeiro caso, aduz, não há que falar em conflito, porque se trata de realidade consumada, indiferente à nova lei. Também não há conflito, quando os fatos surgem e se consumem inteiramente, sob a égide da lei nova.

Sustenta ainda que, em face da Constituição e da Lei de Introdução ao Código Civil, a proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido refere-se com igual intensidade aos facta praeterita e aos facta pendentia, e, ainda, afirma que: "não é possível a eficácia imediata da lei nova, se contrariar ao ato jurídico perfeito ou o direito adquirido". (30)

Na lição de João Franzen de Lima, as leis são feitas, no interesse da sociedade, e, por isso mesmo, reconhece, com apoio na melhor doutrina, que não haveria nenhuma segurança para as pessoas, se seus direitos, a cada momento, pudessem ser postos em dúvida, modificados ou suprimidos, pela alteração ou revogação das leis.

Este autor, com Köler, citado por Clóvis Beviláqua; Cunha Gonçalves, Grenier e Bonnecase, não admite que a segurança jurídica seja afetada, pois, se isto ocorrer, estar-se-á frente a uma situação de anarquia e opressão. (31)

A doutrina clássica, que a denomina de direitos adquiridos, segundo Franzen de Lima, considera três situações distintas, ante uma lei nova:

    1. Faculdade: poder que a lei atribui a alguém e ainda não foi exercido.
    2. Expectativa: As pessoas poderão vir a possuir um direito, se a lei não for revogada.
    3. Direito Adquirido: É o direito que tem origem em fato apto a produzi-lo em vista da lei em vigor.

Há o respeito ao direito adquirido. Corrobora o entendimento de que a lei pode ser aplicada a qualquer situação jurídica, inclusive anterior a sua vigência, desde que não colida com aquele.

Julien Bonnecase substitui as idéias de expectativa e de direito adquirido pela de situação jurídica abstrata e situação jurídica concreta e funda-se na existência de um fato ou ato jurídico. (32)

Paul Roubier, mestre da Universidade de Lyon, advoga um entendimento original acerca do conflito de leis no tempo, tendo a doutrina aceite com agrado essa teoria.

Este autor decompõe o tempo em três momentos distintos: 1. O pretérito. 2. o presente. 3. o futuro. Assim, a lei aplicar-se-á no tempo da seguinte maneira: retroativamente, referindo-se a passado. Efeito imediato: aplicando-se desde logo ao presente. Efeito diferido: aplicação para o futuro.

Observa este autor que a aplicação retroativa se refere ao passado, ou seja, incide sobre fatos já realizados – facta praeterita e a aplicação sobre situações em curso leva em conta a facta pendentia. Analisando o Código de seu país, conclui que a aplicação, com efeito retroativo da lei, é proibida. É também o que ocorre no nosso Direito, em face da Constituição e da Lei de Introdução ao Código Civil.

Oscar Tenório alerta que "Reconhecido o primado da Constituição, o legislador ordinário tem as suas funções limitadas, não podendo prescrever leis retroativas. À magistratura cabe, por sua vez, não aplicar norma que viole o preceito constitucional". (33)

Vale a pena meditar sobre o pensamento lapidar de Luís Recaséns Siches, ao lecionar que o direito não se destina a prestar culto à idéia de justiça, senão e precipuamente para dar segurança e certeza à vida em sociedade, já que, sendo segurança o valor essencial, sem ela inexiste o Direito. (34)


Constituições brasileiras

O princípio da irretroatividade, no Brasil, está inscrito na Constituição de 1988 e insere-se entre as garantias fundamentais. Não se trata, pois, de mera proteção legal, conquanto a Lei de Introdução ao Código Civil também contenha essa norma. (35)

A Lei de Introdução ao Código Civil (36) tem a seguinte redação: "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico, o direito adquirido e a coisa julgada. Os três parágrafos dessa disposição legal conceituam esses institutos", a saber:

Direito adquirido é o direito que seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aquele cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável ao arbítrio de outrem. (37)

Coisa julgada ou caso julgado é a decisão de que não mais caiba recurso.

Ato jurídico perfeito é o já consumado, de conformidade com a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (38)

Direito adquirido é, assim, o resultado advindo do que dispõe a lei ou de fato apto, e que ingressou ao patrimônio moral ou material da pessoa (titular do direito), isto é, o constituído, de forma definitiva, em conformidade com a lei vigente no momento de sua constituição, incorporando-se, definitivamente, ao patrimônio moral ou material da pessoa (titular do direito). (39) É, assim, o patrimônio indisponível da pessoa.

O inciso XXXVI, do artigo 5º, do Texto Maior de 1988, homenageia essa norma sacrossanta, assim dispondo: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Não é qualquer assentamento legal, como sói acontecer em alguns países, senão dura e inequívoca determinação constitucional, com sede no Título II que disciplina os direitos e garantias fundamentais. Vale dizer: nem emenda constitucional poderá suprimir esse princípio.

A Constituição, realmente, pode ser emendada pela vontade de, no mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do Presidente da República ou de mais da metade das Assembléias Legislativas das Unidades da Federação, desde que cada uma delas se pronuncie pela maioria de seus membros.

Entretanto, a Lei Maior deixa claro que sequer poderá ser objeto de deliberação proposta que vise abolir, entre outras coisas, os direitos e garantias individuais. Entre estes se coloca o princípio da irretroatividade.

Mesmo a Emenda Constitucional 20, de 1998, que alterou, entre outros, o § 10 do artigo 37 e o artigo 40 da Constituição, não suprimiu, como não poderia fazê-lo, direitos adquiridos. Estabeleceram-se regras de direito transitório e modalidade de expectativa de direito, ao tratar do regime de previdência. Respeitou o legislador os pressupostos fundamentais do Direito.

Basta que se cumpram seus ditames. Examinem-se os acrescidos artigos 248 a 250.

O artigo 60 é incisivo ao proibir peremptoriamente emenda à Constituição visando eliminar os direitos e garantias individuais. Entre essas garantias, distinguem-se o ato jurídico perfeito, os direitos adquiridos e a coisa julgada. (40)

Nem os atos de força o fizeram (Atos Institucionais I, II e V), visto que sempre mantiveram as garantias constitucionais, salvo a vitaliciedade e estabilidade (41), acrescidas da inamovibilidade (42) e, posteriormente, do exercício em funções por prazo certo.

O Ato Institucional V, de 13 de dezembro de 1968, somente suspendeu as garantias de vitaliciedade, estabilidade, inamovibilidade e a de exercício em funções por prazo certo. (43)

Todas as Constituições brasileiras sempre observaram, com rigor, o respeito à irretroatividade, não alcançando as leis o direito adquirido.

A Constituição de 1824, no artigo 179, inciso II, comanda que nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública e, no inciso, III, veda terminantemente o efeito retroativo.

A Constituição de 1891, de forma cristalina, proíbe a prescrição de lei retroativa. (44) O Ministro do Supremo Tribunal, João Barbalho, invocando o grande amor à liberdade, escreve que "si a lei pudesse ser com prejuízo dos direitos do cidadão applicada a factos passados antes d’ella, mal segura ver-se-ia, e o poder de legislar fora o da tyrannia e oppressão". (45)

As demais Cartas Maiores, salvo a de 1937, continham essa regra asseguradora da irretroatividade. (46) Não obstante, apesar dessa omissão constitucional, remanescia a Lei de Introdução ao Código Civil, que proibia e, ainda, proíbe a retroatividade.

Alguns juristas entendem que só a revolução pode suprimir os direitos e garantias fundamentais ou uma Constituinte, com poder originário. (47) Todavia, até, nestas duas situações extremas, é impossível que tal ocorra, porque são valores arraigados na consciência do povo que deverão ser respeitados.

De fato, se a Constituição, oriunda de um Poder Constituinte originário, mantiver, entre os direitos e garantias fundamentais, o instituto do direito adquirido, que a anterior inscrevia, em seu bojo, não há como negar a continuação dessa garantia. É o que também se extrai do comentário de Celso Bastos. (48) E todas elas, ressalvada a de 1937 – a dita Carta Polaca – sempre conservaram esse princípio tão sagrado a todos os povos, à doutrina e à jurisprudência.

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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Irretroatividade da lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4190. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Também publicado na Revista Jurídica Consulex, 31 de março de 2003, nº 149.

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